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Planejamento estratégico dos institutos de pesquisa do MCTIC

(Versão preliminar) INTRODUÇÃO

O mundo passa hoje por uma das mais rápidas transformações, na história da humanidade, com as consequências inevitáveis para a civilização humana. Claramente, o próprio sistema econômico mundial sofrerá transformações com profundo impacto no cotidiano das pessoas. O motor destas transformações tem como alicerce a maturidade do conhecimento científico e a capacidade para transformações tecnológicas, atividades intrinsicamente associadas. Essas transformações, que têm induzido um bem-estar para todas as populações da Terra, evidentemente de forma bastante inomogênea, trazem também riscos para a civilização, exemplificadas de forma mais dramática pela questão de mudanças climáticas. Temos hoje ferramentas que podem nos ajudar a mitigar os efeitos de catástrofes naturais como as pandemias que assolam as populações, terremotos, ou erupções vulcânicas, para citar algumas. Porém, elas têm que ser aprimoradas, para maior eficiência.

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Um país com as dimensões do Brasil, com seus desafios e oportunidades, para ter uma economia competitiva no cenário internacional – e, mais ainda, com o destino de país continental e, consequentemente, com as responsabilidades intrínsecas dessa estatura – tem que ter uma infraestrutura científica robusta e moderna, lastreada em institutos de pesquisas, bem como em universidades, complementada pela pesquisa empresarial, formando um consistente sistema integrado de CT&I.

No entanto, há de se reconhecer que, mesmo hoje, o tema Ciência e Tecnologia não tem a visibilidade e nem é considerado, nos centros de poder do país, como essenciais para a preparação do futuro. É paradoxal essa percepção, pois se olharmos para o histórico do desenvolvimento do país, quando o crescimento econômico nos levou a estar entra uma das dez maiores economias, durante a segunda metade do século passado, com um dos maiores índices de crescimento, ele está profundamente associado ao processo de expansão do sistema universitário brasileiro e à introdução dos programas de pós-graduação pelo país afora.

O Brasil conta hoje com um aparato científico e tecnológico significativo, com um potencial para expansão a um custo compatível com os desafios econômicos. Passamos por um processo de crise econômica que, em breve, completará uma década. Superá-la passa, claro, por mudanças estruturais, mudanças legislativas, processos nem sempre triviais. No entanto, um elemento, para qualquer programa de superação de nossas dificuldades, é cristalino: o fortalecimento da nossa infraestrutura de Ciência e Tecnologia. É óbvio que o termo Inovação tem que estar associado a este processo e é consequência de um ambiente vigoroso de C&T, sem esquecer, claro, de ambiente estimulante para negócios.

Por outro lado, a pauta, hoje, dos países de qualquer natureza, é o Desenvolvimento Sustentável e o alicerce para essa agenda requer um sistema bem estruturado de Ciência e Tecnologia.

O PAPEL DOS INSTITUTOS DE PESQUISAS

O Brasil, por razões históricas, oferece um contraste marcante com a prática científica de grande número de países. Nos países que têm situação econômica próspera há um balanço entre o número de cientistas atuando em universidades e institutos de pesquisas. Este equilíbrio é chave para sua competência no desenvolvimento em C&T e, principalmente, em Inovação.

No Brasil, porém, essa relação é bastante desequilibrada, com número pequeno de cientistas em institutos de pesquisas – sem que sequer se possa argumentar que haja muitos cientistas trabalhando nas universidades.

O trabalho dos cientistas em universidades e institutos de pesquisas é complementar, mas com importantes diferenças. Enquanto, na universidade, cientistas têm a liberdade acadêmica como norteador de suas agendas de pesquisas, nos institutos, nosso trabalho está alinhado às missões especificas de cada instituição. Por sua vez, essas missões, alinhadas às estratégias e políticas públicas do Estado, têm como foco resolver os grandes desafios científicos e tecnológicos com que se confronta a nação.

A sociedade organizada sempre buscou entender as complexidades do seu universo num sentido bastante amplo. O conhecimento foi sempre visto como elemento de vantagem competitiva entre as diferentes sociedades. O próprio exercício de conceber desafios científicos é parte importante do avanço do conhecimento, pois implica em conceber as ferramentas que permitam abordar os desafios e a experiência mostra que ferramentas desenvolvidas para determinado fim acabam encontrando aplicações completamente inesperadas (e frequentemente disruptivas), claramente sendo indutores de inovações.

INSTITUTOS DE PESQUISAS E INOVAÇÃO

Os institutos de pesquisas têm o papel de gerar novas tecnologias com o objetivo de atender aos desafios científicos impostos ao País e deveriam ser centros de treinamento avançado para quadros técnicos que, depois de um tempo em ambiente científico, levam essa cultura para o meio empresarial. É assim que funciona em grande número de países.

No entanto, o que move os cientistas é a busca de conhecimento, a solução de problemas e a busca para os problemas de natureza científica com muita frequência é o motor da geração de novas tecnologias. Estas tecnologias, geralmente, encontram aplicações de interesse da sociedade, que amiúde não eram a intenção inicial de seus inventores ou desenvolvedores.

