4 minute read

A nova vida dos partos

Next Article
Toucador

Toucador

Mundo de Todos A nova vida dos partos

Margarida Fonseca Simões, 2º ano

Advertisement

Hoje, os cientistas conseguem perceber que a capacidade de amar é, em grande parte, organizada e construída durante o período do nascimento. Para dar à luz, a mulher precisa de libertar uma espécie de “cocktail” de hormonas do amor fundamentais para a vinculação entre a mãe e filho, dessas destaca-se a ocitocina. Em todo o planeta, o número de mulheres que dá à luz, somente graças à ação desse “cocktail”, está a chegar ao 0. Zero na época da ocitocina sintética e da cesariana fácil e rápida: isto é inédito na história do nascimento e da humanidade.

Segundo a OMS, a taxa ideal de cesarianas seria entre 10-15%. No entanto, no SNS esses valores correspondem a 29,79%, enquanto no setor privado se verifica a taxa de 68,5%. Tais valores devem-se a variados fatores. Mas a verdade é que se foi criando a cultura da cesariana como um modo de nascer mais confortável, mais controlado e talvez mais “adequado” a uma sociedade de consumo, por se tornar mais compatível com a agenda médica: uma cesariana conclui-se em alguns minutos, o que contrasta de forma flagrante com as várias horas de trabalho de parto típicas de um parto normal. Apesar disto, é muito importante considerar que, quando mal indicada e efetuada antes do trabalho de parto, a cesariana coloca a mãe e o bebé em risco 3 vezes mais que um parto normal. Estudos da OMS mostram que a cesariana, sem indicação definida, está associada a prematuridade, complicações respiratórias, maiores probabilidade de internamento e de mortalidade a nível neonatal; para a mãe, aumenta o risco de doenças hemorrágicas e infeciosas.

O parto tem passado de um evento fisiológico para um ato cirúrgico: a mulher encontra-se na posição convencional, vê o trabalho de parto ser acelerado, pode sofrer manobras agressivas e desnecessárias, vê-se mergulhada num ambiente estranho com aparelhos tecnológicos, iluminação intensa e com todo o movimento e barulho natural de um hospital. Todos estes fatores também constituem um choque para o bebé, visto que deve ser recebido num ambiente aquecido, escurecido e com o menor número de estímulos

sensoriais. De facto, se tivermos uma visão geral sobre os todos os estudos publicados notamos que, quando os pesquisadores exploram uma condição patológica ou um desvio de personalidade como: autismo, comportamento autodestrutivo, adição, anorexia - algo relacionado com a capacidade de amar (o próximo ou nós próprios) - concluem, grande parte das vezes, que o que acontece no nascimento é importante, sendo um marco de vida relevante para o desenrolar da mesma.

A verdade é que crescemos com a ideia que o parto é, por princípio, ligado ao sofrimento: os próprios media, a televisão, o cinema acabam por fortalecer também esta ideia. É muito importante perceber o parto não apenas como um evento que começa com as contrações e termina com a expulsão da placenta: este é, acima de tudo, um momento de transformação física e emocional, quer para a mãe, quer para o recém-nascido. Os valores tão elevados de cesarianas realizadas nos países desenvolvidos acabam por transparecer uma perda de oportunidade para essa transformação. Posto isto, é urgente encarar o parto como um evento humanista e perceber que a medicina deve constituir um meio para auxiliar, ajudar e melhorar as situações que dela necessitem ao invés de se tornar uma mera imposição. O humanismo é prestar atenção às necessidades da pessoa, cuidá-la com respeito e prestando atenção à sua unicidade e dignidade.

Consequentemente, um parto mais humanizado é mais centrado na mulher, tratando-a não de forma padronizada, mas sim personalizada, e no vínculo entre ela e o seu filho, rejeitando a separação precoce dos mesmos após o parto e denotando o mesmo de mais afeto e menos agressão. Um parto humanizado é marcado, também, pelo respeito pelas escolhas da mulher e dentro delas destacase até o local onde a mesma o pretende realizar: segundo a OMS, o local ideal para o parto, numa situação em que a mulher não acarreta riscos prévios, é o local onde a mesma se sinta mais segura. Desta forma, emergem cada vez mais novos formatos de parto: no domicílio, em “casinhas de parto”, em água, com o acompanhamento de Doulas. No entanto, é muito importante ter em conta que, de facto, o hospital é o local mais capacitado para tratar uma emergência ou uma qualquer ocorrência inesperada e, portanto, a urgência no panorama atual do parto prende-se com o desejo de tornar o hospital um meio ainda mais seguro e voltado, também, para as necessidades emocionais da mulher, de forma a exaltar o renascimento do parto de forma mais fisiológica, como, de facto, deve ser.

This article is from: