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JOÃO CASTILHO
No mês em que acontece o 3º Foto em Pauta, em Tiradentes, Minas Gerais, o coletivo Ágata conversou com João Castilho, um dos nomes confirmados no festival e que vai ministrar o workshop “A fotografia como prática artística contemporânea”. Para ele, a fotografia já está totalmente incorporada e aceita pela arte contemporânea, o importante, no entanto, é entender como “as várias posições e contaminações da fotografia nos últimos 50 anos vieram dar no que estamos produzindo hoje”.
Castilho ainda adianta o que será visto em sua exposição Caos-Mundo, que inaugura na Zipper Galeria, em São Paulo, no próximo dia 23 de março. Confira!
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Conte-nos um pouco sobre sua chegada na fotografia. Você tem formação em jornalismo e artes plásticas, como ocorreu a escolha por esse suporte?
Minha primeira paixão foi o cinema. Passei minha adolescência vendo filmes de todos os gêneros: de arte, de autor, comerciais, documentários, cinema oriental, comédias, brasileiros, eróticos. Via de tudo. A sala escura do cinema era o lugar onde eu gostava de estar. Quando tive que escolher uma profissão até pensei em fazer Cinema, mas a coisa toda era muito complicada e logo caiu uma câmera na minha mão e comecei a fotografar. No início me interessava muito pelo ensaio, pela série, pelo documentarismo, pela coisa encontrada. Depois minhas questões foram se alargando, tanto os temas tratados quanto as abordagens. Hoje a noção de fabricação é importante, mesmo que seja um trabalho com imagens apropriadas, tem sempre uma atuação em cima delas. Seus trabalhos se valem de diversas técnicas e abordagens visuais. Como é o processo de construção destas abordagens em seus trabalhos? Eles já nascem com uma técnica definida? A técnica nunca foi muito importante pra mim. Nunca esteve à frente das questões e das imagens com as quais trabalho. Ela vem sempre atrás. Na origem dos meus trabalhos está sempre uma experiência vivida, a realidade atual. Parte de algo que acontece, que me toca, que me envolve ou que me revolta, e daí surge o trabalho. Acho que meus trabalhos são sempre uma forma de devolução disso tudo, uma devolução em forma de ataque. Estou preparando uma exposição para a Zipper Galeria, em São Paulo, chamada Caos-mundo. São trabalhos em vídeo e fotografia que operam como sintomas de determinadas tensões políticas contemporâneas. A explosão da violência nas periferias, a errância, o exílio a morte, são questões presentes nos trabalhos.
Você pode contar um pouco mais sobre os trabalhos que serão apresentados?
O título é uma referência a formulação de Edouard Glissant que fala do choque, das repulsões, das atrações, das conivências, das oposições e dos conflitos entre as culturas dos povos na contemporaneidade. Os trabalhos que apresento operam como sintomas de determinadas tensões políticas atuais. A série de fotografias Vade Retro rompe a hierarquia tradicional entre homem e natureza e entre homem e animal. O políptico
Retirante mostra 32 fotografias, em preto e branco, de marcas deixadas no solo por pessoas repetindo o mesmo caminho ao longo dos anos. O trabalho figura um emaranhado de formas-trajetos num jogo caótico de linhas. A videoinstalação Erupção mostra vários ônibus queimando na cidade de SP e outras grandes cidades brasileiras. A ato de queimar um ônibus é de certa forma ambíguo, já que tem quase sempre duas motivações: intimidação, por parte de organizações criminosas; e revolta, por parte de populações indignadas. O vídeo Abismo mostra uma pequena embarcação tripulada por homens negros. Ruma, lentamente, para o desconhecido. Pensamos nas embarcações que saem do norte da África para o sul da Europa, das embarcações que deixam Cuba em direção a Flórida e nas centenas de embarcações que deixaram a África rumo as Américas. O desconhecido, sempre aterrador. No díptico A errância, o exílio a relação entre as duas imagens vai criando um entrelaçamento complexo entre dentro e fora, claro e escuro, luz e sombra, aberto e fechado, entrada e saída, começo e fim.
Você irá participar do 3º Foto em Pauta, em Tiradentes, levando ao debate o tema “A fotografia como prática artística contemporânea”. Na sua opinião, isso ainda não é um assunto bem resolvido no cenário artístico brasileiro?
João Castilho: O que tento mostrar nesse workshop é uma rápida trajetória da entrada da fotografia na arte a partir dos anos 1960. Claro, ela já estava na arte há muito tempo, mas à partir daquela década, quando a prática artística se amplia de forma irreversível e começa a ser feita na terra, no corpo, no espaço, com palavras, com câmeras, com objetos do cotidiano, a fotografia ganha novos contornos. Isso acabou por contaminar a prática, que vinha sendo feita paralelamente e que era de tradição estritamente documental. Quer dizer, o que tento abordar é como as várias posições e contaminações da fotografia nos últimos cinquenta anos vieram dar no que estamos produzindo hoje.
