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Conheça o ‘Química em Ação’:

projeto de cultura e extensão universitária que mistura Teatro e Divulgação Científica

Aprender e ensinar nem sempre precisam seguir os métodos tradicionais, com cadernos e livros. Na maioria das vezes, alguns conteúdos estão mais presentes no cotidiano do que se possa imaginar. É o caso da Química. E a forma escolhida para comunicar e ensinar fundamentos e reações, por exemplo, podem fazer com que o público se aproxime e se interesse ainda mais por esta ciência. A partir desta ideia, foi criado o ‘Química em Ação’ (Q&A) — grupo de teatro feito pelos estudantes do Instituto de Química da USP que busca ensinar química de uma maneira descontraída.

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O projeto foi elaborado em 1985 pelo docente José Atílio Vanin, sob organização da professora Maria Regina de Alcântara, com o objetivo de comunicar a ciência de forma leve e despertar o interesse do público pela química. José dedicou grande parte de sua carreira ao ensino de Química de forma contextualizada às situações do dia a dia — não só pelo trabalho com o Química em Ação, mas também com publicações, como o livro ‘Alquimistas e Químicos: o Passado, o Presente e o Futuro’, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti em 1995, na categoria Estudos Literários.

“Ele era um grande expoente de Divulgação Cientí ca, estava sempre na mídia e escrevendo livros paradidáticos”, lembra Fábio Rodrigues, professor do Departamento de Química Fundamental e coordenador docente do Q&A, junto ao professor Lucas Rodrigues. Na televisão, Vanin atuou como consultor dos programas didáticos Eureka, da TV Cultura, e Globo Ciência, da TV Globo. “Ele foi o mentor e criador da ideia do grupo Química em Ação, que era exatamente trazer um pouco mais do teatro para dentro da química e trabalhar a química de forma mais lúdica”, completa.

As apresentações do Q&A acontecem na USP, em visitas monitoradas, em feiras e também em escolas públicas e particulares, para estudantes do ensino fundamental e médio. Atualmente, estão na coordenação discente do grupo os estudantes Ana Echeguren, Lívia Andrade, Sophia Lima e Henrique Watanabe; ao todo, são 11 integrantes ativos no projeto. Juntos, eles encenam os espetáculos ‘Química das Sensações’, que explica reações e fundamentos da química através dos sentidos; ‘Química na Quimitaverna’, que discute o fazer cientí co para o público do ensino superior; e o ‘IQ-TV’, telejornal descontraído que traz notícias sob a perspectiva da química.

Em entrevista ao Alquimista, os coordenadores discentes Ana Echeguren e Henrique Watanabe contaram sobre as motivações que os levaram a entrar no projeto. No caso de Ana, as experiências anteriores com teatro foram determinantes para a adesão ao grupo. “Minha história com o teatro é antiga, eu z 5 anos de teatro na época do ensino médio e do ensino fundamental. E vir para a USP, apesar de ser maravilhoso, ser o sonho de todo mundo, tirou isso [de mim], porque a agenda não batia mais com os horários. Então, quando eu descobri que a Química tinha um teatro, eu vim correndo e vim pelo teatro”, conta ela.

Já para Henrique, a decisão se deu pela vontade de atuar em projetos relacionados ao ensino de ciência. “Eu vim mais pela divulgação cientí ca. Antes de entrar no curso de Química, eu estava já procurando algo, porque alguns amigos meus da Poli [Escola Politécnica da USP] tinham falado de grupos de extensão de lá. Aí eu falei: 'Hum, isso parece ser interessante’, então comecei a procurar se tinha alguma coisa parecida na Química e vi que tinha a Semana da Química e tinha o Química em Ação”, lembra ele.

Com a elaboração das peças, que se atentam à linguagem e exploram visualmente reações e fundamentos químicos, o grupo contribui para a desmisti cação da Química tanto como disciplina escolar quanto como área do conhecimento, explica Fabio Rodrigues. "A visão que as pessoas têm da química é sempre de coisas ruins: 'ah, não contém produtos químicos', 'armas químicas'. Geralmente, se tem uma visão negativa na sociedade do que é a química. Acho que é um pouco daí que vem a ideia de você mostrar que a química está no nosso cotidiano, ter uma série de iniciativas para mostrar que a química é tudo. A química não é boa ou ruim. A química está aí. Agora, existem produtos, moléculas que podem fazer mal ou que podem fazer bem, existem formas de usar", comenta.

Além dos espetáculos teatrais, o grupo tem realizado o cinas práticas para explicar e demonstrar as reações. “São apresentadas reações químicas para aproximar, tentar fazer de forma mais lúdica e tirar o medo que as pessoas têm sobre o que é química, sobre o quão difícil e acessível ela é. Acho que a principal ideia que surge lá no começo e que se mantém é exatamente isso: trazer e ensinar química de uma forma mais divertida, menos séria e trazer as pessoas para se interessarem um pouco mais pela química com público de várias idades” , diz Fabio.

