Revista Agrotejo n.º 35 - Ano 2025

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Christophe Hansen

COMISSÁRIO EUROPEU

PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO

Os objetivos ambientais não podem ser cumpridos em detrimento da competitividade do setor e da nossa segurança alimentar.”

“Portugal não tem reservas estratégicas.”

Jaime Piçarra PERITO JUNTO DA NATO PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR

ATUALIDADES

ENSINO AGRÍCOLA

Falta investimento estável, estratégia integrada e reforço na atratividade.

DIAGNÓSTICO

O que pensa o setor sobre o Ministério da Agricultura e Mar?

ENTREVISTA

JOÃO DUQUE

DO ISEG “Agricultura tem margem de crescimento.”

A ATUALIDADES

O QUE PODEMOS ESPERAR DA PAC 2028-2034?

PRODUTORES DE CEREAIS PEDEM MEDIDAS URGENTES PARA TRAVAR

SETOR AGRÍCOLA EXPECTANTE SOBRE CRIAÇÃO DA ADP ÁQUA

AGROMAIS, AGROMAIS PLUS E ALQUEVA

Compromisso com o futuro da agricultura.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES DO MERCADO DE CARBONO NO SETOR AGROFLORESTAL

E ENTREVISTA

18 CHRISTOPHE HANSEN COMISSÁRIO EUROPEU

PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO

Segurança alimentar e concorrência leal no centro da nova política agrícola europeia

54 JAIME PIÇARRA PERITO NA NATO PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR Agricultura e alimentação são segurança e defesa

72 JOSÉ LUÍS MOURÃO

PRESIDENTE DA ESCOLA DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS DA UTAD

Ensino agrícola precisa de mais investimento e visão estratégica são segurança e defesa

SITE www.agrotejo.pt EMAIL agrotejo@agrotejo.pt

DIREÇÃO Agrotejo

EDIÇÃO E PROPRIEDADE Agrotejo

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Mário Antunes, José Monteiro Limão e Sara Pelicano

DESIGN EDITORIAL

Teresa Matias

176

TEXTOS

C CAMPO

204 AVES: ALIADAS NATURAIS DA AGRICULTURA

REGULAÇÕES E AFINAÇÕES DE ALGUMAS FUNÇÕES EM ALFAIAS AGRÍCOLAS

D DIAGNÓSTICO

O ACORDO UE-MERCOSUL

Desafios e oportunidades

AGRICULTORES QUEREM MAIS

AÇÃO NO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA

É URGENTE UMA REFORMA

PROFUNDA DA FLORESTA PORTUGUESA

UM NOVO CAMINHO PARA A AGRICULTURA EM PORTUGAL

MONITORIZAÇÃO DE AVES EM ZONAS AGRÍCOLAS

DESAFIOS DA FLORESTA

O OPINIÃO

4 118 JORGE PISCO

Uma política agroflorestal em defesa da agricultura familiar

LUÍS MIRA A Água Que Corre Contra o Tempo

Abílio Pereira, Alessandra Rodrigues, Anabela Trindade, André Manuel Mendes, António Lopes Dias, Arnaldo Caeiro, Beatriz Almeida, Bruno Amaro, Carlos Pedro Trindade, Carla Rolo Antunes, Dina Lopes, Eva da Fonseca Ramos, Fernando Faria Pereira, Filipa Coelho, Frederico Teixeira, Guilherme Saad, Joana Dias, Joana Pereira, Joana Petiz, João Coimbra, Jorge M. Canhoto, Jorge Pisco, José Carlos Lino Sérvulo Correia, José Monteiro Limão, Luís Grifo, Luís Lobo e Silva, Luís Mira, Luís Mira da Silva, Maria de Belém Freitas, Maria do Rosário Partidário, Maria Pereira da Silva, Nuno Russo, Patrícia Gomes, Paulo Amado de Almeida, Paulo Fardilha, Paulo Valente, Pedro Rebelo Lopes, Pedro Santos, Pedro Santos Salamanqueiro, Pedro Serra Santos, Pedro Sousa, Rui Miguel Costa, Sandra Pires, Susana Brígido.

T TESTEMUNHO

10 190 O MEU PERCURSO COM O SENHOR ENGENHEIRO LUÍS VASCONCELLOS E SOUZA

UMA CARREIRA, ORGULHOSAMENTE DEDICADA AO MUNDO DAS SEMENTES

N NEGÓCIO

196 PLATAFORMA +VALORCER Aplicação da ferramenta Agrozoom do IrristratTM

A TRANSFORMAÇÃO TECNOLÓGICA DA GESTÃO DA REGA

Agromais CRL em parceria com a Hidrosoph

CROWE ADVISORY Agricultura e cibersegurança: Qual o sentido?

H HISTÓRIAS&SABERES

150 OS AVIEIROS DA AZINHAGA

M MEMÓRIAS &SABORES

152 SABOGAS ASSADAS NO ESPETO

M PROJETOS

M BOAS PRÁTICAS

200 DIREITO DE PREFERÊNCIA NA ALIENAÇÃO DE PRÉDIOS RÚSTICOS

IMPRESSÃO A Persistente – Chamusca

TIRAGEM 4000 exemplares

DEPÓSITO LEGAL 93520/9

Largo da Imaculada Conceição 2150-125 GOLEGÃ

Tel 249 979 060 agrotejo@agrotejo.pt

Lg. Custódio Marques Montargil 2140-076 CHAMUSCA

Tel 249 760 004 agrotejo@agrotejo.pt

Os novos gaibéus

A mão-de-obra sempre foi um elemento decisivo para o setor agrícola. Ao longo dos anos o seu papel e a sua maior ou menor disponibilidade foi-se alterando à medida que os ciclos económicos variaram e a demografia do país evoluiu. Quem tem mais de 60 anos e teve raízes ou proximidade ao mundo rural lembra-se das deslocações de ranchos de homens e mulheres que, provenientes de várias zonas do país onde o trabalho escasseava e a fome – ou pelo menos a grande carência económica – eram evidentes, promoviam esses movimentos migratórios que, segundo os números disponíveis, apontam para muitos milhares anualmente. Esses ranchos deslocavam-se para zonas do país tendencialmente mais “ricas”, onde os seus habitantes ou não eram em número suficiente, ou não tinham vocação ou disponibilidade para fazer esse tipo de trabalho. A grande diferença relativamente aos tempos atuais prende-se com o facto de no passado os trabalhadores deslocados e sazonais serem portugueses, a consciência social de patrões e empregados ser limitada e os media e as redes sociais não existirem ou, os que existiam, não estarem eles próprias despertos para os problemas que tais deslocações acarretavam. O facto de os trabalhadores deslocados serem nacionais proporcionava uma natural aceitação por parte das comunidades recebedoras dos mesmos.

A limitada expetativa e exigência de gaibéus, avieiros, etc., quanto às condições de acomodação e a limitada preocupação com esse facto por parte dos empregadores fez com que tudo se passasse de forma “natural e tranquila”, con -

tribuindo esses movimentos não apenas para a resolução de um problema económico, mas até para a animação de zonas do país e de comunidades, que recebiam de braços abertos esses migrantes internos.

A situação atual é diferente: os migrantes são hoje estrangeiros, a sua pele é tendencialmente escura, os seus hábitos culturais e religiosos são diferentes e a consciência da sociedade quanto à importância do respeito pela dignidade humana é felizmente outra.

Também as necessidades de mão-de-obra na agricultura de hoje não são apenas as de trabalhadores indiferenciados como o eram no passado. Incluem todo o tipo de valências, aumentando com isso a complexidade das soluções, mas também a dimensão das oportunidades.

Na ausência de portugueses ou outros europeus que venham colmatar o despovoamento que o território sofreu e que só a agricultura pode contrariar, terão de ser cidadãos do “resto” do mundo a preencher a lacuna que o ocidente deixou em aberto. Tal não deve ser visto como uma ameaça, mas antes uma oportunidade.

O esforço acrescido da adaptação à diferença será muitas vezes compensado com uma docilidade, simplicidade e dedicação que o mundo ocidental de certa forma perdeu e que estes novos gaibéus nos trazem de volta.

Tudo o que acima se disse exige respostas da sociedade em geral e do mundo agrícola em particular. Encontrarão algumas delas nesta edição onde quisemos dar ao tema algum do destaque que ele merece e exige.

MICRO E PEQUENAS EXPLORAÇÕES AGRÍCOLAS

Uma política agroflorestal em defesa da agricultura familiar

As políticas de sucessivos governos têm sido contrárias aos interesses dos Micro e Pequenos Empresários. A agricultura não é exceção. E no que se refere à agricultura, o papel do Estado era e é fundamental. A política agrícola tem levado ao desalento milhares e milhares de agricultores. Perante tal figurino, quem se propõe seguir as pegadas dos seus?

Tem havido uma completa ausência de políticas direcionadas para as Micro e Pequenas explorações agrícolas. Há falta de apoio à agricultura familiar.

Sem políticas adequadas, sem medidas de apoio suficientes e com cortes substanciais nas verbas disponíveis para o apoio ao investimento no setor agroflorestal, as pequenas empresas do sector vão continuar a ter grandes dificuldades em retirar um rendimento que as viabilize.

O ACESSO À TERRA

O problema do acesso à terra é um dos fatores que limita o rejuvenescimento da agricultura, somando-se aos brutais aumentos dos custos de produção, aos baixos preços pagos à produção muito provocados pela “ditadura” da grande distribuição, a uma PAC injusta que dirige a fatia de leão dos seus apoios a quem menos precisa deles e não apoia a instalação duradoura de jovens agricultores. A política de submissão ao comércio internacional liberalizado, com todas as suas volatilidades e dependências, de que a política comercial da atual administração dos EUA é o mais recente exemplo, é o pano de fundo de um comércio agroalimentar desastroso para a pequena agricultura. Sem esquecer a desertificação de serviços públicos nos territórios rurais e a crescente falta de mão-de-obra.

Os fundos comunitários existentes acabam por não ter aplicação nas nossas pequenas explorações fruto das dificuldades burocráticas com que os micro e pequenos agricultores se deparam nas candidaturas.

A agricultura está cada vez mais dominada pela grande propriedade, na mão de empresas fundos de investimento e até de cadeias de distribuição. Os sucessivos governos submetidos às imposições da Política Agrícola Comum (PAC), consolidaram uma política agrícola que produz para exportar, mesmo à custa da alimentação da população portuguesa. Portugal precisa de orientar as políticas públicas para o apoio e desenvolvimento da agricultura familiar e da efetiva implementação do Estatuto da Agricultura Familiar. Precisa de mais pequenos e médios agricultores a dar vida aos territórios, a produzir variedades de raças autóctones e espécies vegetais regionais para uma alimentação de proximidade. E são necessárias medidas que combatam a concentração e a especulação sobre as terras e a gestão da água, que limitem a ação dos fundos de investimento, contrariem a super intensificação, a degradação das paisagens e de valores naturais e não permitam usos não agrícolas nos solos com aptidão produtiva. O reconhecimento do direito ao acesso à terra, em particular, para os pequenos e médios agricultores familiares, os jovens, as mulheres agricultoras e a defesa da propriedade comunitária (baldios) na mão dos compartes, são condições essenciais para o desenvolvimento da produção nacional e para alcançar a Soberania Alimentar do país.

A GRANDE DISTRIBUIÇÃO DESTRÓI

O

COMÉRCIO REGIONAL

Em quase todos os concelhos rurais do país assistimos à proliferação de hipermercados e outras unidades da Grande Distribuição que vendem em grande parte produtos impor-

tados, sem qualquer obrigação de comprar, nem sequer uma percentagem mínima da produção local. As suas centrais de compras liquidam o comércio intrarregional. Por outro lado, como se disse atrás, sucessivos Governos têm centrado a sua estratégia agrícola num modelo de agricultura intensiva para a exportação, o que com uma PAC que promove a desregulação dos mercados e a total liberalização das importações, impede os agricultores de obterem preços justos à produção. (Com a redução de verbas para o setor, prevista na proposta do orçamento da União Europeia para 2028-2034, é sombrio o futuro da agricultura nacional).

As Autarquias Locais têm um papel importante a desempenhar, mantendo os Mercados locais e feiras tradicionais em contraponto às grandes superfícies, reforçando a ligação entre produtores agrícolas e os mercados de proximidade. Cabe ao Governo criar condições para a melhoria de preços à produção, nomeadamente no controlo dos preços dos fatores de produção (energia, adubos, crédito e seguros, etc.), na regulação adequada dos mercados e controlo das importações, na dinamização de circuitos comerciais agroalimentares curtos, nos apoios aos mercados locais, e mesmo no privilegiar os produtos de origem local no fornecimento de cantinas e refeitórios de entidades públicas.

A TERRA COMO ACTIVO FINANCEIRO VAI LIQUIDAR A AGRICULTURA FAMILIAR

Em 2015, o Comité Económico e Social da União Europeia alertou para a concentração da terra como um grave risco e sendo incompatível com o modelo europeu de agricultura sustentável e multifuncional em que predominam as explorações familiares. Concentração que causará danos irreversíveis aos sistemas económicos rurais e conduz a uma agricultura industrializada, que a sociedade hoje não quer.

A União Europeia (UE) e os nossos governos não têm tido em conta esse alerta. Muito pelo contrário, os problemas que hoje se colocam aos agricultores e às populações rurais são resultado das opções políticas de sucessivos Governos e da UE, de ataque à pequena agricultura e de favorecimento do agronegócio.

As estatísticas oficiais revelam que, entre 1989 e 2019, desapareceram perto de 285 mil explorações no Continente, mas o número de explorações com área superior a 50 hectares subiu 33% e a área média por exploração passou dos 7 para os 15 hectares.

No mesmo período, o número de explorações que fazia uso predominante de terras arrendadas caiu 90%, e a superfície agrícola arrendada diminuiu 45%.

Entre 1999 e 2019, a diminuição do recurso ao arrendamento, como forma predominante de exploração, deu-se sobretudo nas explorações de pequena dimensão económica (-85%) e de média dimensão (-51%).

Em contraste, o número de explorações de grande dimensão económica, ou seja, superior a 100 mil euros, que são fundamentalmente arrendatárias, subiu 34%, hoje, quem arrenda a terra, são sobretudo explorações com grande poder económico e com grande dimensão fundiária. Para as pequenas explorações o arrendamento é uma opção residual.

O apetite predador dos fundos de investimento a nível mundial, que olham para a terra como um ativo, não para produzir, mas para garantir a rentabilidade que os mercados financeiros já não dão, criou uma forte pressão sobre a disponibilidade e o preço da terra. As notícias dão conta de um aumento de 150% no investimento em terras agrícolas entre 2022 e 2024, indiciando a especulação neste negócio. (Agora também «dinamizado» com a Lei dos Solos recentemente aprovada na Assembleia da República).

Os preços da terra têm aumentado vertiginosamente. Para os pequenos e médios agricultores, rendeiros, é hoje quase incomportável aceder à terra para produzir. Vivemos um colapso silencioso e cumulativo: o desequilíbrio profundo entre urbano e rural, com os territórios rurais a enfrentarem o despovoamento, o envelhecimento populacional, o abandono das atividades económicas e a pressão colocada dos territórios urbanos.

Este cenário compromete não só a coesão territorial, mas também a soberania alimentar, a resiliência ambiental e a diversidade cultural do país.

AS PROPOSTAS DA CPPME

A CPPME tem como universo de associados fundamentalmente as associações de MPME não agrícolas. De qualquer forma o que propomos, com toda a certeza, que também serve aos pequenos agricultores.

Nomeadamente, a CPPME tem defendido a criação de programas específicos de apoio ao investimento, no âmbito do Portugal 2030, com plafonds próprios e exclusivos para as micro e pequenas empresas; a simplificação burocrática das candidaturas; a celeridade na análise dos pedidos de pagamento e na disponibilização das verbas dos fundos comunitários; a criação de mecanismos públicos de garantia ou financiamento das operações de exportação das Micro, Pequenas Empresas; e o lançamento de instrumentos para apoio à conversão e reestruturação de créditos das Micro, Pequenas Empresas.

A CPPME desde sempre tem tido papel interventivo junto dos governos, dos partidos com assento parlamentar, apresentando propostas que salvaguardem os interesses dos Micro, Pequenos e Médios Empresários.

Na atual legislatura apresentámos ao novo Governo, saído das eleições de 18 de maio, e aos partidos com assento parlamentar 46 medidas em diversas áreas, nomeadamente:

Elaboração de Plano Estratégico de Desenvolvimento do Interior do País, suportado em meios técnicos, financeiros e humanos, cuja implementação permita:

– Captar investimentos relacionados com a inovação tecnológica, bem como com as atividades tradicionais, tirando partido dos recursos naturais, da agricultura e do património arquitetónico, apostando na agroindústria e no turismo rural, preservando e usufruindo dos recursos ambientais;

– Garantir serviços e estruturas adequados ao contexto sócio territorial, nos domínios da saúde, da educação, do apoio social e do bem-estar pessoal e comunitário, entre outros serviços públicos;

– Promover Relações Transfronteiriças que contribuam para a fixação de empresas e para o desenvolvimento das regiões;

– Concretizar as infraestruturas planeadas ao abrigo dos programas europeus;

– Intervenção eficaz e atempada das autoridades e muito em particular da Autoridade da Concorrência, contra práticas violadoras da concorrência desleal e abuso dos grupos económicos nomeadamente por um regular escrutínio das relações da Grande Distribuição com os seus fornecedores;

– Criação de fundos de emergência e de linhas de apoio à Tesouraria para as Micro e Pequenas Empresas, destinadas a momentos de crise ou de calamidade, de fácil acesso sem limitações nem restrições burocráticas;

– Criação de Programas específicos de Apoio à formação de profissionais em áreas que respondam às necessidades das MPME e do mercado em geral, em parceria com as respetivas associações empresariais, com particular destaque para os setores do Turismo, Restauração, Construção, Agricultura, Pesca e Indústria.

Ao termo-nos recentemente associado ao Pacto - Portugal Inovação Rural, promovido pela AJAP, fizemo-lo convictos da necessidade de convergência de atores públicos e privados em unir esforços na defesa dos micro e pequenos agricultores. Os territórios rurais não são um problema a resolver, são soluções esquecidas que urge recuperar.

Da parte da CPPME a agricultura familiar conta com o nosso apoio e solidariedade.

AGROGLOBAL

O paradigma mudou

Desde a I edição, da então “Feira do milho”, em 2009 a agricultura mudou e a mensagem também! Em 2025, com a X edição da Agroglobal, mostrou ser muito mais profissional e empresarial.

Com a participação de 290 empresas, tanto nacionais como internacionais, a AGROGLOBAL 2025 foi uma montra do que de mais inovador existe no mercado. Mais do que apresentar máquinas e equipamentos, o evento

destacou soluções que respondem diretamente aos desafios da atualidade. A agricultura regenerativa, a precisão tecnológica, a biotecnologia, e as soluções para a eficiência hídrica e energética foram as áreas que captaram maior atenção, evidenciando uma mudança de paradigma.

A vasta participação de agricultores, técnicos, investigadores e investidores sublinhou que a agricultura portuguesa não está apenas a reagir, mas a adaptar-se

Frederico Teixeira

proativamente a desafios como as alterações climáticas e a necessidade de sustentabilidade. É um setor que não tem medo de inovar e de investir no conhecimento para se tornar mais resiliente e eficiente. O foco na rentabilidade sustentável das empresas, torna-as mais robustas e preparadas para novos desafios. Os três dias do evento foram marcados por um programa intenso de seminários, colóquios e workshops. Especialistas de renome debateram temas cruciais que moldam o futuro da agricultura. Desde o impacto da inteligência artificial (IA) e a transição digital até à gestão de recursos hídricos, segurança alimentar, e o futuro da mecanização, cada sessão foi uma oportunidade para a troca de ideias e para o estabelecimento de parcerias estratégicas. Estes fóruns de alto nível provaram ser um espaço indispensável para a reflexão sobre as políticas agrícolas e o caminho que o setor deve seguir, tanto em Portugal como na Europa.

A AGROGLOBAL 2025 foi um verdadeiro catalisador de negócios. Muitas empresas reportaram a realização de contactos comerciais sólidos e a concretização de parcerias estratégicas, sublinhando o papel do evento na dinamização do mundo rural. O sucesso desta edição não é apenas um feito para a organização, mas sim um reflexo claro da

capacidade do setor agrícola português de se modernizar e de se afirmar como um pilar fundamental para o desenvolvimento económico e social do país.

A próxima edição, já com data marcada para 7, 8 e 9 de setembro de 2027, promete continuar a ser o ponto de encontro de excelência para todos aqueles que procuram integrar a agricultura do futuro.

O meu percurso com o Senhor Engenheiro Luís Vasconcellos e Souza

Quando iniciei a minha atividade agrícola profissional, nos anos 90, fui convidado para ser diretor da Agromais. Tinha 28 anos — era um jovem agricultor a começar a carreira numa exploração familiar e a tentar aprender o ofício de representante do meu pai, administrador e proprietário da Quinta da Cholda. Com a morte prematura do meu pai, em 1993, passei a ser o representante da Quinta da Cholda, agora como administrador da empresa, que já nessa altura tinha uma posição relevante na Cooperativa. De repente, tinha uma grande responsabilidade entre mãos — mas não percebia nada de gestão de empresas, muito menos de gestão de cooperativas. Foi com grande alegria e curiosidade que, ao longo daqueles primeiros anos, aprendi muito com o Luís (permitam-me que trate assim o Senhor Engenheiro Luís Vasconcellos e Souza). O Luís foi, em muitos aspetos, uma continuação do meu pai no meu processo de aprendizagem enquanto gestor e empresário. A sua capacidade de liderar equipas, a sua persuasão para lidar com as figuras políticas, a forma hábil como negociava com parceiros e fornecedores e como conciliava a diversidade dos nossos cooperantes foram, para mim, uma escola fantástica. Obrigado, Luís, pelo arrojo e pela paciência; por tantas horas dedicadas a explicar-me porque agia desta ou daquela maneira; pela integridade e pela disponibilidade para servir a causa pública — e que causa!

O Luís, com o Eng. Fernando Cunha e o Eng. Alfredo Orvalho, revolucionaram uma região inteira e modernizaram toda a atividade agrícola do norte do Vale do Tejo. Souberam aproveitar todos os fundos disponíveis para o grande desenvolvimento estrutural da nossa região.

A visão de criar uma organização que tratava não apenas da componente comercial e logística, mas também da parte burocrática e dos projetos, foi decisiva para adaptar a agricultura regional à grande transformação que se vivia com a adesão à então CEE.

Foram tempos muito desafiantes, e a verdade é que o que conhecemos hoje — uma Agromais sólida e respeitada — é o resultado direto da liderança firme e inspiradora do Luís.

Deixou-nos uma região infraestruturada, organizada comercial, política e administrativamente como nenhuma outra no país.

Todos os fundos foram aproveitados de forma exemplar para que, coletivamente, ficássemos mais fortes e preparados. As primeiras ajudas concedidas às cooperativas foram investidas na criação de uma estrutura moderna, capaz de responder às necessidades deixadas pelo fim da EPAC.

Com a eletrificação dos campos agrícolas, a região tornou-se extremamente competitiva, atravessando com sucesso a transição das regas de gravidade para as regas de aspersão. E foi sempre com o mesmo espírito de serviço que o Luís colocou a Agromais e a Agrotejo ao dispor de todos — desde os pequenos agricultores até às maiores empresas.

Uma das coisas que mais me impressionou foi a sua total discrição. Nunca falava da sua própria exploração nas reuniões de direção — ao contrário de mim, que dizia muitas vezes: “eu estou aqui para defender a minha empresa”.

Nem sempre estivemos de acordo, mas o seu respeito pelas minhas opiniões foi constante. Recordo bem os meus primeiros anos, em que defendia acerrimamente a concentração na cultura do milho. O Luís, com a paciência que o caracteriza, insistia na importância da diversificação, da procura de diferentes opções para reduzir a dependência dessa cultura. No fim, a sua visão prevalecia - e bem. A sua forma de liderar transmitia-nos segurança, confiança e sentido de missão. Foi sempre um exemplo de dedicação às causas coletivas, e é esse exemplo que permanecerá connosco agora que se retira da gestão ativa do grupo. Em nome de toda a região, espero que saibamos honrar o seu legado e não desvirtuar este sonho que partilhou connosco: o de transformar uma região inteira e fazê-la referência no panorama agrícola nacional.

A PAC 2028-2034

O que podemos esperar?

A Comissão Europeia apresentou recentemente a sua proposta para o próximo Quadro Financeiro Plurianual (2028-2034). O montante total, de quase 2 biliões de euros, representa um aumento de aproximadamente 65% face ao último Quadro Financeiro Plurianual.

É, de facto, um enorme pacote financeiro, mas que representa (e, é sempre importante colocar estes valores em perspetiva) “apenas” 1,26% do Rendimento Nacional Bruto Médio da União Europeia1

A grande novidade da proposta não está apenas nos números, mas sobretudo na

arquitetura. Em vez de termos dezenas de programas separados — como acontece hoje com a Política de Coesão, a Política Agrícola Comum (PAC) e o Fundo das Pescas — passaremos a ter um único Plano de Parceria Nacional e Regional em cada Estado-Membro. Este plano agregará os fundos comunitários

de forma mais integrada, com regras únicas e uma lógica de programação conjunta. O objetivo, segundo a Comissão, é simplificar, reduzir burocracia e permitir maior flexibilidade na afetação de recursos. Neste novo “desenho”, a PAC, que continua a ser considerada, na proposta apresenta, como um “pilar

central” do Quadro Financeiro Plurianual, mantém uma parte com um envelope próprio, mas passa também a estar incluída no mesmo plano que a coesão e outros fundos. Ou seja, a agricultura deixa de estar num “programa autónomo e específico” e passa a fazer parte de uma lógica de parceria mais alargada, que articula desenvolvimento rural com infraestruturas, inovação, políticas sociais e climáticas. No entanto, a PAC, que representava cerca de 30% do orçamento comunitário (e a Coesão um peso idêntico) passa a integrar um Fundo único que representa cerca de 45% do orçamento (ou seja, no conjunto há um decréscimo de 15 pp).

Este novo enquadramento da PAC merece atenção cuidada por parte dos agricultores portugueses, e dos decisores políticos, porque apresenta enormes riscos que não podem ser ignorados, mas também pode trazer um vasto conjunto de oportunidades.

