Edição Especial - 100 anos da Revolução Russa

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ESPECIAL | REVOLUÇÃO RUSSA 100 ANOS

resgate do processo revolucionário na Rússia, que completa seu centenário neste outubro de 2017, é o ponto chave deste especial do Brasil de Fato Pernambuco. Sua importância, sua relação com o povo, o protagonismo das mulheres revolucionárias na luta, as O curiosidades sobre seu ciclo histórico fazem a trança deste conteúdo. Confira a íntegra nas próximas páginas e em nosso site www.brasildefato.com.br

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Revolução Russa de 1917: a grande experiência dos trabalhadores no poder CENTENÁRIO. Especialistas avaliam legado da União Soviética para a humanidade

Pedro Rafael Vilela, de Brasília (DF)

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e país extremamente pobre, economia atrasada e dependente da exportação de produtos agrícolas, no começo do século XX, a Rússia viria a se tornar, quase 100 anos depois, umas das maiores potências econômicas, políticas e militares do planeta. A Revolução Bolchevique de outubro de 1917 colocou no poder, pela primeira vez na história da humanidade, a própria classe trabalhadora e operária, resultando em abalos socioeconômicos sem precedentes no mundo inteiro.

Liderados por Vladimir Lênin, os bolcheviques ajudaram a derrubar, por meio de grandes greves e manifestações, ainda em março de 1917, o governo imperialista e altamente autoritário do czar Nicolau II, que condenava a população russa a condições miseráveis de vida de forma opressiva. O que se seguiu foi um governo provisório formado por setores da burguesia liberal que pouco mudou a vida do povo, resultando em outra insurreição meses depois, desta vez levando ao poder os traba-

lhadores. Cinco anos após uma sangrenta guerra civil, em 1922, nascia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que, além da Rússia, ainda era formada por territórios que fizeram parte do império russo anterior, como Ucrânia, Bielorússia, entre outros que foram ampliados ao longo de décadas.

Sob o lema paz, terra, pão e trabalho, Lênin conseguiu unir a classe trabalhadora em torno de um projeto de Estado que aboliu a propriedade privada, realizou uma completa reforma agrária e estatizou bancos e investimentos e passou a destinar vultosos recursos para desenvolver indústria e oferecer saúde, educação e bem-estar social para a sua população. A classe trabalhadora, de fato, passou a controlar as forças produtivas do país e a União Soviética experimentou décadas de avanços sociais, científicos e econômicos.

“A burguesia, enquanto classe social, levou vários séculos pra conseguir ascender ao poder, enterrando o feudalismo e fazendo emergir o sistema capitalista. E a Revolução Russa é, até hoje, a experiência mais profunda que

a humanidade já experimentou de transição ao socialismo, de acesso ao poder da classe trabalhadora”, explica o advogado Ricardo Gebrim, dirigente da Consulta Popular.

“Depois da queda do muro de Berlim, virou moda as pes-

çosa (UFV), membro da direção do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em Minas Gerais e diretor nacional da Fundação Maurício Grabois.

Sobre a atualidade do socialismo como modelo viável, Luciano Rezende não deixa dúvidas. “Atualmente, 50% de toda a riqueza do mundo estão nas mãos de apenas 1% da população, ou seja, 1% da população mundial é mais rica que os outros 99%.

A maior parte do povo está condenada à miséria e fome, além de submetidos a guerras sangrentas. O capitalismo superou o feudalismo, teve o seu auge, mas vem definhando na capacidade de melhorar as condições de vida das pessoas, podendo ainda nos

Vários dos direitos e conquistas sociais que já se tornaram comuns na vida das pessoas são legados diretos da Revolução Russa soas dizerem que o socialismo acabou, mas o socialismo é um ‘bebê’ no tempo histórico. O capitalismo demorou séculos para surgir e tem cerca de 500 anos de história, mas o socialismo mal chegou aos 100. Analisar os erros e acertos da Revolução Russa é fundamental para pensar a construção do socialismo no futuro”, afirma Luciano Rezende Moreira, professor de ciências agrárias da Universidade Federal de Vi-

levar a barbárie de uma guerra nuclear”, observa o professor.

• Conquistas históricas Nem todo mundo se dá conta, mas vários dos direitos e conquistas sociais que já se tornaram comuns na vida das pessoas são legados diretos da Revolução Russa na história da humanidade ao longo

do século passado. Confira:

• Direitos das mulheres

A Revolução Russa de 1917 defendia igualdade total entre homens e mulheres, o que naquele tempo era impensável. De imediato, foi instituído o voto da mulher, regulamentou-se mais tarde o direito ao aborto e ao divórcio.

Só depois que a União Soviética implantou o voto feminino é que outros países fizeram o mesmo, como Inglaterra e Alemanha (1918), Estados Unidos (1920) e França (1944). No Brasil, o voto feminino só surgiria no governo Vargas, em 1932.

