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Diretor do CBPF é reconduzido ao cargo

(Entrevista dada ao Núcleo de Comunicações do CBPF, 2020)

Ofísico experimental Ronald Cintra Shellard, atual diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), uma das unidades de pesquisa do ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), foi reconduzido ao cargo, no qual ficará até dezembro de 2023.

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Shellard foi escolhido por Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, a partir de uma lista tríplice estabelecida pelo Comitê de Busca para o CBPF, instituído pelo MCTI e sob a presidência de Sylvio Canuto, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.

Nesta entrevista, Shellard faz balanço de sua gestão, iniciada em dezembro de 2015, fala de planos para o próximo quadriênio, incluindo o fortalecimento dos institutos de pesquisa no Brasil.

Como o senhor recebeu a notícia de que seria reconduzido à direção? Recebi telefonema do subsecretário das Unidades Vinculadas do MCTI, tenente-brigadeiro do ar Gerson Machado de Oliveira, comunicando a decisão do ministro Marcos Pontes. Agradeci e me disse muito honrado pela confiança que o ministério mais uma vez depositava em mim e também muito agradecido ao Comitê de Busca, que me incluiu em sua lista tríplice.

Como o senhor avalia seus quatro primeiros anos de gestão? Algo que gostaria de destacar? Foi um período difícil, pelo fato de que os recursos foram bastante irregulares, com pouca previsibilidade, em função dos problemas econômicos ao longo de todo esse período. Isso exigiu não só muita atividade política junto ao Congresso – cheguei a fazer discurso no plenário da Câmara dos Deputados em Brasília –, mas também interação constante com o ministério.

Mas, ao longo desse período, nós, diretores de unidades de pesquisa do MCTI [UPs], fizemos ação mais coordenada junto ao próprio ministério e Congresso, em defesa do sistema de institutos de pesquisas – entendidos aqui em sentido amplo – como um dos elementos importantes para o avanço da ciência no Brasil.

No plano interno, o CBPF manteve, ao longo destes quatro anos, seu nível de excelência e, mesmo com a diminuição de quadros, obteve aumento da produção científica e das atividades que fazem parte de nossas responsabilidades como infraestrutura de ciência e tecnologia para o país. Essas atividades incluem simpósios científicos, escolas para a formação de quadros qualificados, ações associadas à inovação tecnológica, apoio a laboratórios e, vale destacar, a infraestrutura de conexão de internet que o CBPF, como ‘espinha dorsal’ dessa tecnologia, fornece para não só instituições acadêmicas, mas também para instituições de estado, prefeituras, unidades militares, hospitais, escolas etc. no estado fluminense.

Quando iniciei minha gestão, ouvi relatos relacionados a assédio moral e sexual. Fizemos uma campanha de conscientização e criamos comitê para analisar denúncias. A questão do respeito – ou seja, o princípio de que as pessoas do CBPF são iguais e de que as diferenças são expressas apenas no grau de responsabilidade que cabe a cada membro desta comunidade – acabou sendo assumida por todos.

Em meu entender, tensões diminuíram, e fortaleceu-se o fato de que relações pessoais devem ser pautadas por estrito profissionalismo. A consequência disso é que as relações pessoais no CBPF são muito mais alegres, informais – noto isso nas celebrações que fazemos de tempos em tempos –, elementos essenciais para o espírito de comunidade que temos hoje.

Talvez, o que possa ser atribuído como defeito meu é o fato de eu ter dificuldade em dizer ‘não’. Isso acarretou sucessos muito interessantes para o CBPF. Exemplos: a realização, com grande sucesso, de várias edições da Escola Avançada de Física Experimental, que a cautela com recursos recomendaria não ser apoiada, mas que nossos pesquisadores jovens insistiram em levar adiante; o Mural Grafite da Ciência, que, claramente, tinha tudo para dar errado e se tornou projeto fantástico, referência internacional para a instituição; o Hackcovid19, hackathon voltado para soluções para a pandemia e idealizado por dois de nossos pesquisadores, igualmente jovens, tinha tudo para não dar certo, mas teve participação recorde e grande repercussão na mídia.

Esses grandes sucessos do CBPF devem-se ao grande talento de nossa comunidade. E, devo admitir, minha contribuição foi a de não agir como gestor realmente responsável.

Gostaria de destacar que dirigir o CBPF é tarefa relativamente fácil por razão simples: somos uma instituição madura, dotada de grande profissionalismo, e nosso foco é claro e límpido: produzir ciência pautada por critérios de excelência, à altura das melhores instituições congêneres do mundo, e derivar deles, sempre que possível, desenvolvimentos tecnológicos, mesmo que isso se dê de forma indireta, para o bem-estar de nossa sociedade.

Vale lembrar que o CBPF são as pessoas que o formam. Então, é também nosso foco fazer com que elas tenham satisfação em cumprir suas tarefas profissionais, nos muitos aspectos que fazem com que cumpramos nossa missão de servir ao país.

