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Novas partículas no horizonte da física

(Texto publicado na seção ‘Tome ciência’, da revista Ciência Hoje, n. 13, 1984)

Há indícios de que novas partículas, até agora desconhecidas, poderão ser detectadas em experiências a altíssimas energias no Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (CERN), em Genebra, Suíça. A suspeita, segundo os cientistas, é sugerida pela observação de eventos não explicados pelas teorias que hoje descrevem as partículas elementares e, caso confirmadas, poderão levar à formulação de novas leis da física.

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O curioso é que o grupo de cientistas que realizou essa descoberta, trazendo a semente de uma nova física, é o mesmo que, há um ano, descobriu as partículas W e Z (ver Ciência Hoje n. 5 e 7), fundamentais para à consolidação da teoria das interações eletrofracas, que – com a cromodinâmica quântica e o estudo da gravitação – forma a teoria física contemporânea das forças da natureza.

Grande parte dos esforços dos cientistas especializados em partículas elementares foi dispendida, nos últimos 50 anos, na tentativa de descobrir quais das partículas são realmente fundamentais, bem como na formulação de teorias sobre sua interação, baseadas em critérios físicos de simplicidade, elegância e consistência matemática. Esses novos eventos ocorridos do CERN só podem ser entendidos a partir da compreensão de como os físicos chegaram às ideias atuais sobre a natureza da matéria.

Atualmente, as partículas fundamentais da matéria são agrupadas em três famílias: os quarks, os léptons e os bósons de gauge. Quatro forças atuam nessas partículas: as interações fortes, fracas, eletromagnéticas e gravitacionais.

Os quarks, agrupados em grupos de três, formam partículas maiores chamadas hádrons – como os conhecidos prótons e nêutrons – ou, em pares quark-antiquark, compõem os mésons, de massa inferior ao próton. Não há possibilidade de se observarem os quarks em liberdade na natureza. Por um fenômeno conhecido como ‘confinamento dos quarks’, consequência da força que atua entre eles, essas partículas só podem ser encontradas no que os físicos chamam de ‘sacola’ de quarks, as partículas maiores.

A compreensão das forças que atuam sobre esses corpos elementares é essencial para o estudo de sua natureza. A coesão de nêutrons e prótons no núcleo, por exemplo, é explicada pela ação das forças denominadas interações fortes. Uma característica do quark denominada cor pelos físicos (não tem nada a ver com as cores do arco-íris) dá o nome à teoria da interação nos quarks, a cromodinâmica quântica. Os quarks interagem trocando de cor com membros da mesma família e essa troca é feita por intermédio de partículas mensageiras, os bósons de gauge chamados glúons, que são enviados de um quark a outro, levando à cor a ser cambiada.

Há três cores diferentes para cada espécie diferente de quark. As espécies, ou sabores, como se diz em física, são seis: up, down, strange, charm, bottom e top, que dão nome, respectivamente, aos quarks u, d, s, c, b e t (este último alinda não foi observado pelos cientistas, embora a teoria dê fortes razões para que se suspeite de sua existência). São partículas que sofrem efeito de todas às interações.

Ao contrário dos quarks, os léptons – dos quais o elétron é o exemplo mais familiar – existem livremente na natureza, e não sofrem à ação das interações fortes. Os elétrons, o múon e o tau (suas cópias mais pesadas) e os neutrinos são sabores dos léptons. Os três primeiros são partículas com carga elétrica, sofrendo, portanto, o efeito das interações eletromagnéticas. Os neutrinos, no entanto, sofrem apenas os efeitos das interações fracas e gravitacionais.

Os cientistas têm procurado pontos de contato em meio à diversidade de forças e partículas atuantes na composição da matéria, Em 1967, A. Salam e S. Weinberg propuseram a teoria das interações eletrofracas, que unificava as interações fracas e as eletromagnéticas. Em termos matemáticos, essa teoria é análoga à cromodinâmica quântica; mas, enquanto esta última é a teoria da troca de cores, a teoria das interações fracas trata da troca de sabores dos quarks e léptons.

Assim como o glúon na cromodinâmica quântica, também há mensageiros nas trocas das interações eletrofracas. Nas interações eletromagnéticas, o mensageiro entre os léptons é o fóton; os bósons W e Z, por sua vez, são os mensageiros das interações fracas. A existência desses bósons, aliás, foi a predição mais espetacular da teoria das interações eletrofracas. A grande massa dessas partículas (a W pesa cerca de 87 vezes mais que o próton, e a Z, 98 vezes) foi responsável pela demora em sua descoberta, que só aconteceu em 1983.

Milhares de físicos, engenheiros e técnicos foram mobilizados para construir a máquina que permitiu esse feito cientifico. Nessa máquina – capaz de produzir, coletar, armazenar e usar antimatéria (ver ‘O Leitor Pergunta’, Ciência Hoje n. 5) e provocar a colisão de feixes de prótons e antiprótons viajando a velocidades próximas à luz –, são colocados detectores, capazes de identificar, entre os milhões de eventos produzidos na colisão de partículas, aqueles poucos que provêm da criação de bósons W ou Z reais.

Esses detectores – onde ocorreram os eventos que fizeram suspeitar de novidades no campo da física – são capazes de registrar a presença e medir a energia de qualquer partícula carregada produzida pela colisão, e, também, a existência de algumas partículas neutras, como o fóton e o nêutron. A presença do bóson W é assinalada quando após a colisão é registrado um elétron de energia muito alta e nada mais. Pela teoria, o bóson W, muito pesado, logo se transforma em um elétron e um neutrino, A ausência do registro de uma partícula voando em direção contrária à do elétron indicaria um desequilíbrio de energia ou à presença de uma partícula invisível ao detector. Como a primeira hipótese é imediatamente descartada pelos físicos, para quem a lei da conservação de energia é sagrada, conclui-se que o evento deu origem a um neutrino – partícula capaz de atravessar toda a Terra sem sofrer colisão. Experiências semelhantes deram origem ao bóson Z.

Ainda no ano passado, os cientistas que haviam produzido a partícula Z notaram que algumas delas decaíram (transformaram-se) em um elétron, um pósitron (a antimatéria do elétron) – previstos pela teoria – e mais um fóton energético, presença que deixou os físicos perplexos. Este é um fenômeno que ainda não foi entendido.

Os novos eventos produzidos no CERN consistem no registro de partículas em estranha discordância com as regras da cromodinâmica quântica e da teoria das interações eletrofracas. Analisando-os, os cientistas chegaram à conclusão de que eles são produzidos, provavelmente, pela criação de objetos mais pesados que às partículas W ou Z, e, em alguns casos, com massas cerca de 160 vezes superior à do próton.

Um dos passatempos favoritos dos físicos teóricos, a criação de novas teorias que buscam a unificação das forças da natureza, impediu que esses eventos, apesar de inesperados, colhessem os cientistas totalmente de surpresa. Já existem vários modelos teóricos que tentam interpretá-los.

Desde 1974, os físicos tentam construir teorias que unifiquem a cromodinâmica quântica e a teoria das interações eletrofracas. Essas teorias recebem o nome genérico de teorias grã-unificadas. Argumentos estéticos e a exigência de consistência matemática, porém, impõem às teorias grã-unificadas um conceito chamado supersimetria.

A imposição da ideia de supersimetria a uma teoria implica que partículas como os férmions (quarks e léptons) e os bósons – de propriedades muito diferentes nas teorias usuais – sejam consideradas simplesmente como aspectos diversos de uma mesma família de partículas.

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