Nessa tarefa de buscar uma nova roupagem para os conteúdos, surgem alguns desa os interessantes. “O problema não está em explicar química, o problema está em entender o público. Acho que o maior desa o que a gente teve com isso foi quando a gente se apresentou na Paulista. É um público muito diverso. E aí, você também não sabe o nível de escolaridade daquela pessoa, de onde ela veio, você não sabe se ela é gringa. Então, esses eu acho que são os maiores percalços para a gente explicar química. O problema está em: ‘ah, eu tenho uma criança de 5 anos e preciso explicar uma reação de oxirredução: como é que eu faço isso? Como é que eu explico o que é um elétron? O que é um agente oxidante? O que eu explico?’. Tem que usar metáforas", conta Henrique.

“Uma coisa que eu gosto muito e que o grupo em geral tenta é trazer para a realidade, principalmente. Então, se você sabe para que você usa aquilo, você tem mais interesse em saber como funciona. Eu também acho que é um desa o, até mesmo nas próprias escolas — a gente lida com diferentes escolas, de diferentes faixas etárias também, e cada escola a gente sempre pergunta se o pessoal já teve aquele conteúdo. A gente acaba descobrindo na hora se aqueles alunos já tiveram a matéria. Acho que o desa o é, principalmente, lidar com o público, porque cada pessoa aprende de forma diferente. Tanto que a gente ama quando vão perguntar para a gente no nal das apresentações, porque é uma forma que a gente nalmente consegue comunicar com aquela pessoa e fazer ela entender do jeitinho que ela quer”, acrescenta Ana.

Impacto na formação acadêmica

Durante o processo de ensino, ambas as partes saem ganhando. Não se trata de um momento passivo, em que ocorre apenas a absorção de um conteúdo. Do lado daquele que está realizando a exposição, participar de atividades de divulgação cientí ca pode ser uma forma de exercitar conceitos aprendidos em sala de aula e de adquirir novas habilidades. Fabio explica que, além das iniciativas de cultura e extensão servirem como uma válvula de escape para a tensão da vida universitária, também são ambientes que favorecem a formação tanto do pro ssional que atuará como professor, quanto para aquele que seguirá no mercado. "Aqui, nós estamos formando pessoas que muitas vezes vão ser professores ou mesmo [que vão atuar] no mercado de trabalho e vão ter que ensinar, vão ter que mostrar o que elas fazem. Então, nesse grupo a pessoa que é mais inibida perde a inibição e aqueles que já são mais desinibidos aprendem como explicar de forma clara e para diversos públicos. Acho que isso é uma qualidade muito grande do grupo”.

No início de 2023, a m de atender à resolução 07/2018 do Conselho Nacional de Educação (CNE), a Universidade de São Paulo informou que os cursos de graduação terão de contemplar atividades de extensão em 10% de sua carga horária curricular. A medida segue a avaliação do Ministério da Educação (MEC) e abrange instituições públicas e privadas. A respeito desta resolução, Fabio comenta que a entrada da extensão universitária de forma obrigatória e objetiva na grade curricular é um dos importantes caminhos de retorno da universidade para a sociedade.

(..) que é quem está pagando esses alunos, os docentes, os funcionários, nós todos. Essas iniciativas que hoje existem vão ser cada vez mais frequentes, para o aprendizado não ocorrer só dentro da sala de aula. Ter um aprendizado ativo na questão de você fazer, de ir e de devolver à sociedade. Então, acho que isso é algo muito interessante que a gente observa. E o Química em Ação já é uma das iniciativas daqui da Química que tem feito isso”, a rma o docente.

Ana e Henrique comentaram também sobre o papel que o Química em Ação desempenha em sua formação. “Eu gosto muito da felicidade da gente em mostrar para o público lá fora o que a gente faz aqui dentro. Apesar de eu querer ir para a área de pesquisa, foi meu primeiro contato com a licenciatura, porque a gente vai nas escolas e tal. E para mim está sendo muito interessante. Mesmo se eu continuar na questão de pesquisa, eu quero continuar na divulgação cientí ca também, porque é importante para a gente devolver o dinheiro que gastam com a gente para a sociedade de alguma forma”, conta Ana.

“É aquela famosa frase de que quando você explica para alguém, você entende muito melhor do que se você car só lendo um capítulo, um livro ou só fazendo exercícios. Então, acho que colocar os alunos de maneira a entrar em contato, explicar experimentos e entender ciência um pouco mais a fundo, para explicar para outras pessoas e faixa etárias em níveis de educação muito diferentes, isso acaba sendo super importante”, diz Henrique.

O Q&A atualmente é composto apenas por estudantes do IQUSP, mas está aberto a novos integrantes vindos também de outros cursos. Para participar, basta entrar em contato com o grupo no e-mail quimicaemacao@gmail.com ou pelo @quimica_em_acao no Instagram.