BdF PE - Ed. Especial

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ESPECIALPE ELEIÇÕES: SEGUNDO TURNO É MARCADO POR NOTÍCIAS FALSAS, DEBATE RELIGIOSO E ACUSAÇÕES DE PEDOFILIA “UMA QUESTÃO CENTRAL É O COMBATE À FOME EM PERNAMBUCO”, AFIRMA ROSA AMORIM Deputada estadual eleita mais jovem de Pernambuco, Rosa elenca desafios do seu futuro mandato. PÁG 6. EDIÇÃO ESPECIAL Ano 6 outubr o de 2022 distribuição gratuita brasildefatope.com.br AUXÍLIO BRASIL SOZINHO NÃO COMBATE A POBREZA, AVALIA ESPECIALISTA Entenda também a diferença entre o Auxílio Brasil e o Bolsa Família. PÁG 3. “PINTOU UM CLIMA”: POR QUE FALA DE BOLSONARO SOBRE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MENINAS NÃO É PIADA? Estudo aponta que entre 2017 e 2020, 62 mil crianças de até 10 anos foram vítimas de estupro em todo o Brasil. PÁG 8. SIGA NOSSO INSTAGRAM ATRAVÉS DO QR CODE
Foto: Rebeca Martins
Foto: Beto Figueroa QUER FICAR BEM INFORMADO?

NALU ROSA* OPINIÃO: “Espalhar mentira e ódio para gerar medo é profanar o sagrado”

Um dia, após o cul to, na saída da galeria onde fi ca a igreja, recebi um panfleto. Eu tinha aca bado de ouvir uma be la pregação sobre o pro feta Samuel escutar o chamado de Deus e ter que se manter diferen te no contexto de des respeito, falta de temor e profanação do sagra do, no qual os filhos de Eli viviam. Vinha pen sando sobre isso e pe guei o panfleto ainda achando que era al go da igreja. Mas, não, era o óbvio: campanha política, de candidatos apoiados por um pastor midiático (de uma ou tra denominação).

Quando me dei con ta achei desconfortá vel, afinal eu acabava de sair de um momen to de reflexão espiritu al e ainda estava envol ta nele. Particularmen te, acho inconvenien te a distribuição des te tipo de material na saída das igrejas. Não é ilegal, mas conside ro imoral. Não poderia, pelo menos, ser mais afastada?

Entretanto, ser “sem noção” ou até opor

tunista não é crime.

E, vivemos numa de mocracia. Coloquei o material na bolsa e fui embora.

apenas fake news con tra a esquerda. O pan fleto dizia sobretudo que “a esquerda odeia valores cristãos” e que “farão leis que vão nos perseguir”.

se tornou palanque de politicagem. Foi Dilma que instituiu o Dia do Evangélico.

mas, palavrões, tro ca de esposas, debo che de gente morren do, agressão às mulhe res, apropriação do dia da independência pa ra fazer o país passar vergonha mundial fa zendo piada de cunho sexual, sem contar as coisas mais graves.

Mas nós, evangélicas e evangélicos, não so mos tolos, queremos de verdade um gover no de concretização da justiça social com esperança, liberdade, paz, alegria, amor, pão na mesa, emprego dig no, segurança, saúde, educação, lazer.

Aproveitaria para ler que tipo de proposta para o povo havia ali.

No entanto, não para a minha surpresa, co mo esperado: não ha via nenhuma proposta,

A esquerda governou por 14 anos e nunca a igreja foi perseguida, muito pelo contrário. A igreja cresceu e foi no governo de Lula que foi sancionada a Lei que garantiu personalida de jurídica às igrejas assegurando uma sé rie de facilidades; foi também ele que san cionou a lei que criou o Dia da Marcha para Jesus, que pecamino samente neste ano te ve alegorias de armas e

Eu fico pensando: com tanto sofrimento social, com nosso po vo passando fome, com nosso povo desempre gado, sem saúde, sen do despejado de suas casas, com tanta gente morando nas ruas, co mo pode um panfleto de campanha política não ter absolutamente proposta nenhuma e ter como objetivo uma fake destinada aos evangéli cos, contra o campo ad versário.