• Direitos trabalhistas Foi a partir da pressão popular e da luta de sindicatos, influenciada pelos socialistas, que direitos como o descanso semanal remunerado, férias, salário mínimo, licença maternidade, assistência de saúde e segurança no trabalho foram instituídos como garantias para os trabalhadores.

• Saúde e educação A melhora na qualidade de vida dos soviéticos ao longo das primeiras décadas após a Revolução fez com que os países capitalistas ocidentais implantassem o chamado Estado de bem-estar social, assegurando direitos como saúde e educação públicas de qualidade para a população. Antes da Revolução de 1917, menos de 1% da população russa era alfabetizada.

O país se livrou do analfabetismo ainda nos anos 1970.

O Brasil, por outro lado, até hoje ostenta índices vergonhosos de analfabetismo.

Jade Percassi, do MST

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Uma revolução para as mulheres CONQUISTAS. No centenário da Revolução Russa, conheça alguns dos principais direitos conquistados pelas trabalhadoras Pedro Rafael Vilela, de Brasília (DF) o dia 8 de março de N 1917, dia internacional da mulher, segundo o

calendário ocidental, mulheres operárias que trabalhavam em fábricas de tecido da antiga Petrogrado, atual São Petesburgo, na Rússia, desencadearam uma greve geral para reverter condições miseráveis de vida impostas pelo

Não há dúvida entre os historiadores de que esses eventos protagonizados por mulheres estão na raiz da própria Revolução Russa de outubro de 1917, que levou ao poder os bolcheviques, instituindo o primeiro regime socialista da história. A luta das mulheres trabalhadoras na Rússia, no entanto, data desde antes disso, ainda em 1905, quando lideranças fundamentais como Alek-

camente sem precedentes para a época.

Conquistas Não há dúvida entre os historiadores de que esses eventos protagonizados por mulheres estão na raiz da própria Revolução Russa sistema de então, com jornadas diárias exaustivas de mais 13 horas de trabalho, baixíssimos salários em relação aos homens e toda a sorte de violações a que estavam submetidas, como fome, miséria, violência, analfabetismo e falta de direitos. Naquele tempo, a Rússia ainda estava mergulhada na Primeira Guerra Mundial, agravando ainda mais as condições de vida do seu povo, sobretudo as mulheres. O resultado desse levante popular, quando milhares de mulheres saíram de fábrica em fábrica e reivindicaram apoio dos operários e dos soldados, foi a derrubada do czar Nicolau II, pondo fim ao regime extremamente autoritário do Império Russo.

sandra Kollontai já afirmavam a necessidade de constituir um programa de emancipação das mulheres, com a garantia de direitos, inclusive o direito ao voto. Em 1914, mulheres como Inês Armand, Aleksandra Kollontai e Nadêjda Krúpskaia, então companheira de Vladimir Lênin, o líder bolchevique, lançaram a revista “Trabalhadora” (Robôtnitsa, em russo), com o objetivo se dirigir diretamente às mulheres trabalhadoras do país e ajudar a organizar a luta socialista. Nesse sentido, o programa de transformações sociais da Revolução Russa de 1917 incorporava questões fundamentais da luta feminista da época, resultando em avanços prati-

Entre os principais avanços foi a imediata instituição do voto feminino, ainda em 1917, largando na frente de qualquer outro país do mundo, que só instituíram esse direito a partir dos anos seguintes. Foi definida em lei a plena igualdade de direitos civis e políticos entre homens e mulheres, a instituição do casamento civil – no lugar do religioso – e a regulamentação do divórcio, que passou a ser direito de qualquer uma das partes na relação a qualquer comento. “[Os bolcheviques] também lançaram um programa para tentar criar refeitórios públicos, creches, lavanderias, por acreditarem que o trabalho doméstico, feito de graça pelas mulheres, deveria ser socializado e realizado na esfera social por trabalhadores, mediante um bom salário. Eles tinham todo um programa para as mulheres”, afirma Wendy Goldman, professora da Universidade Car-

negie Mellon (EUA) e autora de livros sobre a Revolução Russa e os direitos das mulheres, em recente entrevista ao portal Nexo.

A Rússia foi ainda o primeiro país do mundo a legalizar o aborto, em 1920, tornando-o gratuito e seguro. Essa medida, no entanto, duraria até 1936, quando foi revogada por Stálin, durante o processo aprofundamento do regime autoritário na União

res desigualdades salariais e de emprego das mulheres em relação aos homens.

“A autonomia feminina, inserção no mercado de trabalho de forma igualitária, emancipação econômica, socialização do trabalho doméstico, livre sexualidade, entre outras, são pautas que ainda hoje articulam as mulheres internacionalmente e que fizeram parte dos avanços conquistadas na Rússia socialista, certa-

Entre os principais avanços foi a imediata instituição do voto feminino, ainda em 1917, largando na frente de qualquer outro país do mundo Soviética.