Por um lado, aumenta a necessidade de coordenação estratégica, porque agricultura e coesão vão disputar espaço dentro do mesmo envelope nacional. E, se não estiver devidamente delimitado, ou regulado, irá depender demasiado das personalidades que, em determinado momento, ocupam os cargos governativos e do peso político que têm ou que pretendem ter. O que, no nosso país, representa um enorme risco de governança.

Por outro lado, é inegável que abre espaço a maiores sinergias em áreas críticas para o nosso setor como sejam os investimentos em regadio, em energia renovável ou em digitalização no espaço rural, que passam a poder ser financiados de forma cruzada por diferentes áreas do mesmo plano. Assim haja uma visão estratégica do território e das atividades que aí se desenvolvem.

Em termos de valores, o envelope global do Plano de Parceria, para Portugal, ascende a 33,5 mil milhões de euros em valores correntes. Desse montante, 31,7 mil milhões pertencem ao “bolo geral”, onde se incluem as verbas da PAC; 0,9 mil milhões destinam-se a migrações e segurança; e outros 0,9 mil milhões ao Fundo Social para o Clima.

No caso da PAC, a Comissão assegurou um ring-fence europeu de 293,7 mil milhões de euros dedicado a pa-

1 Rendimento Nacional Bruto Médio da União Europeia é um indicador macroeconómico usado pela Comissão Europeia para calcular contribuições dos Estados-Membros para o orçamento da EU e que corresponde ao valor total gerado pela economia de um país (ou da União), incluindo o rendimento recebido do estrangeiro (salários de residentes no exterior, lucros de empresas nacionais fora do país, etc.), menos o rendimento que estrangeiros obtêm dentro do território.

gamentos diretos ao rendimento. Este é o núcleo duro da PAC, blindado até 2034. A estes valores soma-se uma rede de segurança de 6,3 mil milhões para estabilização de mercados em crises climáticas ou sanitárias.

Contudo, ao olharmos para os números nacionais, surgem preocupações. Portugal terá um envelope mínimo de 7,4 mil milhões de euros para 2028-2034, contra 6,1 mil milhões no atual período (2023-2027). Parece um reforço orçamental, mas estamos a comparar períodos distintos (7 anos vs 5 anos). Em termos anuais, o valor baixa de 1,22 mil milhões/ano para 1,06 mil milhões/ano, o que representa uma redução nominal de cerca de 13%. Se a isto somarmos a erosão provocada pela inflação, a perda real pode situar-se entre 20% e 30%. Isto significa que, nesta proposta, os agricultores portugueses vão receber bastante menos apoio.

No novo período de programação vai continuar o mecanismo de convergência externa entre os Estados-Membros, o que pode favorecer Portugal, já que recebemos menos por hectare do que a média da UE. Ainda assim, tudo dependerá da negociação entre países, sobretudo daqueles que recebem mais por hectare e que são os mesmos que têm maior força negocial.

Na proposta apresentada também é referido que se dará particular destaque

a investimentos relacionados com processos de transição climática, nomeadamente em eficiência no uso da água, na regeneração dos solos, em energia renovável nas explorações agrícolas, na digitalização e em Sistemas de Conhecimento e Inovação Agrícola (AKIS).

Em suma, e como acontece em todas as reformas, o que está em causa não é apenas o rendimento dos agricultores, mas a forma como asseguramos a segurança alimentar, a vitalidade das zonas rurais e a transição ecológica do país. A negociação em Bruxelas e, depois, a programação nacional serão determinantes para os próximos anos. Se não houver visão estratégica, o risco de desinvestimento é real. No entanto, se conseguirmos alinhar prioridades, poderá abrir-se uma oportunidade para transformar fragilidades em vantagem competitiva.

É aqui que o setor agrícola e as suas organizações devem ter voz ativa. Portugal não pode limitar-se a ser o “bom aluno”. Portugal deve ter capacidade de influenciar, propor e negociar, mas para isso precisa de massa crítica setorial para ajudar a fazer esse trabalho de casa. Só assim será possível garantir que a PAC continua a ser um motor de rendimento, sustentabilidade e modernização. O momento exige verdadeiro diálogo, parceria, transparência e decisão informada.

Agrotejo apoia proprietários rurais

nas

candidaturas ao PRR

-

Programa

“Emparcelar para Ordenar”

A Agrotejo está a prestar apoio técnico e administrativo aos proprietários rurais interessados em submeter candidaturas ao Programa “Emparcelar para Ordenar” (pEO), financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O pEO é uma iniciativa, destinada a proprietários singulares ou coletivos de prédios rústicos, que pretende promover o aumento da dimensão física, a viabilidade e a sustentabilidade económica das explorações agrícolas. O programa apoia a aquisição de prédios rústicos adquiridos desde 1 de fevereiro de 2020, incentivando o emparcelamento rural como forma de melhorar a estrutura fundiária e potenciar a competitividade do setor agrícola. Com uma equipa técnica especializada, a Agrotejo já apoiou candidaturas num valor de investimento superior a 6M€.

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Agrotejo e Agromais aderem à Bolsa de Iniciativas aGOp 2025 para impulsionar a inovação agrícola

A Agrotejo e a Agromais aderiram à Bolsa de Iniciativas aGOp 2025, no âmbito dos Grupos Operacionais para a Inovação (GOs) do PEPAC – Plano Estratégico da Política Agrícola Comum. Esta participação reforça o compromisso das duas organizações com a investigação aplicada, a transferência de conhecimento e a modernização do setor agrícola. A Bolsa de Iniciativas aGOp 2025 tem como objetivo estimular a cooperação entre agricultores, empresas, universidades e centros de investigação, promovendo soluções inovadoras para os desafios da agricultura nacional, como a sustentabilidade, eficiência produtiva e adaptação às alterações climáticas. Com esta adesão, a Agrotejo e a Agromais assumem um papel ativo na construção de um setor agrícola mais competitivo, tecnológico e sustentável, contribuindo para o fortalecimento da agricultura portuguesa no contexto europeu.

Agrotejo renova protocolo

“Campo Seguro” para reforçar a segurança no meio rural

A Agrotejo, o Município da Golegã, a GNR e os Bombeiros Voluntários da Golegã renovaram o protocolo “Campo Seguro”, reafirmando o compromisso conjunto na proteção de pessoas, bens e propriedades agrícolas. Este programa, que tem vindo a mostrar resultados positivos, visa reforçar a vigilância nas zonas rurais, prevenir furtos e atos de vandalismo e promover uma maior articulação entre agricultores e autoridades locais. Com a continuidade deste protocolo, as entidades parceiras reforçam a importância da cooperação e da proximidade no território, contribuindo para um ambiente rural mais seguro e confiante.

Agromais Plus reforça compromisso ambiental com recolha de embalagens de agroquímicos e fertilizantes

A Agromais Plus continua a afirmar-se como uma empresa de referência no setor agrícola pela sua responsabilidade ambiental e compromisso com a sustentabilidade. Entre as várias iniciativas desenvolvidas, destaca-se o programa de recolha e concentração de embalagens de agroquímicos e fertilizantes, promovendo uma gestão responsável dos resíduos agrícolas e contribuindo para a proteção do ambiente rural. Esta ação, realizada em articulação com sistemas de gestão de resíduos autorizados e entidades parceiras, tem como objetivo garantir que as embalagens vazias são corretamente encaminhadas para reciclagem ou eliminação segura, evitando impactos negativos no solo, na água e nos ecossistemas. O ponto de recolha da Agromais Plus funciona como centro de concentração regional, onde agricultores e clientes podem entregar as suas embalagens após correta lavagem e inutilização, em conformidade com as boas práticas agrícolas e as normas de segurança ambiental. Com este esforço conjunto entre técnicos, agricultores e parceiros, a Agromais Plus contribui ativamente para a redução da pegada ecológica da atividade agrícola, reforçando a importância da economia circular e da preservação dos recursos naturais. Esta iniciativa faz parte da estratégia global de sustentabilidade da Agromais Plus, que aposta em práticas responsáveis e inovadoras para garantir um futuro agrícola mais verde, seguro e equilibrado.

Agromais reforça sustentabilidade agrícola com avaliação e certificação de sistemas de rega e eficiência energética

pub A Agromais está a reforçar o seu compromisso com a sustentabilidade e modernização das explorações agrícolas através de um programa de avaliação e certificação de sistemas de rega, agora também alargado à componente energética. Esta iniciativa visa melhorar a eficiência no uso da água e da energia, promovendo práticas agrícolas mais racionais, económicas e ambientalmente responsáveis. O objetivo é ajudar os agricultores a reduzir consumos, otimizar recursos e aumentar a competitividade das suas explorações. O processo de certificação envolve análises técnicas detalhadas dos sistemas de rega — incluindo medições de caudal, uniformidade, pressão e adequação ao tipo de cultura — bem como a avaliação dos consumos energéticos associados ao funcionamento do sistema, nomeadamente no que respeita ao dimensionamento de bombas, redes de distribuição e horários de rega. Com este trabalho, a Agromais apoia os agricultores na identificação de oportunidades de melhoria e poupança, que se traduzem em reduções significativas nos custos operacionais, maior rentabilidade e menor pegada ambiental. Além disso, a certificação dos sistemas de rega e da eficiência energética constitui uma ferramenta de valorização técnica das

explorações, sendo frequentemente um requisito ou fator de majoração em candidaturas de investimento no âmbito de programas como o PEPAC ou o PRR. “A agricultura moderna tem de ser eficiente em todos os recursos. A gestão da água e da energia são hoje dois desafios centrais, e é nesse sentido que a Agromais está a trabalhar lado a lado com os agricultores”, reforça a equipa técnica de regadio e energia da Agromais.

Agrotejo apoia agricultores e empresas de transformação na elaboração de candidaturas PEPAC para modernização agrícola e agroindustrial

A Agrotejo – União Agrícola do Norte do Vale do Tejo está a prestar apoio técnico e administrativo especializado aos agricultores e empresas do setor agroindustrial interessados em submeter candidaturas no âmbito do PEPAC – Plano Estratégico da Política Agrícola Comum. Este apoio centrase nas medidas de modernização das explorações agrícolas e da agroindústria, que visam promover o investimento em inovação, eficiência produtiva, sustentabilidade ambiental e valorização dos produtos agrícolas. Com uma equipa técnica experiente, a Agrotejo acompanha todo o processo — desde a análise de elegibilidade e conceção dos projetos de investimento, até à elaboração e submissão das candidaturas, garantindo uma abordagem rigorosa e orientada para o sucesso. As candidaturas apoiadas abrangem áreas como a aquisição de maquinaria e tecnologia agrícola de precisão, melhoria das infraestruturas produtivas, eficiência energética, gestão da água e inovação na transformação agroindustrial. Com este trabalho, a Agrotejo reforça o seu papel enquanto parceiro estratégico do desenvolvimento agrícola regional, promovendo o crescimento económico, a sustentabilidade ambiental e a coesão do território rural. Os interessados em obter apoio

técnico na elaboração das suas candidaturas PEPAC podem contactar os serviços técnicos da Agrotejo para informação sobre prazos, critérios e documentação necessária.

CHRISTOPHE HANSEN, COMISSÁRIO EUROPEU PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO

Segurança alimentar e concorrência leal no centro da nova política agrícola europeia

A futura Política Agrícola Comum quer tornar o setor mais preparado para enfrentar as alterações climáticas, as flutuações dos mercados e a escassez de recursos. A Comissão Europeia propõe um modelo mais flexível, baseado em incentivos, que apoie a inovação, a sustentabilidade e a renovação geracional no campo europeu. Em entrevista, Christophe Hansen, Comissário Europeu para a Agricultura e Alimentação, destaca que a UE está a trabalhar para a segurança alimentar e travar a importação de produtos com pesticidas proibidos no espaço europeu.

A política agrícola comum (PAC) é há muito um pilar da integração europeia. Não obstante, é frequentemente objeto de críticas contraditórias: alguns argumentam que ela não garante um rendimento suficiente aos agricultores, enquanto outros afirmam que não é suficientemente respeitadora do ambiente. Estará a PAC preparada para responder a estes novos desafios ou será necessária uma reforma profunda?

A PAC é uma das mais antigas políticas comuns a nível europeu. Apoiar os agricultores e o setor agrícola está no ADN da integração europeia. A PAC tem evoluído ao longo das décadas para se adaptar a novos desafios, um dos quais é o impacto das alterações climáticas. Tendo em conta os impactos crescentes das alterações climáticas, com fenómenos meteorológicos cada vez mais extremos, a produção alimentar europeia não pode prosperar sem proteger os recursos naturais. A PAC apoia a transição para práticas agrícolas sustentáveis. Atualmente, 32 % do financiamento da PAC é atribuído a ações nos domínios do clima, da água, do solo, do ar, da biodiversidade e do bem-estar animal. Os agricultores merecem reconhecimento porque são os primeiros a sofrer o impacto das alterações climáticas, mas também são fundamentais para as combater. O setor agrícola

já reduziu as emissões e importa reconhecer e apoiar estes esforços. Por isso, a nossa proposta da PAC para o período posterior a 2027 mantém importantes objetivos ambientais e climáticos, mas passa da imposição de condições estritas para uma abordagem baseada em maiores incentivos. Permito-me recorrer a uma terminologia mais próxima do setor: vamos passar do pau para a cenoura. Em vez de repartir os regimes ecológicos e as medidas agroambientais por vários pilares e financiá-los em diferentes condições, juntamo-los em ações agroambientais que serão cofinanciadas pelos Estados-Membros. Os agricultores serão financeiramente incentivados a reforçar o seu trabalho em prol do ambiente, do clima, da biodiversidade e do bem-estar dos animais. A Comissão continuará a orientar os objetivos ambientais da PAC, apresentando recomendações por país e aprovando os planos nacionais destes. Mantemos os objetivos ambientais definidos a nível da UE, como a proteção dos cursos de água contra a poluição e a preservação da qualidade dos solos, mas abandonaremos abordagens prescritivas baseadas em soluções únicas aplicáveis a todos e impostas do topo para a base. Não podemos esquecer que as explorações agrícolas na Finlândia, na Irlanda ou em Portugal têm contextos muito diferentes. O pacote de simplificação

Pelicano
FOTOS
União Europeia

OS AGRICULTORES MERECEM RECONHECIMENTO PORQUE SÃO OS PRIMEIROS A SOFRER O IMPACTO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, MAS TAMBÉM SÃO FUNDAMENTAIS PARA AS COMBATER.

“ OS OBJETIVOS AMBIENTAIS

NÃO PODEM SER CUMPRIDOS EM DETRIMENTO DA COMPETITIVIDADE

DO SETOR E DA NOSSA SEGURANÇA

ALIMENTAR.

que apresentei em maio já está a criar maior flexibilidade. Nesse sentido, a nossa abordagem centra-se nos resultados, adaptados às diversas realidades territoriais. Os objetivos ambientais não podem ser cumpridos em detrimento da competitividade do setor e da nossa segurança alimentar.

A PAC que está em vigor aplica-se até 2027, mas já estão em curso debates sobre a próxima reforma. Quais devem ser os princípios orientadores da PAC para o período pós-2027?

As propostas para o próximo orçamento e a nova PAC que apresentámos este verão reco-

nhecem o papel central dos agricultores na nossa segurança alimentar. Os agricultores da União Europeia continuarão a receber apoio ao rendimento através de um orçamento mínimo dedicado de 300 mil milhões de euros. Para Portugal, trata-se de no mínimo 7,4 mil milhões de euros garantidos, havendo disponibilidade de fundos adicionais. O apoio ao rendimento inclui apoio baseado na superfície, ações agroambientais, apoio aos pequenos e jovens agricultores e investimentos nas explorações, tais como a modernização das explorações e a diversificação ou adoção de novas práticas e tecnologias. Além disso, os Estados-membros terão de executar projetos de desenvolvimento rural já conhecidos, como o LEADER. Para o efeito, estarão disponíveis 453 mil milhões de euros do Plano de Parceria Nacional e Regional. Os agricultores continuarão a beneficiar de instrumentos que lhes são familiares, mas com regras mais simples, apoio mais direcionado e maior flexibilidade. O abandono do sistema de dois pilares, unindo os fundos, simplificará o acesso ao apoio, reduzirá os encargos administrativos para os agricultores e para as administrações nacionais e tornará a PAC mais flexível e mais eficaz. Introduzimos um novo instrumento, o Serviço de Substituição nas Explorações Agrícolas, que prevê fundos da PAC para cofinanciamento dos trabalhadores que substituam os agricultores nas suas explorações quando estes estiverem doentes, necessitarem de cuidar de um familiar, estiverem em licença parental ou pretendam simplesmente tirar férias. Todos merecemos um descanso e proporcionaremos esta possibilidade também aos agricultores.

Os agricultores estão preocupados com a crescente complexidade administrativa.

A futura PAC visará simplificar os procedimentos e reduzir a burocracia?

A simplificação é, de facto, uma das prioridades políticas do meu mandato. Simplificação significa garantir que as regras são adaptadas às realidades locais e não se traduzem em burocracias desnecessárias para as administrações nacionais e os agricultores. Aprendi com a experiência do meu irmão e do meu pai, bem como nas minhas muitas visitas a explorações agrícolas em toda a UE, que os agricultores prefeririam deixar a papelada a um lado e concentrarem-se em retirar um rendimento suficiente com a sua produção. Além de serem complexas, as tarefas administrativas de um agricultor em Portugal

representam um custo médio de 825 euros por ano. Isto não é aceitável, tanto mais que os seus rendimentos são, em média, significativamente inferiores aos de outros setores. Em maio, apresentei um primeiro pacote de medidas de simplificação para a atual PAC. Estas propostas estão a ser debatidas com os colegisladores e espero que possam entrar em vigor já em 2026. Proporcionarão uma ajuda significativa aos agricultores e às administrações, evitando custos de até 1,58 mil milhões de euros por ano aos agricultores e 210 milhões de euros às administrações nacionais. No final deste ano, a Comissão apresentará outro pacote de simplificação, desta vez centrado nas regras relativas ao bem-estar dos animais, nas regras sanitárias e nas regras ambientais que, como sabemos, têm um impacto considerável no trabalho dos agricultores. O abandono da estrutura de dois pilares na nossa proposta relativa à futura PAC possibilitará igualmente simplificar o acesso, eliminar sobreposições administrativas e permitir transferências mais flexíveis entre medidas com objetivos semelhantes. Para os agricultores, isto facilitará o acesso aos apoios e reduzirá os encargos administrativos, especialmente no que se refere a medidas ambientais.

Nos últimos anos, a Europa atravessou crises sucessivas, da pandemia à guerra na Ucrânia, que revelaram a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento. Como pode a UE reforçar a sua segurança alimentar sem se afastar do comércio internacional?

Em primeiro lugar, recordemos que a UE é o maior exportador mundial de produtos agroalimentares. Em 2024, o comércio agroalimentar da UE alcançou um excedente de 64 mil milhões de euros. Isto evidencia a importância do comércio não apenas para a nossa competitividade, mas também para os agricultores da UE. A segurança alimentar está também consagrada nos Tratados da UE, o que significa que existe a obrigação de garantir a segurança alimentar, de assegurar um rendimento justo aos agricultores e de proporcionar preços acessíveis dos alimentos aos consumidores europeus. No mundo atual, marcado pela instabilidade geopolítica, a diversificação do comércio tornou-se um pilar da resiliência e da segurança alimentar da UE. Os acordos comerciais, como o recentemente celebrado com o Mercosul, são essenciais para criar um ambiente estável para os agri-

cultores e para os consumidores europeus. A diversificação das fontes de abastecimento em diferentes regiões, incluindo possíveis mercados novos e de grande dimensão como a Indonésia e a Índia, torna o nosso abastecimento de produtos alimentares mais resiliente a perturbações. Estes acordos permitem-nos tirar o melhor partido das redes e das relações existentes, ao mesmo tempo que garantimos que as práticas comerciais entre a UE e os seus parceiros continuam a ser justas e equilibradas, protegendo os agricultores europeus da concorrência desleal. A título de exemplo, os nossos acordos comerciais com a Ucrânia e com a Moldávia estão condicionados à harmonização gradual pelas normas de produção da UE, especialmente porque estes dois países pretendem aderir à UE. Estou a trabalhar com o meu colega responsável pela segurança alimentar, o comissário Oliver Várhelyi, para reforçar o alinhamento das normas de produção de países terceiros pelas nossas. Considero inaceitável que os pesticidas tóxicos para a nossa saúde e para o nosso ambiente e que, por conseguinte, são proibidos na UE, possam ser utilizados noutros locais em produtos que importamos. Além da questão da concorrência leal, pomos sempre os interesses dos agricultores da UE no centro das negociações de um acordo comercial. Os produtos sensíveis são sempre calibrados em contingentes limitados e incluímos sempre salvaguardas sólidas, incluindo uma cláusula-travão que elimina o acesso preferencial se as importações atingirem um determinado nível. É assim, por exemplo, nos nossos acordos com o Mercosul e com a Ucrânia. Posso garantir que a Comissão acompanhará os mercados de muito perto. Estou também pessoalmente empenhado na diplomacia comercial, tendo em vista continuar a promover os nossos produtos alimentares de elevada qualidade em todo o mundo. Por exemplo, fui ao Japão em junho acompanhado de uma delegação empresarial de 103 empresas da UE, incluindo representantes dos setores da carne bovina, da carne suína e do vinho e bebidas espirituosas de Portugal. Em outubro, irei ao Brasil com o mesmo objetivo, com seis empresas agroalimentares portuguesas que se juntarão à delegação de produtores que me acompanha.

O aumento dos custos de produção, em especial da energia e dos fertilizantes, está a exercer uma pressão direta sobre os rendimentos agrícolas. Que instrumentos está a Comissão a equacionar para

“ EM VEZ DE REPARTIR OS REGIMES ECOLÓGICOS E AS MEDIDAS AGROAMBIENTAIS POR VÁRIOS PILARES E FINANCIÁ-LOS EM DIFERENTES CONDIÇÕES, JUNTAMOLOS EM AÇÕES AGROAMBIENTAIS QUE SERÃO COFINANCIADAS PELOS ESTADOS-MEMBROS.

“ A SEGURANÇA ALIMENTAR ESTÁ TAMBÉM CONSAGRADA NOS TRATADOS DA UE, O QUE SIGNIFICA QUE EXISTE A OBRIGAÇÃO DE GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR, DE ASSEGURAR UM RENDIMENTO JUSTO AOS AGRICULTORES E DE PROPORCIONAR PREÇOS ACESSÍVEIS DOS ALIMENTOS AOS CONSUMIDORES EUROPEUS.

O ABANDONO DA ESTRUTURA DE DOIS PILARES NA NOSSA PROPOSTA RELATIVA À FUTURA

PAC POSSIBILITARÁ IGUALMENTE

SIMPLIFICAR O ACESSO, ELIMINAR SOBREPOSIÇÕES ADMINISTRATIVAS E PERMITIR TRANSFERÊNCIAS MAIS FLEXÍVEIS

ENTRE MEDIDAS COM OBJETIVOS SEMELHANTES

proteger a competitividade do setor e dos agricultores destas flutuações externas? Estamos plenamente conscientes do impacto significativo que o aumento dos custos dos fatores de produção tem nos rendimentos e na competitividade dos agricultores. Com efeito, a disponibilidade dos fatores de produção agrícolas e a acessibilidade dos seus preços continuam a ser uma preocupação premente dos agricultores, especialmente com o aumento dos custos de produção. Esta situação tem afetado de forma mais intensa o mercado dos adubos, mas também nos alimentos para animais, na energia, nas sementes e nos produtos fitofarmacêuticos. Grande parte desta volatilidade dos preços decorre de tensões geopolíticas, razão pela qual estamos a trabalhar continuamente para reduzir a nossa dependência de importações essenciais, como os fertilizantes e as matérias-primas. Reduzir a nossa dependência dos principais adubos importados é uma prioridade estratégica, para benefício dos agricultores e do ambiente. Mas estamos também a trabalhar para diversificar o aprovisionamento e para reforçar a produção interna. A aceitação de nutrientes reciclados, como o RENURE, proporciona preços mais estáveis e um abastecimento fiável. Apoia a produção interna sustentável de fertilizantes, reforçando simultaneamente a autonomia e a resiliência da Europa e protegendo o nosso ambiente.

A produção de energia renovável é igualmente uma estratégia da UE?

No que respeita ao aumento dos preços da energia, observámos que, em resultado da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, existe um grande potencial inexplorado em termos da nossa produção interna de energia. A aceleração da produção de energias renováveis nas zonas rurais, incluindo a produção de biogás e biometano a partir da agricultura, poderá proteger os agricultores da volatilidade dos preços da energia, reforçar a segurança energética e contribuir para a redução das emissões de gases com efeito de estufa na UE, proporcionando simultaneamente uma fonte de rendimento adicional aos agricultores. Esta abordagem apoia-se na Visão para a Agricultura e o Setor Alimentar, e aguardo com expectativa a oportunidade de trabalhar com a minha colega Jessika Roswall sobre a Estratégia da UE para a Bioeconomia. Por último, importa reforçar o poder de negociação global dos agricultores, nomeadamente no que respeita à aquisição, por exemplo, de energia e fertilizantes. As propostas que apresentei em dezembro visam exatamente este objetivo, para reforçar a posição dos agricultores na cadeia de abastecimento e protegê-los de práticas comerciais desleais. O processo colegislativo destas duas propostas está a seguir o seu curso e espero uma rápida adoção para que a mudança possa chegar rapidamente aos agricultores.

Muitos países do sul da Europa, incluindo Portugal, defrontam-se com a escassez de água e o risco de desertificação. Como pode a política europeia contribuir para mitigar estes riscos e apoiar uma transição eficaz para modelos agrícolas mais resilientes?

Sem água, não há agricultura e sem agricultura não há alimentos. Temos de antecipar irregularidades futuras no clima e na água, em especial a escassez de água em muitas regiões, e assegurar que o nosso setor continua a ser viável e sustentável no futuro. Já realizei visitas a 24 Estados-membros e pude observar em primeira mão como as primeiras pessoas a ser afetadas são frequentemente os agricultores. Durante a minha visita a Portugal, em junho, fiquei muito impressionado com os sistemas de irrigação de ponta de que Portugal dispõe. É evidente que está na vanguarda da gestão da água na Europa. As práticas de gestão da água inovadoras são o futuro e a PAC ajuda a investir nessas prá-

OS AGRICULTORES DA UNIÃO EUROPEIA CONTINUARÃO A RECEBER APOIO

AO RENDIMENTO ATRAVÉS DE UM ORÇAMENTO MÍNIMO

DEDICADO DE 300 MIL MILHÕES DE EUROS.

ticas: tecnologias de irrigação de precisão e infraestruturas de retenção hídrica, mas também soluções baseadas na natureza, como o incentivo à utilização de variedades de culturas resistentes à seca e de solos vivos.

