Agir pelos direitos humanos

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RIAL

EDITO

Amigos/as, ean McBride, grande combatente pela Liberdade e pelos direitos humanos, Prémio Nobel da Paz (1974) e histórico presidente da Amnistia Internacional, conta na sua autobiografia que muito o chocava a justificação da inacção de muitos perante a revelação dos crimes de genocídio após a II Guerra Mundial. Quase todos diziam que nada tinham feito simplesmente porque “não sabiam”, ninguém os informara. Para Sean McBride, no futuro nunca mais ninguém se poderia escusar a agir invocando o desconhecimento de crimes contra a humanidade, porque a Amnistia Internacional iria ser uma organização internacional “de sentinelas”, mobilizando a comunidade para a denúncia das violações de direitos humanos, onde quer que ocorressem, por maiores que fossem as barreiras, o silêncio, a censura, o poder e o secretismo dos Estados. Os progressos nas tecnologias da comunicação e da informação permitiram grandes avanços na informação, na participação e mobilização democráticas. Mas também têm servido como arma de manipulação e de desinformação contra os direitos humanos, frequentemente utilizada pelos Estados na repressão de dissidentes, na vigilância e no controlo ilegítimos de cidadãos, em intromissões na privacidade, no desrespeito pelas responsabilidades assumidas perante a comunidade internacional. A insegurança, a crise económica, a ascensão de forças nacionalistas e xenófobas têm vindo, crescentemente, a ser invocadas para justificar políticas securitárias de reforço de uma Europa-fortaleza, cega quanto às suas responsabilidades políticas e insensível aos grandes dramas humanos fora das suas fronteiras, pronta a impedir por todos os meios a entrada de migrantes, requerentes de asilo e refugiados. Os dirigentes europeus mostram-se incapazes de dar respostas positivas aos previsíveis problemas colocados pelas migrações e pela protecção aos refugiados, limitando-se a medidas como o reforço do controlo das fronteiras, que apenas levam os mais desesperados a recorrerem a traficantes de pessoas, arriscando-se em travessias marítimas cada vez mais perigosas em que muitos acabam por perder a vida; em 2014, em pouco mais de seis meses, mais de 3000 pessoas tinham morrido no Mediterrâneo (700 em 2013). Quando passa um ano sobre o naufrágio de Lampedusa, que vitimou mais de 350 pessoas, outros vão sendo noticiados – ainda em Setembro último ocorreu um caso semelhante, perto de Malta, em que desapareceram cerca de 500 fugitivos provenientes do Egipto, da Palestina, da Síria e do Sudão. Mais de metade eram palestinianos, vindos de Gaza. O drama humano que constituiu a última ofensiva israelita (2 mil mortos, 10 mil feridos, 440 mil sem alojamento que viram as suas casas destruídas, ou ficarem sem água nem electricidade) levou muitas vítimas dessa violência a arriscarem uma morte no mar para fugirem à morte em casa, num qualquer bombardeamento. O mesmo pensarão muitos sírios, país em que 10 milhões de pessoas, mais de 40% da população, foram forçadas a deixar as suas casas e 3 milhões se tornaram refugiadas à força (sobrevivendo, não na Europa, mas concentradas em campos no Líbano, Jordânia e Turquia). É uma vergonha que os responsáveis europeus, perante as crises de refugiados no Médio Oriente e em África, em que centenas de milhares de pessoas fogem de guerras, da perseguição e da pobreza, apenas respondam com mais vigilância nas suas fronteiras, recorrendo aos mais sofisticados sistemas de detecção, incluindo a adaptação de satélites meteorológicos. E é chocante que, na Europa, políticos e media prefiram “não saber” desses dramas. A AI não desistiu de continuar a ser uma sentinela de denúncia e de mobilização para a acção. Nem sempre os resultados são imediatos, como no caso da educação para os direitos humanos, que visa fornecer aos jovens os meios para se informarem, conhecerem a realidade, consolidarem valores e assumirem atitudes positivas por um mundo mais solidário. Temos uma boa notícia: no âmbito de uma parceria com as secções de Itália, Irlanda e Polónia, e o apoio do Secretariado Internacional, a AI Portugal desenvolveu no passado ano lectivo o projecto “Escolas Amigas dos Direitos Humanos”, que agora foi alargado para o período de 2014/16, no quadro de um financiamento europeu Daphne III, a iniciar já em Outubro, com a abordagem baseada nos direitos humanos para combater a discriminação nas escolas. Em breve vos diremos mais. Victor Nogueira Presidente da Direcção Este artigo foi escrito com a antiga ortografia.


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Combate à violência sobre as mulheres

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Convenção para a Prevenção e Combate à Violência sobre as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Istambul, entrou em vigor em agosto. Na ocasião a Amnistia Internacional (AI) reforçou o apelo a todos os governos que assinem e ratifiquem este tratado. A Convenção é o primeiro documento da sua natureza a visar especificamente a violência contra as mulheres e a violência doméstica. Ao ratificarem o tratado, os países ficam obrigados a proteger e dar apoio em casos deste tipo de violência; a criar serviços como linhas de denúncia, abrigos, serviços médicos e de aconselhamento e ajuda jurídica. Portugal foi um dos primeiros países a ratificar este importante documento o que lhe traz responsabilidades acrescidas no cumprimento das disposições previstas. Mais em  http://bit.ly/ConvençãoIstambul

© Demotix

Investigação aos desaparecimentos forçados em Timor Leste e na Indonésia

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uma declaração conjunta, em junho, a AI e a Aliança Nacional de Timor-Leste para um Tribunal Internacional (ANTI) instaram os governos de Timor-Leste e da Indonésia a agilizarem o processo de criação de uma Comissão para os Desaparecidos. Lembravam que o facto de a demora dos dois governos tomarem medidas para determinar o destino e paradeiro das pessoas desaparecidas durante o período de ocupação indonésia de Timor-Leste (1975-1999) e no contexto do referendo à independência, em 1999, demonstrar falta de vontade para acabar com a impunidade, contribuindo para o sofrimento das vítimas e dos seus familiares. Estima-se que cerca de 18.600 pessoas foram mortas ou desapareceram em Timor-Leste neste período. Mais em  http://bit.ly/TimorLeste_desaparecimentos

© Nug Katjasungkana

Imagens implicam exército na prática de crimes de guerra na Nigéria

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ários vídeos de extrema brutalidade, fotografias e testemunhos recolhidos pela AI na Nigéria trazem à luz novas provas de crimes de guerra que estão a ser cometidos no Nordeste da Nigéria com o intensificar dos combates do Exército contra o Boko Haram e outros grupos armados rebeldes. Estima-se que mais de 4.000 pessoas, na maioria civis, foram mortas apenas este ano durante ataques trocados entre os dois lados do conflito. A AI insta a que seja feita prontamente uma investigação independente, imparcial e completa ao crescente padrão de graves e sistemáticas violações de direitos humanos e da legislação humanitária por ambas as partes envolvidas no conflito. Mais em  http://bit.ly/Nigéria_CrimesdeGuerra 06

© EPA


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Vítimas de operações da NATO e EUA aguardam justiça

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m relatório da AI sobre as consequências dos ataques aéreos e raides noturnos efetuados pelas tropas dos Estados Unidos revela que as famílias de milhares de civis afegãos mortos nestes ataques e em missões da NATO continuam sem justiça. Nenhum dos casos analisados foi objeto de processo judicial pelo Exército norte-americano, demonstrando falhas de responsabilização nas operações militares norte-americanas no Afeganistão. Nele também se apela ao Governo afegão que faça todos os esforços para garantir a responsabilização criminal dos homicídios em quaisquer acordos bilaterais de segurança que venham a ser assinados por Cabul com a NATO e os Estados Unidos. A AI investigou dez incidentes que ocorreram entre 2009 e 2013 envolvendo a morte de civis. Mais em  http://bit.ly/Operações_Afeganistão © Amnesty International

