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Filhos e ‘filhos’

Nossa interação se tornou ainda mais próxima. Muitas tardes, depois do expediente, que terminava às 17h, costumávamos conversar na sala dele para discutir a agenda de comunicações do CBPF ou simplesmente jogar conversa fora.

Não era incomum encontrar sobre a mesa dele esboços feitos a lápis de instrumentos, aparelhos, detectores etc. E também pilhas de artigos, que ele imprimia e fazia questão de apertar os grampos com um alicate que ficava sempre ao alcance da mão. Eu costumava brincar, dizendo que, pela presença da ferramenta, era fácil saber que a sala era de um experimental.

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Na verdade, descobri que, para ele, valia o dito popular “casa de ferreiro, espeto de pau”, pois era incapaz de trocar uma lâmpada em casa ou ler um manual de instruções – certamente, soa paradoxal para um experimental apaixonado por máquinas e instrumentos.

Shellard conhece Elisa. Na verdade, ela o notou um dia em que ele foi conversar com o então diretor da Ciência Hoje, o físico Ennio Candotti – hoje, diretor do Museu da Amazônia (MUSA). Shellard sempre teve presença marcante: tinha 1,90 m ou por aí.

Passado algum tempo, Elisa – com quem sempre tive muita amizade, porque trabalhamos juntos na revista por cerca de 20 anos –, me pegou pelo braço e me levou para fora da sede da revista, a famosa ‘Casa Rosa’, antigo laboratório de pesquisas de física nuclear e radioatividade do CBPF, no campus da Praia Vermelha da UFRJ.

Da frente da casa, ela apontou para um homem alto no meio de um aglomerado de pessoas e disse: “Eu vou me casar com ele”. Perguntei: “Ele sabe disso?”. E ela respondeu: “Ainda não!” e deu risadas.

O casamento de 25 anos com Elisa somou a Shellard dois enteados, Tiago Santos de Mello Leitão, administrador de empresas, e João Cândido Santos de Mello Leitão, presidente do Grupo A Tarde, que publica o jornal A Tarde, na Bahia, ligado à família do pai. O primeiro mora em Salvador; o segundo, no Rio.

E, como o casal gostava de dizer, havia mais um sem-número de ‘filhos’ caninos. Começou com Hope e Tim; depois, ficaram com Tom, da primeira ninhada – este último, Shellard dizia, era meio “bobão”, por ser sempre enganado por outros cachorros na hora de brincar. Depois, veio a Nina. Todos labradores.

Shellard deixou três outros filhos caninos: Isaac Newton (popularmente, Zeca), pastor bernese; Cecília Beatriz, shitzu; e Play(boy), bull terrier, que arrancou alguns ‘filés’ do dedo do dono – hoje, mais calmo, depois de tratamento com duas doses diárias de fluoxetina.

Faça constar da lista o papagaio ‘bicador e mal-humorado’ Joca, que só obedecia à Elisa, e a tartaruga Margarida, que, pela longevidade da espécie, deve estar ainda em sua primeira infância.

O casal viveu por um tempo em um apartamento na Lagoa; depois, mudou-se para casa no bairro do Horto; e, finalmente, passou a morar em ampla casa na Urca, onde viviam também os sogros, Hélio de Andrade Santos, médico, e sua mulher, Margarida da Costa Santos, ambos já falecidos. Lá, recebiam muitos amigos – o que eles faziam com prazer. Eram ótimos anfitriões.

Shellard – que, geralmente, caminhava os dois ou três quarteirões até o CBPF – tinha um quarto de trabalho, com biblioteca de respeito sobre física, divulgação científica e literatura – para esta última, era eclético, mas só lia bons autores. Como os livros já não cabiam mais na estante, que ocupava uma parede inteira, eles passaram a se acumular nas mesas, no chão, nas cadeiras.

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