Recentemente, a Comissão lançou a Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica. Quais os seus objetivos?

A Estratégia visa melhorar a eficiência hídrica e o acesso equitativo à água em todos os setores, bem como o restauro e a proteção do ciclo da água. No entanto, os desafios superam o financiamento atual, pelo que importa acelerar a transição para uma gestão mais inteligente e sustentável da água. É aqui que a inovação, a partilha de conhecimentos e as ferramentas digitais desempenham um papel crucial. Estamos também a impulsionar a melhoria dos instrumentos de gestão dos riscos, nomeadamente regimes de seguro, para ajudar os agricultores a proteger as suas culturas contra fenómenos extremos, como as secas, que estão a tornar-se cada vez mais frequentes. Mas visamos igualmente assegu-

rar aos Estados-membros melhores possibilidades de compensar os agricultores e apoiar a adaptação destes aos desafios referidos.

A fragmentação e a baixa rentabilidade da agricultura familiar, conjugadas com o envelhecimento da população agrícola, põem em risco a coesão territorial. Que papel pode a UE desempenhar no apoio à renovação geracional e na manutenção da atividade agrícola nas zonas rurais?

A renovação geracional é uma das minhas principais prioridades e é um desafio que temos de enfrentar em conjunto. Com efeito, os dados mostram que o envelhecimento no setor agrícola está a ser mais rápido do que noutros setores. A agricultura deve continuar a ser um setor atrativo e uma opção de carreira profissional. A percentagem de agricultores com menos de 40 anos é de apenas 12 % na UE, e somente de 6 % em Portugal. O meu objetivo é duplicar esse número até 2040. Para o efeito, a 21 de outubro, apresentei uma estratégia para tentar eliminar vários obstáculos que os jovens enfrentam quando pretendem

começar a trabalhar neste setor. A PAC atual apoia a instalação de jovens agricultores, mas consideramos que temos de fazer mais. Na nova PAC, o apoio aos jovens agricultores continuará a ser obrigatório. Analisaremos e aprovaremos os planos nacionais dos Estados-membros assegurando que dão prioridade à renovação geracional e ao financiamento adequado. Os países terão de criar um ‘pacote de arranque’ com financiamento da PAC para ajudar os jovens agricultores a iniciarem a sua atividade profissional e apoiar a sucessão geracional nas explorações agrícolas. Os jovens agricultores terão acesso a mais financiamento e a aconselhamento empresarial. Mas a renovação geracional também impõe a tomada de medidas a nível nacional. A fiscalidade, o direito sucessório, a educação e a formação desempenham um papel importante. Além disso, não esqueçamos as zonas rurais. Quero enfatizar a necessidade crucial de tornar as zonas rurais viáveis e atrativas, especialmente para os jovens que equacionam um futuro na agricultura. Os jovens querem viver em locais com infraestruturas, transportes, serviços,

escolas, instalações de saúde e conectividade adequados. É aqui que os fundos da UE para o desenvolvimento rural regional podem ajudar. Combinando um apoio flexível e direcionado da PAC com esforços nacionais mais amplos e a nossa futura estratégia, queremos que os jovens e as gerações futuras encarem a agricultura como uma opção profissional viável, atrativa e gratificante.

Tendo em conta o acordo com o Mercosul, deverá a futura PAC incorporar mecanismos, regras e instrumentos financeiros para os ajustamentos necessários?

Atentando nos factos, trata-se de um acordo equilibrado para o setor agroalimentar da UE. Como referi, a UE é o maior exportador mundial de produtos agroalimentares e o acordo de parceria com o Mercosul melhorará consideravelmente o acesso de vários produtos agroalimentares da UE a um mercado de 280 milhões de consumidores. O acordo eliminará ou reduzirá os elevados direitos aplicáveis a produtos como o vinho e bebidas espirituosas e o azeite, que são setores importantes para “ A SEGURANÇA ALIMENTAR ESTÁ TAMBÉM CONSAGRADA NOS TRATADOS DA UE, O QUE SIGNIFICA QUE EXISTE A OBRIGAÇÃO DE GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR, DE ASSEGURAR UM RENDIMENTO JUSTO AOS AGRICULTORES E DE PROPORCIONAR PREÇOS ACESSÍVEIS DOS ALIMENTOS AOS CONSUMIDORES EUROPEUS.

OS ACORDOS COMERCIAIS, COMO O RECENTEMENTE CELEBRADO COM O MERCOSUL, SÃO ESSENCIAIS PARA CRIAR UM AMBIENTE ESTÁVEL PARA OS AGRICULTORES E PARA OS CONSUMIDORES EUROPEUS.

Portugal, e até garantirá contingentes pautais nulos para vários produtos lácteos, como o queijo e o leite em pó. Além disso, protegerá centenas de conceituadas indicações geográficas da UE. Para Portugal, isto significa que os produtores do Mercosul não podem utilizar os termos ‘Queijo São Jorge’ nem ‘Vinho do Porto’, por exemplo. Para uma série de produtos sensíveis, como a carne bovina, as aves de capoeira, o açúcar e o etanol, o acordo estabelece limites claros e bem calibrados às importações. Estas concessões serão gradualmente introduzidas ao longo de mais de sete anos. Note-se ainda que negociámos salvaguardas bilaterais para fazer face a eventuais perturbações do mercado e suspender temporariamente as preferências pautais. Além disso, acompanharemos de perto os mercados agrícolas e enviaremos um relatório semestral ao Parlamento Europeu e ao Conselho. Se observarmos um

aumento súbito das importações ou uma rápida diminuição dos preços, estaremos prontos para tomar medidas. Gostaria de concluir com o seguinte: os nossos agricultores querem e merecem uma concorrência leal, e eu escuto e compreendo as suas preocupações. Estamos a trabalhar nesta questão, tomando medidas concretas e medidas de salvaguarda para garantir que os produtos importados cumprem os elevados padrões que nos orgulhamos de ter na Europa. Tencionamos garantir que produtos que utilizem os pesticidas mais perigosos proibidos na UE não sejam importados. Para o efeito, aumentaremos os controlos dos produtos importados de modo a assegurar esse objetivo e trabalharemos a nível multilateral com os nossos parceiros para promover as nossas normas.

No horizonte de 2040, como vê o futuro da agricultura europeia? Será mais verde, mais digital, mais competitiva ou com mais orientação social?

Todas as anteriores. A Europa está a evoluir, tal como a visão da agricultura europeia. O que continua a ser mais importante do que nunca é garantir a segurança alimentar no nosso continente. Isso significa que é necessário dotar o setor alimentar e agrícola dos instrumentos e do apoio necessários para que ele continue a ser atrativo, resiliente e competitivo. A inovação e as novas tecnologias podem ajudar-nos consideravelmente na nossa adaptação às alterações climáticas e a reduzir os encargos burocráticos. O apoio à inovação em ferramentas digitais e na agricultura de precisão, desde melhores máquinas até uma melhor gestão dos nutrientes, será fundamental para que as práticas sustentáveis se tornem mais viáveis e mais acessíveis. A minha maior esperança é que a profissão de agricultor seja valorizada e reconhecida na nossa sociedade e que atraia jovens talentos.

Agroforestry for Menetising Carbon Credits

ABHISHEK RAJ, MANOJ

KUMAR JHARIYA E SWAROOP MEENADE

OLIVEIRA

O livro aborda o papel dos sistemas agroflorestais na geração e comércio de créditos de carbono, destacando sua contribuição para reduzir emissões, conservar ecossistemas e beneficiar agricultores. Apresenta protocolos de negociação, desafios, políticas futuras e evidências de pesquisa que reforçam a agrofloresta como estratégia de sequestro de carbono e aumento da produtividade.

Agricultura Sem

Papas na Língua

O livro apresenta uma análise crítica do setor agrícola português, abordando mudanças climáticas, desertificação, sustentabilidade, jovens agricultores e políticas públicas. Baseado na experiência do autor, defende um desenvolvimento rural inteligente e a prosperidade agrícola, contribuindo para o debate sobre a segurança alimentar do país.

Estudo da Valorização dos Recursos Hídricos para a Agricultura no Vale do Tejo e Oeste

O futuro Aproveitamento Hidroagrícola e de Fins Múltiplos no Tejo e Oeste é um projeto estruturante, “talvez o projeto da década e das próximas décadas”, garante Rogério Ferreira, Diretor Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural. A agricultura tem água garantida na futura Barragem do Alvito.

Cadernos de Análise e Prospetiva

GABINETE DE PLANEAMENTO, POLÍTICAS E ADMINISTRAÇÃO GERAL

A CULTIVAR é uma publicação do GPP que visa criar um repositório de informação acessível ao público e útil para apoiar estratégias de desenvolvimento e políticas públicas. Conta com três áreas de conteúdo: Grandes Tendências (artigos de análise por especialistas), Observatório (dados e informações estatísticas) e Leituras (documentos e textos relevantes de organizações nacionais e internacionais).

REVISTA AGROTEJO

Consulte as edições digitais da Revista Agrotejo e boas leituras!

BARRAGENS

Portugal tem 260 grandes barragens, distribuídas pelo país consoante as necessidades de uso. Atualmente estão cheias, mas há bem pouco tempo não era assim. Afinal como se gerem estas infraestruturas e qual o impacto na disponibilidade de água... mas também no ambiente?

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A plataforma Power BI onde disponibilizam dashboards interativos para consulta de dados do setor agrícola, nomeadamente sobre as áreas cultivadas com cereais e oleaginosas.

TRANSFORMAR O FUTURO DA AGRICULTURA COM A ROBÓTICA GREENFIELD

A agricultura vive uma transformação com máquinas e equipamentos autónomos que semeiam, regam e colhem de forma precisa. Esta tecnologia reduz custos, aumenta a produtividade e promove uma gestão mais sustentável, preparando o setor para os desafios do futuro.

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O B-RURAL valoriza a agricultura e a floresta como motores de estabilidade e desenvolvimento, destacando a sua evolução face a desafios externos e o papel da PAC na vertente económica, social e ambiental.

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O FENAREG Cast destaca a primeira

Comunidade de Energia Renovável no Regadio, no Roxo (Aljustrel). António Parreira, Joaquim Banza e João Dotti debatem a Estratégia Água que Une e os transvases entre bacias, como Alqueva–Santa Clara.

Disponível na App Store, a aplicação mede árvores, calcula volume de madeira e apoia decisões de gestão florestal.

AGROBASE

Reúne conhecimentos agrícolas e ajuda a identificar pragas, doenças e infestantes, recomendando produtos fitossanitários para maior rendimento e menores custos.

acordo

UE-Mercosul: desafios e oportunidades

O Mercosul – Mercado Comum do Sul nasceu formalmente em 1991 com a assinatura do Tratado de Assunção, tendo as suas bases institucionais sido estabelecidas no Protocolo de Ouro Preto em 31 de dezembro de 1994.

O MERCOSUL

Trata-se de uma zona de livre comércio formada por países da América do Sul:  o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. A Venezuela, membro fundador inicial, foi suspensa desde 2016. Por outro lado, a Bolívia encontra-se

em processo de adesão (aprovada pelo bloco e em fase de aprovação interna em alguns dos países).

É um espaço comercial que abrange uma área de quase 15 milhões de km2, com uma população global de aproximadamente 273 milhões, onde o Brasil

representa a grande maioria com cerca de 80%, e constituindo a 6.ª maior economia do Mundo com um Produto Interno Bruto de 2,2 triliões de euros.

A circulação de bens, serviços e fatores de produção baseada na eliminação de direitos alfandegários e de restrições

não tarifárias internas é claramente o principal objetivo, acompanhado pela necessidade de constituir uma posição comum face ao comércio com países terceiros. De forma mais transversal, o acordo ambiciona igualmente a criação de condições de concorrência semelhantes, entre os Estados Parte, através de uma coordenação de políticas económicas muito para além do comércio externo e que pode passar pela coordenação de políticas fiscais, monetárias, cambial e mesmo de capitais.

O Mercosul dispõe ainda de um conjunto de acordos bilaterais com países americanos como o México, Bolívia, Chile, Colômbia, Perú, Cuba e de outras geografias como a Índia, o Egipto, África do Sul e Israel.

No ano de 2024, o conjunto dos países do Mercosul teve uma balança comercial positiva em cerca de 58,8 mil milhões de euros, com as exportações a representarem USD 296,3 mil milhões

e as importações USD238,4 milhões. A China é o maior parceiro comercial, com 27% das importações e 28% das exportações, seguindo-se a União Europeia.

As relações culturais com os países da Europa são muito fortes, motivadas por ligações de vários séculos, com fortes fluxos de imigração em ambos os sentidos e com idiomas oficiais comuns, com Espanha e Portugal favorecendo muito os contactos institucionais e entre os povos.

O COMÉRCIO DA UE

COM O MERCOSUL

A UE é o segundo maior importador de bens do Mercosul, atrás da China, e à frente dos Estados Unidos, tendo representado 14% das exportações totais do Mercosul em 2024. Por outro lado, o conjunto dos países do Mercosul, é o décimo destino das exportações de bens da UE.

ler o artigo completo

• Em 2024, as exportações da UE para os quatro países do Mercosul totalizaram €45,9 mil milhões, enquanto as exportações do Mercosul para a UE somaram €42,7 mil milhões.

• Os principais produtos exportados pelo Mercosul para a UE foram produtos minerais (29,6% do total das exportações), alimentos, bebidas e tabaco (19,2%) e produtos vegetais (17,9%).

• As exportações da UE para o Mercosul incluíram máquinas e equipamentos (26,7% do total das exportações), produtos químicos e farmacêuticos (25%) e equipamentos de transporte (11,9%).

Entre a expectativa e a urgência: agricultores querem mais ação no Ministério da Agricultura

Depois de meses de indefinição política e mudanças no xadrez governativo, o setor agrícola vive um tempo de expectativa. Os dirigentes das principais organizações do setor reconhecem a importância das intenções já manifestadas, mas pedem medidas concretas e um rumo claro para a agricultura portuguesa.

A atual configuração do Governo português resultou das eleições legislativas de maio último, que colocaram fim ao interregno político vivido após a dissolução da Assembleia da República em março de 2025. O novo executivo, que ao nível do Ministério da Agricultura e Mar não sofreu alterações, entrou em

funções num contexto exigente, com dossiês importantes por resolver e uma classe agrícola que, depois de anos de espera, reclama ação e clareza. No Ministério da Agricultura e Mar, as primeiras semanas foram marcadas por um percurso de escuta ativa e proximidade ao terreno, mas também pela

consciência de que há muito trabalho acumulado. Entre a revisão da PAC para o período de 2027-2034, a execução do PEPAC e a urgência de respostas às crises climáticas e de mercado, os desafios são numerosos e complexos. Nesta edição, damos voz a vários dirigentes e representantes do setor agrí-

cola, que partilham a sua visão sobre o Ministério da Agricultura e Mar, liderado por José Manuel Fernandes, e as prioridades que consideram inadiáveis. Entre a esperança e a impaciência, a mensagem é clara: é tempo de transformar promessas em resultados.

Há abertura por parte do Ministro da Agricultura para ouvir organizações, há simpatia. Ao nível do funcionamento, dos resultados começa a existir alguma frustração porque as coisas não estão a mudar como seria expectável. As mudanças têm sido tardias e lentas e o beneficiário que é o agricultor não tem visto resultado prático dessa mudança. A CAP, no último Acordo de Concertação alertou que não assinaria o documento se o Ministério da Agricultura não tivesse tutela direta sobre os vice-presidentes das CCDRs. Isto foi alcançado, mas sentimos alguma frustração porque, na prática não se traduziu numa maior capacidade de intervenção, numa maior proximidade, num maior apoio ao agricultor.

a produtividade e produção e veem a agricultura como uma atividade muito importante. No trabalho desenvolvido, destaco o compromisso com a questão das direções regionais. Isso foi importante para nós, tal como as florestas voltaram a integrar o Ministério da Agricultura. Mas continuamos a ter um enorme peso burocrático na nossa atividade, os organismos não se coordenam entre eles. A tutela sob organização de produtores complicou-se. Na prática temos mais um organismo envolvido e não se simplificou nada. A própria robustez da legislação continua a ser frágil. A máquina continua muito lenta e está aquém das nossas expectativas. Era importante uma posição mais firme do ministro da Agricultura em determinados assuntos porque deve estar à frente o superior interesse do país.

pessoa muito disponível e estamos em contacto permanente com o Ministério, mas não temos resposta para tudo.

Nós tínhamos muita expectativa em relação a este Governo porque já há muitos anos que não tínhamos um Governo de direita, que normalmente são governos mais vocacionados para

Continuamos com grandes expectativas, apesar de o tempo ir passando e não vemos a ação a tomar a velocidade que nós acharíamos que deveria ser tomada. A crítica é sempre a mesma: achamos que é sempre tudo muito tempo e tudo muito lento. Ainda assim reconhecemos que já houve mudanças em alguns setores. Ficamos sem saber se continuará a haver mudanças noutros setores. Ao nível do regadio, temos agora toda a esperança canalizada para a Estratégia Água que Une, uma vez que as verbas do PEPAC estarão praticamente todas comprometidas. Por outro, estamos muito apreensivos com a revisão da PAC. Aguardamos uma posição firme do Ministério da Agricultura sobre este tema, sobretudo o fim do 2.º pilar da PAC que é tão importante para a agricultura nacional. O ministro é uma

O estado de espírito do setor dos cereais praganosos é de muito desânimo. O ministro mostrou empenho pessoal em que as medidas da Estratégia +Cereais sejam implementadas e, inclusive, garantiu que ia ser publicada uma resolução de conselho de ministros, que daria alguma força política a esta estratégia. Mas o facto é que nada tem acontecido. O setor dos cereais atravessa uma crise enorme e é urgente que as medidas da Estratégia +Cereais sejam implementadas. Já passou muito tempo e de facto nada acontece e as conversas que temos tido no Ministério não são muito animadoras. Não temos nada que nos dê indícios claros de que a situação vai mudar. Ainda assim temos alguma expectativa de que a breve prazo haja algum sinal positivo.

O atual Governo recebeu um Ministério da Agricultura completamente desarticulado e perdido. Acredito que dê algum trabalho em recuperar pelo qual temos de dar o benefício da dúvida a esta equipa. Há alguns sinais de avanço como é o caso da constituição de vice-presidentes com pelouro da agricultu-

Luís Mira SECRETÁRIO-GERAL DA CAP
José Núncio PRESIDENTE DA FENAREG
Jorge Neves PRESIDENTE DA ANPROMIS
Domingos dos Santos PRESIDENTE DA FNOP
José Palha PRESIDENTE DA ANPOC

ra dentro das CCDR. O caminho tem de ser também o de melhor articulação entre as várias estruturas como IFAP, GPP, PEPAC e direções regionais, que devem funcionar de forma articulada. Neste momento, ainda acreditamos que o atual ministro da Agricultura tem capacidade e força política para poder fomentar a articulação entre todos e o país não perderá oportunidades, nomeadamente ao nível da Política Agrícola Comum.

O Ministério tem agora uma postura dialogante e sem conflitos. Coisa que no passado era visível de modo diferente. O que se sente é alguma lentidão no correr dos papéis na Avenida João XXI. Não se justifica o estacionamento prolongado de simples dossiês. O Gabinete do Ministro em qualquer ministério tem que ser célere e marcar o ritmo de

resposta aos problemas que lhe colocam. Não pode ser um local de onde é lenta a saída de qualquer decisão. Temos que acelerar. Se na João XXI as coisas fluem muito devagar, isso depois contribui para retardar tudo. É preciso ganhar ritmo. Confiamos nessa melhoria muito rapidamente. Vai decorrido ano e meio.

Quando ouvi os primeiros discursos do ministro da Agricultura e da ministra do Ambiente, ficámos entusiasmados. A mensagem foi extraordinária. Mas o tempo passou e o sentimento é de que o ministério não anda. Tudo demora muito tempo e parece que nada avança. Temos recentemente a nomeação de Luís Souto Barreiros para o IFAP e há uma nova esperança. Este organismo não estava a funcionar. Não comunicava com os agricultores. Se os agricultores não emparelham com os serviços do Estado, em específico os serviços do Ministério da Agricultura, andamos sempre a com o barco às voltas. Também recebemos com boas expectativas esta integração das antigas direções regionais nas CCDRs.

A chegada do atual ministro da Agricultura ao anterior Governo e felizmente mantida no atual Executivo foi uma lufada de ar fresco que o setor muito apreciou. A sua experiência europeia numa área que está tão intimamente ligada com a Política Agrícola Comum e com a gestão de Fundos foi uma garantia de eficácia que o seu discurso fácil e convincente reforçou. O problema das grandes expectativas é quando a dificuldade dos desafios supera a capacidade de realizar obra. Neste momen-

Macário Correia PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE REGANTES DO SOTAVENTO ALGARVIO
Carlos Amaral PRESIDENTE DA AOP
Luís Mesquita Dias
PRESIDENTE DA AGROTEJO E DA AHSA

to entendo que o setor espera maiores resultados concretos condizentes com os anúncios feitos, tais como a articulação com o ICNF e a APA sem a qual a aprovação dos projetos de investimento é posta em causa; no setor dos cereais é imperativo materializar as ajudas ligadas que compensem os níveis de preços baixíssimos do mercado e existe a perceção de que a realidade do Ribatejo não é tida em conta havendo regiões do País mais beneficiadas em termos de orçamento e criterios de valorização dos projetos submetidos. Em resumo, a imagem e perceção que temos do ministro da Agricultura continua a ser positiva, mas o passar do tempo exige que resultados palpáveis sejam atingidos.

Sei, por experiência, que muitas vezes não é fácil concretizar com rapidez aquilo que se pretende. Mas há uma coisa que me faz sempre muita confusão, e que também se aplica ao atual Ministério da Agricultura e Mar: o tempo infindável que se gasta a fazer estudos e planos. Um exemplo disso é o que se passa com as florestas: depois de sucessivos planos, reformas e estratégias, gastaram-se dois anos a…fazer um novo Plano. Custa-me ver a incapacidade que existe em aproveitar o que vem de governos anteriores, apenas por ser de um partido diferente. Em relação às florestas estamos atrasadíssimos e

a direção da política é, no mínimo, muito confusa, sem se perceber bem quais são as opções e prioridades. O PIF, o tal “plano novo”, parece querer agradar a todos o que é um péssimo sinal. Não se percebe a razão pela qual a equipa de topo do ICNF não é “refrescada”. Em relação à agricultura os desafios são muitos (questões sanitárias, futura PAC, aceleração da execução do PEPAC no que se refere ao apoio ao investimento, etc.) e requerem uma equipa coesa para serem superadas. Penso que foram positivas as alterações na direção do IFAP, mas confesso que não percebo porque é que não se renova a equipa dirigente do ICNF. Enfim, e tal como para a execução do Água que Une, o tempo não para e, quando se der por isso, já levamos um ano do novo Governo, que não é mais do que o prolongamento dos dois anos do Governo anterior. Mas tenhamos esperança.

Há que pôr as coisas em perspetiva. Acho que nós vimos de uma situação complicada, onde o Ministério da Agricultura não tinha grande peso político e não havia uma coordenação entre os diferentes organismos do ministério. O ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, traz uma linguagem completamente diferente do seu antecessor e muito positiva. Percebe-se que tem um peso político diferente, um reco-

nhecimento pelos pares, quer ao nível nacional, quer ao nível europeu. Estes fatores criaram, naturalmente, uma expectativa grande dentro do setor. Ignorando o hiato governamental causado pela dissolução da Assembleia da República, parece-me que pouco ou nada se tem visto no que respeita a resolução de problemas, tais como uma melhor articulação entre as várias estruturas do Ministério, nomeadamente GPP, IFAP e PEPAC onde aparentemente há falta de diálogo. Contudo, parece haver sinais de mudança. Em suma, o que se sente é que o ministro da Agricultura está presente em muitos sítios e tem pouco tempo para estar na mesa a resolver problemas e a concretizar questões.

Francisco Gomes da Silva SÓCIO FUNDADOR DA AGROGES
Pedro Santos DIRETOR-GERAL DA CONSULAI

IMOBILIÁRIO AGRÍCOLA EM PORTUGAL

Oportunidades e tendências

O mercado do imobiliário agrícola em Portugal atravessa um momento de grande relevância. A terra, que durante décadas foi percecionada como um ativo de baixo dinamismo, assumiu nos últimos anos uma nova centralidade enquanto fator estratégico para a produção alimentar, para a atração de investimento estrangeiro e para a valorização do território.

Portugal, pela sua localização, clima e diversidade de solos, tem vindo a despertar crescente interesse junto de investidores nacionais e internacionais. Contudo, ao contrário de outros setores imobiliários, neste mercado não é a proximidade aos centros urbanos nem a dimensão das propriedades que define o preço. O elemento verdadeiramente diferenciador é, cada vez mais, a água.

A existência de licença de utilização de recursos hídricos constitui hoje o critério que separa um terreno com elevado potencial de valorização de outro de valor residual. Terrenos com concessão de captação de 6.000 m3 ou mais podem alcançar valores próximos dos 30.000 euros por hectare, sobretudo em zonas como Santarém, Alqueva ou sudoeste alentejano, onde a qualidade dos solos se

alia à disponibilidade de regadio e clima. Já parcelas semelhantes, sem acesso a água, podem ver o seu preço reduzir-se para 5.000 euros por hectare. A diferença é expressiva e evidencia que o valor da terra não reside apenas na sua posse, mas sim na produtividade e no rendimento agrícola que dela se pode retirar. A água, mais do que um recurso, é um verdadeiro multiplicador de valor.