Desaparecimentos na Síria, os fantasmas da guerra

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o dia internacional das vítimas de desaparecimentos forçados, a AI lembrou os milhares de desaparecidos na Síria. As vítimas de desaparecimentos forçados, na maioria pessoas que o estado perceciona como sendo opositores, são mantidas em regime de incomunicabilidade e em segredo em centros de detenção por toda a Síria, em condições desumanas e sujeitos a tortura. Em fevereiro deste ano, uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas exigia que o governo sírio cessasse esta prática, contudo, continua a campanha de intimidação dos opositores. Mohamed Bachir Arab foi um dos casos alvo de petição neste dia e o seu caso exemplifica o impacto dos desaparecimentos forçados na vida dos familiares. Mais em  http://bit.ly/DesaparecimentoSíria

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Estado Islâmico responsável por limpeza étnica no Norte do Iraque

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AI lançou um relatório sobre as ações do grupo armado Estado Islâmico (EI) que tem levado a cabo uma campanha de limpeza étnica no Norte do Iraque, cometendo crimes de guerra contra minorias étnicas e religiosas, incluindo execuções sumárias maciças e raptos. O documento apresenta vários testemunhos de sobreviventes de massacres perpetrados por aquele grupo jihadista que tem visado cristãos assírios, xiitas turcomanos, xiitas shabak, yazidis, entre outros. Muitos árabes e muçulmanos sunitas que se opõem ou se crê que se opõem ao EI têm também sido alvo de ataques de vingança. Desde que tomou o controlo da cidade de Mossul o EI tem ainda destruído locais de culto das comunidades não muçulmanas sunitas, incluindo mesquitas e relicários xiitas. Mais em  http://bit.ly/NortedoIraque © Amnesty International

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© Xander Stockmans – Tussen Vrijheid en Geluk


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Lampedusa, a Fortaleza da Europa

Por Tiago Carrasco Uma ação de busca e salvamento no Mediterrâneo Central integrada na operação Mare Nostrum

ara os refugiados que se aventuram a atravessar o Mediterrâneo de barco, vislumbrar a costa italiana provoca-lhes uma sensação de êxtase, quase uma ressurreição. Era nesse estado que se encontrava Fanus, uma rapariga eritreia de 18 anos, depois de ter pagado 1.175 euros a uma rede de traficantes para a ajudar a escapar aos tentáculos da ditadura militar que vigora no seu país, atravessando o deserto do Sara até à Líbia, para depois entrar com mais meio milhar de somalis e eritreus num barco sem quaisquer condições. Após 36 horas de viagem, o capitão parou o motor do barco a 800 metros de Lampedusa para ser detetado pela polícia marítima italiana, que seria depois obrigada a transportar todos os ocupantes para a ilha. Fanus estava prestes a pisar terra firme. Com o motor desligado, o barco começou a meter água e o capitão foi ao convés para resolver o problema. Contudo, acabou por provocar um acidente: o convés começou a arder. Os passageiros precipitaram-se para a amurada de um dos lados do navio, que tombou lentamente para o naufrágio. Quando, três horas mais tarde, um pequeno grupo de pescadores avistou a embarcação, era tarde demais. Dos 518 ocupantes do barco, 366 afogaram-se. Fanus foi uma das sobreviventes. A rapariga foi levada para o centro de acolhimento de refugiados de Lampedusa, completamente sobrelotado. Passados três meses, seguiu para Palermo, onde a identificaram através de impressões digitais. Segundo a convenção europeia assinada em Dublin, em 2003, todos os refugiados têm de ser identificados no país a que chegaram e, no caso de pedirem asilo noutro país europeu, são forçados a regressar à nação que os identificou. Mas Fanus não queria ficar em Itália. Saltou a vedação do centro e fugiu para Roma, de

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onde, após pagar mais 700 euros por uma passagem aérea e um passaporte falso, voou para Estocolmo. Entretanto, já pediu asilo e aguarda resposta. Até março de 2014, apenas dois dos sobreviventes do naufrágio de Lampedusa conseguiram sair de Itália. “Ninguém devia passar o que eu passei. Não o desejo nem ao meu maior inimigo”, disse Fanus ao jornal The Guardian. Só em 2013, 14.753 imigrantes desembarcaram em Lampedusa, exatamente o triplo da população daquela ilha do arquipélago das Pelágias. O choque causado pelo naufrágio de 3 de outubro de 2013 obrigou as autoridades italianas a agir. Implementou-se a mega-operação Mare Nostrum: cinco navios militares, helicópteros, bases de vigilância de tecnologia avançada, drones e 900 marinheiros, num patrulhamento constante das águas territoriais italianas. O custo diário da empreitada é de 300 mil euros (9 milhões por mês), uma despesa criticada pelos partidos da direita italiana. No entanto, em 2014, a operação já resgatou 60 mil pessoas do mar. “Os que se queixam dos custos deviam calcular as perdas no investimento de 4 mil milhões de euros feito pela Europa em políticas 09


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de emigração, dos quais apenas 17% foram dedicados a melhorar as condições de asilo. Tudo o resto foi para conter o fluxo de refugiados”, diz Riccardo Noury, porta-voz da Amnistia Internacional (AI) Itália. Noury diz que o único apoio com que Itália conta é com um navio esloveno.“Itália tem de convencer os outros Estados-membros a partilhar a responsabilidade. Este não é um problema de Lampedusa, nem de Itália, mas sim de toda a UE”. Lampedusa está muito mais sossegada que nos três anos anteriores. Em 2011, aquando da revolução tunisina e da guerra civil na Líbia, momentos houve em que alguns refugiados tiveram de pernoitar em casa do presidente da câmara. Susana Gaspar, ativista e coordenadora do grupo 19 da AI Portugal, visitou Lampedusa nesta fase. Segundo a ativista, falta informação sobre o que é um refugiado: “As gentes de Lampedusa compreendiam os motivos de imigração dos eritreus mas não dos tunisinos, porque achavam que na Tunísia não havia guerra. Mas devíamos compreender que ninguém quer sair do seu país e abandonar as suas famílias, ainda por cima arriscando a vida, se não tiver uma razão muito forte”. Hoje, são apenas 300 os refugiados instalados no centro de Lampedusa, que se encontra em obras. “O que se tem passado é que as autoridades italianas não têm identificado os refugiados, deixando-os à deriva pela Europa”, diz Riccardo Noury. Para o ativista da AI Itália, Fernando Chironda, o desrespeito pela convenção de Dublin por parte das autoridades italianas pode significar desprezo pelos imigrantes como também uma ação de pressão para com outros países europeus. “A Europa tem de seguir uma política de abertura de fronteiras para evitar as mortes no mar. Têm que se conceder mais vistos e abrir corredores

Migrantes tunisinos em Lampedusa, em 2011

humanitários desde a Síria e a Eritreia”, diz Fernando. Os números falam por si: 90 % dos refugiados da Eritreia e de outras regiões em conflito que solicitam asilo na Europa, veem os seus pedidos aceites. “Não seria mais fácil deixá-los entrar de uma forma digna?”, questiona Fernando. Esta é uma questão com que Majid, de 21 anos, natural de Jos, uma aldeia do norte da Nigéria, se confronta diariamente. Em 2011, viu o pai ser assassinado por motivos religiosos. Fugiu e acabou por chegar a Lampedusa mas, ao contrário do que julgava, as dificuldades estavam apenas a começar. "Trataram-nos como criminosos, revistaram-nos. A comida era intragável, dormi no chão, fizeram-me sentir como se estivesse numa prisão”, diz Majid. “Odeio a Europa. Dizem-nos que aqui há igualdade, humanismo e democracia mas, na verdade, nem solidariedade existe. Se o meu país estivesse em paz, regressaria. Não posso”. A versão longa deste artigo pode ser lida aqui http://bit.ly/Agir_LampedusaFortalezaEuropa

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O navio italiano Virginio Fasan, durante uma ação de busca e salvamento no Mediterrâneo Central, com parte da operação Mare Nostrum, em agosto de 2014. Nesta ocasião recolheu a bordo mais de 1.000 migrantes oriundos de países como a Síria, Somália e Bangladesh

