AGIR pelos direitos humanos

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EDITORIAL

Amigos/as, m Dezembro, a Amnistia Internacional (AI) realizou uma Maratona de Cartas, em que milhões de pessoas escreveram a favor de vítimas de casos emblemáticos de violação de direitos humanos. Mais uma vez a AI deixou a marca das suas campanhas, afirmando simultaneamente, princípios e valores referenciais de direitos humanos, mas também casos reais, de gente cujos direitos foram violados. Tanto as nossas ©Privado estruturas centrais, como os grupos locais realizaram iniciativas, diferentes e imaginativas, colocando os direitos humanos em salas de concerto, colóquios, festivais de cinema, debates em escolas, iniciativas de rua. A 10 de Dezembro celebra-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos, data em que é entregue o Prémio Nobel da Paz, atribuído este ano, com alguma polémica, à União Europeia. Muitos estranharam que a UE tenha recebido este galardão exactamente quando a visão da Europa, como referencial de valores, atingiu o seu ponto mais baixo e mais evidente se revela a ambiguidade do actual discurso europeu de direitos humanos, quase limitado a discursos vazios e palavras de circunstância. E que isso aconteça num momento em que se assiste, não à união para a consolidação e desenvolvimento de direitos humanos no espaço da UE, mas a divisões e desconfianças entre países, ao crescimento de manifestações de xenofobia e exclusão, e em que as políticas securitária e de austeridade têm atingido duramente os direitos económicos e sociais, especialmente dos mais vulneráveis, a protecção de minorias, o respeito pelos direitos de migrantes, requerentes de asilo e refugiados. É certo que as instituições europeias desenvolveram um impressionante, e meritório, conjunto de instituições, instrumentos, regras e políticas que incluem os direitos humanos, que muitos julgariam indiscutíveis e garantidos. Não nos iludamos, também na Europa há retrocessos: alguns países procuram desvincular-se de obrigações internacionais, por exemplo em matéria de asilo; em outros, há mesmo redução legal das liberdades religiosa e de imprensa. De qualquer modo, não chega fazer boas leis pelos direitos humanos, é necessário fazê-las cumprir. E também é essencial que as pessoas conheçam minimamente os mecanismos legais existentes. Para isso, é fundamental a Educação para os Direitos Humanos, o tema central desta revista. A educação para os direitos humanos não é apenas o conhecimento teórico, das normas, valores e princípios estabelecidos, nem sequer a sua compreensão prática, apreendida através de processos sociais participativos. A educação para os direitos humanos é tudo isso, mas é, sobretudo, o processo consciente de empoderamento activo que permita, a cada um, conhecer melhor a realidade, fortalecer valores e desenvolver atitudes e capacidades de agir solidariamente pela protecção contra violações e pela promoção de direitos humanos para todos. A Escola e os sistemas de ensino e formação, formal e não formal, constituem espaços privilegiados, indispensáveis, de educação para os direitos humanos. Mas esta também é essencial para muitos profissionais, como professores, educadores, juízes, oficiais de justiça, militares, polícias, guardas prisionais, jornalistas, entre outros. No fundo, todas as pessoas e comunidades podem beneficiar da educação para os direitos humanos, nos processos de conhecimento e cumprimento dos direitos, quando se organizam para os defender, quando agem contra a discriminação, influenciam medidas ou políticas, ou melhoram o exercício de uma democracia viva, responsável e participada, em que possam agir melhor pelo seu destino. Os direitos humanos existem para ser exercidos e não apenas proclamados! Tudo pode começar com uma simples carta. Os resultados podem ser inesquecíveis! Victor Nogueira Presidente da Direção Este artigo foi escrito com a antiga ortografia.

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EM FOCO

PORTUGAL MAIS RESPONSABILIDADE PARA COM OS DIREITOS HUMANOS

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s direitos económicos, sociais e culturais vão passar a estar mais protegidos em Portugal. Ao ratificar o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Portugal aceitou submeter-se ao escrutínio das Nações Unidas em áreas como o direito a alojamento adequado, a água potável ou educação, entre outros. Falta agora mais uma ratificação para o tratado entrar em vigor. Portugal foi também o segundo país a ratificar a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, que exige mais prevenção, proteção e o fim da impunidade para os agressores. Um bom início de ano para os direitos humanos! Mais em  tinyurl.com/ProtocoloDESC e tinyurl.com/ViolenciaMulheres

©Amnistia Internacional

NIGÉRIA GOVERNO OBRIGADO A PUNIR EMPRESAS PETROLÍFERAS

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©Amnistia Internacional

ordem foi decretada pelo Tribunal da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e exige que a Shell e restantes companhias petrolíferas que operam no Delta do Níger, Nigéria, sejam responsabilizadas pelo governo nigeriano. Há mais de 50 anos que as empresas exploram a região, sem nunca terem sido punidas pelos derrames de petróleo, quase diários. Além do desastre ambiental, dezenas de comunidades perderam as principais fontes de subsistência: a pesca e o cultivo. Há três anos que a Amnistia Internacional exigia justiça e ela está cada vez mais perto! Mais em  tinyurl.com/PetroliferasNigeria

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA GUANTÁNAMO POR ENCERRAR 11 ANOS DEPOIS

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União Europeia deve pressionar a administração norte-americana para que o centro de detenção de Guantánamo, em Cuba, seja encerrado. O pedido da Amnistia Internacional foi feito no passado dia 11 de janeiro, 11 anos após a primeira transferência de detidos para a prisão e quatro desde a promessa do Presidente Obama de que a encerraria no período de um ano. Apesar de tudo, em dezembro do ano passado uma boa notícia trouxe novo alento: o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou pela primeira vez um Estado – a Macedónia – pela participação no programa de rendições norte-americano, reconhecendo que houve detenção ilícita, desaparecimento forçado e tortura de um cidadão alemão de descendência libanesa. Mais em  tinyurl.com/Guantanamo11Anos e tinyulr.com/GuantanamoMacedonia ©US DoD

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EM FOCO

MALI AMNISTIA ENVIA MISSÃO DE INVESTIGAÇÃO

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edir aos grupos armados que ponham os direitos humanos em primeiro lugar é a principal mensagem do investigador da Amnistia Internacional, Gaëtan Moottoo, que partiu para a sua segunda missão ao país desde que começou o conflito na zona norte, há um ano. Desde o início que a Amnistia Internacional tem documentado crimes – como tortura, assassinatos, violação de mulheres e recrutamento de crianças soldado – cometidos por todas as partes em conflito: forças de segurança e grupos armados da oposição, tuaregues e islamitas. A 16 de janeiro o Tribunal Penal Internacional anunciou a abertura da investigação a estes crimes. Será um passo crucial para que seja feita justiça. Mais em  tinyurl.com/VideoMali ©Amnistia Internacional

MOÇAMBIQUE DETENÇÕES ILEGAIS: ASSINE A PETIÇÃO

©LDH

Milhares de pessoas passam anos em celas sujas e sobrelotadas nas prisões de Moçambique sem terem sido condenadas. A maioria não é informada dos seus direitos e, não tendo dinheiro para um advogado, é representada por pessoas pouco qualificadas. Vários presos, entre eles alguns menores, não apresentam qualquer indício da prática de crimes, garante a investigadora da Amnistia Internacional para o país. Conclusões de uma missão ao país, reveladas num relatório publicado em novembro. A Amnistia promove uma petição que pede reformas no sistema de justiça e o fim dos abusos policiais: envie o postal que encontra no interior desta revista. Mais em  tinyurl.com/PrisoesMocambique

SÍRIA APATIA DAS NAÇÕES UNIDAS PERANTE CRIMES

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elo menos 60.000 pessoas terão já morrido e outras 620.000 fugiram para países vizinhos desde que o conflito começou na Síria, em março de 2011. A 14 de janeiro, mais de 50 estados das Nações Unidas enviaram ao Conselho de Segurança um pedido, para que refira a situação da Síria ao Procurador-Geral do Tribunal Penal Internacional. Só assim, o grave conflito e a crise humanitária que se vivem no país poderão chegar ao organismo que investiga e julga os mais graves crimes cometidos no mundo, uma vez que a Síria não assinou o Tratado de Roma que reconhece poderes ao organismo internacional. A China e a Rússia têm impedido maior ação por parte das Nações Unidas. Mais em  tinyurl.com/SiriaONU © UNHCR/B.Diab

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DOSSIÊ

Poderá educar para os direitos humanos ser uma opção?