Este desfasamento tem gerado um mercado saturado, em que a procura não encontra oferta suficiente de áreas irrigadas. Muitos investidores olham para Portugal com interesse, mas deparam-se com um obstáculo central: a escassez de terrenos com regadio disponível. É neste ponto que a intervenção pública se revela imprescindível. Se é verdade que a criação do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva constituiu um marco histórico, transformando o perfil produtivo do Alentejo, atraindo empresas internacionais e dinamizando economias locais, também é verdade que o país precisa de novas infraestruturas hídricas que permitam expandir esta lógica de desenvolvimento. A construção de barragens, canais e sistemas de armazenamento em diferentes regiões poderia aumentar de forma significativa a área de regadio e, com ela, a capacidade de atração de investimento. A evolução recente do setor confirma esta necessidade. Nos últimos vinte anos assistiu-se a uma verdadeira revolução agrícola em Portugal. A entrada de capitais estrangeiros trouxe consigo novas práticas de gestão, maior profissionalização e um forte investimento em tecnologia. Culturas como o olival e amendoal em sebe e os frutos vermelhos ganharam escala e relevância internacional. Portugal deixou de ser visto apenas como país de pequena agricultura familiar e passou a integrar cadeias globais de produção, exportando para mercados exigentes e diversificados. Este salto qualitativo teve reflexo direto no imobiliário agrícola: a terra tornou-se um bem escasso e disputado, com preços a subir de forma consistente.

As zonas mais procuradas refletem precisamente essa transformação. A Beira Interior destaca-se pela expansão dos frutos secos; o regadio de Alqueva mantém-se como o epicentro da modernização agrícola; o Sudoeste, com forte vocação para a horticultura, beneficia da proximidade aos portos de exportação; e o Algarve tem atraído interesse pelas culturas intensivas de abacate e citrinos, apesar das restrições hídricas que já se fazem sentir. No entanto, continua a ser o Alentejo a região com maior potencial, não só pela dimensão das propriedades e pela qualidade dos solos, mas também pela possibilidade de expandir o regadio. É no Alentejo que se joga grande parte do futuro do imobiliário agrícola nacional. Neste contexto, a aquisição de estruturas já existentes surge como a opção mais viável para quem pretende investir. A falta de novos terrenos com acesso a água obriga as empresas a procurar explorações já instaladas, adquirindo não apenas a terra mas também as licenças, equipamentos e sistemas de rega. Este movimento traduz a maturidade do setor: o valor reside cada vez mais na existência de condições produtivas efetivas e não apenas na propriedade fundiária em estado bruto. Olhando para o futuro, é possível identificar três tendências claras que moldarão o mercado. A primeira é a escassez de água,

que continuará a ser o fator determinante na definição de preços e na viabilidade dos projetos. A segunda é a intensificação tecnológica: sensores, rega inteligente, drones e agricultura de precisão permitirão otimizar recursos, reduzir desperdícios e aumentar rendimentos. A terceira é a sustentabilidade. Os mercados internacionais, cada vez mais atentos à pegada ambiental, premiarão projetos que conciliem produtividade com responsabilidade ecológica e social. As empresas que não acompanharem esta exigência arriscam perder competitividade.

O imobiliário agrícola não deve ser entendido apenas como um segmento económico, mas como um pilar estratégico para o país. Está em causa a soberania alimentar, a coesão territorial e a capacidade de fixar população em zonas rurais. Investir em infraestruturas de regadio, em planeamento equilibrado e em políticas que valorizem os recursos naturais é investir no futuro de Portugal. No futuro, o que irá definir a trajetória deste setor não é apenas o que já conquistámos, mas sobretudo aquilo que formos capazes de construir. A terra é um recurso finito, mas a água é o elemento que lhe confere vida, valor e futuro. Sem água, a terra é apenas potencial não realizado; com ela, transforma-se numa oportunidade de desenvolvimento económico, de inovação e de criação de riqueza para todo o país.

Agricultura precisa de instrumentos que ajudem a progressão

Com um peso de apenas 1,8% no PIB nacional, a agricultura continua a ser vista como um setor de reduzida expressão económica. No entanto, o professor catedrático do ISEG – Lisbon School of Economics and Management, João Duque, lembra que esta é uma atividade essencial à coesão territorial, à sustentabilidade e à segurança alimentar do país. Em entrevista, o economista analisa a evolução positiva do setor, identifica os principais entraves estruturais e sublinha a necessidade de políticas que reconheçam o verdadeiro valor estratégico da agricultura portuguesa.

TEMOS DE SER ARDILOSOS

PARA CAPTAR INVESTIMENTO

CERTO E ESTIMULAR A AGRICULTURA PORTUGUESA.

A agricultura integra o setor primário, sendo essencial ao desenvolvimento das sociedades. Quais os números que caracterizam a agricultura nacional?

A agricultura é um setor crucial para a sociedade, mas quem produz os alimentos não é assim tão valorizado, pelo que a agricultura no PIB nacional tem um peso muito baixo, na ordem dos 1,8%. Relativamente ao rendimento gerado para o total da economia, este setor situa-se nos 2,9% do total da população empregada. Isto significa que há uma desproporção entre aquilo que é a contribuição para o emprego e a contribuição para o produto.

Que impacto têm estes números para quem trabalha na agricultura?

Com estes números quem trabalha na agricultura não pode estar à espera de receber rendimentos muito elevados, nem sequer em linha com a média nacional. No entanto, se compararmos com aquilo que tem sido a evolução, esta tem sido muito positiva em termos agregados face áquilo que é o crescimento da economia nacional. O que também significa que vínhamos de uma área paupérrima.

Mas, em termos nominais, o setor tem crescido?

O PIB em termos nominais cresceu significativamente. Inclusive, em termos gerais, mais até do que a economia portuguesa. Ao mesmo

tempo que se regista uma redução da população empregada no setor. O que quer dizer que, em termos de rendimento por cabeça, tem havido um aumento significativo. Para as pessoas que queiram dedicar-se ao setor, este aumento é um fator atrativo. Simultaneamente, há também um aumento do investimento. A Formação Bruta do Capital Fixo na agricultura teve um crescimento muito significativo. Na última década, verificou-se um aumento significativo do volume de investimento muito superior ao crescimento do PIB em termos nominais. Os números revelam que, na última década, o investimento tem crescido a uma taxa de 3,2% ao ano. O que quer dizer que em termos acumulados acabou por crescer à volta de 37%, numa década.

A agricultura representa uma pequena fatia do PIB, mas tem um peso relevante noutros domínios, tais como coesão territorial, sustentabilidade. De que forma este valor “invisível” pode ser melhor comunicado e integrado nas políticas económicas?

Parece-me que a sociedade hoje está bastante sensível e vocacionada para reconhecer algum valor à agricultura, sobretudo na sua vertente ambiental, mas também de fixação de população em meios não urbanos, promovendo a coesão do território e equilíbrio demográfico. Parece-me inclusive que começa a haver po-

RELATIVAMENTE AO RENDIMENTO GERADO PARA O TOTAL DA ECONOMIA, ESTE SETOR SITUA-SE NOS 2,9% DO TOTAL DA POPULAÇÃO EMPREGADA.

“ É MUITO PERIGOSO PENSARMOS QUE PODEMOS GARANTIR OS MÍNIMOS DE STOCK ALIMENTAR ABASTECENDO-NOS

NOUTROS PAÍSES, MUITAS VEZES FORA DA UNIÃO EUROPEIA.

pulação jovem mais sensível a outros valores que não seja só o rendimento. Há pessoas que estão disponíveis para prejudicar um pouco o rendimento nominal, para obter qualidade de vida fora dos grandes centros urbanos.

Como avalia o peso e a relevância do setor agrícola na economia portuguesa atual? O setor agrícola do ponto de vista estratégico é fundamental porque nós não podemos pensar que compramos todos os alimentos fora. Infelizmente, a evolução das sociedades e do ambiente geopolítico, levou a reconhecer que é muito perigoso pensarmos que podemos garantir os mínimos de stock alimentar abastecendo-nos noutros países, muitas vezes fora da União Europeia. É fundamental percebemos que a agricultura, mesmo podendo não ter um peso muito significativo em percentagem de valor acrescentado bruto, é fundamental na vida. Não sendo aparentemente relevante, é fundamental.

Quais são, na sua opinião, os principais entraves estruturais ao desenvolvimento do setor?

É uma atividade dependente de pessoas muito envelhecidas. Mais de 50% dos trabalhadores agrícolas tem mais de 65 anos e baixa escolaridade. A juntar a pequena dimensão das explorações. Quase 55% das explorações têm entre um e cinco hectares. O emparcelamento da terra é absolutamente fundamental. Mas devo salientar que há indicadores positivos. Atualmente, 620 mil pessoas representam a população agrícola em Portugal e destes 81 mil já são licenciados, o que é um ótimo sinal.

De que forma a agricultura portuguesa se posiciona face à média europeia em termos de produtividade e rendimento dos produtores?

Nos vários indicadores, nós estamos mal posicionados. A única coisa boa nisso é que sabemos qual é o caminho: é ver o que os outros fazem bem e replicar, se possível melhorando. Em geral os nossos problemas, que identifiquei, são os que nos colocam na cauda. O que temos de fazer é tratarmos esses problemas. A agricultura tem um campo de progressão enorme, mas têm de existir instrumentos que ajudem a fazer essa progressão.

Como avalia o impacto dos fundos da PAC e dos programas nacionais na competitividade do setor?

Desde que haja PAC na Europa, Portugal tem de ser pelo menos igual aos outros. Beneficiar ao máximo. Temos de ser ardilosos para captar investimento certo e estimular a agricultura portuguesa por forma a recuperar os déficits face aos outros países. Devemos estimular quem faz. Quem fizer melhor, recebe mais. Estes incentivos podem reforçar a atração para uma atividade que ainda não está na moda, mas pode ficar.

A soja... quem diria?

Ninguém recorda a soja como ingrediente de um prato inesquecível ou como estrela de um restaurante da moda. Mas a verdade é que esta discreta leguminosa está entre as culturas mais importantes do mundo e é fundamental na alimentação.

A 4 de Julho de 2025 a Comissão Europeia autorizou a comercialização de produtos que contenham, sejam constituídos ou derivem de três cultivares de soja (Glycine max) geneticamente modificada (OGM), designados por MON

87705, MON 87708 e MON 89788. O primeiro é aquilo a que se chama um stacked OGM, ou seja, uma planta na qual pelo menos duas características (chamadas eventos) foram modificadas em relação ao cultivar original. Neste caso, foram feitas três modificações: duas que aumentam os níveis de gorduras monoinsaturadas na semente em detrimento de ácidos gordos polinsaturados, tornando os lípidos mais saudáveis, e outra que confere tolerância ao

glifosato. O MON 87708 é também um stacked OGM, com duas modificações que lhe permitem tolerar os herbicidas glifosato e dicamba. Finalmente, o MON 89788 tem uma única alteração (evento único), sendo das variedades OGMs mais simples em termos de manipulação genética, com a característica de tolerância ao glifosato.

O processo de autorização iniciou-se a 11 de setembro de 2015 (sim, leu bem), com um pedido da empresa à autoridade competente nos Países Baixos. A partir desta data teve início um longo percurso que culminou na aprovação em 2025, ou seja, 10 anos depois. Comparativamente com outros países, podemos verificar que o cultivar MON 87705, por exemplo, está aprovado para consumo humano, animal e para cultura desde 2011 nos Estados Unidos da América (EUA) e no Canadá (https://www.isaaa.org/gmapprovaldatabase/event/default.asp?EventID=177).

Para perceber o atraso da União Europeia (UE) nestas tecnologias, basta referir que já este mês, o Ministério da Economia da Argentina, aprovou um novo cultivar de soja resistente a larvas de lepidópteros e tolerante ao glufosinato, com o objetivo de competir com o Brasil e os EUA pelo mercado global da soja, onde é o terceiro maior exportador.

Na UE, a aprovação exige normalmente a rotulagem dos produtos, o que os coloca em desvantagem em relação a outros que vêm de plantas modificadas por técnicas como a mutagénese, a poliploidia, a haploidia ou os cruzamentos/seleção. Estas técnicas também alteram geneticamente as plantas, mas têm a desvantagem de serem processos aleatórios e difíceis de controlar. É importante referir que, nos países da União Europeia, a aprovação destes cultivares se destina apenas ao consumo humano e/ou animal, e não à cultura. A legislação, antiquada e excessivamente restritiva, a isso obriga. Atualmente, apenas Portugal e Espanha são exceções, com o cultivo de variedades de milho OGM resistentes à broca-do-milho. Tão ou mais grave, as plantas modificadas por edição genética (vulgarmente designadas NGT – New Genomic Techniques), um con-

junto de tecnologias que permite um melhoramento mais rápido e eficaz, estão sujeitas, desde 2018, à mesma legislação que os OGM, altura em que o Tribunal de Justiça da UE assim decidiu, sem grande fundamento científico. Esta situação é caricata, pois permite que OGM produzidos em países terceiros sejam comercializados no mercado europeu, enquanto os agricultores europeus e o setor da biotecnologia verde permanecem limitados por uma legislação sem uma base científica sólida, marcada por preconceitos ideológicos e que, objetivamente, favorece movimentos pseudoambientalistas contrários ao bem-estar social, económico e ambiental das sociedades assentes em democracias liberais.

A soja é uma das plantas mais cultivadas, ocupando a 5ª posição, só atrás do trigo, arroz, milho e... cana-do-açúcar. A produção anual (dados de 2022) ronda os 388 milhões de toneladas e o sector tem um valor estimado (2023) de 200 mil milhões de dólares anuais, com um crescimento estimado de 4-6 % ao ano. Tal como o milho, é uma das espécies mais importantes para a produção de rações, dada a riqueza das sementes em lípidos e proteínas. Sendo certos o crescimento da população mundial e a expansão do mercado alimentar para consumo humano de proteínas vegetais, estes valores vão aumentar. Os principais países produtores e exportadores de soja são os EUA, o Brasil e a Argentina: o Brasil e a Argentina representam em conjunto uma quota de exportação entre 50% e 60%, e os EUA entre 35% e 40%. O facto de cerca de 90% da soja produzida nestes três países ser OGM, dá-nos ideia da importância da tecnologia. Em grande parte, o mesmo pode ser dito relativamente ao milho e, numa escala bastante menor, relativamente à colza/canola (Brassica napus), também muito utilizada em rações.

O mercado europeu de soja caracteriza-se por uma importação crescente devido a um aumento da procura para a produção de rações e às poucas alternativas existentes como fonte proteica de origem vegetal. Em 2024, a UE importou 13,1 milhões de toneladas de soja, das quais 5,9 do Brasil e 5,3 dos

Documento

“DECISÃO DE EXECUÇÃO (UE) 2025/1321 DA COMISSÃO”

EUA. Com as incertezas nos mercados globais, devido às guerras na Ucrânia e em Israel, e à volatilidade provocada pelas tarifas impostas pela administração norte-americana, é expectável que nos próximos anos a fatura da União Europeia relativa à soja e derivados aumente significativamente, em função de uma maior procura e da subida dos preços nos mercados globais. Espera-se ainda que os países da América do Sul ganhem quota de mercado na União Europeia, graças à competitividade da sua agricultura e biotecnologia e ao re-

cente acordo UE-Mercosul. No caso do milho, a situação é semelhante, apesar de a União Europeia ser um grande produtor.

A dependência externa da UE face aos seus principais concorrentes é uma forte ameaça à nossa soberania alimentar. A esta situação acrescem as alterações climáticas e, com elas, o surgimento de novas pragas e doenças. Para além disso, os agricultores europeus dispõem de cada vez menos ferramentas para lutarem contra os fatores bióticos e abióticos que ameaçam as culturas, verificando-se uma redução considerável de substâncias ativas no mercado, em grande parte devido ao desenho de políticas públicas sem grande adesão à realidade. Um estudo recente divulgado pela Crop Life Portugal (https://croplifeportugal.pt/ projetos/campanhas/estudo-de-impacto/) mostra como a redução destas substâncias ativas, pode provocar danos económicos e sociais assinaláveis na agricultura portuguesa, em particular

nas fileiras do tomate e do milho, com consequências desastrosas para as regiões do Oeste e Ribatejo. A estas perdas somam-se ainda a redução de postos de trabalho e o abandono das terras (potenciais áreas para incêndios).

Os agricultores, empresários e cientistas, em Portugal e na Europa, precisam de um enquadramento legal claro e flexível que regule o setor agrícola e a investigação biotecnológica aplicada à agricultura. Esse enquadramento deve permitir-lhes adaptar-se de forma rápida a um mundo em constante

mudança, onde a ciência e a tecnologia avançam a um ritmo que a burocracia europeia não consegue acompanhar. Não é necessário inventar soluções de raiz: basta observar a legislação de outros países e adaptá-la ao contexto europeu, salvaguardando sempre as preocupações ambientais dos cidadãos. Nada disto é novo. Já em 1972 a então primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi, afirmava que a maior forma de poluição é a pobreza. E de fome, ambiente e pobreza ela sabia muito, não pelas melhores razões.

PRODUÇÃO NACIONAL DE CEREAIS E OLEAGINOSAS

Dependência externa, políticas insuficientes e riscos estruturais

Portugal não é autossuficiente na produção de cereais e oleaginosas para satisfazer o consumo interno. As taxas médias de autoaprovisionamento são reveladoras: menos de 10% nos cereais praganosos (trigo, cevada, aveia), inferiores a 20% no milho grão e praticamente 0% nas oleaginosas.

Nos últimos anos, as estratégias anunciadas para aumentar a produção nacional de cereais resultaram em completo fracasso. Segundo dados do INE, a área semeada tem vindo a decrescer de forma constante: menos 11% no milho, menos 6% no trigo, menos 16% na cevada nos últimos cinco anos. O girassol, com uma área estável de cerca de 3.000 hectares, é praticamente irrelevante no panorama agrícola nacional. Esta redução reflete não só as baixas produtividades médias, agravadas pelas condições edafoclimáticas, mas também a concorrência de culturas alternativas mais rentáveis, como hortofrutícolas, frutos secos ou olival, sobretudo em zonas de regadio. Neste contexto, a tendência aponta para que a produção de cereais em Portugal se torne cada vez mais residual, sem que existam sinais de inversão.

UMA AGROINDÚSTRIA

COMPETITIVA, MAS TOTALMENTE DEPENDENTE

Apesar desta realidade agrícola, Portugal possui uma agroindústria robusta e competitiva. Somos autossuficientes, ou quase, em setores como moagens, massas, alimentos compostos para animais, produção pecuária (aves, ovos, suínos) e indústrias extrativas. Esta vitalidade é possível apenas graças ao comércio internacional de matérias-primas, que garante o abastecimento contínuo da indústria com produtos de qualidade e a preços competitivos, num mercado livre e aberto.

Em tempos de paz, não existem riscos imediatos de falhas de abastecimento, mesmo perante crises pontuais como a pandemia da COVID-19. No entanto, em situações de guerra ou catástrofes naturais, a vulnerabilidade do país torna-se evidente. A guerra na Ucrânia em 2022 ilustrou este risco: Portugal perdeu temporariamente uma das suas principais origens de milho, mas a resiliência das cadeias de importação e distribuição evitou ruturas de abastecimento. Contudo, não é possível garantir que, em futuras crises prolongadas, o resultado fosse o mesmo.

A História ensina que, em momentos de crise, a solidariedade europeia tende a parar nas fronteiras externas de cada

Estado-membro. Por isso, confiar exclusivamente na abertura do mercado é uma estratégia frágil e arriscada.

FALHAS DA PAC E AUSÊNCIA DE ESTÍMULO À PRODUÇÃO

A Política Agrícola Comum (PAC) não tem conseguido inverter esta tendência de declínio. Em Portugal, os apoios diretos são insuficientes para tornar competitiva a produção de cereais, sobretudo quando comparada com países como França ou os da Europa de Leste. Além disso, as condicionalidades ambientais crescentes (eco regimes, rotação obrigatória de culturas, restrições no uso de fertilizantes e fitofármacos) dificultam ainda mais a rentabilidade das culturas extensivas.

Este enquadramento gera um ciclo vicioso: a produção nacional diminui, a dependência externa aumenta e a viabilidade do setor agrícola fica comprometida.

OLEAGINOSAS E POLÍTICA ENERGÉTICA: UM ENTRAVE ADICIONAL

No caso das oleaginosas, a situação é ainda mais grave: o défice é de 100%. Portugal praticamente não produz soja, colza ou girassol em escala relevante. Esta fragilidade está ligada também às políticas energéticas.

As diretivas europeias mais recentes em matéria de renováveis (RED II e RED III) limitaram o uso de determinadas oleaginosas na produção de biocom-

bustíveis e redirecionaram os incentivos para eletrificação e hidrogénio verde. O resultado foi a perda de estímulos para que agricultores nacionais investissem em culturas como colza ou girassol, que poderiam contribuir tanto para diversificação agrícola como para maior resiliência energética.

Além disso, Portugal adotou uma estratégia que privilegia fortemente a produção de biocombustíveis a partir de matérias-primas avançadas (resíduos e subprodutos), isentos de ISP, enquanto impõe limites muito restritivos à utilização de óleos vegetais virgens. Estes limites estão significativamente abaixo dos máximos permitidos noutros Estados-Membros, criando uma desvantagem competitiva para a produção nacional de oleaginosas e afastando qualquer possibilidade de estas culturas desempenharem um papel relevante na fileira energética.

PAINÉIS SOLARES VERSUS SOLOS AGRÍCOLAS

Paralelamente, Portugal tem promovido de forma intensiva a instalação de centrais fotovoltaicas, muitas vezes em terrenos agrícolas férteis. Esta competição pelo uso do solo fragiliza ainda mais a produção agrícola, sobretudo no Alentejo, onde extensas áreas agrícolas têm vindo a ser convertidas em campos solares. Embora a transição energética seja um objetivo incontornável, fazê-la à custa da soberania alimentar compromete a resiliência do país.

A QUESTÃO DOS STOCKS ESTRATÉGICOS

Face à impossibilidade de aumentar significativamente a produção nacional, a única alternativa seria a constituição de reservas estratégicas de cereais e oleaginosas. Contudo, apesar de esta necessidade ser consensual há mais de 40 anos, pouco ou nada avançou na sua concretização. A explicação é dupla: por um lado, seria necessário investir em novos terminais e armazéns portuários, com custos de muitos milhões de euros; por outro, a manutenção e rotação desses stocks levanta problemas de transparência e funcionamento de mercado.

O único terminal nacional que permite a descarga de grandes navios e com capacidade relevante, o da Trafaria, conta com 200.000 toneladas de capacidade, mas destina-se mais à operação logística imediata do que ao armazenamento de longo prazo.

Sem uma política clara de stocks, Portugal mantém-se exposto a choques ex-

ternos, sem amortecedores internos que possam garantir segurança alimentar em cenários adversos.

CONCLUSÃO

Portugal enfrenta uma dependência estrutural de cereais e oleaginosas, com autoaprovisionamento residual e sem perspetiva de reversão. A competitividade da agroindústria assenta quase totalmente em importações, agravadas pela ausência de reservas estratégicas e pela pressão do uso do solo para energia.

Sem uma política integrada que articule agricultura, energia e segurança alimentar, o país permanecerá vulnerável a choques externos, colocando em risco a estabilidade da pecuária e da agroindústria nacional.

A ACICO e os seus associados, através de todos os fóruns em que participam, estarão sempre disponíveis para contribuir para aquela que é a sua principal missão: a segurança do abastecimento em quantidade, qualidade e de forma competitiva da agroindústria e pecuária nacionais.

Agrotejo reforçou aposta na formação profissional agrícola em 2025

Em 2025, a Agrotejo continua a apostar fortemente na formação profissional agrícola, promovendo diversos cursos e ações práticas destinados a melhorar as competências dos profissionais do setor. Entre as formações de maior destaque estão os cursos de Operadores de Máquinas Agrícolas e de

Aplicação de Produtos Fitofarmacêuticos, que visam garantir o uso seguro e eficiente das tecnologias agrícolas e cumprir as boas práticas ambientais e de segurança no trabalho. Estas ações formativas refletem o compromisso da Agrotejo com a valorização do conhecimento, a modernização das explorações agrícolas e a sustentabilidade do setor. Com esta iniciativa, a Agrotejo reforça o seu papel como agente dinamizador da qualificação profissional e da inovação na agricultura portuguesa.

Comissão

Europeia propõe medidas de

apoio à renovação geracional na agricultura

A Comissão Europeia (CE) apresentou a “Estratégia de Renovação Geracional na Agricultura”, que define um roteiro para os apoios a jovens agricultores e para atrair mais pessoas para a agricultura. A estratégia visa duplicar a percentagem de jovens agricultores na UE até 2040, com o objetivo de alcançar a meta de 24%, incluindo novos agricultores. O documento recomenda, por exemplo, que os Estados-membros, especialmente os que registam maiores atrasos, invistam pelo menos 6% das suas despesas agrícolas em medidas que promovam a renovação geracional, com a opção de mobilizarem recursos adicionais. A CE propõe um “pacote de arranque” para os jovens agricultores obrigatório na próxima PAC que pode incluir um montante fixo máximo de 300 mil euros para a instalação; o desenvolvimento de um Observatório Europeu das Terras Agrícolas para melhorar a transparência fundiária e, entre outras medidas, promover o Erasmus para Jovens Empreendedores.

Arrábida reconhecida como

Reserva da Biosfera: reforço do património natural português

A Arrábida foi oficialmente reconhecida como Reserva da Biosfera pela UNESCO, juntando-se a um conjunto restrito de áreas portuguesas distinguidas pela sua riqueza ecológica, cultural e paisagística. Este reconhecimento reforça o compromisso de Portugal com a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável. Entre as Reservas da Biosfera já existentes no país destaca-se o Paul do Boquilobo, o primeiro local português a receber esta distinção, em 1981. A nova classificação da Arrábida vem assim ampliar a rede nacional de áreas protegidas de valor mundial, valorizando o equilíbrio entre preservação ambiental e atividade humana sustentável.

Agrotejo e Agromais marcam presença nas grandes feiras agrícolas nacionais de 2025

A Agrotejo e a Agromais estiveram presentes na Feira Nacional de Agricultura e na Agroglobal 2025, dois dos maiores eventos do setor agrícola em Portugal.

A participação destas duas organizações reforça o seu compromisso com a inovação, sustentabilidade e valorização da agricultura nacional. Estas feiras representam momentos privilegiados de partilha de conhecimento, promoção de boas práticas agrícolas e fortalecimento da ligação entre produtores, técnicos e parceiros do setor. A presença conjunta da Agrotejo e da Agromais reforça o papel de ambas como referências na modernização e competitividade da agricultura portuguesa.