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Entre a espada e a parede

Por Sérgio Coelho

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Refugiados sírios no campo de Zaatari, na Jordânia

ais de 3 milhões de refugiados. Esta é uma das atrozes consequências da guerra civil que alastra na Síria desde março de 2011. Um número tão mais dramático, se se pensar que cerca de metade serão crianças e se se lhe acrescentar o número de deslocados internos, que, em finais de 2013, rondava os 4,5 milhões. Uma situação que o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), classificava, em setembro de 2013, de “calamidade humanitária”, considerando que tais números não encontram “paralelo na história recente”. O Líbano é o país fronteiriço com a Síria que tem vindo a acolher o maior número de refugiados fugidos ao conflito, num caudal que foi engrossando à medida que os combates se começaram a concentrar nas zonas

de fronteira. Se, em abril de 2012, segundo dados do ACNUR, o número de refugiados sírios no país era de 18.000, a cifra aumentaria para os 356.000 no espaço de um ano, para, em abril deste ano, ultrapassar já a fasquia de 1 milhão de refugiados. Não obstante, os refugiados sírios continuam a ser designados por “visitantes”, particularidade relacionada com a recusa do Líbano em abrir campos de refugiados para os acolher, em sequência do trauma dos campos destinados a refugiados palestinianos, que, em muitos casos, se transformaram em bairros gigantes. Esta problemática tem vindo a levar as autoridades libanesas a impor restrições crescentes à entrada no país de refugiados provenientes da Síria, sobretudo os de origem palestiniana. Uma postura que Teresa Pina, Diretora Executiva da AI Portugal, classificou, em entrevista 011


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televisiva à RTP de julho de 2014, de “claramente discriminatória”. Premente é também o problema da carência de serviços de saúde adequados para os refugiados, tal como denunciado pela AI em maio deste ano1 . No que respeita aos outros países com fronteira com a Síria, a situação também não deixa de ser alarmante. Na Jordânia, têm vindo a ser impostas restrições crescentes à entrada no território de refugiados sírios, por mais que as autoridades jordanas garantam que as suas fronteiras permanecem abertas para todos quantos fogem dos combates. Não obstante, têm vindo a registar-se casos de deportações e situações de pessoas a quem foi negado o acesso ao território jordano2 . De registar que, em dezembro de 2013, se encontrariam no país cerca de 345.000 refugiados sírios. Só o campo de Zaatari, considerado o segundo maior campo de refugiados do mundo, alberga, segundo o ACNUR, 120.000 refugiados. Quanto à Turquia, o número de refugiados sírios nos 14 campos estatais turcos, distribuídos por sete províncias fronteiriças com a Síria, será de 200.000, embora, segundo o ACNUR, o número efetivo possa ultrapassar os 536.000. Por mais que as autoridades turcas garantam que não irão impedir a entrada de mais refugiados, têm sido denunciados diversos casos de atraso significativo nos processos de controlo e registo. Em setembro de 2012, tal como oportunamente denunciado pela AI, registavam-se cerca de 10.000 refugiados retidos na fronteira com a Turquia. Em março de 2013, 600 refugiados foram deportados para a Síria.

No Egito, país em que se encontram oficialmente registados cerca de 129.000 refugiados sírios, a detenção e deportação de imigrantes tem-se revelado prática reiterada. A AI denunciou a situação frisando “a conduta lamentável adotada pelo Egito face às pessoas que fogem ao conflito na Síria”3 . A marinha egípcia tem vindo a intercetar várias embarcações com refugiados sírios, aos quais são dadas duas opções: a deportação ou a detenção por tempo indefinido. Segundo dados divulgados no relatório, as autoridades haviam já detido 946 sírios, encontrando-se 724 sob prisão. Uma atitude reforçada pela presunção das autoridades egípcias de que os refugiados sírios serão inerentemente apoiantes da Irmandade Muçulmana e, consequentemente, cúmplices dos conflitos sociais e políticos que grassam no país. No vizinho Iraque, embora os postos fronteiriços de al-Waleed e Rabhia se mantenham oficialmente abertos, dificilmente poderá ser considerado uma opção. Para além da instabilidade latente, o país encontra-se atualmente a braços com um cenário de verdadeira guerra civil, fruto das reivindicações territoriais do autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante. Não obstante, segundo dados de dezembro de 2013, existirão mais de 207.000 refugiados sírios no país. Preocupante é também a situação em Yarmouk, localidade situada na periferia de Damasco, na Síria, que acolhia cerca de 160.000 refugiados palestinianos. Com a cidade a ser alvo de violentos combates nos últimos meses, na sequência de uma ampla ofensiva militar por parte das forças governamentais, e segundo comunicado de 30 de junho da UNRWA (Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinianos), estima-se que cerca de 140.000 palestinianos se tenham visto instados a fugir de suas casas. Estima-se que se encontrem atualmente em países da União Europeia cerca de 40.000 refugiados sírios. Ainda que muitos dos países-membros se demonstrem recetivos ao acolhimento, são muitos aqueles que chegam às fronteiras europeias na sequência de viagens atribuladas, que, quando não atingem bom porto, degeneram em tragédias com contornos semelhantes às que frequentemente acontecem nas costas de Lampedusa ou no mar Egeu.

Relatório “Agonizing Choices: Syrian refugees in need of health care in Lebanon” (MDE 18/001/2014)

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Relatório “Growing restrictions, tough conditions: The plight of those fleeing Syria to Jordan” (MDE 16/003/2013)

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Relatório “‘We cannot live here anymore’: Refugees from Syria in Egypt” (MDE 12/060/2013)

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Fechada a sete chaves Por Sérgio Coelho

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o decurso da II Guerra Mundial, a invasão aliada parece iminente. A Alemanha nazi leva então a efeito um plano de intensa fortificação ribeirinha das zonas ocupadas, um projeto de arquitetura militar que ficaria conhecido por Fortaleza Europa. Uma expressão que tem vindo a designar o conjunto de políticas e ações que a União Europeia (UE) e os Estados-membros que a constituem têm vindo a implementar, com vista a impedir a entrada nos seus territórios de refugiados, requerentes de asilo e imigrantes ilegais. Uma constatação que a Amnistia Internacional documenta em relatório1 divulgado em julho deste ano. Um dos pilares sobre os quais a “fortaleza” se alicerça dá pelo nome de FRONTEX, ou Agência Europeia para a “The Human Cost of Fortress Europe: Human rights violations against migrants and refugees at Europe’s borders” (EUR 05/001/2014)

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Gestão e Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-membros da UE. Foi criada em 2005, com o objetivo de promover um programa “de gestão integrada de fronteiras”. Ainda que a agência tenha adotado uma Estratégia Fundamental de Direitos, todavia, não se encontram implementados mecanismos eficientes para investigar eventuais violações de direitos humanos. Por exemplo, com o fito de criar “zonas-tampão”, têm vindo a ser estabelecidos diversos acordos com países com fronteira a sul e a leste com a UE ou que representem um ponto de passagem comum das rotas migrantes: Ucrânia, Líbia, Marrocos e Turquia são alguns exemplos. Com efeito, tratam-se de territórios sobre os quais recaem frequentemente denúncias de violações de direitos humanos ou onde os migrantes retidos são vítimas de maus-tratos. Aí, fundos europeus têm vindo a ser utilizados para a construção de centros de detenção e para a implementação de infraestruturas ou tecnologias 11


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de controlo de fronteiras. Com esses países, a UE tem vindo a estabelecer acordos de readmissão, pelos quais, no caso de terem sido um ponto de passagem, se comprometem em receber de volta os imigrantes ilegais. A UE assinou inclusive acordos de devolução de imigrantes ilegais com países que extravasam o conceito de zona-tampão, como sejam os estabelecidos já este ano com o Paquistão, Cabo Verde, ou Rússia. Por mais que o princípio de non-refoulement integre a maioria dos tratados internacionais, estão a decorrer negociações com a Argélia, China, Bielorrússia e Marrocos. Um dos braços armados da Fortaleza é o Eurosur (Sistema de Vigilância Fronteiriça Europeu), que consiste em investimentos em tecnologias de informação integrados com vista a intercâmbio de informações que possibilitem um controlo fronteiriço mais eficaz. Envolve também avultados investimentos em sofisticadas tecnologias de controlo e vigilância fronteiriços. Na Grécia, um exemplo paradigmático foi a operação Aspida, palavra grega para escudo, implementada em 2012. Até abril de 2014, grande parte do financiamento desta Fortaleza dependia do Programa de Solidariedade e

Gestão de Fluxos Migratórios, conhecido pelo acrónimo SOLID. Todavia, apenas 16% das verbas se destinavam ao Fundo para os Refugiados. Um conjunto de medidas que, selando as fronteiras terrestres externas da Europa, mais não tem feito do que intensificar as perigosas, e por vezes trágicas, travessias marítimas.

