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Trabalho hercúleo

Nunca escutei Shellard falar muito sobre o Delphi. Fiquei ciente dessa ligação com o experimento do CERN em artigo dele para a Revista do CBPF, publicada, em 2002, na gestão de João dos Anjos, então diretor da instituição e um dos quatro brasileiros que foram para o Fermilab em consequência do acordo com esse laboratório norte-americano.

Shellard vai para o CBPF em 1994, em momento em que não havia concursos no sentido em que entendemos hoje pelo termo. À época, a instituição formava banca e julgava os currículos do candidato.

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Shellard, então, passaria a acumular suas funções na nova instituição e no Departamento de Física da PUC-Rio, o que se manteve até 2010, quando – por pressões da reitoria desta última universidade para a dedicação integral – ele foi forçado a optar por um dos dois cargos. Como sabemos, ficou com o CBPF. Pouco antes, esse departamento passaria por crise financeira substancial, o que levou à transferência de vários de seus membros para o Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, evento que causou polêmica na comunidade carioca de físicos.

No CBPF, Shellard associou-se a novo experimento internacional ligado ao estudo de raios cósmicos: o Observatório Pierre Auger, que, nos anos seguintes, seria instalado nos pampas argentinos – a localização tem a ver com o fato de o experimento necessitar tanto de grandes áreas planas quanto de proximidade com a indústria (no caso, brasileira) para a fabricação de cerca de 1,5 mil tanques com grandes volumes de água pura, ‘coração’ do experimento.

Nos anos seguintes, o Auger tornou-se a menina dos olhos de Shellard. A participação brasileira sempre foi reconhecida como importante no experimento. Shellard, mais uma vez, tratou de divulgar o máximo possível essa iniciativa. À época, lembro-me de longa reportagem para a revista Superinteressante, em momento em que os membros dessa colaboração se reuniam em lugar paradisíaco no litoral do Rio de Janeiro.

Tiomno fala da capacidade de Shellard de organizar ‘workshops’. Em 2013, fui testemunha disso. Acompanhei de perto – e colaborei – com seu trabalho hercúleo – aqui, o adjetivo não é exagero – para organizar a Conferência Internacional de Raios Cósmicos (mais conhecida pela sigla ICCR), que ocorreria no Rio de Janeiro (RJ). Como chairman, ele impôs mudanças na edição brasileira – segundo contam colegas na edição especial de Ciência e Sociedade, essas alterações permaneceram desde então. Vale aqui destacar a parte de assessoria de imprensa do evento. Plano para essa atividade foi estabelecido com meses de antecedência, com ampla participação do setor do Núcleo de Comunicação Social do CBPF. A ideia era seguir o modelo comum na mídia norte-americana: vários comunicados à imprensa foram lançados antes do início do evento, para ‘atiçar’ a mídia.

A conferência tinha, pelo menos, dois ‘ganchos’ de interesse para a imprensa: i) o fato de a natureza da matéria escura (misterioso componente responsável por cerca de 25% da massa do universo) poder ser anunciada – o que acabou não acontecendo; ii) a sonda Voyager I estava prestes a deixar o Sistema Solar – o que ocorreu, e, pela primeira vez, um artefato romperia essa fronteira.

O encontro ganhou as reportagens em jornais, rádios, blogues, TVs etc. Ou seja, em termos de divulgação, o evento foi um sucesso, arrisco dizer.

Shellard, diferentemente de cientistas de sua geração, reconhecia a importância da mídia para a ciência. Foi o responsável por fortalecer o setor de comunicações do CBPF e dar apoio

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