E como combinar o discurso dos valo res cristãos com ar

Eles sabem que co nhecendo a verdade haverá liberdade, por isso precisam assegu rar que a mentira não pare de circular, dan do ares de sagrado ao profano. O valor cris tão da verdade tem que existir na prática, não apenas na repetição de versículo bíblico. Espa lhar mentira e ódio pa ra gerar medo e temor é profanar o sagrado. Não queremos ser co mo filhos de Eli.

*Nalu Rosa é evangélica e professora da Universida de do Estado do Rio de Ja neiro (Uerj).

Expediente

Edição:

Elen Taline,

Vasconcelos, Afonso Bezerra e

Articulistas:

Diagramação: Ma Nascimento Tiragem: 30 mil

PE2 ESPECIAL EDIÇÃO ESPECIAL OUTUBRO DE 2022
Eles sabem que conhecendo a verdade haverá liberdade, por isso precisam assegurar que a mentira não pare de circular
O valor cristão da verdade tem que existir na prática, não apenas na repetição de versículo bíblico pautape@brasildefato.com.br www.brasildefatope.com.br (81) 99606-0173 brasildefatopernambuco @brasildefatope brasildefatope
Vanessa Gonzaga Redação:
Júlia
Helena Dias
Nalu Faria
exemplares PE A esquerda governou por 14 anos e nunca a igreja foi perseguida, muito pelo contrário
John Moore-AFP

Auxílio Brasil sozinho não combate a pobreza, avalia especialista

Embora necessário, Auxílio Brasil só serve como atenuante no cenário de redução de renda e emprego e aumento de preços

MARIA LÍGIA BARROS RECIFE (PE)

Em meio a dispara da do desem prego e inflação generalizada de preços de praticamente todos os bens de consumo, cresce a população de brasileiros em situação de pobreza e extrema pobreza que acabam tendo apenas o Auxílio Brasil como fonte de renda.

A pernambucana Carolina Patrícia dos Santos, de 45 anos, esti ma que aguardou mais de seis meses desde a solicitação até começar a receber o Auxílio Bra sil, em maio. Mas com a cesta básica custan do cerca de R$ 612,34 no Recife, o valor não é suficiente para suprir as necessidades. Para se ter ideia, em junho a cesta equivalia a mais da metade (54,62%) do salário mínimo de R$ 1.212.

Os R$ 455 do benefício é tudo que tem Carolina para sustentar a casa onde mora com sete filhos e uma neta. Ao todo, isso dá uma renda mensal

domiciliar per capita de R$ 50,55, o que coloca a família em situação de extrema pobreza pelo próprio critério do Governo Federal.

Assim que pega o dinheiro do benefício, ela paga logo o gás, que custa R$ 110. “O que sobra eu compro arroz, feijão, o que dá para comprar. Fruta e verdura é muito raro, leite elas quase não tomam. Carne e galinha a gente quase não come, só salsichinha, ovo, mortadela”. Quando uma fil ha pede um biscoito e Carolina não tem para dar, ela chora escondida à noite no quarto ou no ban heiro, fora da vista das meninas.

A gente passa muita necessidade

O que ainda ajuda é a solidariedade. “Eu vivo praticamente de doação. Minhas filhas, as três menores, de manhã estão na escola, à tarde fi cam numa ONG e almoçam lá, e quando vêm de 3 horas lancham uma sopa. A gente passa muita necessidade. Roupa mesmo, elas só usam usada dos outros.”, relata.

O Programa Auxílio Brasil (PAB) não é suficiente para sanar a pobreza no momento que o Brasil at ravessa, avalia o economista e cientista político

Auxílio Brasil X Bolsa Família

» No início dos anos 2000, o Programa Bolsa Família (PBF) conseguiu responder à crise insta lada na década de 90 pelo “modelo conservador liberal”, lembra o especialista. Isso porque o PBF foi adotado em conjunto com outras políticas públi cas de proteção social: políticas de Segurança Ali mentar, Assistência Social e Previdenciária. Houve ainda articulação com as políticas de Educação. “O combate à pobreza ganhou prioridade e foi asso ciado a políticas de geração de emprego, formal ização do emprego, e elevação do salário mínimo”,

Pedro Lapa, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

“Estão na pobreza trabalhadores empregados, trabalhadores informais e desempregados. A ori entação adotada pelo Estado e grandes corpo rações é no sentido de reduzir o emprego, a ren da do trabalho e os direitos dos trabalhadores, e fazer com que o trabalhador tenha que pagar por todos os serviços e produtos que fazem parte das suas necessidades básicas”, contextualiza.