©Jiří Doležel


DOSSIÊ

Pode a educação para os direitos humanos ser uma escolha?

©Jiří Doležel

uem não tem filhos em idade escolar ou não trabalha na área, pode não ter percebido as mudanças que ocorreram este ano letivo no sistema de ensino português. Mas talvez o deixe inquieto saber que as escolas portuguesas perderam os 45 minutos que existiam por semana, a partir do 1.º ciclo, para fazer Formação Cívica, principalmente se considerarmos que prevenir violações de direitos humanos passa desde logo por educar para estes direitos e para a cidadania democrática, como refere a Carta do Conselho da Europa sobre a Educação para a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos (2010). O documento indica que estes ensinamentos são “um meio para combater o aumento da violência, do racismo, do extremismo, da xenofobia, da discriminação e da intolerância”. A Comissão Europeia acredita que para todos os estudantes se tornarem um dia cidadãos ativos e responsáveis é preciso que adquiram competências cívicas, sociais, de comunicação e de interculturalidade (Eurydice: Citizenship Education in Europe, 2012).

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Em Portugal também se pensava assim, em 2001, e para tal considerou-se essencial criar Áreas Curriculares Não Disciplinares, abrindo espaços dedicados à Formação Cívica (bem como à Área de Projeto e ao Estudo Acompanhado). Embora nunca se tenham traçado objetivos claros – nem formado professores para estas matérias, que eram dadas pelos Diretores de Turma –, a finalidade dos 45 minutos era, usando o Eurydice: criar literacia política, ou dar a conhecer factos e conceitos da vida política; promover o pensamento crítico; enaltecer valores, atitudes e comportamentos como o respeito e a tolerância; e encorajar a participação ativa, na escola e na comunidade. Agora sem este espaço nos currículos, com exceção para o 1.º ciclo, as escolas continuam a poder promover as mesmas metas nos 2.º e 3.º ciclos, na chamada Oferta Complementar de Educação para os Direitos Humanos. Porém, esta passa a ser apenas mais uma opção entre outras 13 – como a educação sexual, ambiental ou rodoviária – e todas dependem da disponibilidade de horário da escola.


DOSSIÊ

O que continua garantido para todos os alunos do país é a manutenção da Educação para a Cidadania como área transversal, não tendo um tempo e um espaço definidos nos currículos – como já acontecia desde 2001. Aqui reside uma das grandes preocupações de especialistas no ensino, como Maria Emília Brederode Santos, membro do Conselho Nacional de Educação, que trabalhou para a Década das Nações Unidas para a Educação em Matéria de Direitos Humanos 1995|2004 e colaborou em manuais como o Compasito, do Conselho da Europa. “O ideal é efetivamente todas as disciplinas terem como meta alcançar competências e saberes nestas áreas, mas se ao mesmo tempo não houver um espaço próprio e um professor que seja responsável por estas temáticas, sabemos por experiências anteriores que acaba por não se fazer nada”, refere, em entrevista à Amnistia Internacional Portugal. A questão é saber: poderá a sociedade deixar estas temáticas ficarem dependentes de escolhas e oportunidades?

IDEIAS PARA COPIAR “Não olhar para trás, mas para a frente” é a proposta de Rolf Gollob, professor na University of Teacher Education, em Zurique (Suíça), e autor de vários manuais de cidadania do Conselho da Europa. Em entrevista à Amnistia Internacional Portugal, lança o desafio a diretores de escola, professores, pais e alunos: “pensem na oportunidade que têm, agora que são também responsáveis por estas áreas”. E a verdade é que, um por todo o país, há boas ideias que podem ser copiadas... Por exemplo, clubes e grupos de direitos humanos, extracurriculares e voluntários, como o que promove o Agrupamento de Escolas Carangueira-Sta.Catarina da Serra, em Leiria, dirigido por Ilda Graciela Duro. “Dependem da vontade de professores e alunos”, é

verdade, mas Maria Arminda Sousa, que coordena um Grupo da Amnistia Internacional na Escola Secundária de Ermesinde desde 1999, pode assegurar que com “carolice” estes podem durar muitos anos. Se dúvidas houver em relação à vontade dos alunos, o Grupo de Estudantes da Amnistia Internacional no Colégio de S. Miguel, em Fátima, tem a resposta: são já 80 estudantes e para se reunirem e falarem de direitos humanos precisam, tão-somente, das horas do almoço. E se a escola não tiver condições? Mirna Montenegro, professora

primária que desenvolveu o Processo Nómada (ver caixa), propõe que sejam criadas parcerias com associações locais. Até porque sair da formalidade da escola ajuda à aquisição deste tipo de valores, defende. Na informalidade, os alunos aprendem sem terem a noção clara de que lhes estão a ser transmitidos conhecimentos. É isso que acontece quando Ilda Graciela Duro dinamiza atividades onde mistura alunos com e sem necessidades educativas especiais: “aceitar as diferenças passa por esta interação”, acredita. Aprender a participar na comunidade em que se está inserido e a ser um cidadão ativo pode também ser fomentado, por exemplo, como faz a Escola da Ponte da Vila das Aves, no Porto, onde há regularmente Assembleias de alunos para debater problemas e procurar soluções. A ideia é a mesma dos Orçamentos Participativos, refere maria Emília Brederode Santos: “o agrupamento de Marvila, por exemplo, aceitou o desafio da Câmara de Lisboa, que propôs aos alunos receberem uma determinada quantia de dinheiro para realizarem algo que fosse importante para a escola. Os estudantes fizeram sugestões, foi analisada a viabilidade dos projetos e o melhor foi escolhido, por votação, pelos próprios alunos”. E quando o tempo é escasso, pode fazer-se como o agrupamento da Malagueira, em Évora, que criou uma caixa para os alunos deixarem ideias e sugestões. A própria Amnistia Internacional tem alcançado resultados reveladores em ações que ajudam a educar para os direitos humanos nas escolas, de que é um bom exemplo a Maratona de Cartas: um evento anual que visa, durante um mês, pedir a pessoas de todo o mundo que assinem petições que visam salvar vidas. Em Portugal, a recolha de assinaturas decorreu, em dezembro, em vários locais, entre eles 30 Escolas Básicas e Secundárias, que mostraram disponibilidade para aderir à ação. Ana Lourenço, Coordenadora da Biblioteca da Escola Secundária de Paredes, conta como foi fácil: “disponibilizávamos as petições e era só estar uma pessoa presente para explicar as situações de cada caso concreto”, diz. Resultado: 3.000 assinaturas recolhidas! Um número que muito contribuiu para que, em 2012, se tivesse conseguido mais do que triplicar o número de petições enviadas de Portugal em relação ao ano anterior: 41.116, por contraste com as 11.087 de 2011. Rolf Gollob esclarece que nem é preciso ir tão longe: “a dimensão legal destes temas pode ser incluída em qualquer disciplina, a dimensão normativa é tão simples como a forma como se ensina, como se resolve conflitos, como se abordam os alunos”. Mirna Montenegro concorda que educar para os direitos humanos passa pelo ambiente participativo e democrático que deve ser vivido nas escolas, mas faz questão de frisar que as condições são adversas: “hoje

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DOSSIÊ os professores em vez de se reunirem para discutirem metodologias, processos e estratégias, estão a preencher papéis”. À burocracia soma-se a sobrecarga de horários e o crescimento substancial do número de alunos. Albino Almeida, Presidente da CONFAP-Confederação Nacional das Associações de Pais, acrescenta que “se colocaram exames em todos os ciclos de ensino, desvalorizando o que não for português, ciência, história ou matemática. Vivemos um tempo em que só se valoriza o resultado”.

