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A descoberta da partícula W
Por outro lado, convencê-los, também, de que temas de pesquisas locais, como a ecologia da mata atlântica, as línguas dos indígenas brasileiros ou a história da república dos Palmares, são de interesse universal, fazem parte da aventura da ciência.
Ronald Cintra Shellard
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(Texto publicado na seção ‘Tome ciência’, da revista Ciência Hoje, n. 5, 1983)
Oanúncio da descoberta das partículas W ganhou as manchetes dos jornais nas últimas semanas de janeiro, a notícia talvez tenha causado surpresa entre o público leigo, mas já era aguardada com grande ansiedade pelos físicos.
A história da partícula W remonta ao longínquo ano de 1934, quando o físico italiano Enrico Fermi formulou uma teoria para as interações fracas que sobreviveu, com algumas modificações, até a década de 1960, No início desta década, muitos físicos (entre eles o brasileiro José Leite Lopes) notaram a semelhança formal que havia entre a teoria de Fermi e a teoria do eletromagnetismo, mas com uma diferença crucial. Enquanto no eletromagnetismo a interação é transmitida pelo fóton (ou, mais prosaicamente, pela luz nas suas diferentes formas: raios gama, raios X, luz ultravioleta, luz visível, ondas de rádio etc.), que pode ser imaginado como uma partícula sem massa, nas interações fracas ela é transmitida por partículas de características semelhantes às do fóton, mas para as quais se previa teoricamente uma massa relativamente grande.
Uma nova teoria das interações fracas foi sendo montada, como um quebra-cabeças, ao longo dos anos, tendo seus contornos delineados pelo cientista norte-americano Sheldon Glashow. Em 1967, o também norte-americano Steven Weinberg e, independentemente, o paquistanês Abdus Salam completaram o quebra-cabeças das interações fracas, formulando uma teoria que engloba as interações fracas e as eletromagnéticas, a teoria das interações eletrofracas. Por este avanço, os dois cientistas compartilharam o prêmio Nobel de Física de 1979 com Sheldon Glashow.
Os elementos centrais dessa teoria são os transmissores da interação, os bósons vetoriais de gauge: o velho conhecido fóton, desprovido de massa, o bóson W, com carga elétrica e massa 90 vezes maior do que o próton, e o bóson Z neutro e de massa cem vezes maior que a do próton. Essas duas partículas previstas pela teoria, a W e a Z, eram pesadas demais para serem produzidas nos aceleradores em operação na época, e seus efeitos só podiam ser observados indiretamente.
É bem verdade que a teoria de Weinberg e Salam não causou muito entusiasmo no início. Para que os físicos manifestassem maior interesse, foi necessário esperar pelo trabalho de um jovem holandês, Gerardus ‘t Hooft, que demonstrou a consistência matemática de uma classe
de teorias (à qual pertence à teoria das interações eletrofracas) chamadas teorias de gauge, e, por outro lado, pela descoberta experimental das correntes neutras (interações fracas transmitidas pelo bóson Z), ocorrida em 1973 no CERN (Centro Europeu de Pesquisas Nucleares).
Durante toda a década de 1970 e no início dos anos 80, centenas de experimentos testaram diferentes aspectos das interações eletrofracas, obtendo sempre resultados coerentes com a teoria de Weinberg e Salam. No entanto, para que a teoria conquistasse a mesma legitimidade do eletromagnetismo, era necessário comprovar-se experimentalmente a existência dos bósons W e Z, com as massas previstas.
Os físicos experimentais observaram novos tipos de partículas, examinando os fragmentos produzidos por colisões de outras partículas com energias muito altas. Contudo, nem mesmo os maiores aceleradores de partículas existentes até 1981 eram capazes de gerar a energia necessária para criar as partículas W e Z. Para observá-las, foi necessário criar um novo tipo de acelerador.
Em 1976 um grupo de cientistas norte-americanos e ingleses propôs ao CERN converter o acelerador SPS (superpróton síncrotron) em um anel de colisão de prótons e antiprótons, com energia suficiente para criar as partículas W e Z. Este acelerador, um círculo com comprimento de seis quilômetros, atravessa a fronteira entre a França e a Suíça, na região de Genebra. Os prótons são acelerados até uma energia 400 vezes superior a sua própria massa, e depois jogados contra alvos estacionários. Os fragmentos dessas colisões são observados por detectores de partículas.
Num anel de colisão, os feixes de prótons e antiprótons viajam no mesmo tubo de aceleração, mas em sentido contrário. Os feixes colidem em pontos determinados, com uma energia efetiva muito maior do que a conseguida em aceleradores de alvo fixo. Anéis de colisão têm, portanto, a vantagem de possuir energia mais alta. Por outro lado, porém, apresentam a desvantagem de produzir um número menor de colisões, dificultando a detecção de fragmentos. A proposta do anel de colisão foi bastante ousada em sua época, já que não havia nenhuma experiência anterior de tecnologia destinada a formar e controlar feixes de antiprótons.
Apesar dessas dificuldades, o SPS foi convertido num anel de colisão, e, desde o final de 1981 funciona parte do tempo como anel de colisão e parte do tempo como acelerador de alvo fixo.
Grande parte do tempo que o acelerador funcionou como anel de colisão em 1982 foi tomada pelo ajuste do controle da densidade dos feixes, mas houve também um atraso no programa de observação das partículas W devido a um acidente que ocorreu em abril, quando houve um vazamento de óleo de uma bomba de vácuo no interior de um dos detectores do anel. Finalmente, as boas novas chegaram neste início de 1983.
Ironicamente, caso a partícula W não tivesse sido observada, a comoção teria sido muito maior entre os físicos. Nesse caso, muitas coisas precisariam ser revistas em maneira de conceber à natureza. Agora, devemos aguardar alguns meses para ouvir o anúncio da descoberta da partícula Z, e a comparação das massas previstas pela teoria com as medidas obtidas experimentalmente.
Para se entender com mais detalhe como é produzida a partícula W, é preciso conhecer a estrutura do próton. Ele tem partes menores, mais elementares: três quarks – dois do tipo u (de up, para cima) e um do tipo d (de down, para baixo) –, nomes adotados por tradição (e porque seus descobridores são americanos). Os antiprótons são formados por antiquarks, e quando um quark tipo u se encontra com um antiquark d, numa colisão com altíssima energia, eles se fundem e formam uma partícula W com carga positiva. De modo análogo, se um quark d encontra um antiquark u, forma- se uma partícula W com carga negativa.