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Distância e profundidade ausentes

Distância e profundidade. Este texto deveria, obrigatoriamente, oferecer a quem o ler essas características, para que fosse coerente com os preceitos tanto do jornalismo quanto da história da ciência. Mas nenhuma delas estará nele.

A distância (ou, no jornalismo, imparcialidade) estará borrada nestas páginas pela proximidade de décadas entre este signatário e o biografado; a profundidade (ou, na história da ciência, a pesquisa meticulosa de documentos e arquivos) nasce asfixiada por imposição impiedosa do tempo para finalizar esta obra – e, de certo modo, pela pressa com que esse meu amigo nos deixou.

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Então, o que oferecer a quem se interessar por estas notas biográficas um tanto tortas e enviesadas do físico experimental Ronald Cintra Shellard? Resposta: aqui, como sugere o título, se encontrará apreciação pessoal e, certamente, enviesada de nossa personagem, baseada em fatias finas do cotidiano que, com ele, dividi no trabalho, em conversas formais e informais, em passeios, em visitas. É tarefa das mais árduas esboçar uma vida e obra a partir dessa argamassa imaterial, a qual o tempo cuida de mesclar a visões e memórias pessoais.

Neste texto, minhas palavras estarão cumprindo basicamente duas tarefas: i) explicitar passagens factuais da carreira de Shellard; ii) preencher sem-número de lacunas e omissões sobre a vida dele com o amálgama de minhas impressões.

Vale aqui citar que obra densa de detalhes sobre Shellard foi recentemente publicada pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, em número especial da série Ciência e Sociedade, com depoimentos de amigos e colegas de Shellard de longa data.

Essa edição especial trouxe perfil amplo do cientista e colega – por vezes, amigo. Aqui, gostaria de ir além. Apresentar um pouco do homem, filho, marido, pai e avô, com traços que, para mim, eram os mais marcantes à pessoa dele: bom humor e generosidade.

A ideia inicial deste capítulo era oferecer biografia curta, tipo de cronologia, com os principais fatos da vida profissional de Shellard. Resolvi repensá-la, pela temeridade de não surgir outra oportunidade para relatar a pessoa com quem convivi por décadas.

Será relato tendencioso? Certamente, sim – voltamos, portanto, à ausência da profundidade e do distanciamento. Mas é aquele que posso oferecer – que outro o faça com suas próprias palavras e experiências.

Talvez, o melhor título seria algo semelhante a What little I remember (algo como ‘O pouco de que me lembro’), autobiografia do físico nuclear austríaco Otto Frisch (19041979). Certamente, nem sou a pessoa mais adequada para isso, mas essa honrosa tarefa tocou a mim, e tentarei cumpri-la da melhor forma possível, mesmo ciente dessa temerosa responsabilidade.

Para fazer jus à imparcialidade deste relato, devo dizer que ele me ajudou muito – principalmente, em momentos difíceis –, o que não significa que minhas impressões omitirão equívocos, tensões, desentendimentos, arrependimentos etc.

A quem interessar, a produção científica de Shellard está em seu currículo na Plataforma Lattes.

O que me alenta nesta empreitada é o fato de este texto ser homenagem a ele. E, para isso, ajudam em demasia o respeito e a admiração que sempre tive por Shellard.

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