Criar uma escola diferente, nas condições atuais, é difícil, mas possível... E Rolf Gollob garante que o esforço compensa: “em escolas onde os direitos humanos e a educação para a cidadania não são esquecidos, há maior sucesso escolar”. O formador defende que promover estes valores é uma obrigação profissional dos professores. As Nações Unidas vão mais longe e asseguram: a educação para os direitos humanos e para a cidadania são um direito humano!

©Jiří Doležel

Haverá espaço para incluir os excluídos? “Antes de se ter criado o Rendimento Social de Inserção não havia praticamente ciganos nas escolas”, garante Mirna Montenegro, professora primária que em 1994 criou o Projeto Nómada – do Instituto das Comunidades Educativas –, que hoje é um processo, uma metodologia de trabalho e de intervenção, que pode ser implementado em qualquer escola de primeiro ciclo. A ideia surgiu no âmbito da comunidade cigana, mas aplica-se a qualquer comunidade que viva em exclusão social. O objetivo é inclui-los na sociedade, começando pelo primeiro local de socialização: a escola. O projeto surgiu porque a professora percebeu que “a comunidade cigana só ia à escola se soubesse que as crianças iam ser bem acolhidas”, diz. “Muitos tinham tido experiências negativas e não queriam o mesmo para os seus filhos”. Mirna Montenegro saiu das salas de aula e foi para as feiras explicar aos pais o que se faz na escola. O projeto serviu também para mostrar aos professores – que quiseram participar na experiência – que “meninos que na escola são agressivos, na rua são dóceis e colaborantes”. O que poderá estar errado? Para a professora “o problema não está nas crianças, mas na forma como as matérias são dadas, na pedagogia, nas relações humanas”. Tudo isto se torna ainda mais importante quando há um Rendimento Social de Inserção que obriga os alunos a irem à escola e quando os índices de desemprego ajudam a desacreditar as instituições escolares, especialmente para quem vive excluído e mais facilmente fica fora do mercado de trabalho, resume Mirna Montenegro. Por tudo isto, ganharam importância experiências como as do Processo Nómada. Apostar nelas não é caridade. “As sociedades que tomam contas das minorias são mais bem-sucedidas. Não precisam de perder tanto tempo em punições, em colocar em prisões, em ter programas especiais”, refere Rolf Gollob, concluindo: “quando os colocamos de lado temos um problema. Se os integrarmos são parte da solução”.

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DOSSIÊ

OPINIÃO

O fim da educação para a cidadania nas escolas portuguesas? Por Armando Borlido, professor e membro da anterior Direção da Amnistia Internacional Portugal

©Jiří Doležel

oi em 2001 que a educação para a cidadania passou a fazer parte integrante dos currículos dos ensinos básico e secundário das escolas nacionais, à semelhança do que ocorria noutros países e indo ao encontro das recomendações de organizações internacionais. Na altura, a grande novidade da reorganização curricular seria a introdução da área de Formação Cívica no ensino básico. Espaço privilegiado da educação para a cidadania, contemplada com um tempo semanal de 45 minutos, aquela área curricular visava “o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos como elemento fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, activos e intervenientes”. É forçoso reconhecer que, ao longo de mais de uma década, a Formação Cívica nem sempre foi devidamente trabalhada com os alunos. Foram vários os alertas, incluindo da Amnistia Internacional Portugal, para a

necessidade de se promover uma adequada formação de professores já que eram detetadas as lacunas nesta área. Apesar disso, as aulas de Formação Cívica constituíram oportunidades efectivas para as abordagens da educação para a cidadania, incluindo a dimensão da educação para os direitos humanos. A reorganização curricular lançada em 2001 acabaria por trazer a dimensão da educação para a cidadania para o centro das atenções das escolas. Paulatinamente, professores, diretores de estabelecimentos de ensino e outros profissionais da educação interiorizam a ideia de que os centros educativos são os principais espaços de aprendizagem da cidadania das crianças e jovens em idade escolar. Consequentemente, os projectos educativos, que entretanto vão sendo elaborados, incorporam essa dimensão cívica das escolas e recursos humanos e materiais são alocados a iniciativas e ações 11


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©Jiří Doležel

que promovem a educação para a cidadania: desde a criação de clubes de direitos à realização de actividades diversas, passando pelo estímulo à participação ativa e responsável dos alunos na vida da comunidade. Com a revisão curricular da educação básica e secundária levada a cabo a partir do presente ano letivo 2012-2013, a educação para a cidadania deixa de ser considera uma área relevante na formação pessoal e social dos estudantes, com excepção do 1.º ciclo, a ponto de nos questionarmos se de facto não estará em risco de desaparecer de muitas escolas portuguesas. A educação para a cidadania, enquanto componente transversal do currículo mantém-se, sendo passível de ser abordada em todas as áreas curriculares e caberia à escola, no âmbito da sua autonomia, optar pela sua oferta complementar nos 2.º e 3.º ciclos. Contudo, a Formação Cívica nos 2.º e 3.º ciclos e no 10º ano é pura e simplesmente extinta sem qualquer explicação, apesar de dezenas de pareceres e estudos nacionais e internacionais defenderem a sua manutenção. As escolas poderiam ainda continuar a desenvolver a educação para a cidadania através de projectos e iniciativas, à semelhança do que tinha acontecido desde 2001. O problema é que as escolas, sujeitas a sucessivas contenções dos seus orçamentos, dispõem cada vez menos de recursos para oferecer aos alunos nas áreas curriculares complementares e desenvolver projectos e actividades que valorizem a componente da formação para a cidadania. 12

Paralelamente, as escolas começam a ser pressionadas para obtenção de resultados académicos e o cumprimento das metas curriculares disciplinares. A dimensão transversal da cidadania que naturalmente se exigiria a todas as disciplinas, algumas das quais viram a sua carga horária ser reduzida, é remetida para segundo plano. A dimensão ética e dos valores que a educação para a cidadania necessariamente implica deixa de fazer parte das prioridades e dos objetivos das escolas e dos seus projectos educativos, mais virados para a eficácia e para os resultados do que para o ethos escolar. Gradualmente, a educação para a cidadania tornar-se-á, em pouco tempo, como já está acontecer, o parente pobre do currículo educativo. A educação para a cidadania continuará a existir, mas não passará de uma retórica em grande parte das escolas portuguesas. Não tenhamos dúvidas de que este novo contexto irá reflectir-se inevitavelmente no trabalho da educação para os direitos humanos, enquanto vertente essencial e dimensão nobre da educação para a cidadania. Mas os activistas de direitos humanos e os educadores sensíveis a estas problemáticas, apesar de todas as dificuldades e adversidades, não vão ficar de braços cruzados. Estamos convictos de que com a sua dedicação, vontade, competência e voluntarismo, a educação para cidadania e para os direitos humanos continuará a ser uma realidade nas escolas portuguesas. Este artigo foi escrito com a antiga ortografia.