São governos dedicados a promover o desemprego

O especialista afirma que o programa é necessário, mas só serve como um atenuante. “Uma equação na qual a renda é reduzida ou su primida e a despesa é ampliada pelas privatizações e omissões do Estado e pela elevação dos preços dos produtos que fazem parte das necessidades básicas empurra o trabalhador para a pobreza”, diz.

define. Assim, Pedro coloca que a diferença reside na “forma como o Estado e o mercado enxergam e tratam os trabalhadores”. “O governo descontin uou, desmontou e obstruiu a Política de Proteção Social e os seus instrumentos. O PAB é uma políti ca de governo adotada no pior momento da história do Brasil, no qual se somam crises política, social, ambiental, econômica e sanitária. São governos dedicados a promover o desemprego, a informal idade, a retirada de direitos, e retirada de proteção social, a fome, a violência e a morte”, finaliza.

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Carolina Patrícia sustenta sete filhos e uma neta com o benefício de R$ 455 do Auxílio Brasil / Foto: Julia Aguilera

Há quatro anos atrás, na corrida eleitoral de 2018, as brasileiras e os bra sileiros viram Jair Bol sonaro (PL) se aproxi mar das igrejas evan gélicas para conseguir se eleger presidente da República. O discurso da defesa da família, dos valores cristãos e da Pátria, além das aparições constantes com pastores evangé licos das grandes de nominações religiosas foram constantes du rante sua campanha.

Porém, após o pleito, as falas e atos de Bol sonaro durante os qua tros anos do seu gover no não são compatíveis com os preceitos evan gélicos, é o que ava liam lideranças religio sas. Liberação de armas, apologia à vio lência, chacota contra as vítimas fatais da covid-19 e suas famí lias em luto, descaso com as milhares de pessoas em situação de fome no Brasil e men ção à pedofilia com o “pintou um clima” são alguns dos fatos que Bolsonaro coleciona e vão de encontro ao que Jesus pregou.

Apesar da comunida de evangélica ser gran de e diversa, alguns preceitos são vividos por todos os cristãos. Bruno Silva, que é pas tor há sete anos e co -pastor há cinco anos

Líderes religiosos explicam como Bolsonaro se distancia dos preceitos cristãos

Discurso de ódio, descaso com as milhares de pessoas com fome e menção à pedofilia estão entre as atitudes que fogem do que Jesus pregou

Bruno explica que “a própria vida do atual presidente e sua dinâ mica familiar, envol vendo filhos, filha, es posas e um histórico de relações extraconjugais diverge do seu discur so, que se utiliza de um pauta moralizadora”.

na Primeira Igreja Ba tista em Bultrins, na ci dade de Olinda, acre dita que “não há possi bilidade de seguir Jesus, o Nazareno, e ser a favor do discurso vio lento e da prática vio lenta. Um exemplo prá tico disso foi a forma como o atual presiden te geriu a pandemia da covid-19, como ele trata as mulheres, a po pulação LGBTQIA+, a população negra, os in dígenas, as crianças, os mais vulnerabilizados.

Diante de tudo isso, como posso dizer que esse homem segue os valores cristãos?”

Já na cidade de Petro lina, Herlon Bezerra é ministro pastoral leigo da Igreja Episcopal An glicana do Brasil e atua na Missão Anglicana São Francisco. Ele segue no mesmo pen samento de Bruno, afirmando que “os evangelhos são muito claros em apresentar Jesus como alguém que, em vários momen

tos, olha para as mul tidões em sofrimento.

A Bíblia fala que Jesus chorou em mais de uma situação sentindo o sofrimento das pes soas. O profundo res peito que Jesus apre sentou diante da fragi lidade humana em nada lembra o compor tamento do atual pre sidente, que pensa falar em nome de Jesus”.

Defesa da família

A defesa da família é uma das pautas que Bol sonaro traz novamente nas eleições. O pastor

Porém, esse modelo de família que Bolsona ro prega, mas não pra tica, não pode ser ado tado como a única forma, de acordo com Bruno. “A Bíblia nos apresenta um Deus que, em sua essência e exis tência, é plural e diver so, por tanto, não pode mos limitar a família a um único modelo. No Brasil, boa parte das fa mílias são sustentadas por mulheres trabalha doras, periféricas e pre tas. Não existe possibi lidade de ignorarmos a existência dessas famí lias, que são constante mente deslegitimadas pelo atual presidente”, afirma. Bruno.

