Açoriano Oriental - 3 de Maio de 21

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Opinião 15

AÇORIANO ORIENTAL SEGUNDA-FEIRA, 3 DE MAIO DE 2021

A insustentável incompetência do ser ou não ser “A comissão recomenda ainnea no país como um todo. da, que as candidaturas, que Um sistema de sentido úninão estejam enformadas com co, no qual textos que foram toda a documentação estipuexperimentados e testados lada na legislação reguladora fora da região - idealmente das mesmas, sobretudo quanpor um período de pelo meS OCIEDADE do se verifica a falta do guião nos 30 anos - são limpos de PETER CANN do espetáculo, elemento que teias de aranha e apresentaDOCENTE DA UNIVERSIDADE DE melhor permite a aferição da dos novamente por compaWOLVERHAMPTON qualidade, não devem ser nhias nos Açores, é infinitaapresentadas à comissão de mente preferível. Se uma apreciação, pondo em causa a companhia de teatro não igualdade de critérios apreciativos. puder ou não quiser dar-se ao trabalho Um projeto que se fique pela exposide encontrar um texto adequado à ção de ideias e de intenções não garan- cena, ela deve, em vez disso, encontrar te à comissão um verdadeiro resultaalguém disposto a escrever um texto do, mesmo que seja proposto por sem garantia de pagamento. Existe, é agentes de idoneidade cultural comclaro, um grande número de praticanprovada.” - Comissão de apreciação tes de teatro que, por razões inexplicápara as Artes Performativas, José veis, se afastam do texto de autoria Henrique Álamo Oliveira, Valter Maúnica e preferem criar peças através da nuel Linhares Peres e Victor Ramalho experimentação, improvisação e ouBettencourt Dores. Direção Regional tras práticas peculiares. Este processo da Cultura dos Açores, 2021. pode levar meses ou até um ano, mas é Os Açores não precisam de teatro uma forma perfeitamente aceitável original. para as pessoas passarem seus moDevem ser firmemente desencorajamentos de lazer, desde que não recedas as apresentações que respondam bam suporte financeiro para isso. É iràs necessidades e preocupações culturelevante que os artistas que geram rais e sociais da região, geradas por arobras desta forma tenham, individual e tistas residentes no arquipélago. coletivamente, produzido performanTambém não deve ser apoiado o traces de reconhecida e premiada qualibalho teatral que busca a inovação e dade ou o dramaturgo tenha tido obras procura contribuir para o desenvolviencomendadas e executadas por commento da performance contemporâpanhias profissionais em Portugal,

Reino Unido, África do Sul, Jamaica e Austrália; um texto escrito deve ser apresentado a um painel antes que o financiamento possa ser considerado. Eles não podem simplesmente confiar cegamente em que vão fazer o que dizem que vão fazer. Claro que, inexplicavelmente, há instituições nacionais de apoio à cultura que o fazem há muito. As pessoas do teatro são conhecidas por serem malandros e vagabundos, eles não devem ser tratados como profissionais. É axiomático que grandes espetáculos são criados pelo amor à arte, não pelo desejo de recompensa financeira. Acredito que foi Shakespeare quem disse isso. Ou possivelmente o gerente do Globe Theatre. É motivo de orgulho que o júri que julga os pedidos de financiamento do DRAC seja composto por amadores. A ideia de que as recomendações relativas à oferta artística para os Açores devem ser feitas por pessoas cujo trabalho é saber sobre os desenvolvimentos e práticas atuais nas artes e o que pode melhor atender às necessidades das comunidades, é absurda. Pessoas sem experiência ou interesse na performance contemporânea são as que estão em melhor posição para tomar tais decisões. A recomendação feita por este painel de que nenhum pedido de apoio para novas peças pode ser considerada sem um texto pré-exis-

tente é admiravelmente sensata e deve ser estendida a outras formas de arte. Os pedidos de financiamento para uma nova obra de dança devem ser acompanhados de coreografia anotada; o financiamento para a criação de obras musicais originais não deve ser considerado sem o envio de uma partitura completa e os artistas visuais que buscam o dinheiro para a criação de uma nova escultura ou pintura devem fornecer fotografias da peça acabada. Isso ajudará a garantir que o desenvolvimento cultural permaneça estático e o progresso possa ser feito em direção ao objetivo final: a estagnação. Ƈ Peter Cann é um dramaturgo profissional cujas obras foram apresentadas nos Açores, Portugal, Reino Unido, Austrália, África do Sul, Jamaica e Escandinávia. O seu trabalho é e tem sido produzido por empresas que recebem financiamento do The Arts Council of England, como Birmingham Rep, Talking Birds Pentabus, Solent People’s Theatre e muitos outros. Além disso, as obras: Un-Earth for the Resurrectionists, The Crow Gate, Jericho Stone e Islington The Opera for Absolute Theatre, Stari Most para a Salisbury Chamber Orchestra, Consider The Lilies para La Folia e Eleanor Vale para Wedmore Opera Company entre outros, foram todos criados como resultado do financiamento do projeto pelo Arts Council England. Em nenhuma ocasião um texto foi entregue antes do financiamento ser concedido.

