Realidade e ficção na fotografia latino-americana

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Evidência e mistério: o objeto na fotografia moderna1

Defensor de uma “beleza sem intenção”, que contrapõe ao objeto de arte, Fernand Léger acreditava que o século XX estava assistindo à renascença de “um mundo de artesãos criadores que alegram os nossos olhos e transformam a rua num espetáculo permanente e de infinita variedade”. As criações do artesão, inventor do novo ambiente de vida, deveriam servir de matéria-prima a alguns artistas capazes de ordená-las, absorvê-las e caldeá-las no próprio cérebro “com um perfeito equilíbrio dos dois valores consciente e inconsciente, objetivo e subjetivo”. Essa ressalva não significa que Léger seja partidário de uma concepção hierarquizada do belo. Os “duvidosos” quadros do Louvre e dos salões de arte perdem a batalha estética ao serem confrontados com os objetos industriais, “belos e úteis ao mesmo tempo”. A valorização do objeto industrial, “belo em si”, tem como corolário o elogio da arte das vitrines, que faz da rua um “espetáculo permanente de intensidade crescente”. O encômio da arte das vitrines inclui o vitrinista, um artesão dotado de “um incontestável conceito de arte, estreitamente ligado a fins comerciais”, que cria “um fato plástico de uma ordem nova, mas equivalente das manifestações existentes, quaisquer que elas sejam” (Léger, 1965, p. 53, 57-58, 60). A reflexão sobre o valor estético do objeto industrial é acompanhada pela prospecção de uma nova ordem artística. Esta deveria surgir do abandono do tema, herança do Renascimento italiano, e da consequente valorização do objeto e dos tons puros, os quais deveriam tornar-se os personagens principais do quadro. Aparatos tecnológicos como o cinema, o microscópio e a fotografia estão na 1 Publicado em versão abreviada em: Costa, Helouise; Fabris, Marcos (org.). Modernismos em diálogo. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2015. 147


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