Contra os ensinamentos cristãos

O ministro pastoral Herlon reforça que “o amor de Deus pelo mundo e por todas as pessoas é que deve ser a chave de interpreta ção do que foi dito e re gistrado na Bíblia antes e depois de Jesus”. Ele também destaca que os evangelhos são “o cen tro de referência maior para a vida das igrejas, dos grupos, das pesso

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Bolsonaro repete a fórmula de se aproximar das igrejas evangélicas durante as eleições Foto: Mauro Pimentel/AFP
A Igreja deve e precisa ser lugar de paz e acolhimento

as que se identificam com a espiritualidade de Jesus”.

E é a partir do que é pregado nos evangelhos que o pastor Bruno ana lisa o que de mais grave Bolsonaro faz que vai contra os ensinamentos cristãos. “Bolsonaro propaga guerra e dis córdia através do seu discurso de ódio. A Igre ja deve e precisa ser lugar de paz e acolhi mento, e ele através de sua narrativa e propa gação de fake news con segue estabelecer uma dissensão entre diver sas igrejas, o que diver ge do Evangelho genu íno do Cristo Nazareno”.

Sobre isso, Herlon des taca que “a mentira tem pai, porque ela é a au sência de verdade. A mentira tem um pai, que é o diabo, que é também a ausência de Deus”.

Descaso com as pessoas que passam fome

Sermão da Montanha

coerente com o que é trazido no sermão.

Deus se inclina para os mais pobres, e em Jesus vemos isso, mas em Bolsonaro não

A propagação de men tiras foi um dos recur sos mais usados pela campanha de Bolsona ro em 2018 e vem nova mente sendo usada em 2022, sem contar as mentiras que o próprio presidente proferiu em suas lives e outras falas públicas, a exemplo de quando ele disse que não vê pessoas passan do fome no Brasil, fala que causou indignação em diversos grupos, inclu sive religiosos, que atuam junto a este público.

O pastor Bruno lamen ta a postura do atual pre sidente em relação à fome no país. De acordo o segundo Inquérito Na cional sobre Inseguran ça Alimentar no Contex to da Pandemia da covid-19 no Brasil, da rede Penssan, existem mais de 33 milhões de pessoas em situação de fome no país. Esse é um retrato da falta de polí ticas públicas associada ao negacionismo de Bol sonaro sobre a questão.

“Qualquer pessoa que ande pelas ruas enxerga a necessidade da popu lação. Algo escancara do, que o atual presiden te, além de negar, invi sibiliza a dor e o sofri mento dos mais vulnerabilizados. Quan do voltamos os nossos olhos para a história de Jesus, vemos que ele se aproximava do povo e via as suas necessidades. Como posso dizer que alguém que é cristão não está sensível a estas pes soas? Não há possibili dade! Deus se inclina para os mais pobres, e em Jesus vemos isso, mas em Bolsonaro não”, encerra Bruno.

Por fim, Herlon faz um convite para que seja lido o Sermão da Montanha, no Capítu lo 5 do Evangelho Se gundo Mateus, já que se trata da síntese ética da espiritualida de de Jesus. Ele convi da para que, compa rando o que é pedido por Jesus, a população reflita se Bolsonaro e o modo como ele con duz o cargo de presi dente da República é

“Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos Céus. Bem aven turados os que cho ram, porque eles serão consolados. Bem aventurados os man sos, porque eles her darão a terra. Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos. Bem aventurados os mise ricordiosos, porque

eles alcançarão mise ricórdia. Bem aventu rados os limpos de co ração, porque eles verão a Deus. Bem aventurados os paci ficadores, porque eles serão chamados de fi lhos de Deus”.

“Fica claro, após ler essas palavras, que, de modo algum, Bolsona ro pode ser considera do evangélico, um se guidor desse tipo de compreensão da vida”, conclui o ministro pastoral Herlon.