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Saber é poder

Por Cátia Silva

Um projeto de sensibilização, no Uganda, que decorreu junto de um grupo de mulheres, para que deixassem de discriminar as que vivem com VIH/SIDA. ©Amnistia Internacional

erder o marido é, para a maioria das mulheres, uma dor eterna. Para algumas, significa também a perda de rendimento. No Burkina Faso, as mulheres viúvas são acusadas de bruxaria e expulsas das comunidades onde vivem, ficando na rua, dependentes de esmolas. É a tradição no maior grupo étnico do país (40% da população): os mossi. No Gana, as viúvas têm de desfilar nuas pela vila até ao dia do enterro do marido, que pode demorar dois ou três anos, pois é preciso reunir dinheiro para uma cerimónia digna. No Benim, as

mulheres são consideradas parte da herança dos maridos e passam a ser propriedade dos pais ou irmãos do cônjuge em caso de morte. Práticas ancestrais que se perpetuam em muitas comunidades do continente africano, onde a lei que impera é a tradicional – por vezes contrária à própria legislação nacional. Combater violações de direitos humanos nestes locais exige ir além das denúncias, do lóbi e das petições. É preciso mudar mentalidades e, para a Amnistia Internacional, a chave é a Educação para os Direitos Humanos. 13


DOSSIÊ Assim, em 2008 deu-se início ao Programa de Educação para os Direitos em África, que decorreu em 10 países: Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Gana, Quénia, Mali, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uganda. Escolher os destinos, e o prazo de quatro anos para desenvolver microprojetos locais, foram as únicas decisões tomadas pela Amnistia Internacional. O resto ficou nas mãos das populações, que, na sua maioria, eram analfabetas. “Começámos por fazer consultas participativas para tentar que refletissem e detetassem uma violação dos direitos humanos gritante na sua comunidade ou sobre a qual gostariam de ver mudanças”, explica Aminatou Sar, que dirigiu o Programa. A dificuldade começou logo aí: o que serão os direitos humanos? “Tivemos mulheres que diziam que para evitarem ser espancadas pelos maridos só tinham de se portar bem”. Por vezes, “os próprios perpetradores não sabem que estão a violar direitos. Como pagam pelas mulheres, acham que lhes podem bater”. As leis nacionais, ainda que muitas vezes conformes à legislação internacional de direitos humanos, estão escritas em inglês ou francês. Estas populações vivem em locais recônditos, onde só se falam dialetos. “Ninguém tinha pensado na importância de lhes explicar os seus direitos”, diz Aminatou Sar. “Foi a primeira vez que uma organização internacional chegou a estas pessoas. A maioria dos projetos é feita com uma elite, nos centros urbanos”. A Diretora do Programa conta que a Educação para os Direitos Humanos começou com os ativistas e as organizações locais. Muitos nunca tinham pensado que para intervir é preciso ter em conta factores como a hora de visita às vilas, normalmente feita quando as mulheres estavam em trabalhos agrícolas. Os projetos eram pré-formatados, sem qualquer participação das populações. Por tudo isto ficavam esquecidos os que, nestas comunidades, ficam tradicionalmente fora dos processo de decisão: as mulheres e crianças – mesmo em situações que lhes dizem respeito, como as heranças e os casamentos precoces. O resultado foi 60% dos 89 microprojetos desenvolvidos ao abrigo do Programa da Amnistia Internacional centrarem-se em questões de género: acesso às heranças e à justiça, violência, ausência de liberdade de expressão, acesso a processos de decisão e saúde materna (como o direito a participar na decisão de procriar e de rejeitar a mutilação genital feminina). Houve ainda um projeto sobre discriminação de mulheres com VIH/SIDA. 14

Os restantes 40% dos projetos dedicaram-se: aos direitos das crianças – com as questões do casamento precoce e/ou forçado, a falta de acesso à escola para raparigas, o trabalho infantil e a violência –; aos portadores de deficiência – no Senegal estas pessoas desaparecem com frequência, ainda crianças, vindo depois a descobrir-se que foram mortas; noutros países são segregadas, discriminadas e forçadas a pedir dinheiro nas ruas – e aos bairros degradados do Quénia, onde se abordaram os direitos das minorias e dos jovens, frequentemente vítimas de violência policial. O método de trabalho foi sempre o mesmo: consciencializar para os direitos humanos, capacitar para atuar nas violações detetadas, desenvolver os recursos necessários à atuação e tutoriar. A forma foi adaptada às circunstâncias: sketches apresentados às comunidades, representados pelos habitantes, desenhos, discussões porta-a-porta e conversas com aqueles que têm mais poder. “Fizemos dos líderes tradicionais ativistas e foram eles que disseram às populações o que não era justo acontecer”, explica Aminatou Sar, concluindo: “o poder deste projeto foi esse: ter pessoas das comunidades a falar aos seus pares”. Assim se conseguiu, no Burkina Faso, que o imperador dos mossi, Mogho Naaba, deslocasse dois chefes tradicionais para organizarem, de vila em vila, cerimónias de reconciliação, pedindo desculpa às viúvas acusadas de bruxaria e reintegrando-as. No Gana, em duas comunidades as mulheres podem agora desfilar vestidas e o enterro dos maridos tem de ocorrer no espaço de um ano. No Benim, um chefe tribal chamou a família para dizer aos homens que as suas mulheres tinham direito a um pedaço de terra, como herança dos seus próprios pais. Acredita-se que a comunidade vá seguir o seu exemplo.

O efeito multiplicador começou ainda durante o Programa: criado para 22.500 pessoas de 267 comunidades, envolveu, feitas as contas, 10 vezes mais: 242.000. Mesmo tendo terminado em setembro de 2012, garantem os ativistas locais que o trabalho continua. Aminatou Sar acredita: “este projeto trouxe o questionar, o pensar a forma como as coisas são feitas e toda uma interação entre pessoas que não discutiam antes. Foi compreender o que é a dignidade, o que são os direitos, o que é a responsabilização, o que são as violações. Compreender que não são situações normais. E quando as pessoas sabem, mais facilmente defendem os seus direitos e mais os exigem”.


BOAS NOTÍCIAS

A sua assinatura tem mais força do que imagina

S

e lhe disséssemos que pode salvar vidas a partir daí, de onde está agora, usando apenas como ferramenta: uma caneta... Acreditava? E se acrescentássemos que para tal precisa apenas de alguns minutos? Parece coisa de filme, mas é verdade: a sua assinatura pode mudar vidas. Se juntarmos à sua milhares de outras assinaturas de todos os cantos do mundo e as enviarmos numa mesma altura, para um mesmo destinatário, temos uma ‘Maratona de Cartas’: o maior evento de direitos humanos do mundo. Todos os anos, a Amnistia Internacional promove esta avalanche de cartas e postais, que começa em dezembro e se prolonga pelos primeiros dois meses do ano. Para fazer parte desta iniciativa basta assinar e enviar os postais que se encontram no interior desta revista*, o mais rapidamente possível, ou participar online, em: www.amnistia-internacional.pt/liberdade. Não acredita que a sua assinatura pode fazer a diferença? Ora leia…

Ativista preso por escrever no Facebook

Este ano mais do que TRIPLICÁMOS o número de cartas

41.116 é o número de apelos enviados só

de Portugal para a ‘Maratona de Cartas 2012’ até à hora de fecho da revista. No ano passado tinham seguido de Portugal 11.087 apelos.

©IRFS

C

olocar um post no Facebook é algo que todos nós fazemos sem qualquer receio, a partir de quase todos os países do mundo. Em fevereiro de 2011, Jabbar Savalan, do Azerbaijão, escreveu no seu mural apelos a protestos contra o governo e, no dia seguinte, foi preso sob a acusação de “posse de droga”. Foi condenado a dois anos e meio de prisão com base numa confissão obtida com recurso a maus tratos. Em dezembro de 2011 o caso de Jabbar fez parte da ‘Maratona de Cartas’ e, antes do ano terminar, foi libertado após um perdão presidencial. Pouco depois, escreveu-nos: “a Amnistia Internacional é um símbolo de liberdade e direitos humanos, não apenas no Azerbaijão, mas em todo o mundo. Estou muito grato por todo o trabalho feito pela organização e por outras organizações que lutam pela liberdade no Azerbaijão”.

