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Prêmio Rheinboldt-Hauptmann 2022: Helena Nader

Heinrich Rheinboldt e Heinrich Hauptmann foram os pesquisadores que deram nome à premiação oferecida pelo IQUSP anualmente desde 1987. Foram responsáveis por criar o Departamento de Química, na antiga Faculdade de Filoso a, Ciências e Letras. Rheinboldt, como descreve o historiador Shozo Motoyama em entrevista à Fapesp, foi o responsável por trazer aquele que acabaria se tornando um dos diferenciais do Instituto: o campo da bioquímica. Hauptmann, por sua vez, teve papel notório no desenvolvimento do setor de físico-química e também da bioquímica.

Cerimônia de premiação

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Foi no An teatro Paschoal Senise que se deu a cerimônia de entrega da homenagem a Helena Nader. O evento foi mediado por Mônica Pacheco, analista administrativa do Instituto. O primeiro pronunciamento foi do diretor do IQ, o Prof. Dr. Pedro Vitoriano de Oliveira, que relembrou a história do prêmio e a importância da homenagem para os pesquisadores e para o Instituto.

Juntaram-se à mesa central para o momento de homenagem o vice-diretor do IQ, Prof. Dr. Shaker Chuck Farah, e os Profs. Drs. Paulo Nussenzveig, Pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, e Walter Colli, Professor Emérito da USP. Durante os discursos que repassaram a história da pesquisadora, os presentes falaram sobre os feitos e conquistas de Helena no campo cientí co e também sobre a amizade que fora construída durante o tempo em que trabalharam juntos.

O Prêmio Rheinboldt-Hauptmann do IQUSP foi criado como uma forma de reconhecer as contribuições de importantes nomes da Química, Bioquímica e áreas correlatas. Helena Bonciani Nader — biomédica, docente titular do Departamento de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC) — recebeu em 2022 a honraria por suas contribuições no âmbito cientí co. A pesquisadora foi a 34ª homenageada no prêmio.

A homenagem de 2022 marcou o retorno da entrega do Prêmio, que havia sido interrompida devido à pandemia. Helena Nader, assim como destacou em seu discurso, dá sua contribuição para a presença das mulheres nesse espaço. Ao todo, agora são cinco os nomes femininos homenageados: as Profªs. Drªs. Blanca Wladislaw, Shirley Schreier, Ohara Augusto, Yvonne Primerano Mascarenhas e Helena Nader.

Walter Colli e Paulo Nussenzveig memoraram as contribuições da pesquisadora para a ciência brasileira. O re exo de sua dedicação se deu na longa listagem dos prêmios conquistados por Helena, como a

Ordem Nacional do Mérito Cientí co, a Medalha Mérito Tamandaré da Marinha do Brasil e o Prêmio Scopus, entre outros. Também recordou-se a importância da pesquisadora na política pela defesa da ciência.

Durante as falas repletas de sentimentos, a professora compartilha a emoção de vivenciar os momentos da cerimônia junto aos seus colegas “Vários desses ícones estavam ali para me ver. Aquilo foi marcante para mim, mostrou que: ‘puxa, eles acham realmente que eu mereço estar aqui’. O Colli, Hugo, Hernan… todo mundo estava ali. Isso demonstrou que não foi um formalismo. Eu me senti muito honrada e prestigiada. Eu só posso agradecer”, diz Helena.

(...) Se o Estado brasileiro não olhar isso como uma verdade absoluta — de que precisa da educação e da ciência, que são transversais a todas as outras áreas — a gente vai continuar patinando”, a rma a biomédica.

Em 2022, Helena Nader foi a primeira mulher a assumir a presidência da Academia Brasileira de Ciências, entidade com mais de 100 anos de história. A respeito da forma como a questão de gênero foi percebida em sua carreira, ela aponta para um caminho onde mudanças estão sendo construídas. “Quando eu entrei na Escola Paulista de Medicina, a maioria [dos docentes] eram homens. Hoje são mulheres, o que mostra que a questão de gênero também é uma questão temporal. Ela vem sendo mudada ao longo do tempo, em algumas áreas mais facilmente do que em outras”, comenta.

