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O TEMPO Belo Horizonte DOMINGO, 26 DE AGOSTO DE 2012
Mundo
7 Bilionário fará novo Titanic
7 Egípcio ateia fogo em si mesmo
O bilionário australiano Clive Palmer decidiu construirumaréplica do navio Titanic.A novaembarcação será 98% similar à original, que afundou após colidir com um iceberg há cem anos. As diferenças estão relacionadas a questões de segurança e a detalhes como ar-condicionado.
Arafa Kamel Khalifa, eletricitário de 41 anos, ateoufogoa simesmo diantedopalácio presidencial do Egito, no Cairo, em protesto contra o desemprego. Khalifa ganhava um salário de cerca de US$ 100 até ser despedido, quatro anos atrás, e não encontrou emprego depois disso.
TEL: (31) 2101-3918 FAX: (31) 2101-3950 Editora: Carla Chein carlachein@otempo.com.br e-mail: mundo@otempo.com.br Atendimento ao assinante: 2101-3838
África. Demaioriacristãou animista, país passa por atrocidades cometidas pelo vizinho árabe muçulmano
Forte crise humanitária abala a população do Sudão do Sul SituaçãodoEstado maisnovodomundo éagravadapela disputaporpetróleo ¬ ANDRÉA JUSTE ¬ Com pouco mais de um
ano de vida, o Sudão do Sul enfrenta uma das piores crises humanitárias dos últimos anos. Independente do Sudão desde 8 de julho do ano passado, a população sul-sudanesa, não árabe e, em sua maioria, cristã ou animista (de origem tribal), passa por atrocidades cometidas pelo vizinho árabe muçulmano e, assim, busca refúgio em campos internos ou em países fronteiriços. “Mais de 170 mil sudaneses cruzaram a fronteira do país para escapar de conflitos e insegurança alimentar nos Estados de Nilo Azul e Kordofan do Sul, no Sudão”, afirma o diretor-executivo da organização Médicos Sem Fronteiras, Tyler Fainstat. Segundo agências humanitárias, nos campos, cerca de nove crianças morrem diariamente de doenças como diarreia. Desde a independência, em 1956, o Sudão – assim como a maioria dos Estados africanos – apresenta uma separação de etnias e religiões devido a imposições das metrópoles europeias, que geraram países artificiais, segundo o cientista político Christian Lohbauer, membro do grupo de análise de conjuntura internacional da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, o Sudão do Sul era uma província autônoma do Sudão desde 1956. Após o fim de quase 20 anos de guerra civil, em 2005, 99% dos sul-sudaneses aprovaram, em plebiscito feito em janeiro de 2011, a separação do país. Assim, problemas estruturais, econômicos e de oposição sudanesa foram potencializados. “É um país sem estrutura alguma sob todos os pontos de vista: saneamento, estradas, escolas”, fala Lohbauer, destacando a falta de organização do governo, cujo presidente é o então líder do Exército revolucionário da província do sul, Salva Kiir Mayardit.
O Sudão do Sul sofre, ainda, com a restrição de recursos imposta pelos sudaneses, segundo Rodrigo Corrêa Teixeira, professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e especialista em estudos africanos. Ele destaca que a estimativa de mortos nos últimos 15 anos passa dos 500 mil. No caso da economia, “o tema torna-se ainda mais complexo”, segundo Teixeira, pois a China explora petróleo na região onde se originou o Sudão do Sul, mas o escoamento é feito pelo Sudão, que faz fronteira com o mar Vermelho. “Na região Abyei, explorase petróleo na fronteira dos dois países. O Sudão do Sul teria condição, mas é uma operação de grande investimento escoar petróleo por outros países, como o Quênia”, explica Lohbauer. Assim, com tantos problemas estruturais, para Lohbauer, o novo país é “inviável como outros da África e da Ásia”. “É preciso haver um programa de desenvolvimento com recursos estrangeiros. Mas veja o mundo de hoje, Europa, Estados Unidos e Japão. Quem vai fazer um plano de desenvolvimento em um país com essas características? É uma situação muito difícil”, diz, referindo-se à crise econômica mundial. O especialista questiona se a situação da população sul-sudanesa melhorou após a independência. “Ao menos hoje tem a independência formal. Pode ser dona de seu destino, teoricamente. Mas, na prática, ela passa pelas mesmas privações de antes, talvez piores, como rompimento de alimento e energia, pois isso não vinha do atual Sudão do Sul”, completa. PETRÓLEO.