1.590.468 é o número de apelos da

‘Maratona de Cartas 2012’ enviados de todo o mundo até à hora de fecho da revista. No ano passado, seguiram de todo o mundo 1.138.444 cartas.

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é o número de ações de recolha de assinaturas organizadas em todo o país, por voluntários da Amnistia Internacional, no âmbito da ‘Maratona de Cartas 2012’.

*Para fins estatísticos e envio de informações sobre o desenvolvimento dos casos, por favor informe-nos do envio do postal para o email

boletim@amnistia-internacional.pt. Nos postais pode colocar a sua morada, ou a da Amnistia Internacional Portugal, para o caso das autoridades quererem dar resposta. continua na página 18 

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APELOS MUNDIAIS O CASO DE ALES BIALIATSKI, DA BIELORRÚSSIA Um conhecido defensor dos direitos humanos cumpre pena de prisão por se ter recusado a pôr fim ao trabalho da organização de direitos humanos que lidera. Envie o postal em seu nome.

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Amnistia Internacional acredita que o bielorrusso Ales Bialiatski, de 50 anos, foi detido a 4 de agosto de 2011 por polícias à paisana e condenado a quatro anos e meio de prisão para não continuar com o seu trabalho de defensor de direitos humanos.A acusação refere “ocultação de rendimentos em larga escala”, pois Ales foi forçado a usar contas bancárias pessoais, na Polónia e Lituânia, para pagar as atividades da organização não governamental que lidera: o Centro de Direitos Humanos Viasna. Apesar da organização existir desde 1996, a Bielorrússia retirou-lhe o registo em 2003, tornando-a ilegal. Desde então, a atividade da Viasna tem-se desenvolvido através das contas de Ales, forçosamente, no estrangeiro. A organização surgiu para ajudar os detidos das manifestações pró-democracia de 1996 e presta aconselhamento jurídico, realiza investigações, denuncia violações de direitos humanos e promove educação para os direitos humanos. Assista ao vídeo: tinyurl.com/AlesBialiatski

O CASO DE GAO ZHISHENG, DA CHINA Um dos mais respeitados advogados chineses e defensor dos direitos humanos está preso por denunciar a perseguição aos ativistas por parte das autoridades, na China. Envie o postal em seu nome.

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situação de Gao Zhisheng não é nova para a Amnistia Internacional, que há vários anos acompanha o seu caso. Gao é advogado e mais uma vez está preso. A razão remonta a 2006, quando foi condenado a três anos de prisão por “incitamento à subversão”, ao fazer uma greve de fome com o objetivo de alertar o mundo para a perseguição de ativistas pelas autoridades chinesas. A pena ficou suspensa por cinco anos, mas ao chegar a casa foi colocado em prisão domiciliária. Três anos depois, a 4 de fevereiro de 2009, é levado pela polícia e esteve desaparecido até 2010, quando apareceu numa entrevista à comunicação social revelando que tinha sido vítima de tortura. Dias depois tornou a desaparecer e só foi “encontrado” em dezembro de 2011 pelos média estatais, segundo os quais Gao está preso por violar as condições da pena suspensa. Assista ao vídeo: tinyurl.com/GaoZhisheng-China

O CASO DE JUAN ALMONTE HERRERA, DA REPÚBLICA DOMINICANA Um político e defensor dos direitos humanos foi raptado pela polícia em 2009. Nunca mais foi visto e acredita-se que pode não ter resistido aos maus tratos. Envie o postal em seu nome.

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uan Almonte Herrera, político e ativista, é membro do Comité de Direitos Humanos da República Dominicana. Poucos dias depois de ter completado 50 anos, foi, segundo testemunhas, levado por polícias quando se dirigia para o escritório onde era contabilista, na capital do país. Desde então está desaparecido. Duas horas após a detenção a polícia anunciou, na televisão, que Juan era procurado pelo alegado rapto de um jovem. Até hoje, as forças policiais negam a detenção, apesar de mais testemunhas terem ouvido Juan enquanto estaria a ser torturado numa esquadra da polícia. Acredita-se que não terá resistido aos maus tratos. Pouco tem sido feito para investigar o caso e a família do ativista tem sido aconselhada a esquecer a situação, alimentando a impunidade que é comum neste tipo de casos, no país. Assista ao vídeo: tinyurl.com/JuanAlmonteHerrera

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APELOS MUNDIAIS

O CASO DE NARGES MOHAMMADI, DO IRÃO Ativista internacionalmente reconhecida está no hospital a recuperar de problemas de saúde, mas terá de voltar à prisão para cumprir uma pena de seis anos. Envie o postal em seu nome.

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e “googlarmos” o nome de Narges Mohammadi na Internet facilmente percebemos o importante trabalho que a ativista tem feito pelos prisioneiros políticos, pelos direitos das mulheres e para pôr fim à pena capital para jovens no seu país, o Irão. Foi cofundadora do Centro para Defensores de Direitos Humanos, extinto pelas autoridades em 2008. Desde então, os seus elementos têm sido perseguidos, intimidados e detidos. Logo em 2009 Narges ficou sem passaporte e em 2011 foi condenada a seis anos de prisão por “reunir e conspirar contra a segurança nacional” e “espalhar propaganda contra o sistema” – uma condenação ligada ao seu trabalho de ativista. Na prisão, a saúde de Narges deteriorou-se e, por isso, foi-lhe dada uma licença para tratamento hospitalar. Quando sair terá de cumprir o resto da pena, não podendo acompanhar de perto a vida dos seus filhos gémeos menores. Assista ao vídeo: tinyurl.com/NargesMohammadi

O CASO DOS GIRIFNA, DO SUDÃO Um grupo de jovens, no Sudão, resolveu denunciar as violações de direitos humanos cometidas pelas autoridades. Por isso, são perseguidos, detidos e torturados. Envie o postal em seu nome.

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e é nos mais novos que reside o futuro, é também neles que pode começar a mudança. “Estamos fartos” é o que significa Girifna, o nome de um grupo de jovens que, no Sudão, resiste desde 2009 ao governo de Omar al-Bashir e ao Partido do Congresso Nacional que o apoia. A sua resistência é não-violenta e baseia-se na distribuição de informação sobre os abusos de direitos humanos cometidos pelas autoridades. Uma tarefa que parece simples, mas no Sudão os cidadãos comuns não têm facilmente acesso a informação verdadeira e fidedigna. Os Girifna exigem também respeito e proteção dos direitos humanos, através, por exemplo, de manifestações pacíficas. Por tudo isto os seus elementos são alvo de perseguição pelas autoridades, são arbitrariamente detidos, torturados e vítimas de agressão sexual. Muitos tiveram já de deixar o Sudão. Mas todos eles, garantem, não se vão calar. Assista ao vídeo: tinyurl.com/Girifna

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BOAS NOTÍCIAS Sentenciado à morte após julgamento injusto

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jovem tunisino Saber Ragoubi tinha 23 anos quando foi preso pelas autoridades da Tunísia, em dezembro de 2006. Um ano depois. foi julgado por acusações relacionadas com “conspiração contra o governo”, “uso de armas de fogo” e “pertença a grupo terrorista”. A única prova existente foi a confissão obtida sob tortura, que foi o suficiente para o condenar à pena capital e para o deixar no corredor da morte durante longos anos. Em 2010, o jovem foi um dos casos da ‘Maratona de Cartas’. Em março do ano seguinte foi libertado numa amnistia generalizada, sem qualquer explicação. Pôde finalmente voltar para junto do filho.