Segundo dados do Conselho Português para os Refugiados (CPR), em 2013, existiam em Portugal 350 refugiados reconhecidos e 650 cidadãos ao abrigo de proteção subsidiária. Nesse ano, dos 506 pedidos recebidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, representativos de 44 nacionalidades, foram admitidos 169, o que representa uma taxa de admissibilidade de cerca de 33% e um aumento em 69% face ao número de pedidos recebidos em 2012. Em 2013, o ministro da Administração Interna reconheceu 13 estatutos de refugiados e 116 Autorizações de Residência por Razões Humanitárias. Até 31 de Agosto, a tendência de pedidos mensais tem-se vindo a manter comparativamente a 2013, com Teresa Tito de Morais, Presidente da Direção do CPR, a destacar “o dado curioso de se terem registado 54 pedidos de asilo por parte de cidadãos ucranianos”, fruto da “situação de conflito que se vive no seu país”. No respeitante a requerentes de proteção internacional de nacionalidade síria, em 2013, foram recebidos 146 pedidos. Saliente-se que Portugal se havia comprometido perante o ACNUR com uma cota anual para a reinstalação de 30 refugiados, ampliada para 45 no contexto da crise de refugiados sírios. Ao abrigo desse compromisso, em 2013, foram concedidos 14 estatutos de refugiados a cidadãos sírios. Quanto aos 71 cidadãos sírios com documentação irregular que chegaram a Portugal em novembro de 2013, desembarcados de voo da TAP proveniente da Guiné Bissau, Teresa Tito de Morais confirma que nenhum deles “se encontra atualmente em Portugal”, confirmando a tendência de o país ser visto como “um território de trânsito”. O CPR foi uma das entidades chamadas a dar o seu contributo na fase de anteprojeto da “Nova Lei de Asilo”. Frisando a necessidade de ser reconhecido como entidade representante do ACNUR em Portugal, insistiu ainda, entre outras medidas, na importância do aconselhamento jurídico gratuito ao requerente em todas as fases do procedimento de asilo ou no efeito suspensivo dos recursos. Também a AI prestou o seu contributo para a “Nova Lei de Asilo”, tal como oportunamente divulgado no nº 7 da AGIR, de abril-julho deste ano.

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TÍCIA

NO BOAS

A sua assinatura tem mais força do que imagina Todos os dias milhares de pessoas veem os seus direitos humanos serem violados. Em cada edição da revista, a Amnistia Internacional Portugal dá voz a algumas delas – nas páginas centrais – pedindo a quem lê as suas histórias que não fique indiferente e envie os postais em seu nome. O mesmo está a ser feito em muitos outros países do mundo. Este envio massivo de apelos tem o efeito que é bem visível nestas páginas.

© Amnesty International Czech Republic

Ales Bialiatski Prisioneiro de Consciência les Bialiatski, proeminente defensor de direitos humanos da Bielorrússia, presidente do Centro de Direitos Humanos Viasna e vice-presidente da Federação Internacional de Direitos Humanos, que tinha sido condenado em 2011 a quatro anos e meio de prisão por “evasão fiscal em larga escala”, foi libertado. A Amnistia Internacional sempre acreditou que a perseguição de que foi alvo tinha origem em trabalho legítimo enquanto defensor dos direitos humanos e considerava-o prisioneiro de consciência pedindo a sua libertação imediata e incondicional. Ales Bialiatski foi preso por usar as suas contas pessoais na Lituânia e na Polónia para apoiar o trabalho da sua organização de direitos humanos na Bielorrússia, devido à recusa das autoridades de, desde 2003, de permitir o registo do Centro de Direitos Humanos Viasna. Como resultado, a organização está impedida de abrir uma conta bancária em seu nome na Bielorrússia e, por isso, Ales Bialiatski, para financiar o trabalho de direitos humanos não tinha outra escolha senão usar contas bancárias em países vizinhos. Ales afirmou que acreditava que a pressão interna e internacional tinham conduzido à sua libertação, um ano e 8 meses antes do prazo anunciado. Em conversa com o investigador da Amnistia para a Bielorrússia disse: “Quero agradecer-vos especialmente pelo apoio moral. A coisa que fez a verdadeira diferença foram as cartas que recebi de pessoas comuns e quero agradecer em especial aos vossos ativistas por isso.” Ales pretende continuar o seu trabalho de defensor dos direitos humanos. Ales foi um dos casos da Maratona de Cartas de 2012. Agradecemos a todos os que assinaram o seu apelo. continua na página 16 

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NIGÉRIA - MOSES AKATUGBA Moses Akatugba tinha apenas dezasseis anos quando foi preso em novembro de 2005 sob suspeita de roubo à mão armada, um crime que, afirma, nunca cometeu. Segundo o seu testemunho foi baleado na mão e espancado, agredido com machetes e bastões, atado e suspenso por diversas horas. Os polícias arrancaram-lhe as unhas das mãos e do pé. Foi na sequência destes maus tratos que Moses foi obrigado a assinar confissões previamente redigidas pela polícia. Em novembro de 2013, após 8 anos de detenção sem julgamento, foi levado a tribunal e foi condenado à pena de morte na sequência de um processo pleno de irregularidades.

Vamos apelar para que a sua sentença de morte seja comutada, que sejam investigadas as alegações de tortura e que os responsáveis sejam levados perante a justiça. Assine o postal destacado nesta edição e envie-o para a morada da AI Portugal que depois se encarregará do envio para o governador do estado do Delta, na Nigéria.

ÁFRICA DO SUL - MULHERES DA COMUNIDADE DE MKHONDO Na comunidade de Mkhondo, África do Sul, 25% das mortes de mulheres grávidas e mães recentes estão relacionadas com problemas de acesso a cuidados pré-natais. Esta região apresenta também uma das maiores taxas de prevalência de VIH SIDA de mulheres grávidas (46,1%) e de gravidez na adolescência (que atinge mais de 10% de raparigas com menos de 18 anos). As razões para esta situação, que poderiam evitar a transmissão do vírus, explicam-se pela falta de informação sobre direitos sexuais e reprodutivos, dificuldades de acesso aos centros de saúde e a métodos contracetivos e cuidados pré-natais. Os profissionais de saúde disponíveis são poucos e mal pagos e, muitas das vezes, submetem as suas pacientes a maus tratos físicos e psicológicos. Vamos apelar ao governo sul-africano para que este encete todos os esforços para colmatar estas lacunas e combater a mortalidade materna, VIH SIDA e a discriminação de género. Assine o postal destacado nesta edição e envie-o para a morada da AI Portugal que depois se encarregará do seu envio para as autoridades da África do Sul.

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CHINA – LIU PING A ativista contra a corrupção Liu Ping foi sentenciada a seis anos e meio de prisão em junho de 2014 como consequência da sua luta. É uma das ativistas associadas ao “Movimento dos Novos Cidadãos” (New Citizen’s Movement) cujos membros têm sido detidos e perseguidos pelas autoridades chinesas. A repressão deste movimento que promove a participação na vida cívica, discussão de políticas e apoio a pessoas com necessidades, confirma a hipocrisia das autoridades chinesas que afirmam estar a lutar contra a corrupção, mas perseguem os ativistas que a denunciam. Liu Ping foi torturada enquanto se encontrava em prisão preventiva.

Vamos apelar para que Liu Ping seja libertada imediata e incondicionalmente. Assine o postal destacado nesta edição e envie-o para a morada da AI Portugal que se encarregará do envio para as autoridades chinesas.