EDITORIA DE ARTE
CONFLITO DE DÉCADAS Norte X Sul
Os conflitos ocorrem desde 1956. O governo era centralizado na capital Cartum, mas a população do sul se dizia discriminada e rejeitava a lei islâmica no país.
EGITO As fronteiras do Sudão foram estabelecidas sem levar as etnias em conta. A maioria da população do norte é de árabes muçulmanos, enquanto o sul é composto por grupos étnicos de maioria cristã ou animista (acreditam em espíritos que dão vida e proteção às coisas).
SUDÃO
MAR VERMELHO CARTUM
ERITREIA
CHADE Em regiões fronteiriças, ambos os países apoiam as milícias armadas, que saqueiam, estupram e matam.
SUDÃO DO SUL REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO
ETIÓPIA
Com a separação, o Sudão perdeu cerca de três quartos das suas reservas petrolíferas, que estão no sul que, por sua vez, depende das refinarias do norte e da saída para o Mar Vermelho.
JUBA
UGANDA
105 mil*
No dia 8 de julho de 2011, o sul tornou-se independente, resultado de um referendo, com aprovação de 99% dos eleitores. SUDÃO DO SUL Juba POPULAÇÃO 9,7 milhões PRESIDENTE Salva Kiir Mayardit ÁREA 619.745 km² CAPITAL
pessoas estão refugiadas no Sudão do Sul
560 mil são deslocados internos no país
906 estavam refugiados em países vizinhos e retornaram ao Sudão do Sul *ESTIMATIVA DE JANEIRO DE 2012, SEGUNDO A ACNUR
RUBY SIDDIQUE/MSF
Ocidente apoioua separação ¬ A independência sul-suda-
Assistência Saúde. Os MSF contam com mais de 180 profissionais estrangeiros e mais de 800 locais nos cinco acampamentos que abrigam refugiados no Sudão do Sul. As primeiras intervenções começaram em novembro de 2011. Famílias improvisam abrigos em acampamentos para refugiados
nesa foi apoiada estrategicamente por potências ocidentais, uma vez que o Sudão “flerta” com o terrorismo, explica o cientista político Christian Lohbauer. “O presidente do Sudão, Omar al Bashir, não pode sair do país, pois corre o risco de ir para o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, acusado de crimes contra a humanidade”, exemplifica. “O que acontece no Sudão até os dias de hoje é a maior catástrofe humanitária do início de século. Ainda que tenha tido Afeganistão e Iraque, nada se compara nos últimos 15 anos em termos de massacre”, diz Rodrigo Corrêa Teixeira, especialista em estudos africanos. (AJ)
Minientrevista
G
Tyler Fainstat Diretor executivo MÉDICOS SEM FRONTEIRAS NO BRASIL
Quais os principais problemas vividos pelos refugiados no Sudão do Sul? Chegar aos acampamentos por si só é um grande desafio. As longas caminhadas, que chegam a durar semanas, rumo aos acampamentos enfraqueceram os já frágeis corpos de pessoas que tiveram de enfrentar escassez de alimentos e água em meio às altas temperaturas. Muitos morreram pelas estradas. Onde estão localizados os campos, e como são suas condições? Jamam abriga cerca de 28 mil pessoas. Batil, cerca de 34 mil. Doro, aproximadamente 45 mil refugiados. No mais recente, Gendrassa, foram realocadas cerca de 3.000 pessoas que estavam em Jamam. O campo de Yida concentra cerca de 55 mil refugiados. Todos estão superlotados. Das mortes reportadas, 58% no campo de Batil correspondem a crianças com menos de 5 anos. Um quarto das crianças com menos de 5 anos está desnutrida. Mais de 25% das mortes registradas corresponderam a pessoas com mais de 50 anos. As condições de saneamento básico e água são precárias, o que contribui para a proliferação de doenças diarreicas. Nesta época do ano, chove muito, as noites são frias, o que piora ainda mais esse cenário. Estamos trabalhando além do possível, em termos logísticos, para conseguir enviar mais pessoal e suprimentos aos campos. (AJ)
“Chegar aos acampamentos por si só é um grande desafio. Muitos morreram pelas estradas.”