Agrotejo e Agromais homenagearam

Alfredo Orvalho pelo contributo excecional à agricultura e á região

Em 2025, a Agrotejo e a Agromais prestaram uma sentida homenagem a Alfredo Orvalho, reconhecendo o seu notável percurso profissional e dedicação ao desenvolvimento das organizações e agricultura da região. A cerimónia, marcada por momentos de grande emoção, destacou o papel determinante de Alfredo Orvalho na afirmação e crescimento das duas organizações e no fortalecimento do setor agrícola regional e nacional. Com esta homenagem, a Agrotejo e a Agromais quiseram agradecer o legado de competência, liderança e compromisso deixado por Alfredo Orvalho, exemplo de visão e dedicação ao mundo rural. O tributo simboliza o reconhecimento de uma vida ao serviço da região e das pessoas que dela fazem parte.

Governo isenta alguns beneficiários do PEPAC da obrigação de ter situação tributária regularizada

O Governo determinou que determinados beneficiários dos apoios previstos no Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) ficam dispensados da obrigação de ter a sua situação tributária regularizada, de acordo com uma portaria publicada no Diário da República. A nova portaria abrange, entre outros, os beneficiários dos regimes específicos de apoio às tipologias de produção integrada –culturas agrícolas e agricultura biológica, no âmbito da intervenção Compromissos Agroambientais e Clima. Inclui ainda os beneficiários dos apoios às zonas com condicionantes naturais e ao pagamento Rede Natura, inseridos na intervenção Manutenção da Atividade Agrícola em Zonas com Condicionantes Naturais.

Agromais aposta em ensaios técnicos de campo

A Agromais – Entreposto Comercial Agrícola realizou em 2025 um ensaio técnico de campo dedicado à cultura do milho, centrado na avaliação de variedades, métodos de cultivo e sistemas de fertilização. Esta iniciativa, que já se tornou uma referência na região, reforça o compromisso da Agromais com a inovação, o conhecimento e o apoio técnico aos agricultores. O ensaio permite testar, em condições reais de campo, diferentes variedades de milho híbrido, bem como novas práticas agronómicas e soluções de fertilização, com o objetivo de melhorar a produtividade, a eficiência no uso dos recursos e a sustentabilidade ambiental das explorações agrícolas. Além da vertente experimental, estes ensaios têm uma forte componente de divulgação e formação, funcionando como plataforma de demonstração

e partilha de conhecimento entre técnicos, produtores, parceiros e empresas do setor. Durante as jornadas de campo organizadas pela Agromais, os participantes têm oportunidade de observar os resultados, trocar experiências e discutir estratégias de melhoria das práticas agrícolas. Através destas iniciativas, a Agromais reafirma

o seu papel como elo entre a inovação tecnológica e o agricultor, promovendo uma agricultura mais competitiva, informada e sustentável. Com o sucesso deste ensaio, a Agromais reforça o seu compromisso em continuar a investir em investigação aplicada e em projetos de demonstração, colocando a ciência e a tecnologia ao serviço do campo.

“ OS DOCUMENTOS ESTRATÉGICOS REFLETEM CADA VEZ MAIS O POSICIONAMENTO DE QUE A SEGURANÇA ALIMENTAR TEM DE SER UMA PRIORIDADE PARA A SEGURANÇA E DEFESA DA NATO.

PORTUGAL SEM RESERVAS ALIMENTARES ESTRATÉGICAS

“A agricultura e a alimentação são cada vez mais segurança e defesa”

Jaime Piçarra, secretário-geral da IACA e perito português junto da NATO para a segurança alimentar, defende que Portugal precisa de encarar as reservas alimentares como um pilar da sua soberania. Num contexto de instabilidade global, em que os alimentos são usados como arma política, alerta para a vulnerabilidade do país face à dependência externa e à ausência de uma estratégia nacional de armazenamento. “Temos de assumir que a agricultura e a alimentação são cada vez mais segurança e defesa”, sublinha.

Foi indicado em 2024 como perito português junto da NATO para a segurança alimentar. Quais as suas funções?

Fui nomeado em 2024 para perito da NATO em representação de Portugal nas questões ligadas à segurança alimentar, na sequência de uma candidatura, por proposta do GPP. Estou inserido no FAPG (Grupo de Planeamento de Agricultura e Alimentação), que é parte integrante do Comité de Resiliência, o órgão consultivo sénior da NATO para a resiliência e preparação civil. Cada país membro precisa de ser resiliente contra ameaças militares e não militares e desafios à segurança da Aliança, tais como catástrofes naturais, perturbação de infraestruturas críticas ou ataques híbridos ou armados. O Comité contribui igualmente para o desenvolvimento das relações com os parceiros e outras organizações e instituições internacionais pertinentes, como é o caso da União Europeia. Na prática, as minhas funções são as de acompanhar as reuniões para as quais sou solicitado, dar sugestões e pareceres, e assegurar a ligação com as autoridades nacionais na área do planeamento e estratégias, num dossier que é cada vez mais relevante. Em termos práticos, existe uma particular articulação com o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência (CNEPCE), no quadro da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). No âmbito do FAPG, o nosso trabalho é fundamentalmente de auscultação e de reflexão, cabendo ao poder político, ao Governo, as decisões finais. Tem sido um

trabalho muito interessante e desafiante e tem permitido fazer a ponte com a discussão de outros temas em Bruxelas, com impacto nas questões relativas à segurança alimentar, desde logo a reforma da PAC pós-27, o PEPAC, acordos comerciais, as relações com a Ucrânia, a Visão sobre a Agricultura e Alimentação, o orçamento plurianual da União Europeia para o período 2028-2034, ou mais recentemente o dossier “stockpilling”, ou seja, os stocks estratégicos ou de emergência, cuja discussão está em curso, tendo em vista a elaboração de um Plano de Ação para toda a União Europeia. O aspeto mais relevante é que a NATO reforça cada vez mais a sua componente civil e de peritos não militares na sua organização, o que é muito positivo, envolvendo muitas valências além da área da defesa. Temos de assumir que a agricultura e a alimentação são cada vez mais segurança e defesa. Essa tem sido a abordagem que tenho defendido.

Como se tem posicionado a NATO no que respeita à segurança alimentar? E em particular a Europa? Com a pandemia percebemos que não podíamos dar tudo como adquirido, sobretudo os alimentos ou a estabilidade – política, social e económico-financeira – com os temas da soberania e segurança alimentar a ganharem espaço na agenda politico-mediática, tal como os agricultores e o agroalimentar. Só me recordo desta importância nos tempos da Troika, ou seja, em momentos de crise, olha-se para

Sara Pelicano JORNALISTA
Fotos VOZ DO CAMPO
A NATO RECOMENDA STOCKS PARA 90 DIAS, DESIGNADAMENTE PARA OS CEREAIS.

o setor. O “não paramos” foi muito mais que um slogan; a resiliência, que muitos viram pela primeira vez (opinião pública e publicada), já nós a conhecíamos e o poder político exultou o papel do nosso setor, mas passados estes anos, talvez sejamos ainda devedores desse reconhecimento pelos políticos e pela Sociedade. A invasão da Ucrânia pela Rússia voltou a trazer para o centro da decisão política o tema da segurança alimentar, sendo bem evidente, quer nesse conflito, quer em muitos outros que os alimentos são tratados como arma de arremesso. A NATO tem tido estas questões em linha de conta. No entanto, não é a NATO que define as políticas, são os Aliados, e temos posições não coincidentes (muitas vezes divergentes), de acordo com as prioridades de cada país, os seus orçamentos e o grau de ameaça. No entanto, os documentos estratégicos refletem cada vez mais o posicionamento de que a segurança alimentar tem de ser uma prioridade para a segurança e defesa da NATO. Quanto à Europa, pese embora o discurso político, nomeadamente o mais recente da presidente Von der Leyen no Estado da União, sobre a agricultura e a alimentação, a promoção dos produtos europeus ou a vitalidade das zonas rurais, temos políticas, não raras vezes, contraditórias e incoerentes, que nos levam a questionar se é mesmo assim.

O principal objetivo de segurança alimentar deve ser o aumento da produção de alimentos para que todos lhe possam ter acesso, estejam em que zona do globo estiverem?

Sim. Nesta perspetiva, é possível (e desejável) um equilíbrio entre a proteção ambiental e a produção agrícola, pelo que a Estratégia “Do Prado ao Prato” deve ser revista perante novas ameaças e desafios colocados, desde logo, por novos alinhamentos no panorama mundial, designadamente as relações entre os EUA e a União Europeia, os interesses norte-americanos no indo-pacífico, o ressurgir dos BRICS e as relações com a Índia e a China. A Europa, e bem, promove acordos comerciais com outras geografias para diversificar os seus mercados, ser mais independente dos EUA e porque aposta no multilateralismo. No entanto, não pode exigir aos seus agricultores, às suas empresas, regras rígidas ao nível do ambiente, bem-estar animal, segurança dos alimentos (food & feed safety) e sustentabilidade, ou negar a utilização de novas tecnologias, quando depois nos acordos comerciais não é capaz de assegurar as mesmas práticas e padrões de exigência. Não é justo, nem legítimo. Tudo isto retira competitividade às empresas e coloca seriamente em causa a segurança alimentar da União Europeia.

Há exemplos internacionais que Portugal poderia seguir ou adaptar à sua realidade? Na discussão que estamos a ter em Bruxelas sobre a armazenagem, tendo em vista delinear um Plano de Ação comum para a União Europeia, têm sido apresentados diferentes modelos, nomeadamente os que vigoram na Finlândia, Alemanha e Suíça. Variam no número de produtos abrangidos e no tipo de contratos, se são exclusivamente públicos, privados ou mistos. Por exemplo, na Finlândia e na Alemanha estão escolhidas as empresas e infraestruturas críticas, com reservas para seis a nome meses, na sequência da guerra da Ucrânia. Na Suíça, os stocks são propriedade das empresas e as reservas representam entre dois e quatro meses de consumo. Refira-se que a NATO recomenda stocks para 90 dias, designadamente para os cereais, que é uma clara fragilidade e uma vulnerabilidade para o nosso país. Talvez o sistema que melhor se adaptaria a Portugal fosse um sistema de parceria público-privada. O financiamento é muito importante, bem como os produtos abrangidos, desde logo, em minha opinião, os cereais, fertilizantes e medicamentos veterinários. Há que fazer escolhas. Temos de olhar para o tema, não como uma estratégia meramente nacional, mas no quadro mais vasto da União Europeia. Penso que no final do ano teremos o Plano de Ação, a proposta de Bruxelas, para discutir com as

PORTUGAL NÃO TEM RESERVAS ESTRATÉGICAS, O QUE EXISTEM

SÃO STOCKS

PRIVADOS, QUE NA

MAIOR PARTE DOS CASOS, GARANTEM UM PERÍODO

MUITO CURTO DE APROVISIONAMENTO.

autoridades nacionais e as principais organizações representativas dos setores agrícolas e agroalimentar. Um outro aspeto importante é que as reservas alimentares não podem contribuir para especulações nem para perturbações do mercado, pelo que o mecanismo do ponto de vista jurídico é da maior importância. Mas temos de defender os nossos interesses como é óbvio.

É igualmente secretário-geral da IACA, entidade que acompanha de perto o setor da alimentação animal e a sua ligação à segurança alimentar do país. Como avalia o estado atual das reservas estratégicas de alimentos em Portugal?

Portugal não tem reservas estratégicas, o que existem são stocks privados, que na maior parte dos casos, garantem um período muito curto de aprovisionamento (cinco dias), se excetuarmos as Regiões Autónomas e designadamente os Açores. Imediatamente a seguir à invasão da Ucrânia pela Rússia e sendo aquele país um dos nossos principais fornecedores de milho, Portugal soube que tínhamos stocks

globais de cereais para 10 a 15 dias. Tivemos de alterar as origens das importações para a América do Sul e do Norte, África do Sul e ainda negociar com a Comissão Europeia algumas derrogações relativamente a alguns pesticidas. Vivemos um sufoco, mas foi possível assegurar uma excelente articulação entre os fornecedores, a indústria e a pecuária, em cooperação com a Administração Pública e o Ministério da Agricultura (GPP, DGAV). Foi possível contornar e mitigar os problemas, sem ruturas de abastecimento. Mas essas ruturas têm estado eminentes, também pela instabilidade laboral que afetou a SILOPOR (hoje SILOTAGUS), os estivadores ou problemas de descarga de navios, para não falar de sobreestadias que geram custos, alguns deles que resultam de problemas estruturais que se têm arrastado ao longo dos anos.

Porque razão Portugal continua sem uma estratégia nacional de reservas alimentares, apesar da elevada dependência externa e dos riscos acrescidos de crises globais? Como referi anteriormente, a não existência de

uma estratégia nacional tem a ver, em minha opinião, com opções políticas, alguma ausência de sensibilidade porque a situação nunca se colocou, e, sobretudo, restrições orçamentais. É tempo de iniciar a discussão e aproveitando o debate em Bruxelas que tem juntado os Estados-membros, Comissão Europeia e os Stakeholders, que cada vez se devem envolver mais neste dossier. Por outro lado, as recentes decisões dos aliados, no âmbito da NATO, de investirem 5 % do PIB em defesa até 2035, incluindo 1,5% para infraestruturas, permite considerar que parte destes recursos deveriam ser alocados em meios de reforço da segurança alimentar. Não é admissível que continuemos a depender da importação de cereais em 80%. Estamos mais vulneráveis e mais expostos aos conflitos, à volatilidade dos preços. Temos uma estratégia de promoção dos cereais que se saúda, é importante que funcione, mas temos a noção de que nunca seremos autossuficientes. Uma coisa é certa: a situação atual de redução das áreas de cereais e consequentemente de produções (o milho é essencial) tem de ser rapidamente invertida.

Portugal está preparado para responder a uma eventual disrupção nas cadeias de abastecimento internacionais?

Nem está Portugal, nem nenhum país da União Europeia, porque existem diferentes vulnerabilidades. Aqui é importante referir que a nossa segurança alimentar passa por uma articulação com os outros Estados-membros. Ou seja, deve ser encarada numa perspetiva europeia e não apenas nacional. Recorde-se aqui a relevância da Europa, por exemplo, na criação de corredores verdes durante a pandemia, que permitiram que as cadeias logísticas funcionassem, e na criação das Vias de Solidariedade, durante a guerra na Ucrânia. Rompido o acordo do Mar Negro, são as Vias de Solidariedade que têm permitido o abastecimento de cereais e outras matérias-primas a Portugal, Espanha e outros países da União Europeia, e no mercado mundial. A cooperação entre países, cada vez mais ameaçada pelo populismo, é fundamental.

As reservas estratégicas são frequentemente associadas a combustíveis ou me-

“ TEMOS POTENCIAL EM MUITAS ÁREAS DA PECUÁRIA E NOUTROS SETORES – PARA REDUZIR A DEPENDÊNCIA EXTERNA.
A AGRICULTURA, A ALIMENTAÇÃO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS RELATIVAS
A ESTA ÁREA VITAL

DA SOCIEDADE

DEVERIAM SER OBJETO DE UM PACTO DE REGIME.

dicamentos. Na sua opinião, os alimentos – e em particular as matérias-primas para alimentação animal – estão a ser devidamente considerados como ativos estratégicos?

Há muito tempo que defendemos as reservas estratégicas, desde o tempo em que existiam os stocks de intervenção dos cereais. Se as reservas de combustíveis ou medicamentos faziam sentido, como é evidente, nunca percebemos porque não havia a possibilidade de uma abordagem semelhante com os cereais, de que somos fortemente dependentes. Mas eram tempos de abundância, de produções altistas, stocks elevados na Europa, que foram sendo progressivamente abandonados devido aos custos financeiros e a uma crescente abertura dos mercados. Tempos em que as organizações internacionais eram (ainda) respeitadas e longe de se imaginar uma guerra na Europa e conflitos um pouco por todo o mundo. Hoje, com o milho a ser um bom exemplo – tal como os aditivos, os fertilizantes e a estratégia em torno das fontes de proteína – pensamos que é tempo destes produtos, serem considerados como ativos estratégicos.

Como pode Portugal garantir a sua soberania alimentar se continua sem reservas estratégicas públicas, dependente das importações e sem uma entidade única responsável pela gestão das suas reservas alimentares?

Até hoje essa soberania não foi posta em causa, pelo que temos de ter uma estratégia de aumentar as produções – temos potencial em

muitas áreas da pecuária e noutros setores –para reduzir a dependência externa. O essencial, e isso tem sido assegurado, é a boa articulação entre todos os intervenientes ao longo da cadeia alimentar e, quer na pandemia, quer no início da guerra na Ucrânia, a criação da Comissão de Acompanhamento da Cadeia Agroalimentar foi um bom exemplo do que pode ser feito. Mas é evidente que perante as novas ameaças, as reservas alimentares são um tema central e que devemos levar a sério. Não podemos adiar esta discussão e, sobretudo, a sua implementação.

Em termos de soberania alimentar, qual é a vulnerabilidade maior de Portugal: a dependência externa ou a falta de organização interna?

Penso que ambas, até porque a dependência externa deveria obrigar-nos a uma maior organização interna. Temos muita burocracia, elevados custos de contexto, muitas entidades no processo de decisão e temos de ouvir mais as organizações representativas nos processos de decisão. Aliás, a agricultura, a alimentação e as políticas públicas relativas a esta área vital da sociedade deveriam ser objeto de um pacto de regime.

Que entidade deveria ser responsável pela gestão das reservas alimentares em Portugal e como garantir transparência e coordenação interministerial?

Neste momento creio que essa função poderia caber ao CNEPCE com os Ministérios da Agricultura e da Economia a terem de liderar este dossier, sem esquecer a Defesa e a Administração Interna. O CNEPCE tem nove conselhos na sua estrutura de coordenação, e o que nos diz mais diretamente respeito e que urge reforçar é o Conselho de Planeamento de Emergência e Alimentação. Tem havido discussões e debates bastante interessantes, como o que tivemos há alguns meses sobre a resiliência das cadeias de abastecimento, face à complexidade da logística e a evolução geopolítica a nível global. Já agora aproveito esta oportunidade para apelar a todas as organizações profissionais e setoriais, como por exemplo, a ANPROMIS, CONFAGRI, CAP, FIPA, CNA…que se envolvam neste Conselho para fazer valer os diferentes pontos de vista e gerar consensos ao nível da definição de políticas públicas.

Quais seriam os custos e benefícios para Portugal de criar uma reserva estratégi-

ca alimentar, à semelhança do que existe para os combustíveis?

Os custos podem ser elevados, terão de ser quantificados em função das opções, mas as vantagens são evidentes: maior estabilidade, previsibilidade, menos volatilidade e riscos, menor exposição às ameaças internacionais e à instabilidade geopolítica.

As infraestruturas existentes em Portugal para armazenar reservas alimentares em Portugal são suficientes e estão distribuídas pelo território? Quais as insuficiências das existentes?

Portugal está a fazer esse levantamento, em resposta a solicitações da NATO, nomeadamente no que toca à questão das infraestruturas críticas. Por outro lado, as empresas estão a investir em aumentos na capacidade de armazenagem porque os riscos e a volatilidade aumentam face às ameaças e incerteza. Depende de que tipo de reservas alimentares estamos a falar e, face aos custos, temos de definir prioridades. Esta é uma boa questão para que o Conselho de que falei há pouco se possa pronunciar. No entanto, a resposta deve ser dada no quadro da União Europeia e não é por acaso que temos hoje na Comissão Europeia o EFSCM (The European Food Security Crisis preparedness and response Mechanism), um mecanismo de preparação e resposta às crises e uma Comissária, Hadja Lahbib, que é responsável pela preparação e gestão de crises.

De que forma a indústria de alimentos compostos para animais pode contribuir para um sistema nacional de reservas mais resiliente?

A alimentação dos animais é o custo mais importante nas explorações pecuárias e as indústrias alimentares mais relevantes (45% do volume de negócios) são as carnes, leite e

alimentação animal. Somos, de facto, um setor com um impacto muito direto quer na segurança dos alimentos de origem animal (feed safety), quer na disponibilidade de alimentos para o mercado. Por outro lado, da competitividade das matérias-primas e ingredientes, depende a capacidade competitiva e sustentabilidade da pecuária, pelo que somos parte integrante da cadeia alimentar. Se tivermos reservas, nomeadamente de matérias-primas e alguns aditivos críticos, seremos mais resilientes. Também temos de olhar para o funcionamento das operações portuárias e para a SILOTAGUS (ex-SILOPOR). O modelo de concessão previsto pelo Governo tem de assegurar a prestação do serviço público de armazenagem e descarga e os custos da operação, a preços competitivos.

Os produtores e associações estão disponíveis para assumir responsabilidades e custos na gestão partilhada destas reservas?

Os produtores e as suas associações já há muito que interiorizaram esta necessidade de uma gestão partilhada, pelo menos as principais estruturas representativas. Estamos prontos e disponíveis para começar a definir uma estratégia para Portugal. Penso que as outras organizações comungam desta posição, em particular do lado da indústria agroalimentar.

Se tivesse de eleger uma prioridade imediata, qual seria?

Seria exatamente esta, lançar esta discussão, não só tendo presente as conclusões da recente Cimeira da Nato em Haia, como as propostas de revisão da PAC pós-27, à luz da Visão sobre Agricultura e Alimentação. Afirmar que a segurança alimentar é, de facto, uma prioridade para Portugal. Sem margem para dúvidas!

“ A NOSSA SEGURANÇA

ALIMENTAR DEVE SER ENCARADA NUMA PERSPETIVA EUROPEIA E NÃO APENAS NACIONAL.

“ APELO A TODAS AS ORGANIZAÇÕES PROFISSIONAIS E SETORIAIS PARA INTEGRAREM O CONSELHO DE PLANEAMENTO DE EMERGÊNCIA E ALIMENTAÇÃO.

Produtores de cereais pedem medidas urgentes para travar crise no setor

As associações que representam os produtores nacionais de cereais — ANPROMIS, ANPOC e AOP — alertam para uma “situação de emergência” no setor, motivada pela queda abrupta dos preços à produção e pelo aumento dos custos. Os dirigentes exigem medidas urgentes do Governo e da União Europeia, sob pena de o país assistir ao abandono de centenas de explorações e ao colapso de um setor estratégico para a soberania alimentar nacional.

A produção de cereais em Portugal vive um dos momentos mais críticos das últimas décadas. O comunicado conjunto da ANPROMIS (milho), ANPOC (cereais praganosos) e AOP (arroz), emitido em outubro, denuncia uma quebra drástica da rentabilidade das explorações agrícolas, provocada pela conjugação de dois fatores: a entrada massiva de cereais importados de paí-

ses terceiros e o aumento generalizado dos custos de produção. Nos últimos seis anos, os custos médios aumentaram cerca de 55%, enquanto o preço dos cereais valorizou apenas 20%. Esta diferença está a deixar os agricultores sem margem de manobra. “As contas não fecham e trabalhar no vermelho deixou de ser sustentável”, sublinham as associações, alertando

para a possibilidade de muitos produtores optarem por não semear na próxima campanha.

UM MERCADO “SEM IGUALDADE DE CONDIÇÕES”

Para Carlos Amaral, presidente da AOP, o problema é estrutural e está enraizado nas próprias regras do comércio inter-

nacional. “Temos muitas regras para cumprir na Europa, às quais não nos opomos porque são garante de uma produção de grande qualidade. Mas não podemos permitir que, devido a diferentes acordos comerciais, os cereais, nomeadamente o arroz, seja uma moeda de troca e seja permitida a importação de outros países onde a produção não está sujeita às mesmas exigências sanitárias e ambientais que os produtores europeus””, lamenta.

O dirigente considera “incompreensível” que a União Europeia continue a permitir acordos comerciais que prejudicam os produtores europeus.

UMA “ASFIXIA” ECONÓMICA

NO CAMPO

Para Jorge Neves, presidente da ANPROMIS, a conjugação entre o aumento dos custos e a quebra dos preços está a provocar uma “asfixia” financeira nas explorações. “a diferença de 35% entre o preço do custo de produção e a valor pago aos produtores está a tornar inviável a produção de milho e outros cereais”, explica.

O dirigente lembra que as decisões políticas da União Europeia, nomeadamente a isenção de direitos aduaneiros para o cereal ucraniano, estão a ter consequências diretas: “A Europa tem todo o mérito em apoiar a Ucrânia, mas quem está a pagar esse apoio são os agricultores europeus. As importações maciças fazem cair os preços e penalizam quem produz dentro das regras.”

Jorge Neves defende que Portugal precisa decidir “qual o nível de autonomia estratégica que quer manter em cereais” e apela à coerência política: “Se o Governo reconhece a importância da sobera-

NOS ÚLTIMOS SEIS ANOS, OS CUSTOS MÉDIOS AUMENTARAM CERCA DE 55%, ENQUANTO O PREÇO DOS CEREAIS VALORIZOU APENAS 20%.

nia alimentar, então tem de criar mecanismos de apoio que travem o abandono da produção.”

FALTA DE EXECUÇÃO

DA ESTRATÉGIA +CEREAIS

O comunicado conjunto reclama a implementação imediata da Estratégia +Cereais, que inclui 17 medidas destinadas a reforçar a competitividade do setor. Entre as propostas estão o reforço do orçamento da PAC, a atualização dos preços de intervenção, apoios excecionais e o controlo rigoroso das importações nos portos.

Mas, segundo José Palha, presidente da ANPOC, a execução dessas medidas tem ficado aquém do prometido. “O ministro da Agricultura mostrou empenho e garantiu que seria publicada uma resolução do Conselho de Ministros para dar força política à Estratégia +Cereais, mas até agora nada aconteceu”, lamenta. O dirigente recorda que a última campanha foi “muito difícil”,

especialmente no Baixo Alentejo, onde muitos produtores nem sequer atingiram as produtividades mínimas para aceder às ajudas ligadas. “Temos produções com quebras importantes e preços muito baixos. É uma situação dramática e há agricultores a ponderar abandonar estas culturas”, alerta. José Palha insiste na urgência de agir e relembra que existem em Portugal “95 mil explorações que produzem cereais”, uma cultura com forte impacto na economia e na coesão territorial, evitando o abandono rural. “Se não houver medidas rápidas, o país vai perder um setor vital para a sua segurança alimentar”, sublinha.

As três associações apelam a uma resposta imediata do Governo e da União Europeia. “Sem uma intervenção rápida e determinada, arriscamo-nos a assistir ao colapso de um setor vital para o equilíbrio do território e para a segurança alimentar das próximas gerações”, conclui o comunicado.

Os desafios fitossanitários do milho

A redução das substâncias ativas disponíveis, o avanço de infestantes tóxicas e as exigências da política europeia de redução de pesticidas estão a colocar a cultura do milho sob crescente pressão. Especialistas alertam para a necessidade de conjugar ciência, técnica e práticas culturais no controlo de pragas e doenças.