EUA - CHELSEA MANNING A 21 de agosto de 2013, a militar Chelsea Manning, foi sentenciada a 35 anos de prisão militar por divulgação de documentos confidenciais no website Wikileaks. Algum do material que Manning expôs apontava para graves violações de direitos humanos e de direito internacional humanitário, cometidas por soldados norte-americanos, forças militares iraquianas e afegãs que combateram ao lado do exército dos EUA, e ainda por mercenários e pela CIA, no contexto de operações de contra-terrorismo. Manning foi mantida onze meses em isolamento durante a detenção pré-julgamento, primeiro no Iraque e depois numa base militar na Virgínia, EUA.

Vamos apelar à clemência das autoridades americanas, considerando as razões e a motivação de Chelsea Manning para a divulgação desse material (os documentos confidenciais provam a violação de direitos humanos, sendo por isso de interesse públicos) e que sejam investigadas as violações de direitos humanos por ela expostas. Assine o postal destacado nesta edição e envie-o para a morada da AI Portugal que se encarregará do envio para o Presidente dos Estados Unidos da América.

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BOAS

NOTÍC

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continuação da página 13

Dhondup Wangchen Realizador de documentário sobre o Tibete em detenção hondup Wangchen é um realizador tibetano, autor do documentário: Leaving Fear Behind onde abordava as questões de direitos humanos no Tibete, bastante crítico em relação à atuação das autoridades chinesas. O seu ativismo levou-o a ser detido, torturado, sujeito a trabalhos forçados e sem acesso a assistência médica. Foi uma caminhada dura e longa, para este prisioneiro de consciência, cujo fim foi possível, graças ao envolvimento de muitos ativistas da Amnistia Internacional. E Dhondup não se esqueceu disso, declarando após a sua libertação: “Neste momento, sinto que tudo em mim está num mar de lágrimas. Espero recuperar a minha saúde brevemente. Gostaria de expressar a minha mais profunda gratidão por todo o apoio que recebi enquanto estava na prisão e quero reunir-me com a minha família”. O caso de Dhondup Wangchen foi um dos apelos mundiais da revista nº 6, série V, de março de 2010. Obrigado a todos os que assinaram os apelos em seu nome.

Gao Zhisheng Defensor dos direitos humanos em risco ao Zhisheng, advogado e defensor dos direitos humanos foi designado pelo Ministério da Justiça da República Popular da China “um dos dez maiores advogados da nação” em 2001, pelo seu trabalho pro bono em casos de interesse público. Representou ativistas de direitos humanos e trabalhou em casos sensíveis envolvendo seguidores do Falun Gong e casos de pena de morte. Estava preso desde 2011, condenado a três anos de prisão por “violação da pena suspensa” em consequência de condenação anterior por “incitar à subversão”. A Amnistia Internacional recebeu agora notícia da sua libertação. Gao Zhisheng foi um dos casos apelo da Maratona de Cartas de 2012. Obrigado a todos os que assinaram os apelos.

Lei anti-homossexualidade no Uganda Amnistia Internacional recebeu a boa notícia da anulação da Lei Anti-homossexualidade no Uganda. Esta medida constitui um importante passo para pôr fim à discriminação sancionada no país pelo próprio Estado. O Tribunal Constitucional do país justificou a decisão de declarar a lei nula com o facto de a mesma ter sido votada quando não estavam suficientes deputados na sessão parlamentar em que a mesma foi aprovada, em dezembro de 2013. Esta anulação representa uma vitória muito significativa para os ativistas ugandeses que trabalharam contra aquela legislação. Desde que a peça legislativa foi proposta pela primeira vez, em 2009, estes ativistas arriscaram muitas vezes a sua segurança para garantir que as leis no Uganda respeitam os princípios de direitos humanos. Desde que a Lei Anti-homossexualidade entrou em vigor, em março passado, após promulgação presidencial, a Amnistia documentou um aumento muito acentuado de detenções arbitrárias, abusos policiais e casos de extorsão sobre membros da comunidade LGBTI. Muitos perderam o emprego, ficaram sem casa ou foram forçados a fugir do país. O Código Penal do Uganda, na secção 145, porém, mantém a criminalização do ato de “conhecimento carnal do indivíduo contrário à ordem natural”. No início do ano a AI Portugal promoveu uma petição pedindo a anulação desta lei. Obrigado a todos os que a assinaram. 16


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Novos Grupos Locais: Chaves e Coimbra Por Mariana Hancock, membro da Direção, Responsável por Membros e Ativismo

© Joana Vieira

vontade expressa e demonstrada de se querer contribuir para um maior impacte enquanto movimento.

Assinalamos a passagem de dois Núcleos a Grupos Locais. Um passo importante, revelador da organização, empenho e, sobretudo, da dedicação dos seus membros ao ativismo local, à missão e aos objetivos da Amnistia Internacional. Chaves e Coimbra enviam um sinal bem claro de que ainda agora começaram o que tão cedo não se espera que acabe: a construção de uma verdadeira cultura de direitos humanos e um caminho de ação pelos direitos humanos.

Foi em 2010 que nasceu o Núcleo de Coimbra. Chaves viu o seu Núcleo a ser criado mais recentemente, em 2013. Nestes últimos anos, temos visto grupos a perder força, ou desaparecer, e outros a crescer e a amadurecer – matéria que nos deverá merecer atenção e futura reflexão por ser uma questão essencial na vida da nossa secção e na sustentabilidade do ativismo de base local. Por agora, deixamos as nossas felicitações aos novos Grupos Locais, em particular, e os desejos de boa continuação de ativismo a todas as restantes estruturas. Esperamos ver-vos em Conselho Geral e na próxima Assembleia Geral: espaços de participação e decisão sobre tudo quanto somos e seremos enquanto um só grande Grupo, uma só AI.

As palavras dirigidas aos dois novos Grupos Locais não são diferentes daquelas a deixar a todos os outros grupos e estruturas da AI Portugal. São palavras de apoio e incentivo, de valorização do tempo e propriedade que cada um dos seus membros dá às atividades em que se envolve e desenvolve, de celebração do que já foi concretizado e do que há ainda por concretizar, com a Ação do Grupo de Chaves realizada no Estádio Municipal de Chaves

XIII MOSTRA DE DOCUMENTÁRIOS DE DIREITOS HUMANOS A Amnistia Internacional Portugal – Grupo 19, em colaboração com o Centro Cultural Olga Cadaval, promove a realização, entre os dias 19 e 21 de dezembro de 2014, da 13ª Mostra de Documentários sobre Direitos Humanos, batizado MOSTRA-ME no ano em que a estrutura sintrense comemora 25 anos. Durante três dias serão exibidos documentários, alguns deles inéditos, sobre temas distintos realizados em diversos países com o intuito de fornecer uma perspetiva alargada sobre alguns dos desafios que se colocam aos direitos humanos na atualidade. Tal como nas edições anteriores, está prevista a presença de realizadores e especialistas para analisarem, com a Amnistia Internacional (AI), alguns dos filmes após a sua projeção. Serão ainda realizadas atividades complementares relacionadas com temas e campanhas da AI em curso. Mais informação e sinopses dos filmes em: http://bit.ly/Programação_XIII_Mostra_DH ou em http://grupo19amnistia.blogspot.pt

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GUINÉ EQUATORIAL – VISITA DE PONCIANO NVÓ A PORTUGAL © Ricardo Silva

Advogado de prisioneiros de consciência não acredita na “enganadora” moratória à pena de morte

Por Dulce Furtado, Coordenadora Interina de Conteúdos Digitais

á algo que Ponciano Nvó conhece bem na Guiné Equatorial: as acusações de golpe de Estado com que o regime visa dissidentes, empurrando--os mesmo para tribunais militares onde podem ser condenados à morte. O advogado também foi alvo dessa acusação, ainda na década de 1970, em que esteve preso durante três anos como suspeito de envolvimento numa tentativa de golpe de Estado contra o então Presidente Francisco Macías Nguema – o qual acabou por ser deposto em agosto de 1979 no golpe militar chefiado pelo seu sobrinho e atual chefe de Estado do país, Teodoro Obiang Nguema, à data vice-ministro da Defesa.