As pautas reivindicadas e conquistadas pela luta das mulheres russas seguem ainda atuais no mundo inteiro, especialmente no Brasil, um dos países que mais mata mulheres e que registra as maio-

mente impulsionados pelas lutas das mulheres”, escreveu Winnie de Campos Bueno, bacharel em direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em texto publicado pelo blog Justificando, da revista Carta Capital.

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Nadejda Krupskaia

Vladimir Ilyitch Uliánov

ascida em São Petesais conhecido como N burgo, Rússia, em 1869, MLênin, Vladimir IlyitNadejda também foi a com- ch Uliánov nasceu em Sim-

panheira de Lênin. Cresceu em meio às duras críticas que o pai, oficial do Exército, fazia ao regime czarista.

Após a morte do pai, Nadejda deu aulas gratuitas aos filhos de operários ao mesmo tempo em que ela e a mãe trabalhavam para sobreviver. Aos 21 anos entra em um grupo de estudos marxistas e começa sua militância. Neste processo, conhece Lênin e torna-se sua secretária e braço direito. É autora do folheto “A Mulher Operária”, de 1913, enfatizando a exploração da mulher no trabalho e fez também parte da fundação de jornal “Rabótniza”, focado na questão da mulher operária. É autora do panfleto “A Mulher Trabalhadora”, de 1900, um dos primeiros escritos do contexto russo sobre mulheres e trabalho.

Durante a Revolução Bolchevique, em 1917, torna-se Comissária da Educação. Mesmo após a morte de Lênin, ela continuou seu trabalho educativo durante o comando de Stálin. Nadejda morreu em 17 de fevereiro de 1939, em Moscou.

birsk (atual Ulianovsk) Rússia, em 1870. Desde a adolescência conviveu com as ideologias políticas de seu irmão Alexandre Uilánov. Estudou Direto e na universidade teve contato com textos de Karl Marx. Lênin foi o mais importante líder bolchevique e chefe de Estado soviético, um dos nomes mais importantes para a realização da Revolução Russa de 1917, que marcou profundamente o século 20 e iniciou uma nova fase da história da humanidade. Para ele, era necessária a ação política do operariado tendo como alvo o poder político. Em 1922 fundou, junto com os sovietes, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), dirigindo-a até sua morte. Sua liderança inspirou os partidos comunistas em todo o mundo. Intelectual e estrategista dos mais consistentes, é autor de inúmeros artigos e livros. Após sua morte, em 21 de janeiro de 1924, o corpo de Lênin foi embalsamado e pode ser visto em um mausoléu na Praça Vermelha, em Moscou.

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10 dias que abalaram o mundo Por Eduardo Mara

P

“O velho operário tinha uma das ãos no volante e com a outra indicava-me alegremente a Capital, que refulgia ao longe.

- És minha! – gritou com o semblante iluminado. – agora és minha. Petrogrado!”

John Reed

ela própria tarefa a que se propõe, este jornal não poderia prestar sua homenagem aos cem anos da Revolução Russa, sem homenagear também um dos jornalistas mais comprometidos com a classe trabalhadora em toda a história. Nascido 30 anos antes da revolução de 1917, John Reed se tornaria o principal cronista daqueles acontecimentos. Seu trabalho jornalístico é inseparável de seu engajamento militante. Diria ele que se tornou jornalista por buscar a verdade, mas tornou-se comunista por vivê-la.

Quando os revolucionários depuseram o Czar em fevereiro de 1917, Reed já era um ativo membro do Partido Social Democrata nos Estados Unidos. Ele aproveitou então a tarefa de cobertura da I Guerra Mundial para ir acompanhar os acontecimentos em solo russo. O resultado foi o livro “10 dias que abalaram o mundo”, melhor relato da Revolução Russa na opinião de seu principal dirigente: o próprio Vladimir Lênin indicaria, anos depois, o relato de Reed como o mais fiel e compromissado com a verdade. Não se trata, obviamente, de um relato de 10 dias, mas do período entre a queda da monarquia absolutista à queda do governo provisório de Kerensky.

O livro de Reed não se destaca por retratar as personalidades da revolução, embora elas apareçam. Também não se destaca pela descrição da guerra. Seu livro se destaca, antes de tudo, pela capacidade de retratar o espírito do povo russo encarnando os povos de todo o mundo. Suas linhas parecem absorver as sensações e a mudança vivida pelas massas ao se envolverem com sua revolução: os soldados do exército inimigo que depunham armas, a militância de base que aprendia a teoria com o envolvimento prático, as operárias, os motoristas de caminhão, a multidão em marcha para enterrar seus mortos. Por tudo isso segue sendo uma das leituras mais marcantes na vida de gerações e gerações de lutadores e lutadoras em todo o mundo. * Eduardo Mara é Sociólogo e militante da Consulta Popular