O exemplo, relativamente recente, mais emblemático desse processo foi a invenção da world wide web, ou simplesmente a web, inventada no CERN no início dos anos 1990, originalmente uma ferramenta para troca de informações de cientistas trabalhando em grandes colaborações internacionais no então acelerador LEP. O impacto econômico gerado por essa invenção é fantástico, mas não previsto pelos seus inventores. A propósito, o primeiro locus de uso desta ferramenta foi em institutos do então MCT. A invenção da microeletrônica está muito associada ao programa de pesquisas espaciais do século passado. Vários equipamentos de diagnóstico médico moderno têm origem em pesquisas que não tinham nenhuma relação com a saúde.

Porém, há outro aspecto, que tem lugar especial no Brasil, que é o desenvolvimento de uma economia que tenha um lastro significativo no uso do conhecimento da nossa biodiversidade, de forma sustentável, com aplicações que vão de alimentos a medicamentos. Não só isso. A compreensão do impacto ambiental das mudanças climáticas, com as consequências para nosso futuro como civilização, as consequências desse impacto sobre todas as atividades sociais e econômicas são hoje ferramentas essenciais para guiar o estado em suas decisões políticas. Esse conhecimento e os consequentes estudos estão dispersos e fragmentados e é uma tarefa central estabelecer uma razoável coerência para que sejam mais eficientes.

A organização do conhecimento sobre os biomas brasileiros também está dispersa e fragmentada e sua organização é também um objetivo essencial quando nos referimos a uma Sociedade Sustentável.

Os temas mencionados acima fazem parte das missões de alguns dos institutos de pesquisas brasileiros e é seu papel gerar as ferramentas que permitam a organização e expansão do conhecimento referidos.

FINANCIAMENTO DOS INSTITUTOS DE PESQUISAS

A situação atual dos institutos de pesquisas do MCTI enfrenta grandes dificuldades. A principal delas é a dificuldade em expandir seu corpo de funcionários e, em particular, contratar e atrair pesquisadores, tecnologistas e técnicos jovens. No contexto atual dos institutos, há pouquíssimas possibilidades de que essa situação possa ser equacionada e solucionada, no arranjo jurídico presente. Por outro lado, a persistir o atual arranjo, os institutos têm grande chance de simplesmente se desfazerem devido ao grande número de funcionários que já estão aptos a pedir aposentadoria. Na ciência, jovens são parte importante do processo.

PAINEL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Este documento complementa os outros estudos realizados dentro deste contexto de Planejamento Estratégico associado à Ciência e Tecnologia. Seu objetivo é propor a criação de um Painel de Ciência e Tecnologia que oriente as ações das instituições associadas ao Ministério e estabeleça um guia que guie a expansão dos instrumentos do Estado Brasileiro para abordar desafios que possam ser entendidos como responsabilidades do Estado, em suas diferentes configurações.

Um Painel de Ciência e Tecnologia, que evidentemente tem o caráter de referência, deve ser intrinsecamente atualizado com periodicidade bem definida. A criação e atualização deste painel, certamente, deve envolver os cientistas, os agentes econômicos, os agentes políticos e os diferentes segmentos da sociedade comprometidos com os temas em questão.

CIÊNCIAS BÁSICAS E APLICADAS

Grande número de países avançados dedica uma fração de seus investimentos de ciência e tecnologia na abordagem de conhecimentos mais básicos sobre a natureza, num sentido genérico, estudando desde a matéria nos seus detalhes mais fundamentais até a grande estrutura do cosmos. Geralmente, essa classe de pesquisas envolve grandes organizações de natureza internacional. A razão para isto é que o conhecimento hoje nestas áreas está aquém da capacidade de um único país realiza-las. A gama de tópicos em ciência básica é muito ampla. A distinção entre ciência básica e aplicada nem sempre é óbvia. Neste contexto, não as separamos, e são temas com frequência associados em institutos de pesquisas. Uma pequena amostragem de temas relevantes: • Física das altas energias e astropartículas, astronomia • Nanotecnologias • Física teórica • Computação quântica • Matemática • Desenvolvimento de instrumentação científica • Aceleradores de partículas (Sirius) e suas aplicações • Ciências nucleares • Materiais avançados • Aceleradores para aplicações em saúde • Instrumentos para aplicações médicas • Outros

O Brasil tem grandes biomas com características específicas que exigem atenção dedicada. Para cada bioma, é importante definir os desafios implícitos, as metas a serem alcançadas e a descrição de ferramentas necessárias. Uma definição mínima comporta os principais biomas brasileiros. Cada um deles comporta uma gama enorme de desafios e delineamentos de prioridades a serem estudadas. • Amazônia • Mata Atlântica • Caatinga • Cerrado • Pantanal • Oceano • Rios, lagos, pântanos • Outros