Políticas para os cristãos

» No início dos anos 2000, uma série de medidas possibilitou a regulariza ção de igrejas e instituiu a liberdade de culto no país. Em dezembro de 2003, Lula sancionou a Lei 10.825, a Lei da Liberda de Religiosa, que deter minou a livre criação, or ganização e estruturação das igrejas. A medida fa cilitou a formalização dos espaços de cultos para re ligiões distintas, não ape nas para evangélicos. Com isso, basta uma ata de constituição, estatuto social, diretoria empos sada, cópia do RG da di reção e fundadores e um requerimento para regis tro, para que uma igreja seja fundada.

Em setembro de 2009, Lula sancionou a lei 12.025 que criou o Dia Nacional da Marcha para Jesus e declara a mar cha como bem imaterial e cultural do Brasil.

Em setembro de 2010, Lula sancionou a lei 12.328 que criou o Dia Nacional do Evangélico, 30 de novembro, data que

reconhece e faz homena gem aos cristãos segui dores dessa religião.

Em janeiro de 2016, Dilma sancionou a lei 13.246, que criou o Dia Nacional da Proclamação do Evangelho, 31 de ou tubro, que celebra a pro clamação do evangelho sem discriminação entre igrejas cristãs.

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Nestas eleições, Lula divulgou carta aos evangélicos e reafirmou respeito à liberdade religiosa. Foto: Ricardo Stuckert

Rosa Amorim: “Uma questão central é o combate à fome em Pernambuco”

Deputada estadual eleita mais jovem de Pernambuco, Rosa elenca desafios do seu futuro mandato no combate às desigualdades

Adeputada mais jovem que ocu pará a Assem bleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) em meio ao avanço do bolsonarismo no estado é Rosa Am orim (PT). Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com trajetória no Levante Popular da Juventude e na União Nacional dos Estudantes (UNE), Rosa é estudante de te atro, nascida e criada no Assentamento Nor mandia, em Caruaru e estreou sua trajetória na política institucion al com mais de 42 mil votos nestas eleições. Confira sua entrevista exclusiva ao Brasil de Fato:

Brasil de Fato: Rosa, durante a comemoração da sua vitória para a Alepe, você fa lou que a sua eleição era uma reparação histórica para o povo de Pernambuco. O que significa no estado uma mulher do movimento Sem Terra ocupar um espaço na Alepe?

Rosa Amorim: Falo de um momento de reparação histórica porque quando a gente vai olhar para a com posição da assembleia legislativa ela é com posta sempre com as representatividades daquilo que a gen te fala da bancada do agronegócio, do boi, do latifundiário pernam bucano que passou do poder econômico para o poder político. Então, a questão da terra para nós é central na questão da desigualdade social.

sempre foi hegemonia no poder econômico e político no nosso estado.

BdF: Em Pernambu co, candidatos ligados ao bolsonarismo de spontaram como os mais votados nessas eleições para a Alepe. Como imagina que será essa disputa de ideias dentro do par lamento estadual?

cada pequena e vamos precisar ter muita cor agem para enfrentar esse projeto oposto do que a gente acredita e quer para o nosso es tado.

Quando a gente vai ol har para a questão da desigualdade, você che ga na questão da ter ra. Para a gente é uma reparação porque você começa a ter represen tações políticas que vão ao encontro daquilo que

Rosa Amorim: Já prevíamos uma grande dificuldade, inclusive num processo muito polarizado que a gente vai encontrar na Alepe nesta próxima gestão. O bolsonarismo gan hou politicamente no nosso estado, a ex trema-direita tomou muito espaço em nível nacional, e teremos um grande desafio. Em comparação ao que a extrema-direita conse guiu ocupar de espaço, nós somos uma ban

BdF: Voltando para o seu mandato na Alepe, o que será pri orizado nos seus pri meiros momentos como deputada?

Rosa Amorim: Mes mo sendo um movi mento do campo, nós vamos atuar em pautas que vão desde a agri cultura familiar até as questões da cidade e que transversalizam o campo e a cidade. Hoje tem uma questão para

a gente muito central que é o combate à fome no estado de Pernambuco. Queremos trabalhar em um programa emergencial de com bate à fome no esta do de Pernambuco e algo mais estrutural de pensar cozinhas, que o MST já faz, a gente dis tribuiu 3 mil toneladas de alimentos na pan demia e criamos Coz inhas Populares. Nós achamos que é muito possível a criação de restaurantes populares em que a população tanto em situação de rua como de vulnera bilidade possa se ali mentar no valor de R$ 2 ou R$ 3. Essa é a nossa primeira briga que en frentaremos na Alepe junto com o Governo do Estado de Pernambuco.

