Relacionamentos cibernéticos

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OUTUBRO • 2016

CIDADANIA COMPORTAMENTO

@JORNALESQUINA

AMOR VIRTUAL

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Relacionamentos cibernéticos: limite entre o real e o virtual Internet (re)forma laços de amizades e conecta casais

Gabrielli Nicolau

gabi.mnicolau@hotmail.com

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Jovens procuram relacionamentos na internet

m abraço, um olho-no-olho e um ombro para chorar. Entre conversas e risos, a presença constante dos colegas no dia a dia, seja no trabalho, na escola ou na cidade, permite a criação de laços afetivos. Ou não, esqueça tudo isso. Uma ligação, uma carta, um e-mail. Sentimentos e momentos através de uma tela de computador ou celular. O que separa as pessoas desse envolvimento é algo chamado “distância”, e o que as une é a “internet”. Mil e sete. Esse é o número de amigos de Ana Lúcia Branco, professora de Língua Portuguesa e doutora em Letras, pela Universidade de São Paulo (USP), em sua rede social Facebook. Entre alunos, professores e família, ela divide seu tempo para interagir com amigos reais e virtuais. Foi através de um aplicativo de paquera, chamado Tinder, que ela conheceu seu mais novo “amigo colorido”. Ana Lúcia afirma ter conversado com ele por dois meses antes de conhecê-lo pessoalmente. “No começo, por achar que a maioria das pessoas só queria uma diversão passageira, eu nunca passei mais de uma semana falando com alguém. Então, percebi que ele era o oposto por causa do nível de conversa, assuntos totalmente diferentes dos usuais”, comenta. Cada vez mais as pessoas formam amizades e relacionamentos através da internet. Segundo um estudo realizado pela Taylor Nelson Sofres (TNS), uma agência de pesquisa internacional, o Brasil é o país com mais contatos virtuais, com uma média de 231 contatos na rede. Outros países latino-americanos têm 176, enquanto a média mundial é de 120 amigos virtuais. Mesmo que não substitua a

experiência de contato presencial e “real”, manter uma relação à distância é possível e pode ser benéfica às pessoas. Pesquisadores da Universidade Flinders, na Austrália, afirmaram que, apesar do contato físico ser o mais eficaz, a rede social afetiva – entendida por eles como telefone, carta ou e-mail - tem mais influência na sobrevida dos voluntários da pesquisa do que a convivência com familiares. Lívia Godinho Nery Gomes Azevedo, doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), realizou um estudo sobre amizades virtuais, denominado Implicações políticas das relações de amizades mediadas pela internet. Para ela, “as relações de amizade que nascem e se alimentam pelas conversas na internet iluminam a ordem discursiva da condição humana, ou seja, a beleza do fato de que somos tocados pelo enunciado do outro, de que a fruição da existência como ser humano se dá no processo mesmo de decifrar os sentidos das enunciações proferidas no encontro inter-humano”. Na análise, Lívia utilizou a etnografia, que consistiu em ir a campo conhecer as pessoas ambientadas nas situações a serem estudadas, nesse caso, de maneira virtual. Ela conta que mandou uma mensagem explicando a proposta do estudo para seus contatos, que foram divulgando e disponibilizando-se para participar. “Os resultados da pesquisa demonstram que os laços de amizades mediados pela internet configuram relações de intensas trocas afetivas nas quais os sujeitos são sensivelmente afetados por aquilo que o outro pensa e expressa através da palavra escrita”. André Cruz é outro usuário do Tinder. Apesar de ser um aplicativo de paquera, ele afirma que não estava atrás

de um relacionamento, mas procurava conhecer novas pessoas. “Eu queria conhecer pessoas, então achei um jeito fácil e rápido de ter contato com pessoas que eu talvez nunca teria por meios normais. Foi isso que me atraiu”, revela. Apesar de usar o aplicativo para conhecer pessoas, André reconhece que o jeito mais fácil para formar amizades é pessoalmente. “Na internet, você tem muita margem para engano e não tem o contato olho-a-olho com a pessoa, você não sabe o que ela está pensando e sentindo”, declara. Entretanto, foi utilizando o Tinder que ele conheceu sua namorada, Mirelle Bernardino, em janeiro de 2015. Ela diz que, no começo, não tinha a ideia de se encontrarem pessoalmente, mas depois de seis meses foram juntos a um show. “Eu sempre gostei de conhecer pessoas na internet, e o Tinder era um aplicativo falado”, admite.

Se você está “ sozinho no sofá de casa,

além de solitário, você é antes, um incompetente.” Lívia Godinho

Real x Virtual

Para Marcello Cavalcanti Barra, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), há um contraditório nas conversas virtuais. Ele acredita que o batepapo cibernético não deveria substituir o presencial, mas tem substituído. “A gente está vivendo um período de crise mundial em que as pessoas têm tido cada vez menos tempo por causa do trabalho, e, por isso,

têm menos horas para se relacionar com novos amigos e manter os velhos. Nesse caso, a internet tem ajudado a aproximar. Ela não causa o afastamento das pessoas, ela é o reflexo do resultado dessa sociedade em crise”, garante. Marcello conta que a internet possui fases, e a mais recente é a das redes sociais. É nesse estágio que as pessoas mais se aproximam, mais conversam e há um aumento de relação por causa da era cibernética. As conversas virtuais, segundo o sociólogo, são um complemento ou um ponto de partida para manter e fazer amigos. Lívia diz que a internet é o lugar mais propício e eficiente para aumentar a rede de amigos. “As chamadas atrativas ‘faça amigos agora mesmo’, ‘namore ainda hoje’, que pairam nos cenários oscilantes dos sites da internet incutem a ideia de que não se pode perder tempo”, menciona. Ela também afirma que relacionar-se nos dias de hoje é uma tarefa muito simples, pois os amigos encontram-se ao alcance de um mouse e alguns cliques. A psicóloga alega que a designação de amizades no ciberespaço articula-se pelo fato das pessoas serem afetadas pelo que o outro diz nas conversas online. Lívia infere que os amigos virtuais ajudam na reflexão e na relativização do ser e em suas tomadas de decisão.

Perigos

Na internet, é possível preservar a identidade do usuário. No entanto, esse ponto pode ser positivo ou negativo: pessoas mal-intencionadas podem criar perfis falsos – os fakes - com diversas motivações, como roubar informações pessoais ou até tentativa de sequestro, através de encontros marcados. Segundo Marcello, os riscos não existem somente no mundo cibernético, esse medo do desconhecido é comum em ambos os âmbitos e “ninguém está livre de um psicopata no mundo virtual ou real”. Ele argumenta que, em comparação com os benefícios das relações e amizades, os riscos são pequenos. “A gente distorceria um pouco a realidade se só focarmos nesses perigos”, comenta. WWW.UNICEUB.BR/JORNALESQUINA


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