Quase quatro décadas passadas desde aquela mudança de regime, o advogado acumula uma experiência ímpar de defesa de prisioneiros de consciência e presos políticos. Ponciano Nvó critica duramente o Governo e o sistema de justiça do país – onde mais se expõe e mais arrisca: nas salas de tribunal. A sua visita a Portugal coincidiu com a cimeira em Díli em que se formalizou a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade de Países de Língua Portuguesa – uma adesão que tinha como condição sine qua non que o país pusesse fim à aplicação da pena de morte. 19


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O afastamento da pena capital da legislação da Guiné Equatorial tem sido desde sempre uma das mais fortes frentes de pressão por parte da Amnistia Internacional. Aliás, o secretário-geral da organização de direitos humanos, Salil Shetty, na visita a Lisboa em maio passado, onde se reuniu com o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, frisou que a questão essencial é a de denúncia das violações de direitos humanos na Guiné Equatorial, sobretudo a da persistência da pena de morte, e o papel que cabe a Portugal no âmbito das relações externas, nomeadamente o de exercício de toda a sua influência diplomática para salvaguardar o respeito pelos direitos humanos, sobretudo numa altura em que o país é candidato ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Com os olhos postos na possibilidade de aceitação na comunidade internacional, que se concretizou com a adesão formal à CPLP, o Presidente da Guiné Equatorial assinara uma resolução de moratória temporária à pena capital, a 13 de fevereiro passado. Mas apenas duas semanas antes foram executados pelo menos quatro presos, e muito provavelmente nove, que se encontravam no corredor da morte, foi então apurado pela Amnistia Internacional.

Regime perpetua-se instigando o medo da morte Ponciano Nvó, com mais de 20 anos de exercício de advocacia e um doutoramento em Direito, expressa enormes dúvidas de que haja uma verdadeira vontade política do regime de Obiang para pôr fim à pena de morte. “Aquele termo ‘moratória’ não é convincente. Não me convence a mim e não deveria convencer ninguém”, sustenta o jurista, explicando que “o uso de uma resolução presidencial, a disposição legal mais inferior que existe, abaixo até do decreto presidencial e que não tem poder para atenuar, suspender, revogar nem anular uma lei que lhe é superior, parece ter confundido os membros da CPLP”. A pena de morte está consagrada na Guiné Equatorial no Código de Justiça Militar (de 1945) e para o crime de homicídio no Código Penal, de 1967, uma “herança da era franquista, que Obiang preferiu ao modelo legal democrático da Espanha pós-ditadura [em referência à Constituição espanhola, de 1978, de um ano antes da chegada de Teodoro Obiang ao poder]”, frisa Ponciano Nvó. “Ambas são leis ordinárias e não podem ser afastadas por uma resolução presidencial, pelo que os 20

tribunais podem perfeitamente – e cumprindo a lei – invocar este facto para continuarem a proferir sentenças de morte e fazerem-nas ser executadas”. O advogado entende que “a demonstração de uma verdadeira vontade política para acabar com a pena de morte passa necessariamente por Obiang assumir o compromisso de ser elaborado um projeto-de-lei ou de decreto-lei, e submetê-lo ao Parlamento para votação, pois apenas com uma lei se pode revogar outra lei”. “Essa iniciativa não existe”, sublinha. Ponciano Nvó não acredita sequer que o Presidente venha a fazê-lo. “Estamos a falar de um regime que julga civis em tribunais militares com acusações falsas de golpe de Estado para os executar, que manipula o sistema judicial sem provas sólidas de quaisquer crimes para se livrar de opositores políticos e dissidentes. Este é um regime que governa pela intimidação, que se perpetua no poder através da limitação das liberdades e direitos dos cidadãos e pela instigação do medo nos cidadãos, um medo da morte”, descreve.

Grupos parlamentares portugueses “atentos” Ponciano Nvó não espera menos do que uma efetiva pressão para a mudança por parte dos países membros da CPLP quando reunirem pela primeira vez com a Guiné Equatorial já como membro pleno da organização. Foi, aliás, essa mensagem de “preocupação da população equato-guineense, vítima de violações de direitos humanos”, e de “esperança na capacidade de influência da comunidade lusófona”, que o jurista deixou aos representantes dos grupos parlamentares portugueses, com os quais reuniu em Lisboa. © Ricardo Silva

Victor Nogueira, Presidente da Direção da AI PortugaI, Alberto Martins, líder do grupo parlamentar do Partido Socialista (PS), Ponciano Nvó, Fernando de Sousa, representante do Grupo de Sintra da AI e António Braga deputado do PS


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Assembleia da República “as questões discutidas” no encontro. Realçando os “aspetos positivos” no processo de adesão, o deputado do CDS-PP Hélder Amaral avaliou por seu lado que “não existia moratória antes e existe agora”. “Tudo faremos para que seja cumprida e que sejam dados passos mais evidentes nessa matéria. É importante que a moratória venha a ter força de lei e que seja cumprida”, asseverou no final da reunião com Ponciano Nvó, de cujas preocupações disse ter tomado “boa nota”.

Já Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda, criticou a “cedência” de Portugal. “O pragmatismo e o cinismo dos negócios sobrepuseram-se à vontade fundadora da CPLP de respeito pelos direitos humanos”. “Continuam a existir [na Guiné Equatorial] atropelos aos direitos humanos, as liberdades não são respeitadas e a moratória que existe sobre a pena de morte não tem impedido que as pessoas sejam executadas na mesma”. O líder parlamentar do Partido Socialista, Alberto Martins, frisou também como “essencial” a questão de respeito pelos direitos humanos, e considerou que existe “um rumo de grande exigência a percorrer e que tem de ser percorrido” para levar a Guiné Equatorial, no quadro da CPLP, “a cumprir os direitos humanos, quer no domínio da pena de morte, quer no domínio das condições do exercício democrático, quer ainda no domínio dos direitos fundamentais”. O antigo ministro da Justiça afiançou no encontro com Ponciano Nvó e com a delegação da Amnistia Internacional Portugal que o PS permanecerá “muito atento à necessidade dessa exigência”.

Do encontro com os sociais-democratas, o advogado da Guiné Equatorial obteve a promessa de que o PSD estará “atento e vigilante ao cumprimento das normas exigidas pela CPLP”. Ponciano Nvó saudou ainda o facto de António Rodrigues, vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, ter mencionado que, caso se confirme que as normas de direitos humanos não estão a ser cumpridas, “o país também pode ser suspenso” da organização lusófona, como aconteceu com a Guiné-Bissau na sequência do golpe de Estado de 2012. Ponciano Nvó trocou ideias também com representantes do partido LIVRE, o qual defende que “as mudanças na Guiné Equatorial, sejam a nível linguístico [com a adoção do português como terceira língua oficial do país] ou de direitos humanos, são meramente cosméticas”. “Teodoro Obiang precisa da CPLP como disfarce em relação ao seu crescente isolamento. Cabe aos países membros da CPLP não deixarem instrumentalizar a sua organização para a legitimação de um ditador a prazo”, é sustentado em comunicado pelo LIVRE. Delegação da AI Portugal com Ponciano Nvó e representante do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda © Ricardo Silva

O cenário descrito pelo advogado “é muito mais preocupante [do que esperava]”, indicou o deputado José Luís Ferreira, do Partido Ecologista Os Verdes, no final de um desses encontros, na Assembleia da República, sublinhando ainda que o regime da Guiné Equatorial “é totalmente totalitário”. O país, defende, “não devia entrar para a CPLP enquanto não fizer uma limpeza da sua casa e se tornar num país essencialmente democrático”.

A deputada do Partido Comunista Português e membro da Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas Carla Cruz avançou a Ponciano Nvó e à delegação da Amnistia Internacional Portugal que iria “transmitir” àquele organismo da 21


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Suspenso por “comportamento anti sistema”

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Bastonária portuguesa repudia “afronta à dignidade da profissão” Forte crítico da falta de independência das instituições judiciais no seu país, Ponciano Nvó contesta em tribunal as manipulações da justiça feitas pelo regime de Teodoro Obiang, que violam os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Isto valeu-lhe ser suspenso por duas vezes pela Ordem dos Advogados da Guiné Equatorial nos últimos seis anos.

Bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, com Ponciano Nvó

Esta conduta foi repudiada pela bastonária da Ordem dos Advogados portuguesa, Elina Fraga, num encontro com Ponciano Nvó durante a sua visita a Lisboa. Expressando “total solidariedade” ao advogado, Elina Fraga frisou que “considerar a defesa jurídica um delito de opinião constitui um atentado aos alicerces fundamentais dos direitos humanos e uma afronta intolerável à dignidade da profissão e função social dos advogados”. A bastonária portuguesa lembrou ainda que a possibilidade de Ponciano Nvó voltar a ser suspenso “é perfeitamente real”, uma vez que a Ordem dos Advogados da Guiné Equatorial “é dirigida pelo ministro da Justiça, sem qualquer independência”. Apesar dos riscos, Ponciano diz não temer. “Porquê medo? Nunca digo em tribunal senão a verdade. Na Guiné Equatorial a verdade ofende, porque temos um mau Governo, que pensa que a calar a boca das pessoas continuará a governar da mesma maneira, mas os tempos estão a mudar”, expressa o advogado. A primeira suspensão reporta a 2008 quando Ponciano Nvó defendia o opositor Faustino Ondo Ebang. “Ebang estava a ser impedido de liderar o seu partido, em que tinha sido democraticamente eleito, por ter sido antes julgado por golpe de Estado num processo politicamente motivado e no qual, por pressão internacional, os arguidos acabaram por receber indulto presidencial”, explica. Na defesa, Ponciano contestou a veracidade das acusações e evocou que “o único golpe de Estado provado e demonstrado na história da Guiné Equatorial foi o de 1979, feito pelo atual Presidente”. A consequência não se fez esperar: suspensão durante um ano. “Fizeram-no sem denúncia do juiz, nem inquérito ou qualquer processo disciplinar. O Governo deu a ordem ao bastonário e ele executou-a”, sustenta Ponciano. Quatro anos mais tarde Ponciano Nvó foi acusado de má conduta durante o julgamento do proeminente ativista de direitos humanos e cirurgião Wenceslao Mansogo Alo, acusado de negligência médica na morte de uma paciente por paragem cardíaca no bloco operatório. O advogado desmontou as provas da acusação, em particular um relatório assinado pelo ministro da Saúde em que o cirurgião era dado como culpado pela administração de uma dose excessiva de anestesia. “Tudo forjado! E nem o ministro tinha competência para fazer aquela peritagem. O regime aproveitou-se da morte daquela mulher para prender um dos seus mais fortes críticos num julgamento injusto e parcial”, denuncia Ponciano Nvó. Pouco depois chegava-lhe nova notificação da Ordem dos Advogados: suspensão por dois anos. “Limitaram-se a informar-me que o meu ‘comportamento anti sistema’ era reincidente”. O fim desta suspensão estava prevista para abril de 2014, tendo sido antecipada para fevereiro após intervenção da União Internacional de Advogados, que enviou uma delegação a Malabo para avaliar o caso de Ponciano Nvó.

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Curso de verão de direitos humanos: “Crise económica: crise de direitos humanos?” Por Redação AI Portugal

Virgínia Brás Gomes, do Comité de DESC da ONU, Victor Nogueira e Teresa Pina da AI Portugal e ainda Teresa Cavero, da Oxfam Europa

primeiro curso de verão de direitos humanos, organizado na sequência do protocolo entre a AI Portugal e os Instituto Europeu (IE) e Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF), da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, decorreu sob o mote “Crise económica: crise de direitos humanos?” entre 3 e 4 de junho e juntou cerca de 80 participantes, que ouviram e discutiram as opiniões de peritos nacionais e internacionais na matéria. A abertura esteve a cargo do Presidente do IDEFF e IE, Professor Eduardo Paz Ferreira, e de Victor Nogueira, Presidente da AI Portugal. Seguiuse a intervenção de Virgínia Brás Gomes, perita do Comité de Direitos Económicos Sociais e Culturais da ONU, que falou sobre as obrigações dos estados em matéria de direitos humanos, mesmo em tempos de crise, lembrando que a lei internacional obriga os estados a assegurar níveis essenciais mínimos de realização dos direitos e impede medidas regressivas. Teresa Cavero, da Oxfam Europa, apresentou as conclusões do estudo “Um conto moral: o verdadeiro custo da austeridade e da desigualdade na Europa”, em que se analisa o impacto das medidas de austeridade, lembrando que essas mesmas políticas foram já tentadas noutros países, noutras épocas, e falharam. Esteban Beltrán, Diretor da AI Espanha, ilustrou como a austeridade pode conduzir a violações de direitos humanos, referindo as restrições no acesso à saúde de imigrantes em situação irregular, que resultaram da reforma da lei sanitária espanhola, impedindo doentes crónicos ao acesso aos serviços de saúde. Também de crise e direito à saúde falou Adalberto Campos Fernandes, Professor da Escola Nacional de

Saúde Pública da Universidade de Lisboa, destacando a importância do Estado e das políticas públicas no combate à desigualdade e à promoção da cidadania, perspectivando a saúde como um motor de desenvolvimento económico, sobretudo em países como Portugal, que enfrentam a “fatalidade” do envelhecimento demográfico. O Conselheiro Cunha Rodrigues, antigo juiz do Tribunal de Justiça da União Europeia, abordou o tema “Eficácia dos direitos económicos e sociais na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia” para destacar a “desconstrução do Direito” como um dos efeitos mais destruidores da atual crise económica e social, defendendo ser tempo de os juristas se reafirmarem no espaço público, com novas ideias que visem a reconstrução do modelo social europeu. Por fim, Miguel Prata Roque, Professor da FDUL e assessor jurídico do Tribunal Constitucional (TC), falou sobre a “Eficácia dos direitos económicos e sociais na Constituição Portuguesa”, para se referir à natureza dos acórdãos do TC relativos às medidas de austeridade dos últimos anos. Prata Roque destacou estarem em causa medidas de política financeira de natureza conjuntural de combate a uma situação de emergência, não devendo ser entendidas como medidas que pode ser usadas para enfrentar problemas estruturais - situação em que, caso estejam reunidos os devidos consensos, a solução deverá passar por uma revisão da Constituição. E sobre o retrocesso em matéria de direitos sociais rematou, citando Gandhi a propósito da violência: “Eu sou contra o retrocesso porque parece fazer bem, mas esse bem é temporário. O mal que faz é que se torna permanente”. 23


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Ativistas Perdidas na Polónia

Por Rita Brito, Coordenadora da ReAJ, e Ana Rita Vieira, Coordenadora do Grupo de Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra.

qualquer uma das fantásticas pessoas que conhecemos neste encontro! No trabalho de grupo entre todos os participantes refletiram-se de forma brilhante na construção da ação de rua sobre a Campanha Global STOP Tortura, o principal tema do EEJ. Decidimos fazer um flashmob a simular situações e atos de tortura e em segundo lugar fazer a recolha de assinaturas para as petições dos 5 casos da Campanha. O sucesso foi enorme!

pós o regresso a Portugal, é ainda difícil falar da semana incrível que passámos na Polónia, no EEJ 2014! Uma semana com jovens ativistas de várias secções europeias da AI, com momentos de partilha, aprendizagem e convívio. Como não poderiam as expectativas serem elevadas? A verdade é que o Encontro simplesmente superou as expectativas que tínhamos! Desde os participantes aos organizadores e a todos os conteúdos apreendidos, é difícil explicar como incrível foi este momento! Comecemos pelos participantes. Vindos de toda a Europa, cada um trazia consigo uma bagagem cheia de histórias e conhecimentos diferentes dos nossos! Todas as organizações precisam de sangue jovem, ideias novas e a AI não é exceção. Esta oportunidade permitiunos conhecer pessoas que, como nós, todos os dias levam a causa da AI mais longe. Hoje em dia, direitos humanos nem sempre é o tema mais fácil de se abordar. Pensávamos que em Portugal poderia ser mais difícil do que noutros países, dado toda a conjuntura atual, no entanto percebemos que os nossos problemas são tanto nossos como de qualquer outro ativista, em qualquer outro país! Percebemos também que é esta dificuldade que nos dá força para mostrar que ainda existem violações de direitos humanos e que somos nós que podemos acabar com as mesmas. É esta vontade, esta urgência de ver e ser a mudança que é transversal a 24

As pessoas que passavam na praça paravam e ficavam escandalizadas ao ver jovens, pessoas como elas, a serem arrastadas na rua sem razão aparente. Conseguimos ver revolta nas expressões dos transeuntes e ouvir, enquanto pedíamos assinaturas, a indignação que sentiram ao ver tortura acontecer a dois palmos de distância! Este encontro foi tudo e muito mais pois o que adquirimos é incalculável e, para além disso, conseguimos tocar na mente das pessoas e, juntos, fazer a diferença! direitos humanos são nossos, são vossos, são de todos nós!

