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1.2. O marketing das organizações da economia social
Os anos que se sucederam foram de constante desenvolvimento, problematização e aplicação do marketing à acção das organizações da economia social. A principal questão focada por aquele conceito alargado de marketing era também uma preocupação das organizações sociais: o de se centrarem, cada vez mais, nos seus destinatários, satisfazendo melhor as suas necessidades e recorrendo, para tal, a conceitos e meios que proporcionassem a concretização daquele objectivo.
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Os crescentes problemas sociais, a subida de custos e as dificuldades de captação de meios, a galopante complexidade das situações sociais e das decisões que elas implicam, levaram muitos responsáveis das organizações da economia social a interrogarem-se e a adaptarem a afirmação de Keith: as pessoas a quem nos dirigimos, não a nossa instituição, têm de estar no centro das nossas atenções e da nossa intervenção. O papel do marketing foi o de ir mostrando que podia contribuir positivamente para essa afirmação. Nelson Rosenbaum (1984) avançou mesmo, a partir da experiência americana, com uma leitura histórica da evolução das organizações da economia social que aponta uma tendência actual para aquele contributo e a que, porventura, não são alheios outros países, culturas e experiências (quadro 3).
Quadro 3 Evolução do papel e da acção das organizações da economia social
Até ao século XVIII Caridade
Revolução Industrial Filantropia
Século XX (anos 30) Direitos e Prerrogativas
Actualidade Competição e Mercado
Fonte: Rosenbaum (1984)
Antes da Revolução Industrial, predominava um modelo voluntário/cívico de caridade e de solidariedade entre os cidadãos. Após as profundas mudanças do século XVIII, emergiu um modelo filantrópico dos que, tendo enriquecido muito, entendiam
prover os carenciados, sobretudo através do patrocínio de instituições próprias. O século XX, acentuado com os seus anos 30, foi desenvolvendo formas em que o Estado assumiria cada vez mais deveres sociais, considerados pelos cidadãos como direitos e prerrogativas fundamentais para assegurar a coesão das próprias sociedades.
A quarta fase apontada por Rosembaum abriu um modelo com outras características, a que ele chama fase competitiva e de mercado, em que o Estado manifesta crescentes dificuldades em cumprir os seus deveres sociais, tendo em conta, acima de tudo, a dimensão e a complexidade dos problemas. É esta fase que, misturando, em grande parte, caridade, filantropismo, direitos e prerrogativas, obriga as organizações da economia social a sistematizarem os seus processos de gestão e a olharem cuidadosamente para as necessidades dos seus destinatários, aperfeiçoando os métodos de nelas intervirem e mobilizando para estes todos os meios possíveis, mas sempre escassos para as enormes tarefas com que elas se defrontam.
O marketing das organizações da economia social desenvolveu-se, conceptual e operacionalmente, neste panorama. Depois de Kotler e Levy, outros contributos foram reforçando os conceitos introduzidos (ver Shapiro, 1973) e, após o que Philip Kotler publicou, em 1975 (Marketing for Nonprofit Organizations), sucederam-se diversos livros orientadores desta nova área (ver Lovelock & Weinberg, 1977 e 1978; Rados, 1981; Kotler, Ferrel & Lamb, Jr., 1982; Kotler & Andreasen, 1982; Lovelock & Weinberg, 1984; Lauffer, 1984).
Foram, entretanto, surgindo publicações académicas, como o Journal of Nonprofit & Public Sector Marketing, o International Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, a International Review on Public and Nonprofit Marketing ou o Journal of the Direct Marketing Nonprofit Federation. O ensino, pelo seu lado, disseminou-se: em 2006, nos Estados Unidos, havia 292 instituições de ensino superior com cursos de gestão de organizações sem fins lucrativos, incluindo o ensino do marketing (ver Mirabella, 2007). No Reino Unido, mais modesto, nesse ano, apenas dois por cento das instituições possuíam cursos similares (ver Sargeant et al., 2006).