Apesar disso, ela indica que ainda há muito a ser feito para alcançar a equidade de gênero na graduação, pós-graduação e nas etapas seguintes da formação acadêmica. “Tenho idade su ciente para ter visto essa mudança, o que me deixa muito feliz. Ela é su ciente? Não, está aquém. A gente teve retrocesso? Tivemos, o que mostra que é uma pauta que a gente vai ter que insistir. Isso leva tempo. Educação leva tempo. É uma pauta de costumes que se mostra desde a infância” naliza.

Vida dedicada à ciência e à educação

O direito e a defesa da educação são pilares marcantes na trajetória de Helena. Dos inúmeros convites para seguir carreira no exterior, a escolha de car é exemplo das expectativas acerca dos possíveis caminhos para a educação e ciência no país.

Eu estou aqui e eu acredito que a educação e as ciências são as únicas formas de transformar o Brasil(...)

Para se entender as raízes desse cenário, Helena indica que é preciso olhar além do que é apresentado no espaço universitário. “A culpa é da universidade, é da academia? Eu acho que a culpa é da sociedade, eu vejo dessa forma. Enquanto mãe e pai referendarem o comportamento da sociedade brasileira, em especial nos últimos anos, a sociedade vai andar para trás. ‘Menina tem que cuidar do marido’, pelo amor de Deus, onde que está escrito isso?”, comenta.

Além da equidade de gênero na educação, outro ponto que Helena destaca é a necessidade de se olhar também para a equidade racial. “A equidade racial é uma que o Brasil tem que abraçar fortemente. Eu tenho muito orgulho que fui Pró-reitora de Graduação de uma universidade [que criou] — o que eles chamam de cota, eu não gosto — ações a rmativas muito antes de se ter um programa [para isto]”, diz ela. Em 2004, a Unifesp e UnB (Universidade de Brasília) foram as primeiras federais a introduzirem, no processo seletivo, ações a rmativas voltadas para estudantes negros, indígenas e oriundos de escolas públicas.

Pioneirismo: complexidades da heparina e do heparam sulfato

A linha de pesquisa na qual a biomédica atua em seu laboratório na Unifesp tem foco na função dos proteoglicanos heparina e heparam sulfato na hemostasia, controle da divisão celular e transformação celular — temas tratados por Helena na conferência da premiação. Tanto a heparina quanto o heparam sulfato são conhecidos por sua ação anticoagulante.

Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a doença Covid-19 como uma ESPII (Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional) — sexto anúncio do tipo desde a pandemia de H1N1, em 2009. Deste período em diante, a Ciência se desdobraria em esforços para compreender seu vírus causador: o SARS-CoV-2. Um dos caminhos encontrados para o tratamento da Covid-19 foi através do uso da heparina e do heparam-sulfato — descritos de forma pioneira no mundo pelo laboratório coordenado por Helena Nader. A pesquisa foi realizada pelo Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular da Unifesp, com colaboração de cientistas internacionais, e teve sua publicação no repositório BioRxiv, do Laboratório Cold Spring Harbor (EUA).

Usando dados já obtidos do SARS-CoV e frente ao novo desa o do SARS-CoV-2, Helena explica que “já se mostrava que esse vírus gostava de interagir com a heparina. Na superfície da célula, você tem o heparam sulfato, que é um 'primo' da heparina — ele lembra a estrutura, mas é diferente. O que nós vimos é que o heparam sulfato é um co-receptor para o vírus. Ou seja, o vírus liga nesse co-receptor, que induz uma mudança na estrutura da RBD [Receptor Binding Domain ou Domínio de Ligação ao Receptor] e daí caminha para a internalização".