Quais, em termos gerais, são seus planos para estes próximos quatro anos? Acho que enfrentaremos quadro complexo nos próximos anos. Claramente, essa tragédia pela qual passamos, a pandemia, trará mudanças para a sociedade. O cenário econômico que se esboça neste momento não é particularmente promissor.

Então, nossa primeira tarefa é a sobrevivência do CBPF como instituição de excelência. Temos necessidade urgente de expandir nossos quadros de pesquisadores, tecnologistas, analistas e técnicos, mas as perspectivas não admitem qualquer forma de otimismo. Nosso futuro, de certa forma, está vinculado à nossa capacidade de convencer o Congresso da relevância de nosso papel na sociedade e, assim, gerar um arcabouço legal que permita não só a reposição de quadros, mas também nossa expansão.

Claramente, em nosso dia a dia, temos que fazer grande esforço para manter os orçamentos. Com a pandemia, aprendemos a usar de modo bem mais efetivo ferramentas de videoconferência, por exemplo. Temos grande desafio em empregar melhor essas e outras tecnologias para atingir um público cada vez maior.

O sucesso do Hackcovid19 mostrou que temos potencial que, se explorado de forma correta, poderá expandir nossa contribuição para a sociedade. Essa iniciativa nos ensinou que podemos (e devemos) cooperar de forma mais efetiva com outras instituições, não só as unidades de pesquisa do MCTI, mas também com outros institutos de pesquisa científica.

Há outras novas ideias no forno que podem dar ainda mais visibilidade para as ações do CBPF. Cito, em particular, a iniciativa Open Universe, cujo projeto prevê a elaboração de um banco de dados mundial e aberto com tudo que sabemos sobre o cosmo, no sentido mais amplo possível.

O senhor idealizou recentemente campanha lançada pelo Núcleo de Comunicação Social do CBPF voltada para o fortalecimento dos institutos de pesquisa – entendidos aqui em sentido amplo, incluindo não só os do MCTI, mas também os de outros ministérios, como Embrapa e Fiocruz, e mesmo estaduais. Quais são os objetivos gerais dessa campanha para além do fortalecimento? E que metas a campanha gostaria de alcançar?

Nós, diretores dos institutos do MCTI, tanto das UPs quanto organizações sociais (OSs), nos juntamos e passamos a articular ações políticas de forma conjunta.

A motivação vem de constatação óbvia – infelizmente, mas não é incomum o óbvio não ser óbvio. Temos usado o argumento de que, em grande parte dos países desenvolvidos economicamente – e, por consequência, cientificamente avançados –, há razoável balanço entre o número de professores nas universidades e pesquisadores e tecnologistas em seus institutos de pesquisa.

No Brasil, nesse aspecto, há enorme assimetria, a qual deve ser corrigida para melhorar a ‘saúde’ do ambiente de C&T no país. Não é tarefa simples e, certamente, tomará tempo e trabalho para corrigir isso. Mas esse é o principal objetivo do programa.

Há nessa iniciativa outro aspecto importante, mas muito negligenciado: a interação com o setor privado e com o próprio estado. Deveríamos ser centros de treinamento avançado para pessoal que, depois de passar um tempo conosco, em contato com ou fazendo pesquisa científica, vai levar essa cultura para as empresas e a iniciativa privada e, assim, promover a inovação nesses ambientes. Esse papel tem sido pouco explorado em nosso meio.

O senhor tem projeto para o CBPF que envolve a possibilidade de a instituição contratar doutores (pesquisadores, tecnologistas e analistas) por tempo determinado e para projetos específicos. Eles seriam pagos não com bolsas, mas, sim, com salários cujos valores seriam próximos àqueles recebidos por servidores concursados em início de carreira. O senhor poderia esboçar em linhas gerais essas ideias?

Se você olhar com atenção, uma bolsa para uma pessoa adulta, um profissional com 25, 30 anos, altamente gabaritado, não raramente com um doutorado, beira o que se poderia chamar exploração salarial. Devemos nos lembrar de que aquela pessoa é um ou uma profissional.

Como mencionei antes, a saída, hoje, para a expansão significativa de quadros nos institutos de pesquisas passa pela possibilidade de podermos contratar jovens por períodos limitados de tempo, seguindo as regras habituais de mercado, ou seja, CLT. Para isso ser possível, seria preciso nova legislação. E é justamente isso que está em discussão.

A saída oferecida pelo regime de OS também não é satisfatória, pois deixa as instituições muito vulneráveis, o que pode ser atestado por nossos colegas que dirigem os institutos de pesquisa que optaram por esse modelo.

Em resumo, estamos discutindo com o Congresso legislação que ofereça as possibilidades de OS, sem as vulnerabilidades desse regime.

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