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A fotografia como ficção
A fotografia como ficção
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O teatro do inconsciente: as fotomontagens de Grete Stern para Idilio1
I – A noite e o reino dos sonhos
A noite sempre foi um tempo de medo. Sob o manto da escuridão, predadores se movem sem serem vistos e todos os animais, inclusive o homem, são mais vulneráveis aos seus inimigos quando estão dormindo. São também vulneráveis aos sonhos, aquelas visitações do outro mundo, que trazem à superfície medos e desejos secretos. (A. Álvarez)
Elias Canetti escreveu certa vez que deveríamos resistir ao desejo de interpretar os sonhos para não destrui-los, para não converter em lugar-comum o que há neles de “único e irrepetível” (Castro Flórez, 2005, p. 71-72). A história de José (Bíblia Sagrada, 1967: Gênesis 37.6-7,9; 40.5-22; 41),2 vendido pelos irmãos que o odiavam por ser o favorito do pai e por ter-lhes contado sonhos nos
1 Publicado originalmente em VV. AA. Os sonhos de Grete Stern: fotomontagens. São Paulo: Museu Lasar Segall/Imprensa Oficial, 2009. 2 Em Manual da paixão solitária, Moacyr Scliar apresenta uma versão parodística do dom de José, ao atribuir a um de seus irmãos, Judá, a ideia de converter a interpretação onírica numa atividade dissociada de qualquer intervenção divina e direcionada para a adivinhação econômica e financeira. Uma vez que a interpretação dos sonhos era voltada para o futuro, Judá vislumbra outra aplicação para ela: “o esclarecimento das dúvidas e conflitos íntimos do sonhador, cuja explicação deveria estar guardada em algum secreto compartimento da mente, em algum escuro desvão desta”. Embora prefira as “cotações” às “pulsões”, o irmão de José não deixa de imaginar o local no qual este atenderia os interessados em esclarecer os próprios conflitos internos. A imagem do consultório psicanalítico é acompanhada pela projeção da constituição de um método, de “um império empresarial literalmente fundado sobre sonhos” e sobre o pagamento de honorários adiantados (Scliar, 2008, p. 21-26).