Em 2002, a American Marketing Association realizava a sua primeira Nonprofit Marketing Conference, repetida regularmente até hoje, a par de outras organizadas pela
Academy of Marketing Science, a Atlantic Marketing Association, a Academy of Marketing, a European Marketing Academy ou o Annual Colloquium on Non Profit, Social and Arts Marketing.
Philip Kotler (1979) fez um estudo sobre a aceitação do marketing nas organizações sem fins lucrativos norte-americanas, que mostrou alguns sinais de incremento, ainda que, quando usado, o marketing fosse muito limitado a aspectos parcelares (publicidade, promoção), o que recomendava a necessidade de um progressivo envolvimento e implementação (quadro 4).
Quadro 4 Níveis de introdução do marketing em organizações sem fins lucrativos
1. Designar uma comissão de marketing; 2. Organizar grupos de trabalho para desenvolverem uma auditoria de marketing na organização; 3. Contratar empresas especialistas em marketing de acordo com as necessidades; 4. Contratar um consultor de marketing; 5. Contratar um director de marketing; 6. Contratar um vice-presidente para o marketing.
Fonte: Kotler (1979)
Tanto a resistência e a hostilidade ao marketing nas organizações da economia social, como um escasso ou desadequado conhecimento sobre a sua completa natureza persistem, em graus diferentes, conforme os casos, países e culturas. Don Akchin (2001), num estudo para a Maryland Association of Non-profit Organizations (EUA), Kate Wenham et al. (2003), num balanço da prática no Reino Unido, ou Jennifer A. Pope et al. (2009), para organizações do Michigan, mostram, com casos em que o marketing surge em organizações sem fins lucrativos, a dominância de uma ou de algumas das funções do marketing, em vez da adopção e prossecução de estratégias plenas, para além de uma grande falta de pessoas competentes, tempo e recursos.
Sendo admissível que as diferenças nacionais e culturais, nomeadamente na natureza e configuração das suas sociedades civis e dos respectivos sectores da
economia social (ver Salamon et al., 2003), possam gerar diversas perspectivas de adopção, concepção e prática do marketing nas suas organizações, é curioso verificar, tal como o fazem Dolnicar e Lazarevski (2009), no seu estudo sobre os EUA, o Reino Unido e a Austrália, que há condições e pressões muito semelhantes entre países (pelo menos, alguns), no sentido de aquelas organizações adoptarem processos marketing na sua actuação, a partir, sobretudo, de uma mudança da focagem na organização (organization-centered) para uma maior focagem nos beneficiários (customer-centered), e recorrendo crescentemente a pessoas formadas e treinadas em marketing.
Há mesmo, em diversas disciplinas, uma tendência generalizada para esta focagem e para uma busca de eficácia efectiva das intervenções. Na economia, os recentes (2019) Prémio Nobel, Esther Duflo e Abhijit Banerjee, nomeadamente, têm provado, na sua obra de estudo e de intervenção em situações de pobreza, a importância daqueles aspectos. No seu livro Poor Economics, A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty (2011), eles os sublinham:
«Este livro… representa a nossa tentativa para entretecer uma história coerente de como os pobres vivem as suas vidas… É um livro acerca dos tipos de teorias que nos ajudam a perceber aquilo que os pobres são capazes de alcançar e onde, e por que razão, precisam de ajuda… Acima de tudo, torna clara a razão para que a esperança seja vital e o conhecimento crítico, para que tenhamos de continuar a tentar, mesmo quando os desafios parecem esmagadores. O sucesso nem sempre está tão longe como parece... Este livro é um convite para pensar de novo, de novo: para nos afastarmos do sentimento de que a luta contra a pobreza é demasiado esmagadora e para começarmos a pensar no desafio como um conjunto de problemas concretos que, uma vez devidamente identificados e compreendidos, poderão ser resolvidos, um de cada vez.»»