CALEIDOSCOPICA N3

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O registo doméstico da imagem esteve sempre associado à memória. Tirámos fotos para não esquecermos, para fazermos álbuns que reconstruíssem o relato familiar com base em retalhos ou também para serem partilhadas, enquanto elemento de comunicação com as pessoas queridas que estavam fora. Mas aquilo que nunca pudemos pensar era que as imagens conseguissem ter interesse para além do espaço privado, que podiam possuir um valor coletivo ou ainda virem a integrar um património comum. Muito menos, que pudessem ser reutilizadas para diversos usos documentais ou artísticos. Que pudessem ser alguma coisa a partilhar além da nossa intimidade. Chegou a Internet e a sua relação, um bocado conflituosa, com a função arquivística e social da imagem.

e nos álbuns familiares para digitalizá-las ou fotografá-las por sua vez para poder guardar cópia no computador e, sobretudo, partilhá-las com a nossa gente. Nos grupos de whatsapp familiares, em grupos do Facebook tipo “No eres de Ferrol si…”, ou em projetos coletivos mais organizados que se preocupam com disporem de um espaço próprio, de propriedade pública, privada ou mancomunada. O éxito de sites como Riotorto no tempo, Memoria de Sada, Fálame de San Sadurniño ou todos os que nasceram nos últimos tempos ao abrigo da plataforma Phottic, criada pela empresa Abertal de Carballo, demonstra a utilidade deste uso das novas ferramentas para preservarmos e reconstruirmos o passado. Implica ainda um excelente exercício para que alguns idosos comecem a utilizar as novas ferramentas e encontrem a utilidade Quando nasceu o meio digital, em sentimental da Internet. teoria, aquilo que permitia era guardar ficheiros, fazer cópias ilimitadas e Não é apenas nostalgia, de fazermos ubíquas, uma vez que passávamos um #vivaantes. Prova ainda que pardo papel para os bits. Assim, a pala- tilhar imagens do passado, tirandovra «ficheiro» é a metáfora empregue -as dos álbuns privados para levá-las para falar nos elementos que parti- para repositórios públicos, ajuda a lhamos pela Rede fora, e que arma- criar um relato coletivo e comunitázenamos nos nossos Pcs ou ainda e, rio, distribuído, não linear, que opera cada vez mais, na nuvem. O site é o em jeito de base de dados em que melhor meio possível para publicar cada um de nós construímos o relato imagens em aberto, para catalogá- à nossa maneira, sendo que é possí-las em bases de dados que permi- vel ainda recombiná-lo e misturá-lo tam procurar, taxonomizar, geoloca- com outras imagens para dar às velizar, adicioná-las a outros catálogos, lhas, novas vidas e novos significados. acrescentar metadados que permi- Grande parte das artes visuais de tam fazer todo isto e que as máqui- vanguarda utilizam o remix e o found nas consigam lê-las como se fossem footage para desconstruir e construir qualquer outro documento. discursos, reciclando tanto materiais dos media com ou sem autorização Assim, uma das primeiras missões que -nisto é exemplar o trabalho que facomo indivíduos ou comunidades zem cineastas como María Cañas ou culturais assim que tivemos na nossa o coletivo de live cinema Los Voluble, mão as ferramentas, foi a de digitali- ligado à Zemos98-, como filmes que zarmos aquilo que tínhamos em casa passaram já para o domínio público em papel, «para que não se perca». -como fez o Marcos Nine com o doProcuramos por fotografias nos sótãos cumentário A viaxe de Leslie-, como

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