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Sobre ciência, no Brasil, nem o óbvio é óbvio
(Preparado como editorial para o portal do CBPF, 2020)
Hoje, há consenso no mundo de que ciência é um patrimônio importante para qualquer sociedade. Não só pelos valores culturais que traz para a humanidade, mas também pela percepção de que é instrumento importante para criar riqueza e bem-estar.
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Não é diferente no Brasil. E, por causa da pandemia, a palavra ciência é uma das mais citadas em noticiários, declarações etc. – em quase tudo que se refere à crise. Mas não causará espanto caso, passada a crise, voltemos à habitual afirmação dos dirigentes da nação de que ‘ciência é muito importante, mas não há dinheiro’. E uma das razões pelas quais não haverá dinheiro para a ciência é porque os investimentos em... ciência (!) foram – e seguem sendo – inadequados, tendo como referência o tamanho da economia do Brasil.
Um país do tamanho do Brasil para ter uma economia competitiva no cenário internacional – e, mais ainda, com o perfil de país continental e, consequentemente, com as responsabilidades intrínsecas dessa estatura – tem que ter uma infraestrutura científica lastreada em institutos de pesquisas e universidades, complementada pela pesquisa empresarial.
A situação atual – herança antiga – é ridiculamente precária e instável. A pesquisa universitária sofre com a fragilização das agências de fomento, bem como a falta de recursos e bolsas para a formação científica. Mas a outra ‘perna’ do sistema – o sistema de institutos de pesquisas, que tem papel estratégico nas políticas públicas – é ainda mais frágil.
Em geral, há um balanço entre o número de cientistas que atuam em universidades e institutos de pesquisas em boa parte dos países desenvolvidos. No Brasil, porém, essa relação é muito desequilibrada: cerca de 20 vezes mais cientistas nas universidades do que nos institutos de pesquisas – e não se pode argumentar que há muitos cientistas nas universidades.
O trabalho dos cientistas em universidades e institutos de pesquisas é complementar, mas com importantes diferenças. Enquanto, na universidade, cientistas contam com a liberdade acadêmica, nos institutos, o trabalho deles está alinhado com as missões especificas de cada instituição.
Por sua vez, essas missões estão alinhadas às estratégias públicas do Estado (não de governo!) e têm como foco resolver desafios científicos e tecnológicos. Por exemplo, neste momento, cabe à Fiocruz coordenar todo o trabalho de pesquisa associado à pandemia no Brasil.
Os institutos de pesquisas têm o papel de gerar novas tecnologias para atender aos desafios científicos e deveriam ser centros de treinamento avançado para quadros técnicos que, depois de um tempo no ambiente científico, levam essa cultura para o meio empresarial. É assim que funciona em inúmeros países.
Retrato da situação dos institutos de pesquisas do Brasil está em uma comparação global de institutos de pesquisas: http://research.webometrics.info/en/world. Nela, podemos ver que a primeira instituição brasileira é a Fiocruz, em posição 82 em número de pesquisadores. Nesse mesmo quesito, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro (RJ) – sexta instituição brasileira no ranking da avaliação – ocupa a posição 821, mas está mais bem classificado (322) em produção científica.
Fortalecer a infraestrutura de institutos de pesquisas é um desafio importante para qualquer governo interessado em melhorar a economia do país. Mas esses institutos têm um papel mais importante do que isso: são instrumentos relevantes para melhorar o bem-estar da população deste país. Parece trivial, mas isso precisa ser dito e repetido, pois, no Brasil, quando o assunto é ciência, parece que nem o óbvio é óbvio.