Raparigas violadas por quem as devia proteger

©Privado

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mexicana Valentina Rosendo Cantú tinha 17 anos e tinha sido mãe há apenas três meses quando um grupo de soldados a violou, na altura em que lavava roupa num rio. Também em Guerrero, no sul do México, Inés Fernández Ortega estava em casa quando foi violada por três soldados. Tinha então 27 anos. Ambas pertencem a uma comunidade indígena e estavam, por isso, habituadas a ouvir relatos sobre violações por parte de militares. Não quiseram ficar caladas e apresentaram queixa às autoridades. Os dois casos ocorreram em 2002 e até aparecerem na ‘Maratona de Cartas 2011’ não houve qualquer desenvolvimento. Pouco depois, o governo mexicano assumiu responsabilidade formal pelas violações. “Sem as vossas cartas, a vossa ação e solidariedade, não teríamos conseguido”, disse Valentina: “a cada um: nomaá [obrigada]”.

©Centro de Derechos Humanos de la Montaña de Tlachinollan

Juventude perdida na prisão de Guantánamo

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os 18 anos, o iemenita Mohammed al-Odaini encontrava-se numa residencial no Paquistão, onde estudava, quando o edifício foi alvo de um raide militar norte-americano. Estávamos em 2002, poucos meses após o ataque de 11 de setembro às Torres Gémeas de Nova Iorque. Com um saco na cabeça, foi levado para a Baía de Guantánamo, em Cuba, no contexto da “guerra ao terror”. Em pouco tempo, tornou-se claro que a detenção fora um erro e em 2005 chegou mesmo a ser ordenada a sua libertação. Porém, sete anos depois, o jovem continuava em Guantánamo e o seu caso fez parte da ‘Maratona de Cartas 2009’. No ano seguinte foi finalmente libertado e entregue à família, no Iémen. ©Privado

Jovens presos por ativismo na Bielorrússia

©ByMedia.net

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Em setembro de 2006, o bielorrusso Zmitser Dashkevich, de 25 anos, foi condenado a um ano e meio de prisão por “organizar e participar na atividade de uma organização não governamental não registada” – note-se que é comum no país o governo protelar o registo destes movimentos. Zmitser era o líder de uma organização juvenil da oposição, chamada Youth Front, que luta pela liberdade e pelos direitos humanos neste país da Europa. O seu caso fez parte da ‘Maratona de Cartas 2007’ e a 23 de janeiro de 2008 o ativista foi libertado. Continua a liderar o mesmo movimento juvenil.


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EM AÇÃO

PROJETOS E FERRAMENTAS DE EDUCAÇÃO

PARA OS DIREITOS HUMANOS


Šlaurent ziegler


EM AÇÃO

Campo de Trabalho: Falar de direitos humanos num ambiente lúdico

Por Sara Coutinho

©Amnistia Internacional

ontando já com 13 edições, o Campo de trabalho da Amnistia Internacional reúne anualmente jovens de todo o país para, durante quatro dias, trabalharem temáticas relacionadas com os direitos humanos. O objetivo final é capacitá-los para se tornarem cidadãos mais ativos e conscientes, imprimindo uma perspetiva de direitos humanos às suas realidades pessoais e ao contexto em que estão inseridos. O caminho é feito através de atividades, lúdico-educativas, que serão ferramentas essenciais às suas vidas de adultos. Em 2012 o Campo de Trabalho decorreu em Vila Nova de Famalicão, de 1 a 4 de novembro, sob o lema “Desbloqueia: Liga-te aos Direitos Humanos”. (ver texto de Catarina Pires). Como medir o impacto do Campo de Trabalho? Daniel Oliveira, Coordenador de Ativismo e Formação da Amnistia Internacional Portugal, refere que, apesar da dificuldade em avaliar o real impacto do trabalho em Educação para os Direitos Humanos, existem indicadores que vão dando conta de resultados positivos. “Muitos dos ativistas jovens que se vão destacando na Amnistia em 22

Portugal passaram pelo Campo de Trabalho”, sublinha. São disso exemplos concretos: os jovens da ReAJ-Rede de Ação Jovem (grupo nacional de ativistas) e os vários Grupos de Estudantes da Amnistia Internacional em escolas de todo o país. Helena Neves, que participou pela primeira vez nesta edição de 2012, defende que o Campo é um bom complemento ao ensino regular e que “seria bom todas as escolas terem um grupo que dinamizasse estas atividades [relacionadas com os direitos humanos], para que em todas haja projetos que ampliem o nosso lado humano e nos ajudem a compreender os outros”. Até ter ido a Vila Nova de Famalicão, Helena nunca tinha tido contacto com jovens de contextos socioculturais diferentes do seu. Aqui conheceu, entre outros, um grupo do Projeto +XL, da Associação Solidariedade e Desenvolvimento do Laranjeiro, que nesta localidade e no Feijó (ambas em Almada) promove a inclusão social, formativa e profissional de jovens de um contexto social multiétnico e multicultural. Com ações de informação, orientação, aconselhamento, desporto, cultura e artes, o +XL promove a interculturalidade, a cidadania e hábitos


EM AÇÃO

©Amnistia Internacional

de vida saudáveis. “Nós não desenvolvemos um trabalho específico sobre os Direitos Humanos”, refere Gonçalo Costa, psicólogo do projeto, explicando o motivo da ligação à Amnistia Internacional Portugal, que começou em 2010. Hoje, garante: “já se nota nos jovens que pensam sobre estas questões e até transmitem aos outros, que não vieram ao Campo, o que é a luta pelos direitos humanos”. Nuno Trindade, que há três anos é

participante, confirma: “vimos com uma ideia e saímos com outra, mais conscientes sobre a realidade das coisas”. Danilson Veiga, também do +XL, vai ainda mais longe e afirma que “[o que aprendeu no Campo de Trabalho] vai servir para o resto da vida, para ensinarmos às outras pessoas o que aprendemos quando, por exemplo, vemos alguém a ser ignorante com outra pessoa por ela ser diferente”.

Legendas:1, 2, 3, 4 - Imagens do último Campo de Trabalho, recordando as palestras, as artes como forma de falar de direitos humanos, os trabalhos de grupo e o logótipo humano da Amnistia Internacional Portugal, onde se lê “Liga-te aos Direitos Humanos”, o lema do 13.º Campo de Trabalho.

O 13.º CAMPO DE TRABALHO DA AMNISTIA INTERNACIONAL PORTUGAL Por Catarina Pires (19 anos), participante no projeto O 13.o Campo de Trabalho para jovens da Amnistia Internacional Portugal realizou-se na Quinta da Costa, em Vila Nova de Famalicão, nos dias 1 a 4 de Novembro. Na quinta dormimos, fizemos a maior parte das nossas refeições, trabalhámos e realizámos jogos, teatros, apresentações de marionetas, momentos musicais e debates, a fim de percebermos como atua a Amnistia Internacional, quais são as violações de direitos humanos mais difíceis de combater, como as podemos combater, de que modo podemos intervir nas escolas e nas nossas comunidades para contribuir para a sensibilização dos direitos humanos, etc. Também trabalhámos na Casa das Artes de Famalicão, onde participámos em workshops sobre discriminação cultural, de género e de orientação sexual; e na praça em frente ao Museu do Surrealismo, onde organizámos o logótipo humano do símbolo da Amnistia (a vela com o arame), com jovens do Campo de Trabalho e transeuntes. Visitámos ainda o bairro social das Lameiras e o Museu do Surrealismo. Gostei de participar neste Campo de Trabalho porque aprendi muito, tive a oportunidade de debater com os participantes vários pontos de vista de forma fundamentada e respeitadora, o que para mim é importante, na medida em que julgo que o diálogo é necessário para o enriquecimento intelectual e para a resolução de problemas, designadamente os relativos às violações de Direitos Humanos. Apercebi-me da sensibilidade de um grande número de jovens para os Direitos Humanos, o que considero ser indispensável para um futuro mais digno e humano (participaram no Campo cerca de 80 jovens, sendo que alguns representavam Grupos de Estudantes da Amnistia Internacional de escolas - um deles constituído por mais de 100 membros ativos - e grupos locais. Outros tencionam vir a formar grupos nas respetivas escolas e/ ou localidades). Fiz novos amigos, conheci Vila Nova de Famalicão e diverti-me.