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Rosa estreou sua trajetória na política institucional com mais de 42 mil votos nestas eleições Foto: Nicolas Gandhi
Queremos trabalhar em um programa emergencial de combate à fome
Vamos precisar ter muita coragem

“Meu voto é um voto de liberdade”: fiéis relatam rotina em igrejas com líderes fundamentalistas

Relatos mostram que a igreja se tornou, para parte dos fiéis, um lugar de opressão e perseguição política

Igreja Batista há oito anos. Após um episó dio em setembro, ela e sua família optaram por se afastar da ig reja. Membros da instituição, contra a orientação do pastor, utilizaram um mo mento de celebração interna para engajar os fiéis, de maneira implícita, para a cam panha bolsonarista.

a gente for reclamar, eles vão dizer ‘não, mas a gente nunca disse isso, você viu a gente dizer isso?’ En tão começam a fazer algo que a gente não tem como se defend er”, lamenta a estu dante.

O voto pela liberdade

“Eu amo a minha ig reja, mas hoje me sinto muito oprimida dentro da congregação”. É com pesar e emocionada que Rafaela (nome fictício) partilha como tem sido difícil exercer sua fé em um ambi ente que foi tomado pelo bolsonarismo.

A recifense é mem bro da Igreja Presbi teriana do Brasil (IPB) desde 2009 e tem vivi do dias de angústia nas eleições deste ano desde que a institu ição adotou a posição pública de defender a reeleição do candida to Jair Bolsonaro (PL).

Recentemente, um documento interno

foi elaborado pela IPB com normas sobre como tratar membros de “esquerda”. A ideia é afastar os fiéis de um suposto “comunismo”. Rafaela afirma que o documento foi revo gado. Mas, na prática, as normas continuam a valer.

A mensagem da cruz trata de acolhimento

para vestir vermelho, sob o medo de ser con vidada a sair da con gregação ou chamada para conversar com o pastor. “A mensagem da cruz não trata dis so. Ela trata de acolhi mento, de diálogo, de amor”, defende.

“O pastor decidiu não se posicionar em relação à política. Só que existem outros lí deres e eles decidiram que iam enfeitar a ig reja. Colocaram ban deiras e tudo”, conta a estudante. Ela relata que a igreja organizou uma peça teatral que proferiu falas racis tas contra religiões de matriz africanas e fez os presentes cantarem o hino nacional. “Foi super constrangedor”, relembra.

Segundo a pesqui sa Inteligência em Pesquisa e Consulto ria Estratégica (IPEC), os evangélicos repre sentam 25% do eleito rado brasileiro. Assim, é um segmento com um grande poder de decisão nos resulta dos das eleições, mes mo que no dia a dia precisem esconder seu posicionamento.

“Me choca saber que muitos pastores que admiro, que me de ram lições lindas de vida, estão sendo con taminados”, desabafa a fiel, que não quis ser identificada por medo de represálias.

Ela não se sente con fortável nem mesmo

Ela também critica a postura do presi dente Jair Bolsonaro em relação às igrejas. “Pra muitos Bolsona ro é evangélico, mas ele não é, ele não tem membresia em nen huma igreja evangéli ca. Ele transita dentro das igrejas por pautas falsas para angariar o apoio de pessoas”, diz.

O apoio implícito

No interior de Per nambuco, em Carpi na, a estudante Anna Guerra frequenta a

Ela relata também que os jovens são estimulados a se enga jar na campanha e uti lizar a camisa da CBF, muito utilizada pelos grupos bolsonaristas. “Quando tem acam pamento de jovens, a maioria foi estimulada a ir com a camisa do Brasil, as fotos eram no meio da oração com a camisa do Bra sil”, diz.

Para ela, o apoio im plícito impossibilita o diálogo. “Se fosse de forma explícita, a gen te poderia dar opinião, mas da forma que é, se

Por situações como a que vivenciou, Anna vem percebendo que a igreja tem perdi do fiéis. Ela também diz que existem mais pessoas como ela. “As pessoas começaram a deixar de ir pra igre ja... perguntaram ao meu pai porque ele parou de ir, e ele disse que não concordava com aqueles posicio namentos”, afirma.