A cultura do milho em Portugal atravessa um momento de transformação forçada. Por um lado, a pressão regulatória europeia reduz drasticamente o número de substâncias ativas autorizadas; por outro, aumentam as ameaças fitossanitárias e as exigências ambientais. Entre as principais preocupações está a disseminação da figueira-do-inferno (Datura stramonium), uma infestante tóxica “difundida praticamente em todo o território”, alerta Paula Cruz Garcia, subdiretora-geral de Alimentação e Veterinária. A presença desta planta representa riscos sérios tanto para o homem como para os animais, contaminando o milho e a silagem com sementes tóxicas. Quando os níveis de contaminação ultrapassam os limites legais, o produto torna-se impróprio para alimentação. A responsável sublinha a importância de práticas integradas de controlo, combinando métodos químicos e culturais, e recomenda vigilância regular dos campos para evitar que a planta produza sementes viáveis, que têm capacidade

de sobreviver por longos períodos. Mas os desafios não se resumem às infestantes. Um dos grandes desafios do setor agrícola é a redução de substâncias ativas que permitem combater muitas pragas e doenças. João Rodrigues, diretor-geral da Agromais Plus, reconhece a importância destas medidas na preservação da biodiversidade, mas defende que a UE deve também tomar medidas relativamente às leis de mercado, recordando que continuam a existir trocas comerciais com países onde estas regras não existem. “Do ponto de vista competitivo, esta situação é desequilibrada, uma vez que os agricultores comunitários têm cada vez menos substâncias ativas no seu poder para produzirem, mas competem com agricultores de África, Ásia ou América que utilizam todas as substâncias ativas que já não estão ao dispor na Europa. Nestes continentes, há países que produzem produtos com alterações genómicas, que permitem produzir mais por unidade de área e maior resistência a pragas e doenças. As

barreiras alfandegárias não atuam ou atuam deficientemente permitindo esta importação”.

Os agricultores europeus têm de encontrar soluções que passam essencialmente por técnicas agrícolas. Em Portugal, os agricultores têm vindo a apostar em culturas de cobertura entre campanhas. “As culturas de cobertura são sempre benéficas para o solo”, explica Mário Rui Mendes, técnico agrícola da Agromais, sublinhando,que a sua utilização deve ser ponderada caso a caso. “A cada ano deve ser avaliada a sua utilização de acordo com os ciclos da cultura principal porque a instabilidade do tempo, por vezes, exige sementeiras mais precoces ou mais tardias e isso tem impacto se tivermos uma cultura intercalar”. Mário Rui Mendes recorda que a agricultura regenerativa que muitos agricultores já estão a implementar tem um papel fundamental para fazer face aos desafios fitossanitários e também económicos das explorações agrícolas.

AGRICULTURA REGENERATIVA

Uma grande oportunidade para o Vale do Tejo. Da revolução verde à perda de soberania

A agricultura europeia foi um dos grandes sucessos do pós-guerra. Conseguiu tirar a Europa da fome, fez a chamada revolução verde e transformou o continente num dos maiores produtores e exportadores mundiais de alimentos. Mas, com o passar dos anos, temos assistido a um declínio dessa soberania alimentar.

A Europa continua a ser exportadora líquida de bens de valor acrescentado, mas é cada vez mais dependente de importações de matérias-primas essenciais.

Hoje, dependemos fortemente do gás natural e de outras fontes de energia fóssil para produzir fertilizantes e fitofármacos, assim como para assegurar a energia necessária à agroindústria e aos transportes. Esta dependência de países pouco fiáveis, onde os preços são frequentemente definidos por razões políticas e não por dinâmicas de mercado, torna-nos reféns numa matéria absolutamente decisiva para a nossa soberania alimentar e energética.

A Europa é também cada vez menos capaz de atrair as grandes multinacionais ligadas à investigação e produção de novas moléculas. A instabilidade regulatória e a falta de garantias de retorno afastaram o investimento e deixaram os agricultores europeus com um leque de ferramentas químicas, biológicas e genéticas muito limitado face aos seus concorrentes. Pior: continuamos a importar produtos agrícolas provenientes de países onde essas matérias proibidas continuam a ser utilizadas, agravando uma desigualdade que se reflete na rentabilidade e competitividade do setor.

Ao mesmo tempo, a agricultura deixou de ser atrativa para as novas gerações. As escolas e universidades agrícolas estão vazias, como temos vindo a observar na entrada de novos alunos nos últimos anos, e a relação dos agricultores com a PAC deteriorou-se depois de anos de desarticulação entre os produtores e a máquina administrativa de Bruxelas. Tentou-se uniformizar leis e procedimentos num território vastíssimo, ignorando diferenças essenciais entre regiões.

A política “Do Prado ao Prato” é o exemplo mais claro: uma proposta ideológica que impôs por decreto que 25% da área agrícola da União Europeia fosse biológica, sem atender à diversidade de modelos produtivos. O resultado foi a perda de rentabilidade e o colapso de um setor que, sendo de nicho, foi transformado em produção de massas — perdendo valor e sustentabilidade.

A RESPOSTA POSSÍVEL: VOLTAR AO SOLO

É neste contexto que a Quinta da Cholda tem vindo a adaptar a sua abordagem empresarial ao modelo de agricultura regenerativa. Este conceito, amplamente difundido no Brasil, nos Estados Unidos e, mais recentemente, com alguma expressão no Reino Unido, continua a ser pouco conhecido na Europa Continental, com exceção de um ou outro caso de maior dimensão. Em Portugal começa agora a dar os primeiros passos, sobretudo nas áreas da vinha e das pastagens.

A agricultura regenerativa parte de uma ideia simples, mas profunda: colocar o solo no centro de toda a estratégia produtiva. O solo é um organismo vivo, cuja saúde determina a resiliência, a produtividade e a qualidade de tudo o que dele nasce. Ao cuidar da estrutura e da microbiologia do solo, aumentamos a matéria orgânica, a retenção de água, a infiltração e a estabilidade, reduzindo ao mesmo tempo a erosão, a lixiviação e a dependência de fertilizantes e fitofármacos de síntese.

Esta mudança de paradigma tem um efeito multiplicador. Menos mobilizações e menos distúrbios físicos, químicos e biológicos criam condições para que as comunidades de microrganismos prosperem e tornem disponíveis os minerais que já existem no solo, mas que estão bloqueados em formas não assimiláveis. A partir daí, a produ-

tividade cresce de forma natural, com alimentos mais nutritivos, carne e leite de maior qualidade e solos mais resilientes às variações climáticas. Com este modelo de agricultura intensiva regenerativa, temos esperança e acreditamos que exista potencial para se equiparar, em função ecológica, às turfeiras naturais — verdadeiras reservas de carbono do planeta — mas numa versão contemporânea, criada pelo homem, capaz de acelerar os processos de regeneração natural. Se fomos rápidos a destruir, também podemos ajudar a natureza a recuperar mais depressa do que nunca, regenerando o solo e o clima enquanto continuamos a produzir. Solos mais vivos tornam-se sumidouros de carbono atmosférico, esponjas de água e “buers” de emissões nocivas, enquanto as explorações agrícolas se convertem em hotspots de biodiversidade.

A EXPERIÊNCIA DA QUINTA DA CHOLDA NO VALE DO TEJO

Na Quinta da Cholda temos vindo a testar e consolidar este modelo, começando pela redução das mobilizações na cultura do milho e pela introdução de práticas regenerativas na floresta. A grande alavanca passa pelas culturas de cobertura biodiversas — verdadeiras culturas de serviço — que descompactam naturalmente o solo, protegem-no das chuvas intensas, reduzem perdas por erosão e criam

agregados vivos que promovem o arejamento em profundidade. Essas plantas de inverno alimentam toda a cadeia trófica do solo. A matéria orgânica, os açúcares libertados pelas raízes e os restolhos das culturas comerciais sustentam uma comunidade de bactérias e fungos micorrízicos que fixam azoto atmosférico, capturam carbono e solubilizam minerais, disponibilizando-os às plantas de forma orgânica e sustentável. Este equilíbrio cria um sistema agrícola vivo, em

que a fertilidade é gerada e reciclada dentro da própria exploração. Temos investido fortemente em conhecimento e experimentação de campo, acompanhando agricultores que já iniciaram esta conversão e testando soluções de inoculação biológica para acelerar a recuperação da biodiversidade microbiológica. Paralelamente, reforçámos a biodiversidade aérea, com zonas de conservação tanto nas margens como dentro das parcelas, que ajudam a reduzir pragas e doenças e a diminuir a

necessidade de herbicidas. Também estamos focados na redução da compactação do solo, um dos principais problemas estruturais da agricultura moderna. Estamos confiantes neste caminho, que nos tem permitido ganhar competitividade face às alternativas tradicionais. Ao aumentar o rendimento das culturas e a resiliência da floresta, abrimos espaço para novas gerações de gestores agrícolas e para uma agricultura mais moderna, rentável e sustentável.

A região do Vale do Tejo, com os seus solos férteis, acesso à água, proximidade aos grandes centros de consumo e uma forte rede de produtores, empresas e instituições académicas, tem todas as condições para liderar esta transformação. A agricultura regenerativa representa, por isso, uma oportunidade única para devolver ao território equilíbrio, produtividade e futuro — uma forma de regenerar o solo, a economia e a própria vida rural.

O FUTURO DO ENSINO AGRÍCOLA EM PORTUGAL

Ensino agrícola precisa de mais investimento e visão estratégica

José Luís Mourão, presidente da Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, defende que o ensino agrícola português tem feito progressos na digitalização, na sustentabilidade e na ligação ao setor produtivo, mas ainda carece de investimento estável e de uma estratégia integrada. Em entrevista, o responsável sublinha a importância da investigação, da cooperação entre instituições e do reforço da atratividade dos cursos para as novas gerações.

O ensino agrícola em Portugal tem uma história rica e estruturada. Como descreve a evolução deste ensino até aos dias de hoje?

O ensino agrícola em Portugal tem uma longa tradição, refletindo a importância histórica da agricultura na sociedade. Como primeiros marcos destacam-se a criação, em 1830, da Escola de Veterinária de Lisboa, origem da atual Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, e, em 1852, do Instituto Agrícola de Lisboa, precursor do atual Instituto Superior de Agronomia da mesma Universidade. Estas instituições foram responsáveis pela formação dos primeiros agrónomos e veterinários, profissionais que deram os passos iniciais para o desenvolvimento agrário do país. No século XX, durante o Estado Novo, o ensino agrícola ganhou nova dimensão com a criação de escolas agrícolas de nível médio, que conferiam o diploma de regente agrícola. No entanto, a grande viragem ocorreu com a Reforma do Ensino Superior de Veiga Simão, em 1973, que marcou profundamente a modernização e a expansão do ensino agrário em Portugal. Esta reforma permitiu a criação de novas instituições com ensino agrário, sendo as primeiras o Instituto Politécnico de Vila Real que deu origem à atual Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e a Universidade de Évora. Estas escolas ficaram conhecidas pela sua forte ligação ao meio rural, desenvolvendo inúmeros projetos em estreita colaboração com agricultores, cooperativas e empresas do setor. O crescimento do número de instituições de ensino superior, aliado à expansão do ensino profissional agrário, contribuiu para formar técnicos e licenciados que impulsiona-

ram a modernização da agricultura e responderam aos novos desafios do setor. No século XXI, o ensino agrícola português caracteriza-se pela integração de escolas profissionais, institutos politécnicos e universidades, que promovem a inovação, a investigação e a ligação ao mundo produtivo. Preparam técnicos, engenheiros e investigadores para enfrentar os desafios da agricultura digital, sustentável e competitiva, dando resposta às alterações climáticas, à segurança alimentar e às exigências globais da produção agrícola.

Quais considera serem os maiores pontos fortes dos centros de formação agrícola em Portugal?

Os centros de formação agrícola em Portugal desempenham um papel estratégico na modernização do setor agrário. Entre os seus pontos fortes, destacam-se:

• a ligação ao território e às necessidades locais, dado que muitas instituições estão inseridas em regiões rurais e adaptam os programas formativos às realidades produtivas específicas;

• a oferta de formação prática e aplicada, sustentada em explorações agrícolas próprias, laboratórios especializados e parcerias com empresas do setor;

• a aposta crescente na inovação tecnológica e na sustentabilidade, com destaque para a agricultura de precisão, o uso de drones e sensores, a gestão eficiente da água, a economia circular, o bem-estar animal e a agricultura biológica;

• a integração em redes europeias e a articulação com políticas públicas, particularmente no ensino superior, potenciando a transferên-

Sara Pelicano JORNALISTA

UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS PRENDE-SE COM A DIFICULDADE EM MANTER ATUALIZADAS AS EXPLORAÇÕES AGRÍCOLAS ASSOCIADAS ÀS INSTITUIÇÕES.

cia de conhecimento, a cooperação internacional e a valorização da formação agrícola.

O ESTADO DEVE ASSIM GARANTIR OS CUSTOS ESTRUTURAIS E ASSEGURAR A CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO DE FORMAÇÃO.

Quais são atualmente os principais constrangimentos que limitam o ensino agrícola — quer ao nível das infraestruturas, quer da organização do sistema educativo?

O ensino agrícola em Portugal enfrenta constrangimentos ao nível das infraestruturas. Um dos principais desafios prende-se com a dificuldade em manter atualizadas as explorações agrícolas associadas às instituições, de forma a acompanhar a rápida evolução tecnológica do setor. A modernização de equipamentos laboratoriais, instalações e tecnologias digitais exige investimentos elevados, tanto na aquisição como na manutenção, os quais nem sempre são assegurados pelo financiamento público disponível. Ao nível da organização do sistema educativo, destaca-se a fragmentação da oferta formativa, resultante da coexistência de escolas profissionais, politécnicos, universidades e centros de formação com reduzida articulação entre si. Não só a escassez de docentes e técnicos especializados, sobretudo em áreas emergentes como agricultura de precisão, automação, drones e economia circular como também a rigidez burocrática, que dificulta a atualização célere dos currículos face às exigências atuais, constitui obstáculos.

Quais as razões para que tantas escolas agrícolas continuem excessivamente dependentes do Ministério da Agricultura ou da Educação, sem terem verdadeira autonomia de gestão? As escolas agrícolas devem ter autonomia financeira?

A dependência dos Ministérios resulta sobretudo da forma como estas escolas foram

concebidas, em particular as associadas ao ensino secundário: criadas como estruturas estatais, inseridas numa administração pública centralizada, sem tradição de autonomia de gestão. Acresce a fragilidade da sua dimensão dado que muitas têm poucos alunos e recursos o que limita a capacidade de gerar receitas próprias. O enquadramento legal e burocrático também restringe a flexibilidade na gestão de património, currículos e recursos humanos. Todavia, não é realista exigir que as escolas agrícolas sejam autossuficientes, pois mantêm explorações, equipamentos e laboratórios com custos fixos elevados. Sem margem orçamental, as escolas têm dificuldade em investir em novas tecnologias, contratar especialistas em áreas emergentes ou flexibilizar a oferta formativa para responder às necessidades do setor. Isto gera um desfasamento entre a formação oferecida e as competências efetivamente procuradas, comprometendo a atratividade e a relevância do ensino agrícola. O Estado deve assim garantir os custos estruturais e assegurar a continuidade do serviço público de formação. No entanto, deve ser incentivada a diversificação de receitas através de parcerias com empresas, projetos de inovação, serviços especializados e acesso a fundos europeus. Fundos de investimento como o Investimento Impulso Mais Digital 10/ C06-i07/2024 – Reforma e Modernização das Ciências Agrárias, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), dedicados ao incentivo da dinamização do ensino no setor propulsionam o arranque iniciativas modernizadoras que de outra via se mantinham “encaixotadas” à espera de recursos para o seu arranque. Após o arranque inicial muitas das iniciativas desenvolvidas criam fundos próprios que garantem a sua sustentabilidade financeira e progresso contínuo.

Porque é que o financiamento das escolas agrícolas depende tanto de fundos comunitários e tão pouco de investimento nacional estável?

Não posso precisar o motivo exato, uma vez que se trata de uma decisão política. Contudo, como já referi anteriormente, considero que o Estado deve assegurar os custos estruturais e garantir a continuidade do serviço público de formação. Paralelamente, deve ser incentivada a diversificação de receitas das escolas, através de parcerias com empresas, projetos de investigação e inovação, presta-

O ENVELHECIMENTO DO CORPO DOCENTE É UM PROBLEMA QUE O ENSINO AGRÁRIO DE NÍVEL SECUNDÁRIO OU SUPERIOR ESTÁ A ENFRENTAR.

ção de serviços especializados e acesso a fundos europeus. Esta dependência de fundos comunitários cria, no entanto, a vulnerabilidade a alterações dos programas, que podem impactar a capacidade de investimento das escolas.

O envelhecimento do corpo docente e a baixa atratividade dos cursos são problemas recorrentes. Como é que isso se reflete no dia a dia das instituições e na motivação dos alunos?

O envelhecimento do corpo docente é um problema que o ensino Agrário de nível secundário ou superior está a enfrentar, de modo similar ao que ocorre noutras áreas de ensino. Este envelhecimento tem reflexos no dia a dia das instituições, dado que professores mais velhos podem ter menos contacto com tecnologias e metodologias modernas, o que limita a inovação pedagógica e reduz a motivação para participar em projetos internacionais ou investigação aplicada. Resulta daqui cursos menos atrativos que fazem os estudantes questionarem a relevância da formação para o mercado de trabalho.

Como justifica as enormes diferenças de desempenho entre escolas agrícolas, algumas ativas, outras… quase abandonadas? Existem diversos motivos, mas, na minha opinião, os mais relevantes são a localização geográfica, a gestão e liderança das escolas e a tradição consolidada. As escolas situadas próximas de zonas agrícolas ativas, com empresas ou centros de investigação têm mais oportunidades de estágios, projetos e empregabilidade para os seus alunos. Direções das escolas proativas conseguem captar financiamento, estabelecer parcerias estratégicas e atrair estudantes, revertendo enquadramentos menos favoráveis, enquanto direções menos dinâmicas tendem a estagnar as suas escolas. Algumas escolas beneficiam de uma tradição consolidada, conferindo-lhes maior facilidade para atrair um corpo docente qualificado e alunos motivados.

O setor agrícola está em rápida transformação, com novas exigências ligadas ao mercado de trabalho, digitalização e inovação tecnológica. O ensino agrícola português está a conseguir acompanhar estas mudanças? Em que medida?

O ensino agrícola português tem feito esforços para acompanhar as transformações do setor, mas ainda enfrenta desafios significativos. Algumas instituições estão a integrar novas tecnologias, digitalização e métodos de ensino inovadores, sobretudo através de projetos financiados pelo PRR, fundos europeus e consórcios interuniversitários. Atualmente, o ensino agrário das instituições de ensino superior está abrangido pela medida RE-C06-i07 – Impulso Mais Digital do PRR, que prevê investimentos na modernização tecnológica e digital das ciências agrárias. No âmbito desta medida, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro lidera o consórcio Agro@Tecverde, que reúne cinco instituições do norte do país e dos Açores. Este consórcio tem como objetivos sensibilizar estudantes do ensino secundário para prosseguirem estudos no ensino superior agrário, formar profissionais do setor e reformar licenciaturas e mestrados, reforçando a sua componente digital e tecnológica. Outros consórcios com objetivos semelhantes foram criados nas regiões centro e sul do país. No entanto, a atualização nem sempre é homo-

génea entre escolas, refletindo desigualdades em recursos, localização geográfica e capacidade de liderança. Em suma, embora haja progressos visíveis, o ensino agrícola português precisa de uma estratégia mais consistente e de investimentos contínuos para acompanhar plenamente a rápida transformação do setor.

Que papel deve ter a investigação científica e a sua integração nos currículos?

A investigação científica desempenha um papel central no ensino agrícola, em particular daquele que lecionado nas instituições de ensino superior como a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. A sua integração nos currículos permite aos estudantes desenvolver competências críticas, analíticas e práticas, essenciais para enfrentar os desafios do setor, como sustentabilidade, digitalização e inovação tecnológica. O envolvimento em projetos de investigação, estágios ou colaborações com empresas aproxima teoria e prática, aumenta a empregabilidade e desperta interesse pela carreira científica. Esta integração fortalece ainda as parcerias com o setor produtivo e permite

“ O ENSINO AGRÍCOLA PORTUGUÊS PRECISA DE UMA ESTRATÉGIA

MAIS CONSISTENTE E DE INVESTIMENTOS CONTÍNUOS PARA ACOMPANHAR PLENAMENTE

A RÁPIDA TRANSFORMAÇÃO DO SETOR.

AS MAIORES OPORTUNIDADES

PARA REVITALIZAR O ENSINO AGRÍCOLA

EM PORTUGAL ESTÃO

NA MODERNIZAÇÃO

PEDAGÓGICA, INTEGRAÇÃO DE TECNOLOGIAS

DIGITAIS, LIGAÇÃO

AO SETOR

PRODUTIVO E INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA.

que os cursos se adaptem rapidamente às novas exigências do mercado, mantendo-os relevantes e competitivos.

E em relação à internacionalização, estamos a formar profissionais preparados para competir num mercado global?

O ensino agrícola português tem feito progressos na internacionalização, mas ainda há espaço para evolução. Algumas instituições, como a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, promovem programas de mobilidade, estágios internacionais, parcerias com universidades estrangeiras o que expõe os estudantes a boas práticas e experiências internacionais. No entanto, a preparação de profissionais para competirem num mercado global deve ser reforçada com a integração mais sistemática de línguas estrangeiras, inovação tecnológica e conhecimento sobre cadeias de valor internacionais.

Onde estão hoje as maiores oportunidades para revitalizar o ensino agrícola em Portugal?

Conforme está subjacente nas respostas anteriores, as maiores oportunidades para revitalizar o ensino agrícola em Portugal estão na modernização pedagógica, integração de tecnologias digitais, ligação ao setor produtivo e investigação científica. As áreas emergentes como sustentabilidade, bioeconomia e agricultura digital permitem tornar os cursos mais atrativos e alinhados com as necessidades do mercado de trabalho, pelo que estão a ser incluídas nos currículos dos cursos de ensino superior. Além disto, há também um forte investimento das IES em proporcionar aos profissionais do setor um reforço/atualização das suas competências com progra-

mas de formação dedicados aos temas mais emergentes da área agrária. Assim não só preparamos os estudantes para se integrarem num setor cada vez mais inovador e tecnológico como apoiamos os profissionais já estabelecidos no mercado na adaptação tecnológica e digital necessária. Parcerias com empresas e centros de investigação, mentoria e desenvolvimento de competências práticas são essenciais para aumentar a empregabilidade. É igualmente importante desenvolver competências transversais, como pensamento crítico, literacia digital e capacidade de adaptação a novas tecnologias e mercados. A internacionalização complementa estas estratégias, expondo os estudantes a práticas agrícolas inovadoras em outros países e proporcionando compreensão das cadeias de valor globais, essencial para competir no mercado internacional. O sucesso depende da capacidade das instituições de mobilizarem recursos, captarem financiamento, manterem um corpo docente atualizado e criarem um ambiente educativo dinâmico.

Existe um desfasamento entre a ambição dos jovens formados e as condições de trabalho que lhes são oferecidas no setor agrícola? Porquê?

Embora seja verdade que alguns jovens formados encontram dificuldades no setor agrícola, discordo da afirmação de que existe um desfasamento entre ambição e condições de trabalho. Muitas explorações e empresas do setor têm vindo a modernizar-se, adotando tecnologias digitais, práticas sustentáveis e modelos de gestão inovadores, criando oportunidades alinhadas com as competências dos recém-formados. Além disso, programas de investigação aplicada, estágios e parcerias com o ensino superior permitem que os jovens adquiram experiência prática relevante e aumentem a sua empregabilidade dentro do setor. O desafio principal não é o desfasamento da formação, mas sim a necessidade de alargar e diversificar oportunidades profissionais de forma estratégica.

As escolas agrícolas conseguem competir na atratividade com áreas como tecnologia, saúde ou turismo? Porquê? De forma geral, as escolas agrícolas têm de competir na atratividade com áreas como tecnologia, saúde ou turismo. Estas áreas oferecem perceções de maior prestígio, remuneração mais elevada e trajetórias profissionais mais visíveis e dinâmicas. Por outro lado, o

O SUCESSO DEPENDE DA CAPACIDADE

DAS INSTITUIÇÕES DE MOBILIZAREM RECURSOS, CAPTAREM FINANCIAMENTO, MANTEREM UM CORPO DOCENTE ATUALIZADO E CRIAREM UM AMBIENTE EDUCATIVO DINÂMICO.

ensino agrícola é frequentemente associado a atividades tradicionais, rurais e de menor visibilidade mediática. Para aumentar a atratividade dos seus cursos, as escolas agrícolas devem modernizar a sua imagem e mostrar que o setor agrário é inovador, tecnológico e crucial para a sustentabilidade. O trabalho desenvolvido da atualização dos seus cursos e no fortalecimento das parcerias com empresas, associações e entidades públicas deve ser evidenciado. Ao reposicionar-se como área de futuro e de impacto global, o ensino agrícola pode captar novos públicos e afirmar-se como uma opção académica promissora.

A baixa atratividade do ensino agrícola está diretamente ligada às más condições de trabalho e rendimento na agricultura portuguesa?

A urbanização da população em Portugal tem um impacto significativo no ensino agrícola e na atratividade do setor. Grande parte da população concentra-se em centros urbanos das áreas costeiras, onde predominam atividades urbanas e serviços, reduzindo a ligação das novas gerações ao meio rural e à agricultura. Esta concentração urbana contribui para a perceção de que a agricultura é uma atividade distante, tradicional e pouco dinâmica. É assim essencial desenvolver estratégias integradas que aproximem o setor das novas gerações e aumentem a visibilidade das carreiras no setor agrícola. É essencial melhorar a comunicação e divulgação do setor, evidenciando as oportunidades de trabalho que a agricultura moderna apresenta, em particular nas áreas da inovação tecnológica, digitalização e sustentabilidade.

Que mensagem gostaria de deixar aos jovens que ponderam enveredar por um percurso académico na área agrícola? Gostaria de destacar que o setor agrário desempenha um papel essencial na garantia da

segurança alimentar da população, estando em permanente transformação, impulsionado pela investigação aplicada e pela inovação tecnológica. Optar por uma carreira nesta área significa participar ativamente na criação de soluções que impactam de forma direta a sociedade, o ambiente e a economia. O ensino agrícola não é apenas uma escolha académica, mas uma oportunidade de futuro: oferece percursos profissionais sólidos, desafiantes e inovadores, capazes de proporcionar realização pessoal e contribuir para o desenvolvimento sustentável do mundo em que vivemos.