A utilização da heparina pelo grupo em testes laboratoriais, realizados em células de rim do Macaco-Verde africano, mostrou uma redução de 70% da taxa de invasão celular pelo SARS-CoV-2. Também é foco de contribuição dos pesquisadores a compreensão da estrutura molecular da heparina. “Mostramos que é na região da Spike chamada RBD que o heparan e a heparina ligam — e onde se induz a mudança de conformação que favorece toda a internalização. E nós vimos o que é importante da molécula da heparina para essa interação”, indica a biomédica. A Profª Nader explica que a tecnologia utilizada nessa análise é a STD de ressonância para heparina sozinha e com o ligante RBD.

A região do Domínio de Ligação ao Receptor é onde anticorpos responsáveis por neutralizar vírus, bloqueando seus mecanismos de entrada nas células, estão localizados. “Quando se dá heparina [a um potencial paciente infectado], eu estou criando uma competição. Vamos pensar em uma célula em cultura, por exemplo: eu coloco heparina e tem heparam na superfície. Se tem heparina, eu desloco e compito; funciona como um antiviral e o vírus não entra, porque prefere se ligar à heparina”, completa a docente.

Mais informações: hbnader@unifesp.br

USP Mães Pesquisadoras: Trajetória na pesquisa sobre Produção de Oxidantes na Inflamação

O Prêmio USP Mães Pesquisadoras é uma iniciativa feita em parceria com a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) que busca reconhecer a dedicação à produção acadêmica das mães que fazem parte da comunidade uspiana.

Neste ano, as pesquisadoras homenageadas são da área de Ciências Biológicas e da Saúde. Participam docentes, pós-doutorandas, pós-graduandas e graduandas, que são premiadas com valores que variam de 10 mil a 20 mil, a depender da categoria.

Flávia Carla Meotti, professora associada do Departamento de Bioquímica do IQUSP, foi a pesquisadora premiada na categoria Docente na edição de 2022 do Prêmio. Ela atua no Laboratório de Pesquisa em Processos Redox na In amação (LPPRI), formado em 2011.

A pesquisa

O LPPRI é voltado para a pesquisa sobre os processos de produção de oxidantes por células inflamatórias. A professora descreve que esses oxidantes são produtos da redução completa do oxigênio e, também, da reação do oxigênio com outras moléculas, sendo essa formação determinante em um processo inflamatório ou infeccioso.

Oxidacao Celular

“Esses oxidantes gerados têm o objetivo de matar os microrganismos, mas eles também podem causar danos nos tecidos e nas células que estão em volta. A habilidade que o organismo tem de controlar todo esse processo in amatório é que vai determinar o quão bem ele reage a uma in amação e o quão bem ele reage a uma infecção”, explica Flávia.

A partir disso, o foco do laboratório é avaliar quais são esses oxidantes e de que forma eles impactam no funcionamento da célula. “O que a gente busca entender, de fato, é como esses oxidantes interferem nas respostas celulares. Para isso, existe toda uma necessidade de se saber, por exemplo, em uma determinada condição, infecção por bactéria ou num processo que não tem bactéria: quais oxidantes são formados naquelas especí cas condições? Em que quantidade? Porque esses oxidantes têm reatividades diferentes e as respostas são diferentes”, fala a docente.

“A gente busca conhecer, porque aí você amplia o conhecimtento dentro dessa área de pesquisa básica para depois poder propor uma intervenção terapêutica, se for o caso”.

No campo de estudos sobre a ação dos oxidantes, Flávia diz que a abordagem de se buscar entender esses produtos de modo mais especí co é recente. Anteriormente, considerava-se que toda formação de oxidante poderia ser prejudicial — daí a necessidade de serem desenvolvidas novas pesquisas na área. “Começaram a propor terapias antioxidantes para doenças in amatórias e doenças crônicas. Quando isso foi para as clínicas, percebeu-se que as pessoas que ingeriam os antioxidantes não cavam melhores — pelo contrário, cavam até piores. Então, a gente começou a entender que não dava para classi car todos os oxidantes como iguais, que qualquer oxidante teria um efeito danoso. Nós precisávamos entender exatamente o que era formado e qual a resposta do organismo em relação àquilo o que era formado", explica ela.

