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Raios de alta energia: nova fronteira
(Entrevista concedida ao jornalista Marcos Zibordi, 2009)
Após pesquisadores detectarem raios cósmicos ultraenergéticos, o desafio é saber exatamente como eles são produzidos em galáxias distantes.
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Situado em Malargüe, região semidesértica no oeste da Argentina, o Observatório Pierre Auger é o maior do mundo em sua especialidade, o estudo de raios cósmicos. O observatório também é único no arranjo dos seus detectores, que cobrem uma área três vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro. Além dos detectores terrestres, os pesquisadores contam com 24 telescópios especiais. Sua construção começou em 2000. Não havia nada similar no hemisfério Sul. A iniciativa envolveu 17 países e conta hoje com quase 400 pesquisadores de todo o mundo, entre eles brasileiros. O resultado mais importante obtido pelo Observatório foi desvendar, em 2007, a origem dos raios cósmicos ultraenergéticos, um dos maiores mistérios da natureza, fato que promete abrir um novo campo de estudo para a física. Uma nova unidade do Observatório deverá ser construída no Colorado, Estados Unidos, com estrutura maior que a do congênere argentino — exatamente sete vezes maior. Deverá custar em torno de US$ 120 milhões, valor barato se comparado a muitos experimentos realizados hoje em dia. Os cientistas do Observatório Pierre Auger desvendaram um dos maiores mistérios da natureza, a origem dos raios cósmicos ultraenergéticos.
O que são eles? Em novembro de 2007, anunciamos que tínhamos identificado pela primeira vez raios cósmicos em relação aos quais podíamos dizer claramente que vinham de fora de nossa galáxia. E mais do que isso: conseguimos associá-los a certas regiões do espaço, as galáxias com núcleos ativos. Tomamos muito cuidado para não dizer que tais núcleos estão produzindo os raios cósmicos, mas que estão associados a eles, que há uma correlação. Quem defini-los de forma definitiva provavelmente ganhará o Prêmio Nobel. Estamos tentando desvendar, pelas beiradas.
Os raios cósmicos de alta energia são muito raros? Registramos cerca de milhões de eventos todos os anos e medimos sua energia. Os raios cósmicos ultraenergéticos têm energia mais de mil vezes maior do que aquela disponível numa colisão do LHC, o mais potente acelerador de partículas já construído. Nós estudamos somente raios cósmicos de energia muito alta, não os de baixa energia, pelos quais somos bombardeados o tempo todo - pelo menos uma centena de raios cósmicos atingem nossos corpos a cada minuto; se você colocasse um detector, ficaria alarmado, mas eles têm energia muito baixa, milhões de vezes menores que a dos raios ultraenergéticos. Quanto maior energia, mais raros são. Depois de três anos de pesquisa, eles não chegaram a uma centena.
A descoberta de vocês é considerada uma das mais importantes no último século. Por quê? Quanto aos raios cósmicos comuns, uma parte vem do Sol, outra das galáxias, provavelmente resultado da explosão de estrelas. Mas quando eles chegam à Terra, não apresentam nenhuma pista do local de onde saíram. Porém, as partículas com energia muito grande são pouco afetadas na trajetória até o nosso planeta, mantendo sua integridade. Descobrimos que elas vêm em linha reta de uma distância equivalente a mais de cem vezes a distância entre Terra e Andrômeda, uma galáxia vizinha.
Qual a origem dessa limitação da distância? Um fenômeno existente na natureza que conhecemos desde 1964 e que rapidamente as pessoas se deram conta de que isso iria afetar os raios cósmicos de energia muito alta, a radiação do fundo do universo. Hoje ela é conhecida em detalhe, uma espécie de retrato da luz remanescente da grande explosão inicial, do Big Bang.
Como é a participação dos brasileiros no Observatório Pierre Auger? Esse é o primeiro grande experimento internacional onde todas as partes têm pesos equivalentes, não existe um país predominando. Nós brasileiros correspondemos a 10% da colaboração, os americanos talvez correspondam a 15%, os alemães, a 14%. O poder e as decisões são divididos de forma equitativa, em contraste com outros grandes experimentos, como o CERN, onde são os europeus que dão as cartas. No Observatório Pierre Auger, brasileiros e argentinos controlam uma parcela significativa das tarefas, dos programas. Detalhe: o Observatório foi construído na Argentina no meio da crise econômica do início dos anos 2000, e eles mantiveram seu compromisso, nós também.
A indústria brasileira também foi beneficiada? Nós contribuímos com cerca de 10% do custo do Observatório na Argentina, mas, detalhe: quase todo o dinheiro foi gasto em encomendas a indústrias brasileiras, que aprenderam a trabalhar com demandas mais rigorosas, sendo que algumas delas tiveram avanços. Por exemplo, a companhia que faz os detectores (que são uma espécie de grande tanque) é do Rio Grande do Sul e seu principal produto são implementos agrícolas construídos com plásticos. O que precisávamos não era da área de produção deles, que faziam tanques para agricultura. Então existe esse outro lado, de desenvolver a indústria, que é interessante.
* Coleção Caros Amigos, Grandes cientistas brasileiros, fascículo 2, Florestan Fernandes e César Lattes, Editora Casa Amarela, 2009.