Que apelo faria aos decisores políticos e institucionais para reforçar este setor do ensino em Portugal?

Faria um apelo para que reconheçam o ensino agrícola como estratégico para o desenvolvimento sustentável e para a segurança alimentar em Portugal. É fundamental aumentar e estabilizar o financiamento público, garantindo infraestruturas modernas, laboratórios equipados e renovação e formação contínua do corpo docente. Devem também incentivar a diversificação de receitas das instituições através de parcerias com empresas, projetos de investigação e fundos europeus. É ainda essencial desenvolver uma política integrada de sensibilização de alunos do ensino primário e secundário, promovendo o contacto com o setor agrícola e despertando interesse pelas suas oportunidades. Paralelamente, é necessário estimular a cooperação entre as diversas instituições de ensino agrícola, partilhando boas práticas, projetos e recursos, fortalecendo o setor de forma coordenada. Por fim, o apoio à modernização curricular, internacionalização e ligação ao setor produtivo permitirá tornar o ensino agrícola mais atrativo, relevante e capaz de formar profissionais qualificados para enfrentar os desafios contemporâneos do setor.

Ensino agrícola em Portugal: entre a tradição e o futuro tecnológico

Professores e investigadores reconhecem a evolução do ensino agrícola em Portugal, mas alertam para desafios que persistem — da desatualização da imagem pública à necessidade de maior integração tecnológica e aproximação ao território. O setor formativo, afirmam, está num ponto de viragem decisivo e pode tornar-se motor de desenvolvimento e rejuvenescimento do mundo rural.

O ensino agrícola português vive um momento de transição, em que a tradição académica e a inovação tecnológica tentam encontrar equilíbrio. Gonçalo Rodrigues, professor auxiliar do Instituto Superior de Agronomia (ISA), descreve um sistema com “uma academia de excelência, uma investigação aplicada e boas parcerias com os produtores”, mas onde “coexistem assimetrias”. Sublinha que

“falta integração transversal de diversas matérias como a gestão eficiente da água, dados/IA, SIG/teledeteção, sensorização e bioeconomia” e defende a criação de living labs que aproximem teoria e prática, preparando os “talentos do futuro”. Para o docente, a agronomia pode ser um campo de grande atratividade se for comunicada como uma “engenharia de ponta”, onde coexistem “drones e saté-

lites a suportar a decisão, sensores, automação e robotização, IA e ML”.

A necessidade de reposicionar a profissão é, para Gonçalo Rodrigues, urgente. “Esta é uma profissão de futuro, capaz de gerar riqueza e fundamental para a defesa da sociedade”, afirma, sublinhando que o principal obstáculo à procura é “a imagem desajustada do setor” e “um desligar da população urbana do meio

É

URGENTE QUE AS UNIVERSIDADES DEIXEM DE ENSINAR APENAS A SER FUNCIONÁRIOS E PASSEM TAMBÉM A ENSINAR A SER EMPREENDEDORES.

rural”, fatores que poderiam ser mitigados “com uma comunicação melhorada, maior proximidade e mais trabalho junto das comunidades”.

Também Margarida Oliveira, diretora da Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS), destaca que o ensino agrícola “está num ponto de viragem decisivo”, acompanhando “a modernização das práticas pedagógicas” e uma “crescente proximidade ao setor produtivo, em contexto real”. Na sua perspetiva, há uma “mudança clara de paradigma”. Os jovens que hoje escolhem este setor procuram “tecnologia e inovação, produção alimentar, carreiras internacionais e de elevada empregabilidade, e promoção da sustentabilidade”. A prova, diz, está nos “98% de empregabilidade dos di-

plomados da ESAS” e no “crescimento sustentado da procura”, que tem aumentado 5% ao ano desde 2018. “Onde há inovação, empresas fortes e visão territorial, há jovens”, resume. No plano das políticas públicas, Margarida Oliveira considera que “o Estado tem um papel determinante na afirmação do ensino agrícola como motor de desenvolvimento do país”, devendo garantir financiamento estratégico, promover a coesão territorial e incentivar o rejuvenescimento agrícola.

Da Universidade de Évora, o professor e investigador José Rafael Marques da Silva destaca a qualidade do corpo docente em Portugal e capacidade de formação das escolas agrícolas, muitas vezes com dificuldade em ter disponíveis todas as tecnologias existentes no mercado.

O académico considera, contudo, que persiste um “imaginário social” que

ESTA É UMA PROFISSÃO DE FUTURO,

CAPAZ DE GERAR RIQUEZA E FUNDAMENTAL PARA A DEFESA DA SOCIEDADE.

O ESTADO TEM UM PAPEL DETERMINANTE NA AFIRMAÇÃO DO ENSINO AGRÍCOLA COMO MOTOR DE DESENVOLVIMENTO DO PAÍS.

desvaloriza o setor. “Na Alemanha, o agricultor é um profissional muito considerado na sociedade, é reconhecida a sua importância. Em Portugal, continua instalada a ideia de que a agricultura é para gente pobre”, lamenta, sublinhando que “é preciso “mostrar a agricultura como atividade evoluída”.

A falta de técnicos é, segundo José Rafael, outro problema grave. “O que sinto ao nível do mercado é que não há técnicos. E ao nível salarial, mas remunerações já são razoavelmente boas para recém-licenciados.” Para o professor, é urgente que “as universidades deixem de ensinar apenas a ser funcionários e passem também a ensinar a ser empreendedores”, acompanhando “a dinâmica e a competição cada vez maiores” do setor.

Margarida

Agri-Mendes inaugura novo lagar e reforça aposta na inovação e qualidade do azeite

A Agri-Mendes inaugurou em setembro um novo lagar, equipado com tecnologia de ponta. As novas instalações, com capacidade para receber 500 toneladas de azeitona por dia, permitem otimizar todo o processo de extração, assegurando um controlo rigoroso da qualidade e a preservação das características únicas que distinguem os azeites da AgriMendes. O novo lagar constitui uma mais-valia para os olivicultores locais, disponibilizando uma infraestrutura moderna e eficiente que contribui para elevar ainda mais o padrão de qualidade do azeite produzido na região ribatejana. A Agri-Mendes afirma-se assim como uma empresa dinâmica e orientada para o futuro, que aposta no desenvolvimento sustentável, na valorização da produção nacional e na afirmação do Ribatejo como referência na produção de azeite de excelência.

Luís Souto Barreiros assume presidência do IFAP

O ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, através do Despacho n.º 10813/2025, de 12 de setembro, nomeou Luís Souto Barreiros presidente do IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas. O mesmo do documento indica ainda para vice-presidente do Conselho Diretivo, Ana Luísa Gomes Figueiredo Rodrigues e como vogais Maria Fernanda Dionísio Ricardo Almeida e João Mourão Rosa.

Agromais

dá continuidade ao Projeto Restolho e reforça o apoio social às famílias mais carenciadas

A Agromais mantém, com orgulho e sentido de missão, o seu envolvimento no Projeto Restolho – “Recolher para Alimentar”, uma iniciativa solidária que une agricultores, voluntários e instituições no combate ao desperdício alimentar e no apoio às populações mais carenciadas. O projeto, desenvolvido em parceria com diversas entidades regionais e nacionais, consiste na recolha de produtos agrícolas que permanecem nos campos após a colheita comercial, garantindo o seu encaminhamento para instituições de solidariedade social que os distribuem a famílias em situação de vulnerabilidade. “O Restolho é um exemplo de como a agricultura pode gerar valor não apenas económico, mas também humano e social. É um projeto que mobiliza a comunidade e que nos orgulha profundamente”, sublinha a direção da Agromais. A continuidade do Projeto Restolho reafirma o compromisso da Agromais com a responsabilidade social, a sustentabilidade e a solidariedade, demonstrando que a agricultura pode ser também um instrumento de partilha e inclusão. Com este exemplo de cooperação entre o setor agrícola e a sociedade civil, a Agromais reforça o seu papel enquanto agente ativo de desenvolvimento sustentável e coesão social, provando que produzir e partilhar podem andar de mãos dadas.

Agrotejo, Agromais e agricultores unem esforços no apoio às zonas afetadas pelos fogos florestais de 2025

A Agrotejo – União Agrícola do Norte do Vale do Tejo, em conjunto com a Agromais, agricultores da região e diversos parceiros, mobilizou-se numa ação de responsabilidade social destinada a apoiar os territórios mais afetados pelos fogos florestais de 2025. Perante a devastação causada pelos incêndios, que deixaram inúmeras explorações sem recursos para alimentar o seu efetivo pecuário, a Agrotejo e a Agromais organizaram uma campanha solidária de recolha e envio de alimentação para animais, garantindo o apoio imediato às populações rurais atingidas. Foram enviadas várias cargas de palha, feno, milho e outros cereais, resultado da solidariedade entre agricultores, empresas e amigos do setor, que responderam prontamente ao apelo lançado pela Agrotejo. Num momento de grande dificuldade para muitos produtores, a união do setor agrícola faz toda a diferença. Este é um gesto de solidariedade, mas também de compromisso com o território e com quem nele vive e trabalha”, sublinhou a direção da Agrotejo. Esta iniciativa reforça o papel da Agrotejo e da Agromais na promoção da coesão rural e na defesa do mundo agrícola, demonstrando que a agricultura é, antes de mais, uma comunidade unida e solidária.

Agricultura perdeu mais de 16 mil trabalhadores num ano em Portugal.
O que pensam os empregadores e candidatos?
André Manuel Mendes JORNALISTA

O setor agrícola português perdeu mais de 16 mil trabalhadores no último ano, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), analisados pela Eurofirms – People First.

De acordo com a empresa de recursos humanos, o número de trabalhadores no setor primário diminuiu em 10%, passando de 158,8 mil no segundo trimestre de 2023 para 142,9 mil no final de 2024, marcando uma inversão na tendência de crescimento verificada desde 2021. Este decréscimo é particularmente preocupante num setor caracterizado por uma forte sazonalidade e por dificuldades crónicas no recrutamento, especialmente nas regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos. A Eurofirms sublinha que, além da escassez de mão-de-obra, o setor agrícola continua a ser predominantemente masculino, o que evidencia não só as dificuldades de inclusão, mas também a falta de renovação geracional. Para entender melhor os desafios enfrentados no processo de recrutamento, a empresa entrevistou tanto empregadores quanto candidatos.

De acordo com um responsável da SALM, uma empresa neerlandesa situada em Salvaterra de Magos, que se dedica à produção de lavanda, a maior dificuldade está na escassez de trabalhadores qualificados. “A demanda por trabalhadores aumenta em períodos específicos, como em momentos de plantação e colheita, o que pode dificultar a atração de candidatos disponíveis”, refere o responsável, adicionando que “muitos jovens não consideram a agricultura como uma carreira viável, e isso resulta na escassez de mão-de-obra.”

Por outro lado, Ana Filipa Santos, candidata à área agrícola, revela a sua vontade de contribuir para o desenvolvimento do setor. No entanto, a falta de flexibilidade nas condições de trabalho é um desafio importante. “os horários intensos e pouco flexíveis” podem tornar-se desafiantes. “É um setor que não oferece, por exemplo, a quem tem

filhos as condições necessárias para a conciliação entre a vida pessoal e profissional.”

Em resposta a estes desafios, João Lourenço, business leader da Eurofirms em Portugal, destaca a necessidade urgente de medidas para tornar o setor agrícola mais atrativo e sustentável. Entre as sugestões estão a valorização salarial, a melhoria das condições de trabalho e o investimento na profissionalização das funções agrícolas, assim como a criação de incentivos para a fixação de trabalhadores em áreas rurais.

“Só no ano passado, o setor garantiu o valor mais alto de sempre nas exportações de frutas, legumes e flores, com um total de 2,5 mil milhões de euros.

As vendas para mercados internacionais subiram 7,5% em comparação com 2023”, acrescenta.

[Artigo publicado na Executive Digest]

MÃO-DE-OBRA NO SETOR AGRÍCOLA

Estabilidade e dignidade são fulcrais para atrair trabalhadores

A gestão de recursos humanos na agricultura é cada vez mais um desafio. Despovoamento do interior, sazonalidade e a associação a trabalho de elevada exigência física têm vindo a afastar os trabalhadores do campo, obrigando ao recrutamento em países longínquos.

Luís Mesquita Dias, presidente da Agrotejo e da AHSA – Associação de Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur e Rute Silva, CEO da RCC Portugal – Agência Privada de Colocação traçam o cenário atual dos recursos humanos na agricultura e desenham caminhos para a melhorar a perceção deste setor e ser possível captar mais jovens para o campo.

A contratação de mão-de-obra para a agricultura tem vindo a agravar-se. Quais as razões inerentes a este cenário?

Luís Mesquita Dias (LMD): É conhecido o problema da carência de mão-de-obra em Portugal. O inverno demográfico e a emigração, por via dos baixos salários, tornam o problema geral. Na agricultura, o problema agrava-se pela baixa apetência que o setor desperta e porque a atividade se desenvolve em

zonas não urbanas que sofreram, umas mais do que outras, com a desertificação humana e desinvestimento público.  Ao longo dessa tendência de agravamento ocorrem miniciclos com contornos distintos. A situação atual é por exemplo muito distinta comparativamente a um ou dois anos atrás em que a política de portas abertas à imigração conduziu, em muitas regiões, a um excedente que é tão negativo como a escassez. Quanto maior for a estabi-

lidade, a clareza, o controlo e a sensatez das políticas migratórias maior capacidade terão as empresas em planear os seus investimentos e necessidades de mão-de-obra e menor será o risco de que falte esse fator de produção escasso e valiosíssimo.

Que fatores mais contribuem para a escassez de trabalhadores portugueses no setor: os salários, as condições de trabalho, a sazonalidade, ou a imagem social da profissão?

LMD: Creio que é um pouco de tudo isso, mas acrescido de um grande desconhecimento e desinformação do que é a agricultura de hoje. Há atores que parecem interessados em transmitir a ideia de que agricultura é exploração e escravidão. Ninguém põe em causa a dureza de alguns trabalhos. Mas quem, como eu, teve uma boa parte da vida profissional muito ligada à indústria, conhece bem a dureza de operar em linhas de produção em que são as máquinas e não os capatazes que determinam o ritmo a que o trabalho tem de ser feito. Por outro lado, mesmo a nível de salários – e sem insinuar por um momento que o que os trabalhadores levam para casa lhes permite uma vida desafogada –, comparando com certas indústrias, o retorno no fim do mês é bem maior. Por fim, referir ainda que escasseiam igualmente no setor mão-de-obra qualificada com formação superior. Tenho dúvidas de que os candidatos ao ensino superior tenham conhecimento do enorme desenvolvimento tecnológico que a agricultura tem tido nos últimos anos. Uma maior divulgação do estado da arte poderia alterar também aqui o retrato dos recursos humanos no setor agrícola.

Está também associado ao trabalho agrícola a falta de progressão na carreira…

Rute Silva (RS): Acho que o verdadeiro desafio está na falta de progressão e reconhecimento, que faz com que poucos vejam futuro ou propósito em permanecer na área. Não creio que seja somente a falta de trabalhadores, mas sim a falta de atratividade do setor agrícola. Enquanto o trabalho agrícola não for visto e tratado como uma profissão digna, estável e essencial, continuaremos a depender fortemente de mão-de-obra estrangeira para sustentar um setor que é vital para o nosso país. É preciso modernizar a perceção pública do setor, mostrar que a agricultura de hoje combina tecnologia, sustentabilidade e gestão eficiente. Quando o setor for comunicado como um espaço de inovação e impacto social, deixará de ser visto

como um ‘trabalho temporário’ e passará a ser entendido como uma carreira. Por fim, a dignificação do trabalho agrícola exige uma abordagem colaborativa entre empresas, governo e sociedade civil, onde o respeito, a ética e a valorização humana estejam no centro de qualquer política de desenvolvimento rural.

A mecanização e a digitalização podem ajudar a criar empregos mais qualificados e atrativos?

RS: Sem dúvida. A mecanização e a digitalização são hoje uma oportunidade real para tornar o setor agrícola mais atrativo, eficiente e sustentável. A introdução de novas tecnologias não elimina os empregos, transforma-os. Passamos de tarefas puramente manuais para funções que exigem maior qualificação e responsabilidade. Tratores inteligentes, sistemas de irrigação automatizados, gestão digital de colheitas e monitorização por drones são apenas alguns exemplos de como a tecnologia pode melhorar as condições de trabalho, reduzir o esforço físico e aumentar a precisão e o rendimento das produções. Quando a tecnologia é acompanhada de formação e de uma cultura que valoriza o desenvolvimento humano, geram-se novas oportunidades de carreira, atrai jovens para o setor e ajuda a construir um novo tipo de trabalhador agrícola: mais preparado, mais confiante e mais conectado com o futuro. Em resumo, mecanizar e digitalizar não é desumanizar, é valorizar o talento humano, tornando o trabalho agrícola uma escolha de vida mais digna, moderna e sustentável.

Esta conjuntura tem levado a uma crescente necessidade de contratação de mão-de-obra estrangeira. As empresas agrícolas já estão preparadas para estas novas necessidades?

RS: As empresas têm de começar a fazer, obrigatoriamente, um planeamento mais rigoroso e atempado. Planear a curto e médio prazo. O outro ponto crítico é a burocracia e a lentidão dos processos legais de contratação internacional, sendo que, com a entrada em vigor do Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada, veio tornar esta parte muito mais célere e acessível para as empresas cumpridoras dos requisitos obrigatórios. Dar nota ainda de que há uma lacuna na comunicação intercultural entre empregadores e trabalhadores estrangeiros, o que, sem a mediação adequada, pode gerar conflitos, desmotivação e aumentar as taxas de rotatividade. Ou seja, não é só colocar trabalhadores

“ DAR NOTA AINDA DE QUE HÁ UMA LACUNA

NA COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL

ENTRE EMPREGADORES E TRABALHADORES ESTRANGEIROS, O QUE, SEM A MEDIAÇÃO ADEQUADA, PODE GERAR CONFLITOS, DESMOTIVAÇÃO E AUMENTAR AS TAXAS DE ROTATIVIDADE.

estrangeiros, é também encontrar modelos de gestão para estes grupos internacionais. Ser estrangeiro não significa automaticamente ser um trabalhador indiferenciado ou preparado para o trabalho agrícola. Para concluir, eu diria que é necessário mudar a forma empírica como muitas empresas ainda atuam. É preciso criar modelos de contratação mais estruturados e adaptados às reais necessidades, tendo em conta as questões legais, os tempos de espera e, acima de tudo, a importância de um processo consciente e humano, que garanta estabilidade tanto para as empresas agrícola, como para os trabalhadores.

A estabilidade contratual é possível num setor tão dependente dos ciclos agrícolas?

LMD: Este é um aspeto muito relevante em que várias empresas têm trabalhado com níveis de sucesso distintos. Ele passa por um lado por uma diversificação de atividades dentro da própria empresa que, assumidamente, não é fácil de fazer, mas é desejável. Passa, no entanto, também pelo desenvolvimento do conceito de economia circular no que à mão-de-obra diz respeito. Dou como exemplo algo que tentei fazer, até agora sem grande sucesso, no âmbito da minha atividade associativa no sudoeste alentejano. A uma época – felizmente cada vez mais alargada – de colheita de frutos vermelhos ou mesmo de hortícolas poderia suceder, idealmente, uma ocupação na atividade vitivinícola a que se sucederia a apanha

da azeitona, culminando no inverno com um trabalho de limpeza de florestas estreitamente em colaboração com municípios e governo. Devo confessar que este sonho não passou até agora disso mesmo porque ‘encalhou’ sempre na questão do alojamento. O alojamento temporário e a habitação em geral estão a ter no país um efeito bloqueador do seu desenvolvimento que vai muito além do que é referido.

Qual a importância de ter essa estabilidade contratual?

RS: A estabilidade contratual é essencial para o trabalhador, como para a empresa. Quando há continuidade, o trabalhador sente-se mais seguro, integrado e comprometido com o local onde vive e trabalha. Essa sensação de pertença facilita a integração na comunidade local, melhora o comportamento, o sentido de responsabilidade e até o respeito pelas regras e pelas pessoas à sua volta. Para a empresa, a estabilidade representa eficiência e consistência. Não é preciso estar todos os anos a recrutar, formar e explicar novamente como se faz o trabalho, há continuidade, há experiência acumulada, e isso reflete-se na produtividade e na qualidade dos resultados. A permanência permite também criar relações de confiança mútua. O trabalhador passa a ver a empresa como um projeto de vida, e o empregador passa a investir de forma mais consciente, sabendo que aquele esforço será retribuído em lealdade e compromisso.

Há empresas que conseguiram atrair e reter trabalhadores com sucesso. O que estão a fazer de diferente?

LMD: Creio serem dois os fatores críticos de sucesso nesta matéria. O primeiro prende-se com a preocupação genuína dos empregadores com o bem-estar social de quem empregam. O conceito de green washing cada vez ‘pega’ menos e cada vez é mais valorizada a essência das coisas que se fazem, mais do que aquelas que dizem fazer-se. Quando falo de consciência social refiro-me infalivelmente aos salários praticados, à transparência relativamente ao cálculo desses salários e à bateria de benefícios sociais que podem e devem ser associados aos salários. Refiro a transparência porque, particularmente no caso de trabalhadores estrangeiros, o risco das várias componentes do salário, fixas e variáveis, serem manipuladas é real. No Sudoeste alentejano, tenho-me debatido fortemente pelo combate a esse risco não apenas por sensibilização dos empregadores, mas por aumento da literacia

laboral e da informação de quem trabalha. Quanto aos benefícios sociais complementares eles são também decisivos e muitas vezes motivo de escolha e razão de fidelização de quem trabalha. Quantas vezes o acesso a um seguro de saúde ou a disponibilidade de ocupação saudável dos tempos úteis são tão ou mais importantes que o nível salarial por si só. O segundo fator que destacaria para a retenção, prende-se com a formação e a incorporação de inovação tecnológica no trabalho. Entre uma empresa que se manteve inalterada nos seus métodos de trabalho vendo a tecnologia passar-lhe ao lado, e outra em que os colaboradores veem uma vontade permanente de modernizar processos e dotar a mão-de-obra de novas ferramentas, não é difícil adivinhar quem os trabalhadores preferem.

O alojamento é um dos fatores centrais ao sucesso dos profissionais agrícolas, sobretudo dos que estão deslocados… LMD: O trabalho de integração da mão-de-obra estrangeira deve resultar de um esforço conjunto de várias entidades. As autoridades locais são essenciais, mas sozinhas, sem o apoio do poder central e dos empregadores, não conseguirão ser bem-sucedidas. O alojamento condigno é um elemento central da política de integração e neste aspeto, o país como um todo tem falhado. Tem falhado em relação à população em geral e consequentemente tem falhado em relação aos trabalhadores migrantes. As IATAS – alojamento temporário para trabalhadores nas quintas – tardaram em ver a luz do dia. Foram alvo dos maiores obstáculos por parte de municípios e diversas entidades públicas. Foram limitadas a uma região específica do território quando deveriam ser permitidas onde a necessidade existisse. É urgente rever em vários aspetos a RCM que as viabilizou. Por outro lado, os alojamentos coletivos, que em Espanha estão regulados há mais de 15 anos, ainda não são permitidos em Portugal podendo constituir também um importante complemento na solução do problema. Naturalmente, que o processo de integração vai além do alojamento. O ensino da língua, a disponibilidade de serviços públicos em número e qualidade que permitam servir nacionais e estrangeiros, são também essenciais para que a população originária não veja nos estrangeiros um motivo de transtorno, mas sim um contributo para o desenvolvimento do território. Tudo o que possa ser feito para contrariar fenómenos de rejeição é fundamental para ser bem-sucedido no esforço de integração.

Que tipo de incentivos ou políticas públicas poderiam ajudar a fixar trabalhadores neste setor?

RS: Mais do que depender exclusivamente de incentivos públicos, eu acredito que a fixação de trabalhadores no setor agrícola começa pela mudança de mentalidade por parte das empresas e empregadores. Quando há respeito genuíno pelas pessoas, quando reconhecemos o seu valor, criando condições de trabalho dignas e promovendo uma integração humana e justa, cria-se naturalmente um ambiente que retém talento e estimula o compromisso a longo prazo. A partir daí, as políticas públicas e os incentivos financeiros podem atuar como reforço e não como uma solução isolada, potenciando um ecossistema sustentável que valoriza o trabalhador tanto quanto o resultado económico.

O que podem fazer as entidades locais, nomeadamente autarquias, para ajudar na integração desta mão-de-obra estrangeira que é essencial para o sucesso da agricultura?

RS: Na minha perspetiva, as autarquias ainda estão muito pouco preparadas para a verdadeira integração das comunidades estrangeiras. Falta uma compreensão mais profunda das diferenças culturais e das necessidades específicas de cada nacionalidade. O erro mais comum é colocar todos “na mesma caixa”, quando na verdade cada povo tem a sua forma

“ ENTRE

UMA EMPRESA QUE SE MANTEVE INALTERADA NOS SEUS MÉTODOS DE TRABALHO VENDO A TECNOLOGIA PASSAR-LHE AO LADO, E OUTRA EM QUE OS COLABORADORES VEEM UMA VONTADE PERMANENTE DE MODERNIZAR PROCESSOS E DOTAR A MÃO-DE-OBRA DE NOVAS FERRAMENTAS, NÃO É DIFÍCIL ADIVINHAR QUEM OS TRABALHADORES PREFEREM.

Luís Mesquita Dias

PRESIDENTE DA AGROTEJO E DA AHSA

ENQUANTO O TRABALHO AGRÍCOLA NÃO FOR VISTO E TRATADO COMO UMA PROFISSÃO DIGNA, ESTÁVEL E ESSENCIAL, CONTINUAREMOS

A DEPENDER FORTEMENTE DE MÃO-DE-OBRA ESTRANGEIRA PARA SUSTENTAR UM SETOR QUE É VITAL PARA O NOSSO PAÍS.

