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Discurso no lançamento do selo em homenagem a César Lattes
(Pronunciado em evento no CBPF em 2018)
Se voltarmos nosso olhar para a história da ciência no Brasil no século passado, veremos que este país teve, pelo menos, três pesquisadores cujo nome e fama extrapolaram os muros da academia e alcançaram o grande público: Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e César Lattes.
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Hoje, vamos nos deter a falar um pouco sobre Lattes, físico experimental e um dos fundadores desta instituição, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.
Nascido em 11 de julho de 1924, em Curitiba, Paraná, Cesare Mansueto Giulio Lattes ‒ ou apenas César Lattes ‒ já foi chamado ‘nosso herói da era nuclear’. Tal classificação é justificada pelo fato de ele ter, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, participado, em Bristol, Inglaterra, em 1947, como membro da equipe do físico britânico Cecil Powell, da detecção de uma partícula subatômica denominada méson pi, responsável por manter o núcleo atômico coeso. Do ponto de vista científico, essa descoberta foi extremamente importante, pois solucionou um problema ao qual as então mentes mais brilhantes da física tanto teórica quanto experimental se dedicam havia dez anos.
A detecção do méson pi, a partir do estudo da radiação cósmica ‒ núcleos atômicos que vêm do espaço ‒ mostrou que o méson mi, detectado em 1937, não poderia ser o méson pi, partícula subatômica proposta pelo físico japonês Hideki Yukawa ainda em 1935 ‒ e esta sim aquela que agia como ‘cola’ das partículas nucleares.
No entanto, Lattes foi além. No ano seguinte, transferiu-se para Berkeley, Califórnia, para trabalhar com o colega norte-americano Eugene Gardner no então maior acelerador de partículas do mundo, o sincrocíclotron de 184 polegadas, na Universidade da Califórnia.
Aquela máquina havia custado cerca de 1,7 milhão de dólares ‒ fortuna para a época ‒ e havia sido construída com uma função básica: produzir mésons. No entanto, desde que começou a funcionar, em 1 de novembro de 1946, essas partículas subatômicas não haviam sido detectadas naquele equipamento ‒ o que causava certo constrangimento nos construtores daquele acelerador.
Lattes chegou a Berkeley e, em cerca de 10 dias, visualizou os mésons pi nas chapas fotográficas usadas como detector no sincrocíclotron ‒ Lattes havia se aperfeiçoado nessa técnica fotográfica nos cerca de dois anos que havia passado em Bristol.
Essa produção do méson pi em um acelerador ganhou a mídia da época ‒ era interesse do próprio laboratório de radiação, onde Lattes fez a descoberta juntamente com Gardner, que esse feito fosse propagandeado, pois o líder do laboratório, Ernest Lawrence, prêmio Nobel de 1939, tinha planos de, com base nesse feito de Lattes e Gardner, angariar fundos governamentais para construir uma máquina ainda maior ‒ acelerador que, por sinal, começou a funcionar cerca de cinco anos depois e produziu o primeiro antipróton da história, dando o Nobel aos autores da descoberta.
A mídia brasileira também repercutiu o caso, incensada por uma campanha pública que tinha como um de seus líderes o físico José Leite Lopes, cujo nascimento, por sinal, completa 100 anos agora ‒ convido a todos os presentes a apreciarem a exposição sobre Leite na parte externa deste prédio, ao final desta cerimônia.
Essa campanha foi marcada por uma aliança entre cientistas, militares, intelectuais, artistas, jornalistas, empresários, escritores etc. Ou seja, reunia a fina nata dos formadores de opinião naquele Rio de Janeiro do final da década de 1950. O objetivo desse movimento eram basicamente dois: 1. Formação de um centro brasileiro em pesquisas em física ‒ este aqui
onde estamos hoje; 2. Regime de dedicação integral à pesquisa, um pleito que vinha desde a década anterior, fomentado nos corredores e nas salas das universidades. Os militares, por sua vez, tinham interesse em dominar o ciclo completo da energia nuclear – hoje, graças àqueles visionários, o Brasil tem esse conhecimento e tecnologia.
Lattes tornou-se então nosso herói da era nuclear. Seus feitos mostravam que o Brasil ‒ talvez, pela primeira vez na história da física neste país ‒ havia participado do que ocorria nos centros mais avançados de física. Talvez, o Brasil tenha sido o único país do dito Terceiro Mundo a perceber a mudança geopolítica que ocorria no mundo depois do fim daquele trágico conflito: conhecimento é poder. Poder político e econômico. Alguns historiadores denominam essa percepção como ‘metafísica da Guerra Fria’.
Lattes, ao voltar ao Brasil, impulsionou a física experimental neste país a ponto de, sem errarmos, podermos dizer que a história dessa área no Brasil divide-se entre antes e depois de Lattes. Para se ter uma ideia, o CBPF, fundado em 15 de janeiro de 1949 ‒ portanto, ano que vem completamos 70 anos ‒, tinha um laboratório a 5,5 mil metros de altitude, no monte Chacaltaya, para estudar a radiação cósmica. Levou para lá, no início da década de 1950, uma câmara de nuvens, por meio de uma logística complicada. Como base de comparação, a Europa, destruída pela guerra, unia-se para construir o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, CERN, onde está hoje o mais potente acelerador de partículas do mundo.
Vale a esta altura dizer o que havia de física experimental nesse país até a década de 1920: o Laboratório Didático da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, montado pelo astrônomo e físico Henrique Morize. Na década seguinte, a Universidade de São Paulo, por meio do ítalo-ucraniano Gleb Wataghin, havia lançado equipamentos eletrônicos com a ajuda de balões. Os resultados desses experimentos representam as primeiras inserções da física brasileira no cenário internacional. Mas, mesmo assim, era uma física, apesar de avançada, barata.
O laboratório de Chacaltaya, com base no dinheiro nele gasto e pessoal envolvido, pode ser classificado como um tipo de ‘nossa Big Science’. E Lattes foi seu grande mentor, como também esteve à frente de outro grande projeto experimental, também em Chacaltaya, chamada Colaboração Brasil-Japão, iniciada por volta de 1960 e cujos trabalhos se estenderam até a década de 1980.
Poucos sabem, mas recebeu sete indicações para o Nobel de Física ‒ o porquê de não ter ganhado é ainda tema para os historiadores da física.
Por seus feitos, Lattes foi amplamente premiado e reconhecido. Hoje, recebe mais esta homenagem, certamente justa, reconhecimento dos correios aos cientistas brasileiros.
Podemos arriscar dizer que Lattes se sentiria muito orgulhoso, pois tinha grande apreço por este país e pela cultura de nosso povo.
Obrigado.