Participantes do EEJ no final da ação da campanha STOP Tortura


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Reunião da Assembleia

© Amnistia Internacional Portugal

de Presidentes e do Fórum de Directores da AI Por Victor Nogueira

ealizou-se em Wokefield Park, Reading, Reino Unido, entre os dias 21 e 22 de Junho, uma reunião conjunta da liderança internacional da AI, que inclui, para lá dos seus órgãos, os Presidentes de Direcção e os Directores das secções e estruturas da AI – os primeiros constituem os representantes dos membros voluntários, a quem cabe a governança democrática do movimento; os segundos são o corpo profissional, os responsáveis pela gestão das estruturas. No dia seguinte, 23 de Junho, teve ainda lugar um workshop sobre a gestão de conflitos na AI – uma dimensão cuja existência não pode ser ignorada numa organização tão grande, complexa e diversa como é esta. A reunião CADF (Chairs Assembly & Directors Forum) foi, como é habitual, muito intensa e participada, tendo-se ocupado, para lá do ponto de situação actual, do aprofundamento dos principais temas por que passa a AI, nesta fase de grandes transformações internas, incluindo reuniões regionais. Foram apresentadas e enquadradas as duas grandes campanhas em curso – O Meu Corpo, os Meus Direitos e STOP Tortura! – que reflectem realidades que preocupam milhões de pessoas. A título de exemplo, nos últimos 5 anos foram identificados casos de tortura em 141 países; num inquérito realizado em 21 países, 44% dos respondentes revelaram temer vir a ser torturados se estivessem em custódia, o que também explica o impacte do lançamento da campanha, que foi acompanhado por mais de 10 milhões de pessoas, em 106 países. O Secretário-Geral, Salil Shetty, apresentou uma série de casos em que a AI tem estado envolvida, em países com crises humanitárias, ou conflitos, como no Mali, República Centro Africana, ou Ucrânia; Nigéria (devolvam as crianças e os direitos humanos), Qatar (campeonato do mundo e direitos humanos), Sri Lanka (independência nos inquéritos a violações), Paraguai (devolução de terras e discriminação do povo indígena Sawhoyanaxa), Turquia (direito à manifestação pacífica). Mas também falou de tecnologias (SOS panic button, aplicação para telemóveis), ou do anúncio premiado em Cannes pelo seu design e impacte (Freedom Candles).

Salil Shetty, Secretário-Geral da AI com um exemplar da revista AGIR dedicado à sua visita a Portugal

A Direcção Internacional apresentou, entre outras matérias, informações sobre o seu desempenho, as grandes questões que se colocam à organização neste momento, a implementação de decisões do Conselho Internacional (ICM 2013), ou a alocação de recursos. A situação financeira causa algumas preocupações: apesar de dispor de reservas confortáveis, o investimento em angariação de fundos está abaixo do orçamentado, o que poderá ter implicações negativas nas receitas, na estabilidade financeira e no impacte da nossa intervenção; tem havido restrições ao financiamento de projectos do Secretariado Internacional e solicitados empréstimos a algumas secções (incluindo a AI Portugal). Em Novembro terá lugar uma Reunião Internacional de Finanças em que estas matérias serão aprofundadas. As questões mais importantes que foram debatidas foram os Objectivos Estratégicos para 2016/19 (entre Agosto e Outubro está a desenvolver-se a 2ª fase da sua discussão, na qual estará envolvido o nosso Conselho Geral, que também participará na 3.ª fase, entre Janeiro e Maio de 2015, para a preparação da versão final a apresentar em Agosto ao ICM 2015); a Reforma da Governança e dos Princípios Fundamentais (“core standards”); Angariação de Fundos e Crescimento; e o Programa Global de Transição (GTP), que inclui a preocupação de aumentar o impacte da intervenção da AI, agindo mais perto do terreno (“closer to the ground”), em particular nos países BRIC e com potencial de crescimento e implantação de Escritórios Regionais (“hubs”) em países do Sul, com um novo modelo global de operações da organização. Qualquer destes assuntos justificará um desenvolvimento temático que não cabe nas páginas desta revista, mas será incluído no relatório da reunião e discutido nos órgãos da secção, acessível às estruturas e membros que o solicitem. A Amnistia Internacional é um corpo vivo que, para conseguir resultados, necessita da participação activa dos seus membros. Este artigo foi escrito com a antiga ortografia

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CAMPANHA DIREITOS HUMANOS NA CIDADE

Por Filipa Santos, Núcleo da Amnistia Internacional de Coimbra

© Joana Vieira

NAIC sempre levou a todos os cidadãos do distrito, os temas abordados e tratados nas campanhas nacionais e internacionais, mas sentiu que faltava algo. Nos mais diversos trabalhos de rua realizados pelo núcleo, sentiu-se uma necessidade de criar algo especificamente para os cidadãos de Coimbra, que nos abordavam sempre com as problemáticas da cidade, muitas vezes esquecidas pelas ONG. Surge, então, a Campanha “Direitos Humanos na Cidade”, exclusivamente direcionada aos cidadãos conimbricenses, no intuito de os ouvir mas, também, na ânsia de os consciencializar para a questão dos direitos humanos.

Numa segunda fase, vários bancos de queixa foram espalhados em pontos estratégicos pela cidade, de forma a conseguirmos dar voz a todos os cidadãos.

Do vasto leque dos direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e nos seus dois Pactos de 1966, o NAIC quis focar a sua atenção nos direitos económicos, sociais e culturais, tantas vezes esquecidos ou apenas ignorados por desconhecimento da sua existência. Por isso, o foco foi para eles, para que os cidadãos de Coimbra reconhecessem o direito à educação, o direito à saúde ou o direito ao trabalho como direitos seus, que são reconhecidos nacionalmente na nossa Constituição e internacionalmente, nos mais diversos instrumentos jurídicos e que, por isso, têm força jurídica vinculativa, ou seja, são lei.

Numa terceira e última fase, levámos a cabo um debate final, no Café Santa Cruz em Coimbra, que contou, para além da minha participação e da Ana Bastos (vice-coordenadora do NAIC), com Bárbara Barata, Victor Nogueira (Presidente da AI Portugal), Carlos Imbrósio Filho (Jurista e investigador, impulsionador do Projeto “Pensar a Justiça”), Jorge Gouveia Monteiro (jurista e impulsionador do Projeto “Parque Nómada”) e Joana Marta (encenadora).

A campanha foi totalmente idealizada e desenvolvida, em todas as suas etapas, pelos membros do Núcleo.

No debate, o NAIC revelou, ainda, que iria desenvolver no próximo ano letivo um Projeto de educação para os direitos humanos, de forma a combater o desconhecimento destes pela comunidade local.

Numa primeira fase, vários cartazes foram espalhados pela cidade, com frases e imagens que alertassem a população para a problemática dos direitos humanos. 26

No debate aberto a todos os cidadãos, foi discutida a violação de direitos humanos a nível local e nacional e divulgados os 11 testemunhos recolhidos dos bancos de queixa .

Agosto de 2014




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