MEIO AMBIENTE

Definição de objetivos para caracterização de questões de meio ambiente separando-as dos biomas, nem sempre possível. • Mapeamento e caracterização dos solos e subsolos brasileiros • Mapeamento e caracterização da atmosfera e seus componentes • Monitoramento de poluição atmosféricos e das águas • Mudanças climáticas • Mudanças nas características ambientais locais • Outros

BIODIVERSIDADE

Definição de objetivos para caracterização da biodiversidade. Estabelecimento de metas para serem alcançadas. Ferramentas necessárias para levar a cabo o enfrentamento dos desafios. • Mapeamento e caracterização de animais macroscópicos, mamíferos, aves, répteis, insetos etc. • Mapeamento e caracterização dos biomas microscópicos, na superfície e em ambientes não visíveis. • Mapeamento e caracterização dos diferentes biomas vegetais. • Estudo da estabilidade das diferentes formas de vida • Estudos das modificações nas características ecológicas de ambientes • Outros

CLIMA

Definição de objetivos para caracterização da estrutura climática. Hoje, a compreensão deste tema não está restrita apenas ao território nacional, mas se estende a todo o globo, devido às sutis interações entre os diferentes ambientes. • Mapeamento e caracterização do clima ao redor do mundo • Interação do clima e meio ambiente • Efeito da poluição atmosférica e das águas • Simulações sobre mudanças climáticas • Outros

Descrição dos objetivos do programa espacial, suas metas presentes e futuras e definição de tecnologias necessárias para levar a cabo o programa. Programas de cooperação internacionais. • Satélites para monitoramento ambiental e do espaço nacional • Satélites para transmissão de informações • Satélites para aplicações científicas • Satélites para aplicações de defesa nacional • Desenvolvimento de instrumentação para o espaço • Desenvolvimento de lançadores • Outros

ENERGIA

A mudança na matriz energética dos países, buscando tecnologias que tenham um impacto mais brando na natureza, requer bastante estudo e pesquisas. • Energias renováveis • Energia nuclear • Desenvolvimento energético • Outros

BEM-ESTAR E ESPORTES

Explicar por que pesquisa em temas de natureza esportiva e modos de vida onde cabe ao Estado agir. Foi incluído aqui como um tema a ser explorado mais adiante.

MEMÓRIA CIENTÍFICA

Preservação da memória científica, em arquivos digitais, arquivos físicos, museus, são em muitas situações responsabilidade do Estado. • Arquivamento da memória científica do país • Museus e exposições científicas • Segurança e preservação da informação científica • Outros

CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Tecnologia da informação apresenta hoje muitas faces e é hoje um dos principais instrumentos acessíveis que permeiam a sociedade. • Informação científica • Distribuição de informação científica • Inteligência artificial • Grande quantidade de dados (Big Data) • Sociedade digital • Outros

Os problemas que afligem os grandes aglomerados humanos são hoje foco de pesquisas científicas e novos desenvolvimentos tecnológicos. • Integração metropolitana • Tecnologias para saneamento básico • Tecnologia de transportes • Cidades inteligentes • Construções eficientes • Segurança pública • Outros

SAÚDE

Temas gerais de saúde. Este tema é prioritariamente do Ministério da Saúde, mas na área de instrumentação científica, informação científica, simulações numéricas, os institutos do MCTIC têm muito a contribuir. • Instrumentos de diagnóstico médico • Aplicações de aceleradores para tratamento de câncer • Tecnologia digital aplicada ao cenário de cirurgias • Tecnologia digital para diagnósticos médicos, aplicando inteligência artificial. • Outros

DEFESA

Aqui também temos temas que são da alçada dos institutos de pesquisas militares. Porém, novamente aqui os institutos do MCTIC podem contribuir com temas como instrumentação científica e tecnológica, processamento de informações, simulações numéricas. Ferramentas para o monitoramento de diferentes aspectos do território nacional não são encontradas em prateleiras. Nunca é demais lembrar que países sempre buscaram no aparato científico e tecnológico, quando foi necessário dar um salto em sua capacidade de defesa. • Ciência e tecnologia para a defesa • Outros

ALIMENTOS

O tema de segurança alimentar está conectado com o Ministério da Agricultura e tem sua expressão na Embrapa. No entanto, aqui também vale explorar as tecnologias que estão associadas aos institutos do MCTIC. Neste tema, o avanço da ciência tem papel central em agregar valor ao processamento de material agrícola natural, onde hoje o Brasil é um dos países mais eficientes. Há um enorme campo de desafios nesta área, que vale a pena ser desdobrada neste texto.

SUMÁRIO

Este texto tem a função de ser provocativo; é um mero rascunho em explorar uma ideia. Os grandes temas aqui expostos, de modo algum, são exaustivos e deveriam ser expandidos para incluir outros temas relevantes. Há alguns temas com profunda inter-relação, exemplo: Clima e Meio Ambiente, ou Biomas e Biodiversidade. Este texto deve ser visto apenas como o início de uma discussão, se ela couber no processo de Planejamento Estratégico das instituições dedicadas às pesquisas científicas e tecnológicas do Estado brasileiro.

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