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Márcio Vasconcelos Nagon Abioton
Márcio Vasconcelos apresenta um trecho do seu ensaio Nagon Abioton aqui na OLD. É um projeto documental de muito fôlego, que traz um recorte interessante do foco de trabalho do fotógrafo, que se concentra no registro de religiões, rituais e da cultura afrobrasileira.
este ensaio. Como é estar a tanto tempo envolvido com um tema? Isso facilita ou dificulta a produção de imagens?
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Nagon Abioton é provavelmente o trabalho de maior fôlego já publicado na OLD. Você fala de mais de vinte anos acompanhando os terreiros e produzindo
Realmente já faz um bom tempo que comecei a minha peregrinação pelos terreiros do Tambor de Mina do Maranhão, atraído pelos sons dos abatás ou de outros tambores que nos dias de festas dedicados aos santos (sincretizados com voduns e orixás), ecoam pelos vários cantos da Ilha de São Luís ou pelas comunidades quilombolas rurais embrenhadas no interior do Estado. É evidente que quanto mais tempo se frequenta um templo sagrado e vai conquistando os personagens que são responsáveis pela manutenção e sobrevivência de todo um patrimônio cultural secular, a produção de qualquer trabalho será facilitada.


Como você desenvolveu a relação com os personagens das imagens? Há uma relação forte entre vocês?
Qual a sua relação com a fé e com a religião apresentadas nas imagens?
Não sou iniciado e não tenho uma ligação religiosa com estas manifestações. Sou apenas um profundo admirador que procuro dar uma contribuição para preservar e divulgar essa herança cultural de valor extremo.
Com a regularidade que frequento esses locais de cultos afro-religiosos, fui ficando amigo dos chefes dos terreiros e de seus filhos, até ao ponto de levar bronca de alguns deles quando faltava a uma data importante. Nomes como Pai Euclides, Mãe escondidos por trás da câmera, aos gestos, expressões de faces, ao bailado advindo do transe e à beleza dos rituais. O projeto
Lúcia, dona Elzita, dona Denil, Pai Jorge, Mestre Bita, dentre outros, passaram a fazer parte da minha agenda nos dias de festas significativas de seus terreiros.




Como correu o processo de encontrar a melhor maneira de fotografar estes rituais sem interferir em sua execução? Foi um processo longo?
Eu procuro sempre ficar quieto em um canto qualquer do terreiro, de vez em quando trocando de posição de maneira discreta e com a preocupação de não interferir no desenvolvimento do ritual. Pergunto pouco, mas deixo sempre os ouvidos aguçados para os sons dos tambores e das doutrinas, que quase em forma de mantras, vão envolvendo o corpo e a alma. Os olhos sempre atentos,
“Nagon Abioton” tinha como objetivo editar um livro sobre um dos terreiros de Tambor de Mina mais antigos do Brasil, a Casa de Nagô, do século XIX. Queria registrar todas as manifestações e rituais desta Casa que obedecem a um calendário anual. Além dos cultos religiosos, também foram fotografadas e entrevistadas todas as pessoas que fazem este terreiro manter uma tradição secular. Frequentei diariamente a Casa de Nagô por mais de um ano, foi um trabalho longo, mas de uma satisfação muito grande de fazê-lo.


Você tem uma relação forte com a cultura afro-brasileira e com a fotografia documental. Como você escolhe seus temas? Como começa sua pesquisa? Com relação ao processo documental, quando estamos invadindo espaços e momentos de muita particularidade, creio que o respeito, a discrição e a ética são os elementos de maior importância. Na maioria das vezes, somos intrusos e, assim sendo, precisamos demonstrar as reais intenções de nossa aproximação, o objetivo do projeto e a relevância daquele assunto para nós e para a sociedade. O trabalho só deve ter continuidade quando percebemos que estamos sendo aceitos e que a permissão nos foi dada. Neste momento forma-se realmente um pacto, no qual a confiança, como fio condutor, jamais poderá ser quebrada. Temos que estar muito atentos ao espaço físico e espiritual que conquistamos e de forma alguma ultrapassá-lo. A confiança mútua é a joia maior que podemos adquirir. No início de um projeto, após a escolha ou opção por um determinado tema, gosto de ter uma gama de informação bem grande e, para isto, procuro pessoas que possam contribuir para o enriquecimento deste conteúdo. É muito comum, neste momento, eu sempre está esbarrando em antropólogos, pesquisadores, estudantes ou pessoas, que por coincidências, já pesquisaram coisas semelhantes. Gosto de agregar pessoas aos projetos e às vezes até as considero como coautoras. Passada esta fase, aí sim, gosto de me tornar solitário quando estou no processo criativo das imagens. Gosto de ter o meu tempo, tomar as minhas decisões e determinar um objetivo. No Maranhão existem 527 comunidades quilombolas,