Para a concretização do Campo de Trabalho 2012, a Amnistia Internacional Portugal agradece a colaboração de: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Casa das Artes, OFICINA-Escola Profissional do Instituto Nun’Alvres, Fundação Cupertino de Miranda, Associação de Moradores do Bairro das Lameiras e Grupo F21.

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EM AÇÃO

Free2Choose: liberdades em conflito:

Por Diana Silva Antão

que pode acontecer quando diferentes direitos fundamentais entram em conflito entre si? Suscitar o debate em torno desta questão é a proposta da organização não governamental holandesa Anne Frank House com o projeto Free2Choose, que chegou a Portugal em 2009 pela mão do professor Miguel Prata Gomes, da AI2PR-Associação Internacional Intercultural Project and Research, e está a ser promovido pela Amnistia Internacional Portugal enquanto ferramenta de Educação para os Direitos Humanos. A pergunta é abordada numa série de vídeos, que, usando exemplos concretos, opõem direitos, liberdades, segurança e democracia. Barry van Driel, da organização holandesa, explica o objetivo do projeto: “não queríamos que as pessoas assistissem aos vídeos de forma passiva, mas que assumissem uma posição, tendo em conta um conflito entre diferentes direitos humanos”. A iniciativa começou no Museu de Amesterdão, gerido pela Anne Frank House, mas tornou-se especialmente popular entre os jovens e em pouco tempo saiu das quatro paredes para, nas escolas, se tornar uma ferramenta de Educação para os Direitos Humanos. Para tal foi concebido um DVD que pode ser visualizado e usado em qualquer sala de aula, com 10 vídeos, dois por temática: Direito à Manifestação, Liberdade de Imprensa, Liberdade de Expressão, Liberdade Religiosa e Direito à Privacidade. Barry van Driel refere que “o Free2Choose está a ser implementado em mais de 20 países, com planos para expandir a mais 10 em 2013”. O projeto pode ir ainda mais longe “quando os jovens criam os seus próprios vídeos, apresentando-os na sala de aula 24

e moderando os debates”, acrescenta, referindo que, nestes casos, os dilemas apresentados nos vídeos são aqueles a que assistem, ou vivenciam, nas suas próprias comunidades. É nesta fase que se encontra o Free2Choose em Portugal. Em junho de 2011, a Amnistia Internacional Portugal e a AI2PR lançaram um concurso de vídeos para incentivar os jovens portugueses a criarem pequenos filmes que pusessem em conflito diferentes direitos humanos. Luisa Marques, Diretora de Campanhas da Amnistia Internacional Portugal, refere que “assim se consegue mais facilmente ir ao encontro do objetivo final do projeto, porque ao fazerem os vídeos os jovens estão a identificar situações concretas, percebendo que os dilemas apresentados no DVD Free2Choose estão presentes em qualquer sociedade, de qualquer país”. Para além disso, conclui, “a realização de um vídeo exige argumentar sobre um dilema, fomentando o espírito crítico e a atenção ao mundo que nos rodeia, que é outro objetivo do projeto”. Ana Esteves, Rita Barbosa e Rita Esteves, da EB 2/3 de Briteiros, quiseram participar, propondo um vídeo –


EM AÇÃO

©Anne Frank House

Liberdade Condicionada – que reflete sobre as claques de futebol e o conflito entre as liberdades de expressão e de associação. Com ele venceram o concurso na categoria de ‘Ensino Básico’. No ‘Ensino Secundário’ não houve participantes e no que diz respeito ao ‘Ensino Superior’, a vitória coube a Francisca Almeida, Rita Abreu e Sofia Alves, da ESAD-Escola Superior de Artes e Design, com o vídeo Descendência, que abordou o tema da adoção por casais do mesmo sexo. No total, estiveram a concurso 22 vídeos, que fazem agora parte de um DVD que, em breve, estará igualmente disponível para todas as escolas. As equipas vencedoras salientam o cariz pedagógico do Free2Choose: “este tipo de concursos e abordagens são sempre muito importantes para o desenvolvimento e educação de todos os participantes, visto que muitos nem conhecem sequer as liberdades e os seus limites e, muitas vezes, se não lhes for incutido ao nível da educação escolar, não procuram sequer saber”, considera Francisca Almeida. As alunas da EB 2/3 de Briteiros acreditam que “este concurso sensibiliza muito para o respeito pelos outros”. Enquanto a maioria dos

instrumentos de Educação para os Direitos Humanos enfatiza a importância destes direitos, o Free2Choose obriga os jovens a questionarem os seus limites e a sua conflitualidade. Miguel Prata Gomes considera que “a grande potencialidade desta ferramenta não são tanto os conteúdos, mas a perspetiva metodológica de não pretender apresentar soluções únicas e ‘verdadeiras’ para os dilemas, insistindo em desenvolver a capacidade de reflexão e discussão dos jovens que, inerentemente, deve levar associado um trabalho profundo de investigação sobre as temáticas a serem tratadas”. Uma originalidade que tem feito do Free2Choose um sucesso enquanto instrumento pedagógico de Educação para os Direitos Humanos.

Os interessados em utilizar esta ferramenta de Educação para os Direitos Humanos nas salas de aula podem contactar-nos através de e-mail boletim@amnistia-internacional.pt, ou pelo telefone 213 861 652. Além de material didático, estão disponíveis: uma exposição itinerante – “Anne Frank: uma história para hoje” – e formação, tanto para professores, como para estudantes.

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Quanto mais bem formada for uma polícia mais ganham os direitos humanos

Por Fernando Sousa, ativista e formador da Amnistia Internacional Portugal

©REUTERS/Radu Sigheti

e alguém, há algumas décadas, tivesse dito ao cidadão comum que um dia uma turma da polícia dialogaria num ambiente desembaraçado com um activista dos direitos humanos, seria apontado quase de certeza como um visionário. Pois isso mudou. Os primeiros passos de aproximação entre a Amnistia Internacional Portugal e as instituições e corporações alvo das preocupações da organização remontam aos anos de 1990, depois do que se seguiu um curto interregno; a persistente presença de Portugal nos relatórios anuais da organização pela violação de direitos e atropelos dos direitos humanos cometidos por autoridades policiais – Polícia de Segurança Pública, Polícia Judiciária e Guarda Nacional Republicana – ou guardas prisionais e o desconhecimento mútuo pesavam no caminho. 26

A par das denúncias, a organização ia formulando pedidos de informação ou fazendo recomendações ao Governo português, mas no terreno não havia um trabalho pedagógico ou colaboração prática, a chave para um entendimento maior. Que foi o que acabou por acontecer. Umas vezes por iniciativa das forças de segurança – a PSP ou a GNR, e mais tarde a PJ –, outras da AI, a cooperação entre os dois lados começou, inicialmente com carácter de sensibilização para os direitos humanos e o trabalho da organização, alargando-se depois à legislação relativa aos funcionários com responsabilidades no uso da força no cumprimento da Lei. Pelo meio, atenta às prisões, a AI Portugal participou em vários cursos de formação do Corpo da Guarda Prisional, sucessivamente em Caxias, Paço de Arcos e


EM AÇÃO

Carregueira, e mais recentemente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde registou com agrado uma nova mentalidade e preparação, que verificaria semelhantes às das forças de segurança.

Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei, é justo dizê-lo, estão muito distantes do seu passado, que tantos reparos mereceu da Amnistia. A instauração da democracia em 1974, a ratificação por Portugal dos mais importantes diplomas de protecção dos direitos humanos e a mudança de pensamento moldaram corpos policiais modernos cuja formação inclui já o essencial das normas internacionais que devem presidir ao bom desempenho do seu trabalho. A própria AI Portugal tem hoje um conhecimento das polícias que não tinha. Ouve-as, dialoga com elas, pressente os seus problemas institucionais e individuais. Mas, se muito foi feito, muito mais há por fazer, porque os atropelos continuam e a AI tem que os denunciar, e o ambiente de confiança mútua permanece insuficiente.

Por parte das forças de segurança e da guarda prisional persiste a ideia que a Amnistia não tem noção dos constrangimentos dos homens e mulheres que asseguram a segurança pública e dos cidadãos, das suas dificuldades, perigos, stress, trabalho excessivo. Do lado dos activistas da organização, a ambiguidade é o sentimento mais comum, por as forças policiais que por vezes atropelam os direitos humanos serem também a certa altura quem os protege, se empenha nas transições políticas democráticas ou participa em missões internacionais donde regressa louvada pelas populações e autoridades (veja-se o caso da GNR em Timor-Leste). O que fazer? Insistir no caminho já feito. Perceber e isolar os novos e complexos desafios que o mundo pós-2001 coloca aos direitos humanos no mundo em geral e em Portugal em particular, tornar ainda mais clara a Missão e a Visão da Amnistia Internacional, desenvolver formas de cooperação com base em instrumentos internacionais de que Portugal é parte e também da Amnistia, que procurem salvaguardar que os comportamentos mais infelizes das forças de segurança não são uma fatalidade e podem ser ultrapassados com uma adequada formação para o cumprimento das normas internacionais que devem presidir ao bom desempenho dos agentes.

Às polícias portuguesas não faltam hoje nem referências – como o Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei, o Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Submetidas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão ou os Princípios Básicos Sobre o Emprego da Força e das Armas de Fogo –, nem instrumentos específicos de procedimento – como o Código Europeu de Ética da Polícia, baseado na Declaração sobre a Polícia, de 1979, e parte do programa “Polícia e Direitos Humanos”, do Conselho da Europa. Mas está tudo ainda e demasiado só no papel. Se nenhum cidadão pode invocar a ignorância da lei no cometimento da falta ou do crime, também nenhum agente das forças de segurança o pode fazer relativamente a numerosos diplomas que hoje condicionam ou regem a sua actividade. Fazê-lo no quadro de uma relação de maior regularidade e confiança institucional é o caminho que falta percorrer. ©Amnistia Internacional

Este artigo foi escrito com a antiga ortografia.

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EM AÇÃO

Semear direitos humanos para colher ativistas

Por Daniel Oliveira, Coordenador de Ativismo e Formação da Amnistia Internacional Portugal*

A Amnistia Internacional Portugal visita escolas de todo o país, enquanto espaço privilegiado para educar para os direitos humanos.

©Escola Básica Integrada Aristides de Sousa Mendes

e facto, não foi fácil: logo no primeiro telefonema percebi que estava perante uma escola diferente daquelas de onde costumam pedir para irmos falar sobre direitos humanos. A professora, receosa, avisou-me de que eu iria encontrar jovens muito difíceis. Um dia antes do encontro, novo telefonema – desta vez para adiar a sessão. Um aluno tinha agredido um professor e o ambiente na escola estava pior do que nunca! Por momentos, receei pela minha integridade física, mas a experiência e a vontade de “levar a minha avante” falaram mais alto. No dia (re)marcado, lá fui para a escola, em pleno coração de Lisboa. Comecei por falar para cerca de 50 jovens, dos mais desinteressados e indisciplinados que já conheci! Os telemóveis tocavam a todo o minuto. A cada frase minha, uma piada e a gargalhada geral. Percebi que tinha de mudar rapidamente de abordagem e de repente lembrei-me de falar de violência policial… Instalou-se um silêncio súbito: um dos alunos tinha sido agredido numa esquadra da polícia recentemente e o assunto estava na ordem do dia! A partir daí os minutos voaram, com uma turma que passou de mal comportada a interessada – e interessante. Houve discussão e troca de ideias – para estes alunos, os direitos humanos não eram algo abstrato e longínquo. Tendo sido esta uma das primeiras escolas que visitei nas minhas funções, também eu tive uma grande lição: os 28

direitos humanos estão muito para além das leis, dos códigos, dos tratados. Os direitos humanos somos nós, pessoas, e as nossas vidas de todos os dias. É por isso que a Amnistia Internacional Portugal visita há vários anos escolas de todo o país. Educar para os direitos humanos não é exclusivo de crianças e jovens, nem do ambiente escolar. Mas os jovens e a escola são atores essenciais, pelo potencial de crescimento dos mais novos e pelo papel que os estabelecimentos de ensino têm na sua formação. Nos últimos cinco anos, a Amnistia Internacional Portugal esteve em 460 escolas e falou para (e com) mais de 27.000 crianças, jovens e adultos, da escolaridade primária ao ensino recorrente. A Amnistia Internacional acredita que lutar por um mundo que respeite e promova os direitos humanos exige um trabalho de prevenção em locais, por excelência, dedicados à aprendizagem. Até porque, como bem recordou o Conselho da Europa, o primeiro passo para um mundo sem violência, racismo, extremismo, xenofobia, discriminação e intolerância está na Educação para a Cidadania Democrática e na Educação para os Direitos Humanos. Assinamos por baixo! *Para mais informações sobre o trabalho de Educação para os Direitos Humanos da Amnistia Internacional Portugal, contactar Daniel Oliveira pelo aiportugal@amnistia-internacional.pt ou pelo 213 861 652.



AGENDA

FEVEREIRO

Exposição “Imagens à Margem” em Vizela Para quem estiver perto de Vizela, em Braga, está patente no Espaço Jovem uma exposição de fotografia que compensa a paragem. As imagens são do projeto “Imagens à Margem”, da Amnistia Internacional Portugal e da PAF-Plataforma de Ação Fotográfica, e foram tiradas por moradores da freguesia de Fermentões, em Guimarães. A mostra pretende combater a exclusão social e dar voz a estas pessoas, que com um clique registaram as mudanças que gostariam de ver na sua localidade e, consequentemente, nas suas vidas. Uma prova de que há muitas formas de fazermos mais pelos nossos direitos! ©Nolasco Napoleão

8 a 17 de MARÇO

Semana de Ação Global contra as Armas A Amnistia Internacional promove uma semana de ação mundial que visa pressionar os estados das Nações Unidas a aprovarem finalmente o texto do Tratado de Comércio de Armas, uma das causas da Amnistia há 17 anos. O documento vai estar novamente em discussão na Conferência que decorre em Nova Iorque de 18 a 28 de março. Os países quase concluíram este processo no verão passado, mas os Estados Unidos da América, a China e a Rússia pediram o adiamento da decisão. É agora a derradeira oportunidade para regulamentar o comércio que continua a alimentar conflitos e a violência armada sem qualquer controlo.

©Mira66

6 de ABRIL

Assembleia Geral da Amnistia Internacional

OUTROS DIAS IMPORTANTES 6 de FEVEREIRO Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina 12 de FEVEREIRO Red Hand Day, o dia em que diz “Não” ao uso de crianças-soldado. 8 de MARÇO Dia Internacional da Mulher 21 de MARÇO Dia Internacional contra a Discriminação Racial

CARTOON

©Amnistia Internacional

Membros, apoiantes e ativistas coloquem já na agenda a data da próxima Assembleia Geral, que promete ser um dia muito especial: falar de direitos humanos com especialistas na área vai ser uma certeza, bem como a enriquecedora troca de experiências e conhecimentos. Venham renovar o vosso compromisso com a nossa causa! Em breve enviaremos informações via email. Caso não recebam, por favor contactem-nos pelo aiportugal@amnistia-internacional.pt.

Por Adrian Palmas, cartoonista argentino

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