Rafaela, que é filha de pais da esquerda, conta que sempre se sentiu segura para criticar os governos progressistas sem temer por sua inte gridade física, mas não agora. “Meu voto é um voto de liber dade”, finaliza.

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Foto: John Moore/AFP

“Pintou um clima”: por que fala de Bolsonaro sobre exploração sexual de meninas não é piada?

Estudo aponta que entre 2017 e 2020, 62 mil crianças de até 10 anos foram estupradas no Brasil

COMO DENUNCIAR?

Disque 100: a denúncia é anônima e pode ser feita por qualquer pessoa;

ACOLHER E PROTEGER

» Diante de um cenário alarmante e que, na maioria das vezes, o agressor é um familiar ou alguém pró ximo à vítima, como a sociedade e, principalmente as comunidades religiosas, devem agir?

Para o pastor metodista, a igreja deve ter com promisso com os ensinamentos de Cristo e estar sempre ao lado da criança. “A igreja deve atuar aco lhendo a criança que, porventura, tenha sofrido algum tipo de abuso e violência e também na de núncia no Conselho Tutelar, de maneira que essa situação não se repita e que esse ciclo de violência seja rompido. É muito importante acolher e apoiar a criança que é vítima”, salienta o pastor que afir ma ainda o cuidado que a igreja deve ter na seleção dos adultos que realizam atividades com as crian ças na comunidade religiosa.

Em mais de 80% dos casos a violência é praticada contra meninas

“Eu parei a moto numa esqui na, tirei o ca pacete e olhei umas me nininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos,

Polícia Militar - 190: quando a criança está correndo risco imediato; Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres; Conselhos Tutelares; WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008 e Ministérios Públicos.

arrumadinhas num sá bado numa comunida de. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso en trar na sua casa?’ Entrei. Tinham umas 15, 20 meninas sábado de ma nhã se arrumando. To

EROTIZAÇÃO DE CRIANÇAS

das venezuelanas. E eu pergunto: meninas bo nitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sába do para que? Ganhar a vida”.

Esse é um trecho da fala do presidente da República e candidato

à reeleição Jair Bolso naro (PL) durante uma entrevista ao canal do YouTube Paparazzo Ru bro-Negro no dia 14 de outubro. O tema da ex ploração e violência se xual de crianças e ado lescentes tem um cus to alto para a sociedade brasileira que não con segue garantir a prote ção necessária para um desenvolvimento segu ro de meninas e meni nos durante a infância e adolescência.

De acordo com os dados do “Panorama da violência letal e se

xual contra crianças e adolescentes no Brasil”, produzido pelo Fundo de Emergência Inter nacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Seguran ça Pública, entre 2017 e 2020, foram registrados 179.277 casos de estu pro ou estupro de vul nerável com vítimas de até 19 anos – uma mé dia de quase 45 mil ca sos por ano. Crianças de até 10 anos representam 62 mil das vítimas nes ses quatro anos, ou seja, um terço do total.

» Na avaliação de profissionais da saúde que atuam no atendimento a vítimas de violência sexual e também de li deranças religiosas que zelam pela garantia do bem-es tar de crianças e adolescentes, a declaração do presiden te da República contribui para "sexualizar" os corpos de meninas, indo na contramão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dos próprios ensinamentos de Jesus Cristo que sempre colocaram as crianças em lugar de cui dado e proteção.

“É como se imputassem a elas uma malícia muito gran de. E ele [ Bolsonaro] usa esse discurso ao falar delas, ‘es tavam bonitinhas’, joga nas meninas uma projeção da ma

lícia dele sobre os corpos delas. Isso tem sido brutal para quem acompanha casos de violência”, explica Cida Alves, psicóloga da Gerência de Vigilância das Violências e Aci dentes da Secretaria Municipal de Goiânia.

Um pastor da Igreja Metodista que prefere não se iden tificar, avalia que o uso político-partidário afasta a popu lação do debate sério realizado por universidades e orga nizações não governamentais (ONGs).

“A gente precisa entender que a violência contra a crian ça é seríssima no Brasil. Não é com piada e brincadeiras, com alarmismo que vamos cuidar disso. Vamos cuidar disso com estudo sério, mas infelizmente virou um caso para eleição, político-partidária, é lamentável”, afirma o líder religioso.

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