Entrego ao destino ou reclamo o meu poder? Parece que ao nascermos to de trabalho para nos ser numa sociedade ocidental é dada a possibilidade de senos entregue um guião que, guirmos para as novas seccomo atores sociais, somos ções deste guião que inclui casubtilmente pressionados a sar, fazer um crédito interpretar. Este guião vem habitação e ter filhos. SOCIEDADE inserido num dossier com seNão há nada de mal em seCAROLINA paradores com títulos como: guir este guião se lhe traz liFERREIRA PSICÓLOGA “Felicidade”, “competência”, berdade consciente e conseCLÍNICA “sucesso”, “amor”. Em que quente bem-estar. existem diversas secções que A minha prática profissioparecem ter de ser implementadas de nal tem me mostrado que a pressão forma sequenciada. para cumprir este roteiro pode ser Consideremos que este guião é nos uma fonte intensa de tristeza, ansiedadado logo no início da nossa vida mas de e frustração. O espaço para escoque a pressão de o seguir aumenta lher caminhos diferenciados é bastanconsideravelmente a partir dos 18 te limitado, subtraindo a liberdade e a anos. Vamos começar por olhar para individualidade de cada um. este guião, como se tratasse de uma liA criação de alternativas são consnha reta, sem quaisquer curvas, nem tantemente questionadas: ”Mas não é atropelos. melhor ires para a universidade?!” Espera-se bom desempenho no en“um curso profissional não te dá as sino secundário que se segue com a mesmas oportunidades”; “Porque não entrada na universidade, para tirar queres ter filhos? Olha que já está na um curso superior, em que ao mesmo idade”; “Vais sair de um emprego fixo tempo é dada a licença de condução. para investir no teu negócio?! Pensa Após o término de um curso universique isso não é seguro e está destinado tário é suposto iniciar a construção de a falhar”; “A partir desta idade já é difíuma carreira. Nesta carreira parece cil casares-te e seres mãe.”. ser importante a efetividade num posA lista de perguntas/comentários é

infinita e vem embrulhada em crítica nociva que se torna o semear de crenças negativas acerca de si próprio, ferindo a identidade de alguém que decide agarrar folhas em branco e escrever o seu próprio guião. A verdade é que a decisão consciente de sair desse guião tanto liberta e alivia como traz a dor envolta de medo e crítica. Existe medo e resistência e, muitas vezes, ficamos aí bloqueados, acumulando mal-estar e desconforto. Parece que temos de ser perfeitos, não há lugar para o erro. Isto cria um ciclo fechado que gera descontentamento. Por outro lado, se para alguém existem secções deste guião que ambiciona interpretar, e olha à sua volta e observa que não cumpriu o prazo estipulado, gera uma tristeza tão intensa que pode adoecer a pessoa. Investimos o nosso recurso mais precioso, o tempo, a tentar seguir um plano pré-definido. E vamos cedendo a um conforto desconfortável, ao “vai-se andando”, ao “está tudo bem”. E por esta atitude de resignação, Robin Sharma, no seu livro O Clube das 5 da manhã alerta-nos que muitos de nós morrem aos 30 e são enterrados aos 80.

E aqui passa por percebermos que tipo de dores estamos dispostos a enfrentar. E pense “Entrego-me ao destino ou reclamo o meu poder?” A chave do bem-estar passa por aumentar o seu nível de auto-observação com atenção plena incrementando a sua qualidade de vida. A atenção ativará o seu verdadeiro GPS interno, que o permitirá tomar decisões conscientes e alinhadas consigo próprio. Considere o seu GPS, como uma ferramenta para Gerar um Percurso Sustentável. Que se semeie o respeito pela individualidade e se permita viver de forma perfeitamente imperfeita. Reclame o seu poder. Termino citando Sofia de Castro Fernandes: “Se achas que precisas de voltar, volta. Se percebes que precisas de seguir, segue. Se estiver tudo errado, começa de novo. Se estiver tudo certo, continua. Só não te acostumes ao que não te faz feliz, por nada, por ninguém.” Ƈ


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