Entre os projetos mais recentes do laboratório está a linha de pesquisa voltada à relação da oxidação do ácido úrico com processos in amatórios e doenças cardiovasculares. O grupo comprovou a formação de um novo agente oxidante no processo in amatório — o hidroperóxido de urato, cujas interações podem estar envolvidas na progressão da própria in amação.

Maternidade e trajetória acadêmica

Pensar caminhos para promover a equidade de gênero torna-se uma das tarefas fundamentais da Universidade para a construção de um espaço inclusivo e

Docentes da USP

(2019)

diversi cado. Conforme o Anuário Estatístico da USP do EGIDA, analisado pelo coletivo USP Mulheres, em 2019 as mulheres representavam 37,1% da docência e os homens, 62,9%. A diferença se mantém na análise feita por área, com destaque para as Exatas — onde os docentes homens representaram mais do que o triplo de docentes mulheres naquele ano.

Entre as ferramentas que possibilitam e fomentam a permanência estão bolsas, licenças e iniciativas como o Prêmio USP Mães Pesquisadoras, que reconhece a dupla jornada daquelas que conciliam a vida acadêmica à familiar.

A docente Flávia Carla Meotti é mãe da Gabriela, de um ano de idade, e descreve como pensou a maternidade ao longo de sua trajetória até a docência.

Quando você está na carreira acadêmica, sua formação é muito longa; então, a maternidade vai sendo adiada. Primeiro você resolve fazer um mestrado, depois doutorado, pós-doc; mas você não tem uma posição fixa, um trabalho fixo”.

Nesta busca por um cenário mais estável, Flávia destaca o quanto a maternidade exige da mulher, assim como a dedicação à vida acadêmica — e como esses fatores acabaram levando-a a postergar a maternidade.

Proporcao de docentes nas areas exatas da USP

“Uma vez que você entra, você quer estabelecer seu grupo de pesquisa, fazer as coisas girarem antes de ser mãe, porque você já tem uma noção de que aquilo vai impactar na sua presença, no laboratório, no trabalho etc. Nesse contexto, a maternidade foi adiada porque eu estava num ponto que queria ter conquistado tudo isso. Mas para algumas pessoas, isso é um pouco diferente e elas escolhem ser mães ainda na formação. Isso também é bastante intenso”, pontua ela.

O prêmio

Em relação ao Prêmio, Flávia destaca a importância da existência de iniciativas como esta na vivência acadêmica. “Eu acho bem interessante, realmente é uma coisa inovadora na USP. Acho até que serve como modelo para outras instituições, que é olhar para essa questão do gênero e ter essa percepção de que, para as mulheres que decidem ser mães além da sua carreira pro ssional, isso traz algumas di culdades em termos pro ssionais. Há um determinado período da sua carreira em que a prioridade já deixa de ser a carreira — se torna a família”, diz ela.

A professora destaca também que a dedicação à academia é uma realização pessoal, bem como a dedicação familiar. ”Não deveria ser necessário abdicar de um para fazer o outro. Saber que a gente está em uma instituição que olha para isso e percebe isso é bastante grati cante, porque você se sente parte daquele todo. Você não ca: ‘Ah, mas eu z isso e isso, e a maternidade fez com que eu atrasasse as coisas’. Quando a gente escolhe ser mãe, a gente sabe de tudo isso. Mas saber que você está em uma instituição que também reconhece e entende isso, é você se sentir mais tranquilo, mais confortável para trabalhar”, conclui.

Sobre a professora:

Imagem: Acervo Pessoal

Flávia Carla Meotti é graduada em Farmácia Bioquímica, mestre e doutora em Bioquímica Toxicológica e pós-doutora em Bioquímica e Farmacologia. Atua como Professora Associada do Departamento de Bioquímica do IQUSP desde 2011, em temas que abordam os mecanismos bioquímicos da in amação com ênfase em processos redox, doenças cardiovasculares e respostas a infecções bacterianas.

Mais informações: aviam@iq.usp.br