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Os neutrinos pesados

A supersimetria dita que a cada bóson corresponde um férmion, e vice-versa. Quando aplicada à cromodinâmica quântica e à teoria das interações eletrofracas, prevê a existência de partículas como o gluíno ou fotinos, parceiros supersimétricos dos glúons ou do fóton.

Uma das hipóteses mais fortes para explicar os novos eventos produzidos no CERN é a de que eles são resultados da produção dessas partículas supersimétricas. Mas é ainda prematuro apostar-se numa teoria específica para explicar esses fenômenos. E os físicos estão aguardando a produção de novos eventos da mesma natureza, e uma análise mais detalhada para que se possa entender sua origem.

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Ronald Cintra Shellard

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(Texto publicado na seção ‘Um mundo de ciência’, da revista Ciência Hoje, n. 73, 1991)

Há evidências experimentais da existência de um neutrino pesado! Mais do que isso: este neutrino é mais pesado que qualquer coisa antecipada pelos físicos! Se essas evidências resistirem à análise crítica, trarão profundas consequências para a astrofísica, a cosmologia e as teorias sobre a natureza da matéria. Por ironia, esse resultado surpreendente está emergindo de pesquisas feitas por poucos cientistas, em pequenos laboratórios, numa época em que a investigação das propriedades fundamentais da matéria é realizada em gigantescos aceleradores de partículas, por grupos com centenas de pesquisadores.

Os neutrinos são as partículas mais elusivas que conhecemos. Sua interação com a matéria é tão fraca que a Terra é praticamente transparente para um feixe deles. Foram os arautos da explosão da supernova SN 1989, chegando à Terra antes dos sinais luminosos, pois atravessaram as camadas externas da estrela antes da luz. Ingredientes do modelo padrão para as forças da natureza, os neutrinos têm três ‘sabores’ distintos, associados ao elétron, ao múon e ao tau. Tais ‘sabores’ têm propriedades idênticas, porém massas diferentes: o elétron é muito leve, o múon é cerca de 210 vezes mais pesado e o tau cerca de 3.500 vezes.

Em artigo publicado no Physical Review Letters, em 1985, John Simpson, da Universidade de Guelph (Canadá), apresentou pela primeira vez evidências da presença de um neutrino com massa de 17 mil elétrons-volt no decaimento beta do núcleo de trítio. O elétron-volt (eV) é uma unidade de energia usada frequentemente para expressar massa, através da relação E = mc2. O elétron, por exemplo, tem massa de 511 mil eV (511 KeV).

O trítio (núcleo de hidrogênio com dois nêutrons associados) foi implantado num detector de estado sólido do tipo Si (Li). Por ser radioativo, esse núcleo sofre um decaimento beta para 3He (núcleo de hélio com dois prótons e um nêutron), com um nêutron convertendo-se em um próton e com a emissão de um elétron e um neutrino invisível. No processo, o espectro

de energia desse elétron é contínuo e sensível à massa do neutrino. Simpson mediu o espectro no experimento e obteve uma anomalia em relação ao espectro esperado para um neutrino de massa muito pequena. A interpretação dada a essa anomalia admitia que em 3% dos decaimentos o neutrino emitido tinha uma massa de 17,1 KeV, comportando-se como uma mistura, no sentido quântico, de componentes de diferentes ‘sabores’ e massas. Essa ideia já havia sido proposta em 1938 por Bruno Pontecorvo, do Instituto Dubna (União Soviética).

Em função desse resultado, vários grupos decidiram investigar essa anomalia no espectro do elétron no decaimento de vários núcleos diferentes, pois a forma do espectro difere de núcleo para núcleo, mas o efeito de um neutrino com 17 KeV é sempre igual. No entanto, pesquisas com enxofre-35, ferro-55, níquel-63 e iodo-125 mostraram resultados nulos ou inconclusivos.

Em 1989, em colaboração com seu aluno Andrew Hime, Simpson voltou à carga, publicando no Physical Review dois resultados que confirmavam sua observação prévia sobre o neutrino com massa de 17 KeV, agora usando técnicas diferentes.* A proporção de neutrinos pesados, porém, baixou para cerca de 1% de todos os neutrinos (o que Simpson já havia feito na reanálise do experimento de 1985). Nesses trabalhos, Simpson e Hime analisaram o decaimento do enxofre-35 e o decaimento beta do trítio implantado num detector de germânio hiperpuro (HPGe). Apontaram também as possíveis causas de falhas nos experimentos que obtinham resultados nulos. Curiosamente, um dos artigos termina com a seguinte observação: “ao contrário do que aponta nossa intuição, um resultado nulo não é mais confiável que um resultado positivo”.

A persistência de Simpson convenceu novos grupos a investigarem suas evidências, dessa vez com resultados positivos.** Andrew Hime, agora em Oxford e em colaboração com N. Jelley, melhorou o experimento com enxofre-35, encontrando 0,84% de neutrinos com massa de 17,0 KeV. Eric Norman e colaboradores, do Lawrence Berkeley Laboratory (Califórnia, Estados Unidos), encontraram neutrinos de massa 17,2 KeV em 1,4% dos decaimentos de carbono-14 e um neutrino de 21 KeV no espectro de ferro-55, em pesquisa com menor estatística. No Instituto Ruder Boskovic (Zagreb, Iugoslávia), Igor Zlimen e colaboradores anunciaram a presença de 1,6% de neutrinos de 17,2 KeV no decaimento beta de ferro-55 e de germânio-71.

Desde 1989 foi estabelecido experimentalmente, por laboratórios na Europa e nos Estados Unidos, que existem apenas três ‘sabores’ de neutrino, excluindo-se a hipótese de ‘sabores’ com propriedades exóticas (que não devem ser denominados neutrinos). O neutrino de 17 KeV teria então o ‘sabor’ do múon ou do tau, em mistura com o ‘sabor’ do elétron. Como experimentos feitos em aceleradores virtualmente excluem a possibilidade de mistura dos ‘sabores’ eletrônico e muônico (os experimentos não detectam a mistura em proporção inferior a 0,3%), a hipótese mais viável é a de que o neutrino de ‘sabor’ associado ao tau tem massa de 17 KeV e sofre mistura com o neutrino de ‘sabor’ eletrônico.

A confirmação da descoberta certamente trará novos elementos para problemas como o misterioso desaparecimento dos neutrinos produzidos pelo Sol (os neutrinos solares medidos representam cerca de um terço do número previsto pela teoria) e a existência de ‘massa escura’ no universo (o comportamento gravitacional das galáxias indica uma quantidade de matéria muito maior do que a visível). E colocará Simpson, sem dúvida, na lista de considerações do Comitê Nobel de Física. * Physical Review, vol. 39, p. 1.825, 1989 ** Science, vol. 251, p. 1.426, 1991

Ronald Cintra Shellard

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