Rute Silva

de viver, de comunicar e de se adaptar. É fundamental que as políticas locais de integração sejam planeadas com base no conhecimento cultural, e não apenas nas respostas genéricas. Integrar não é só acolher é criar condições reais para que as pessoas possam viver com dignidade. A base de tudo começa na educação, garantindo vagas nas escolas para os filhos das famílias que chegam. A partir daí, é essencial reforçar os recursos nos serviços públicos, especialmente no acesso à saúde, apoio social e mediação intercultural. Quando as autarquias assumem esse papel ativo, criam melhores condições para os trabalhadores estrangeiros, e da mesma forma para as próprias comunidades locais, promovendo convivência, respeito e coesão social. A integração é no fundo, uma via de dois sentidos e o futuro da agricultura portuguesa depende muito da forma como soubermos construir estas pontes.

Qual pode ser o papel das associações agrícolas no complexo processo de recrutamento e fixação da mão-de-obra?

LMD: As associações têm e devem ter um papel fundamental a vários títulos. São um veículo privilegiado para fazer chegar ao Governo e aos vários organismos públicos, as carências físicas, legislativas ou processuais que os associados lhes transmitem. São uma fonte de promoção de boas práticas e fertilização cruzada entre empresas muito diferentes entre si tornando-se numa garantia democrática que permite às micro e pequenas empresas ter acesso a informação a que, a título individual, só as maiores acederiam. São um elo privilegiado entre empregadores e empresas fornecedoras de mão-de-obra garantidamente fiáveis, contribuindo para uma progressiva erradicação de operadores ilegais ou pelo menos oportunistas que fazem do lucro fácil o único objetivo, sem princípios nem limites. São por fim, pela proximidade que têm do terreno e dos problemas reais, um veículo preferencial de acesso aos municípios, tantas vezes mais ágeis e eficazes do que o Poder Central.

Que papel têm as empresas de recrutamento e gestão de recursos humanos na valorização dos trabalhadores agrícolas?

RS: As empresas de recrutamento e gestão de recursos humanos têm hoje um papel absolutamente central na valorização dos trabalhadores agrícolas. São elas que fazem a ponte entre quem precisa de pessoas e quem procura uma oportunidade e é nessa ponte que

tudo pode correr bem ou mal. Mais do que preencher vagas, estas empresas devem ser agentes de transformação, garantindo que o processo é ético, transparente e verdadeiramente humano. Isso significa selecionar com critério, preparar com consciência e acompanhar com responsabilidade, para que cada contratação seja sustentável e traga benefícios reais para ambas as partes. Cabe às empresas de recrutamento “educar o mercado”, mostrando que contratar não é apenas uma questão de quantidade, mas de qualidade humana e relacional. É preciso olhar para o trabalhador como alguém que traz valor, não só para a força física. Quando o recrutamento é feito com base em respeito, formação e acompanhamento, o resultado é natural: pessoas mais motivadas, equipas mais estáveis e empresas mais produtivas.

Valorizar o trabalhador agrícola é, no fundo, valorizar o próprio setor e é isso que distingue, as empresas de recursos humanos que fazem recrutamento de forma consciente, com respeito e com propósito.

Como caracterizam o perfil dos trabalhadores agrícolas que hoje procuram emprego em Portugal?

RS: Hoje, identifico dois perfis bastante distintos entre os trabalhadores agrícolas que chegam a Portugal. O primeiro é o dos que vêm com visto de trabalho e inseridos num contexto migratório consciente, pessoas que foram recrutadas de forma organizada, com acompanhamento e objetivos claros. Estes trabalhadores normalmente chegam preparados, com vontade de cumprir as regras e de construir uma vida temporária em Portugal, mas com a intenção de regressarem ao seu país de origem ao fim de alguns anos, levando consigo experiência, estabilidade financeira e novas oportunidades. O segundo perfil é o dos que procuram uma saída rápida dos seus países de origem, muitas vezes motivados por situações económicas, políticas ou sociais difíceis. Chegam em busca de uma vida melhor e de um país mais tranquilo, mas com uma visão mais aberta do futuro, procurando oportunidades de legalização e nacionalidade, que lhes possam permitir mais tarde, ou com a maior brevidade possível, seguir caminho para outros destinos, como a América ou outros países da União Europeia. Ambos os perfis têm em comum a procura por dignidade e segurança, mas diferem no nível de preparação e na clareza dos seus objetivos. E é precisamente por isso que o processo de recrutamento e inte-

TENHO DÚVIDAS DE QUE OS CANDIDATOS

AO ENSINO

SUPERIOR TENHAM

CONHECIMENTO DO ENORME

DESENVOLVIMENTO

TECNOLÓGICO QUE

A AGRICULTURA TEM

TIDO NOS ÚLTIMOS ANOS.

gração precisa ser cuidadoso e adaptado, para que cada nacionalidade seja acompanhada de acordo com a sua realidade e motivação.

Como se desenrola um processo de recrutamento de mão-de-obra estrangeira para trabalhar na agricultura? Que critérios são avaliados, exigidos?

RS: O processo começa sempre pela avaliação da idoneidade da empresa que pretende recrutar, suportado com provas documentais. É essencial garantir que o empregador cumpre as condições legais e que está preparado para receber trabalhadores estrangeiros. De seguida, são analisadas as condições de alojamento, que são a base de qualquer processo de recrutamento internacional. O alojamento precisa de garantir segurança, higiene e dignidade, porque é o primeiro espaço de acolhimento e tem impacto direto na adaptação e estabilidade do trabalhador. Depois, temos a fase da seleção e preparação dos candidatos, que difere de empresa para empresa e também das empresas de recursos humanos que os fazem; que envolve uma análise da experiência e das competências técnicas, e também em algumas situações

uma avaliação comportamental, emocional e cultural, (fatores que no meu ponto de vista são essenciais para o sucesso na integração). Por fim, há todo o acompanhamento documental e legal, a coordenação com as autoridades competentes, e no nosso caso, também criamos um plano de inserção personalizado, que assegura que cada trabalhador chega a Portugal com informação, apoio e estrutura para iniciar o seu percurso em segurança. Um recrutamento bem-feito é mais do que um processo administrativo, é um processo humano e estratégico, que deverá proteger as duas partes: o empregador e o trabalhador.

Como vê o futuro do emprego agrícola em Portugal? É possível inverter a tendência atual?

RS: Sou uma eterna sonhadora, acredito, sinceramente, que sim, é possível inverter a tendência atual. É um processo que exige consciência, tempo e vontade de mudança. O setor agrícola tem vindo a transformar-se, e acredito que as empresas, com o tempo, irão aperfeiçoar os seus procedimentos, investir mais nas pessoas e estruturar melhor os processos

de recrutamento e integração. No entanto, é importante manter os pés no chão: enquanto persistirem modelos de gestão baseados apenas na urgência e na improvisação, as dificuldades vão continuar a crescer. O futuro só será diferente quando houver uma mudança real de mentalidade, quando as empresas perceberem que o investimento humano é tão essencial quanto o investimento técnico.

Que mensagem deixaria aos jovens que ponderam trabalhar na agricultura?

RS: Deixaria muitas mensagens, talvez a principal fosse esta: A agricultura é a base de tudo o que sustenta a vida. É um setor que merece ser honrado, valorizado e modernizado. Trabalhar na agricultura é uma escolha de coragem. A nova geração tem a oportunidade de dar um novo significado ao campo, trazendo inovação, tecnologia e uma visão mais sustentável. A agricultura precisa de jovens que queiram fazer diferente, que entendam que o futuro passa por produzir com responsabilidade, respeitando o ambiente, as pessoas e o tempo das coisas. O que eu diria é: não tenham medo de olhar para o campo como um espaço de futu-

ro. Porque é precisamente aí, nesse espaço de futuro, que tudo nasce, e onde o mundo pode voltar a encontrar o seu equilíbrio.

LMD: A Rute resumiu de forma notável nas linhas acima todo um conjunto de excelentes razões, tangíveis ou emocionais para que os jovens regressem à atividade agrícola. Resta-me sugerir como fazer-lhes chegar essa mensagem. Julgo que são biunívocos os caminhos para o conseguir: um é o da aproximação das empresas aos locais de ensino envolvendo os mais variados níveis etários, mas certamente começando pelos mais jovens. Infelizmente, nos manuais escolares é ainda hoje passada a imagem do velho agricultor de machado às costas, agravada pela mensagem mais ou menos subliminar do dano que a agricultura causa ao ambiente; o  outro em sentido inverso é o da abertura franca de portas das empresas aos jovens para que vejam na prática como hoje se produz e para que convivam diretamente com quem lá trabalha, indiferenciado ou qualificado, corrigindo a imagem que uma parte ainda significativa da nossa sociedade  lhes  faz passar.

“ QUANDO A TECNOLOGIA É ACOMPANHADA DE FORMAÇÃO E DE UMA CULTURA

QUE VALORIZA O DESENVOLVIMENTO HUMANO, GERAMSE NOVAS

OPORTUNIDADES DE CARREIRA, ATRAI JOVENS PARA O SETOR E AJUDA A CONSTRUIR UM NOVO TIPO DE TRABALHADOR AGRÍCOLA.

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Rute Silva

Os prejuízos causados pela paragem das empresas florestais

Desde 2020 que as empresas florestais suportam custos da defesa das florestas contra os incêndios rurais.

Sucessivamente, através de Despachos, os nossos governantes proíbem de trabalhar as empresas florestais sem que haja qualquer compensação pelas paragens ou pelos condicionamentos realizados.

Sem qualquer argumento técnico ou científico, simplesmente proíbe-se as empresas florestais de exercerem um direito que

existe na nossa constituição – o direito ao trabalho. O direito ao trabalho está consagrado no artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que todos têm direito ao trabalho e que o Estado tem o dever de promover políticas de pleno emprego.

No ano de 2025 o número de dias de paragem ascendeu, durante o mês de agosto, a 17 dias consecutivos.

A ANEFA realizou um levantamento junto das empresas florestais para avaliar o impacto dessa proibição junto do tecido empresarial. Foram realizados 197 inquéritos, que representam cerca de 10% das empresas que atuam no setor florestal, sejam elas de silvicultura, de serviços técnicos ou da chamada exploração florestal, que são as empresas que procedem ao corte e transporte da madeira.

A paragem das empresas afetou, no universo dessas 197 empresas, 931 trabalhadores e 804 equipamentos, que assim tiveram de deixar de trabalhar durante 17 dias consecutivos. Contabilizando apenas os custos e não as receitas que deixaram de se realizar, estamos a falar de mais de 10 milhões de euros.

Se estendermos esses valores, provenientes da amostragem, às cerca de 2.000 empresas que operam no setor estaremos a falar de um prejuízo de cerca de 103 milhões de euros. Trata-se de um prejuízo que é todo ele assumido pelas empresas sem qualquer apoio por parte do Estado. Como é possível alhearmo-nos desta realidade?

Todos temos consciência de que as alterações climáticas trarão anualmente situações de temperaturas elevadas que obrigam a cuidados redobrados. Mas a paragem das empresas florestais ou o condicionamento do seu trabalho só aumenta o risco de incêndio – biomassa que fica por retirar, remoção

de máquinas de rasto que podiam ajudar numa primeira intervenção, monitorização de presenças indesejadas na floresta, afastamento das pessoas que melhor conhecem a floresta e o estado em que se encontra, etc..

As empresas florestais, através da criação e manutenção da floresta, são as principais responsáveis no combate às alterações climáticas, que constitui hoje o principal problema na base do aumento do risco de incêndio.

“SE

ESTENDERMOS... ÀS CERCA DE 2.000

EMPRESAS QUE OPERAM NO SETOR ESTAREMOS A FALAR DE UM PREJUÍZO DE CERCA DE

103 MILHÕES DE EUROS.”

Para além do emprego que criam no mundo rural, estas empresas podem constituir um recurso valioso na prevenção e combate aos fogos, mas, em vez disso, fruto de uma cegueira inexplicável, opta-se por as retirar do terreno quando, na maioria dos casos, são elas as que conhecem melhor as condições que nele existem.

E, contudo, as empresas são obrigadas a afastarem-se, deixando de trabalhar, num prejuízo que ascende a mais de 100 milhões de euros, todos os anos.

As empresas atravessam hoje graves dificuldades, por via do aumento dos combustíveis e dos custos dos fatores de produção. Não conseguirão suportar qualquer paragem ou condicionamentos, como os que nos estão a ser impostos, sem que haja uma compensação pelo serviço que estamos a prestar à sociedade. Existem salários, empréstimos e impostos que teremos de liquidar no final de cada mês. Que tecido empresarial consegue suportar um prejuízo anual de 100 milhões de euros?

RETRATO DOS INCÊNDIOS

Sete gráficos para entender porque e o que arde em Portugal

Interior e Região Centro são as que mais ardem no país. Em 25 anos, arderam quase 2 milhões de hectares em fogos florestais, metade deles em áreas de povoações. Terrenos cultivados sofrem menos (representam menos de 10%), mas neste ano foram consumidos três vezes mais do que a média de hectares agrícolas ardidos na década. Fogo posto é a segunda causa.

O número é assustador: entre 2010 e 2025, arderam em Portugal um total de 1,97 milhões de hectares. E se o número em bruto não chega, para que se tenha uma noção da área ardida, a floresta ocupa cerca de 3,3 milhões de hectares, o que corresponde a aproximadamente 36% do território nacional. Ou seja, o que ardeu nestes 16 anos equivale a cerca de 60% da área florestal do país. Não arde tudo ao mesmo tempo claro, mas há um padrão nas paisagens que vêm sendo afetadas. E se o Centro é “o maior reservatório de carbono na floresta em Portugal continental”, com a floresta a estender-se por mais de um milhão de hectares, o que equivale a perto de 40% daquela região, é também a área mais vulnerável ao fogo. Só neste ano, seguindo os números do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), até ao dia de hoje arderam já 234 mil hectares, um volume só superado no fatídico ano de 2017, com 537.142 hectares feitos em cinzas e 114 mortes a lamentar. Neste ano, ainda nem agosto chegou ao fim e além da segunda maior área ardida já se contam oito mortes devido ao fogo. A região com mais pinheiro-bravo e eucaliptos (espécies dominantes, ocupando mais de 80%), mas onde se fixam também mais de 40 mil hectares de sobreiros e 20 vezes mais terreno coberto por mato e pastagens, é igualmente a mais consumida pelas chamas. Nos últimos dez anos, só nos distritos de Coimbra (113.839 ha), Viseu (104.371 ha) e Castelo Branco (101.912 ha), mais de 320 mil hectares foram transformados em cinzas. [VER GRÁFICO 1]

MENOS FOGOS, MAS PIORES

Verão após verão, o cenário repete-se com mais ou menos gravidade e se o número de fogos ateados tem vindo a cair consistentemente, com o maior êxodo do interior e abandono das terras, a sua gravidade tem vindo a escalar. Basta ver que, nos primeiros anos da década passada, o ICNF contabilizava quase sempre à volta de 20 mil fogos, valor que, nesta década tem ficado quase sempre abaixo de 8 mil ocorrências. A proporção de área ardida, infelizmente, é inversamente proporcional: entre 2011 e 1015 arderam em média 87 mil hectares/ano; de 2021 a 2025 (de novo, com agosto ainda a pouco mais de meio) a média está já perto dos 110 mil hectares. [VER GRÁFICO 2]

1

GRÁFICO
GRÁFICO 3

FOGUEIRAS, QUEIMAS E CRIME

Mas afinal qual é a causa de tantos incêndios? Em resumo, falta de cuidado e intenções criminosas. É verdade que o fogo posto tem um peso assinalável nas principais causas de fogo no país, mas há outro fator de ignição que persistentemente fica no topo das causas de incêndio: as queimas e queimadas.

Todos os avisos e alertas de risco extremo não têm sido capazes de demover quem toda a vida usou o fogo para destruir sobras agrícolas e florestais, tão pouco para desincentivar aqueles que não veem como um mero churrasco de verão pode constituir um perigo assinalável. Seja para gestão de pasto ou para fazer face a sobrantes agrícolas ou florestais, ou meras fogueiras e churrascos que fogem ao controlo de quem os acende, cerca de 40% dos incêndios são provocados por queimas e queimadas, com os incendiários a representar outros 30%.

Causas naturais, como as trovoadas secas que em 2017 tiveram um efeito devastador, são, ainda assim, bastante raras: representam meros 2%. [VER GRÁFICO 3]

GRÁFICO 5

GRÁFICO 6

POVOAÇÕES E ÁREAS DE MATO COM MAIOR PREVALÊNCIA

Quanto ao tipo de terrenos que mais arde, as áreas cultivadas têm conseguido ficar mais ou menos resguardadas, face a povoações e zonas de mato. À exceção de anos extraordinários, como 2017 e este mês de agosto, os terrenos agrícolas ardidos ficam, normalmente, aquém dos 8 mil hectares. Neste ano, porém, já se perderam mais de 30 mil hectares; pior, só no ano de Pedrógão, quando se acumularam perto de 40 mil hectares de cinzas neste tipo de território.

Tradicionalmente, são as zonas em que há povoações as mais afeadas pelo fogo — confirmando-se a tendência pelas principais causas que têm dado origem a incêndios, as de intervenção humana. Mas os locais com muita vegetação e mato são igualmente vulneráveis. Tomando os fogos registados pelo ICNF nos últimos dez anos, mais de metade dos cerca de 140 mil hectares que desapareceram ficavam em zonas de povoações, 38% eram matas e apenas 8% correspondiam a áreas de cultivo. [VER GRÁFICOS 4 , 5 E 6]

É urgente uma reforma profunda da floresta portuguesa

A floresta portuguesa continua a ser um dos maiores desafios do território nacional: fragmentada, envelhecida e, muitas vezes, sem gestão. Para Francisco Gomes da Silva, professor do Instituto Superior de Agronomia e ex-secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, é tempo de uma reforma profunda. Defende a criação de uma autoridade florestal autónoma, centrada na produção e na sustentabilidade, e lembra que a falta de escala é um dos principais obstáculos à gestão. “É preciso coragem política para fazer o que há muito sabemos que é necessário”, sublinha o também sócio fundador da Agroges. Num setor que tenta afirmar-se como motor de sustentabilidade e valor económico, as vozes no terreno pedem mais ação e menos burocracia. Rui Igreja, secretário-geral da ACHAR –Associação dos Agricultores de Charneca, e Luís Damas, presidente da Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais, defendem mais gestão, mais escala e maior liberdade de decisão para quem trabalha diretamente com a floresta.

À conversa com a Revista Agrotejo o ex-secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural (2013–2014), Francisco Gomes da Silva, partilha a sua visão sobre o que falta para transformar profundamente a forma como os territórios florestais são geridos.

Que mudanças estruturais considera essenciais para que a floresta portuguesa evolua para uma economia verdadeiramente sustentável e geradora de valor?

A primeira mudança que penso que terá de acontecer é voltarmos a ter uma

Autoridade Florestal Nacional (ou uns Serviços Florestais, para quem prefira a designação) robusta, competente e autónoma. Passados mais de 10 anos desde a fusão entre o ex-ICNB e a ex-AFN, penso que o balanço é claramente negativo. Estou certo de que os colabora-

PORTUGAL FLORESTAL

dores do ICNF dão o seu melhor, mas esse melhor é claramente pouco no que se refere à floresta. Aquilo a que assistimos é a uma completa secundarização da floresta enquanto objeto central das políticas e das práticas, tendo o foco passado, de uma forma avassaladora, para as questões da biodiversidade e para a obstaculização (eventualmente inadvertida) da promoção de uma floresta mais saudável, mais produtiva e mais resiliente. Trocando por miúdos, sou claramente favorável à extinção do atual ICNF, com a (re)criação de um organismo focado na floresta e outro nas questões da biodiversidade. Até poderão, eventualmente, ter a mesma tutela política, mas têm de assumir-se como dois organismos autónomos. A segunda mudança essencial, e que penso que poderá decorrer da anterior, é deixarmos de olhar para a floresta nacional como uma competição entre espécies, em que umas são “árvores boas” e outras são “árvores más”. A diversidade das condições naturais existentes no território nacional, e o processo de alterações climáticas em curso, deveriam tornar claro aos olhos dos decisores políticos que não existe qualquer ganho em ostracizar algumas espécies florestais, apenas por não serem espécies bem-amadas por setores influentes da sociedade. Falo do eucalipto, mas também do pinheiro-bravo, em cuja produtividade assentam duas fileiras industriais de enorme importância para o país e para o território.

Como é que as políticas públicas – nacionais e regionais – podem apoiar de forma mais eficaz a gestão ativa e profissional da floresta?

A questão é exatamente essa: a primeira coisa que tem de acontecer é, de uma vez por todas, assumir que o objetivo principal das políticas públicas florestais ao longo dos próximos anos deve ser, usando as suas palavras, “a promoção da gestão ativa e profissional da floresta”. Se esta gestão ativa (e sustentável) se tornar uma realidade, reduz-se a incidência de grandes incêndios florestais, aumentam as produtividades das diferentes espécies, melhora o seu estado sanitário, aumenta o sequestro de carbono e a produção de outros serviços de ecossistemas, diminuem as

importações de matéria-prima lenhosa e de cortiça, aumenta o Valor Acrescentado ao longo das diversas fileiras de base florestal e aumenta o emprego. Se tal for assumido, o caminho a seguir é relativamente simples: estabelecer contratos-programa com entidades que evidenciem capacidades operacionais para intervir a uma escala mínima aceitável para que, em articulação estreita com as autarquias para mobilização dos proprietários, intervirem sobre a floresta existente com as práticas de gestão sustentável que estão, desde há muito, bem identificadas. Isto significa abandonar, de uma vez por todas, a ideia de que o centro das políticas ditas florestais deve ser redesenhar a paisagem (para que esta fique mais resiliente) a partir de gabinetes de estudos, qualquer que seja a sua natureza. A paisagem altera-se a partir da gestão da paisagem que existe, e não “arrasando o que existe para construir um mundo novo”. Finalmente, penso que se deveria recuar claramente nesta nossa idiossincrasia de, num país de tão reduzidas dimensões, termos não uma Política Florestal nacional, mas mais de 300 políticas florestais de base autárquica. Enquanto isso não se alterar (atualmente as autarquias emitem pareceres vinculativos sobre cada projeto de arborização ou rearborização) dificilmente encontraremos um rumo para a floresta nacional. Em muitas regiões, a floresta é ainda vista como um território distan-

te da vida das comunidades. Que medidas poderiam aproximar a floresta das populações e torná-la mais “vivida”?

Desde logo será importante não afastar as pessoas da floresta, que é o que acontece com muita frequência durante o período mais crítico dos incêndios, ao impedir que sejam executados trabalhos florestais de uma forma cega e sem ter em conta as claras diferenças que diferentes territórios apresentam. De uma forma ativa, seria muito positivo que existisse empenho em criar uma campanha de comunicação positiva sobre a floresta. Atualmente, a floresta apenas tem palco em momentos de crise de grandes incêndios. Além de se criar uma imagem negativa sobre a floresta, o impacto é ainda mais profundo, promovendo mesmo o medo da floresta. O importante, mais do que criar “laços afetivos” com a floresta, é conseguir que se criem atividades económicas que gerem valor para quem as desenvolve, seja esse valor alcançado através dos mercados mais tradicionais (venda de madeira, de cortiça, de pinha ou de produtos de turismo) ou através de políticas públicas que cubram a existência de falhas de mercado (como será o caso da remuneração de serviços de ecossistema).

A prevenção de incêndios exige coordenação entre múltiplos atores. Que estratégias regionais considera

FRANCISCO GOMES DA SILVA, PROFESSOR DO INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA E EX-SECRETÁRIO DE ESTADO DAS FLORESTAS E DESENVOLVIMENTO RURAL.

GESTÃO, DIMENSÃO E LIBERDADE: OS PILARES QUE PODEM REDEFINIR O FUTURO DA FLORESTA PORTUGUESA

Entre desafios estruturais e a urgência de políticas estáveis, o setor florestal português procura afirmar-se como motor de sustentabilidade e valor económico. Para Rui Igreja, secretário-geral da ACHAR – Associação dos Agricultores de Charneca, e Luís Damas, presidente da Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais, a solução passa por mais gestão, escala e liberdade de decisão para quem trabalha no terreno.

A floresta portuguesa vive hoje um tempo de contradições. De um lado, o reconhecimento crescente do seu papel ambiental e económico; do outro, as dificuldades persistentes na gestão e valorização dos territórios. Luís Damas resume o problema de forma clara: “Não havendo escala da propriedade florestal, não se consegue ter uma economia que seja sustentável e geradora de rendimento.” O presidente da Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais defende que a estrutura fundiária continua a ser o grande entrave ao desenvolvimento do setor.

Rui Igreja, secretário-geral da ACHAR, partilha da mesma visão. “Apesar de o país florestal ser diferente, há um denominador comum que é a gestão, que se torna mais acessível se houver dimensão”, sublinha. A associação que lidera, com cerca de 150 mil hectares e 200 associados, tem apostado em certificação e prevenção: “Temos várias equipas de defesa da floresta contra incêndios, com rede de rádios e viaturas próprias, e temos conseguido reduzir o número de incêndios.”

Mas, para que o setor avance, Rui Igreja considera essencial “maior liberdade de decisão” e menos entraves burocráticos. “Não há grande liberdade para os produtores implementarem os seus projetos. Por exemplo, deveria ser possível mudarmos áreas de eucalipto, deslocando plantações para locais mais produtivos”, defende.

A instabilidade das políticas públicas e dos apoios é outro fator crítico. Luís Damas reconhece que instrumentos como as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) ou as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) “podem fazer a diferença”, mas lamenta a falta de continuidade: “O tecido associativo investiu muitos recursos humanos e financeiros e depois falhou o apoio do Estado para continuar o trabalho.”

Ambos sublinham a importância das associações de produtores, que, nas palavras de Luís Damas, “em muitas situações substituíram o Estado no apoio aos produtores florestais”. Estas estruturas, diz, “têm adquirido muita capacidade técnica, posta ao serviço dos produtores”, recordando que foram as associações a arrancar, em 1999, com o programa de Sapadores Florestais — hoje uma referência nacional na prevenção.

No terreno, a prioridade é clara: investir mais em prevenção do que em combate. “A grande transformação da floresta é termos a coragem de inverter o gasto em combate aos fogos e pôr na prevenção e gestão dos povoamentos”, defende Luís Damas.

Para Rui Igreja, a boa gestão é também um fator de segurança: “Permite diminuir a carga combustível que existe na floresta.” E reforça a necessidade de apoio público mesmo às propriedades de maior dimensão: “Não é pelo facto de serem áreas com alguma dimensão que não precisam de ajuda.”

Num país onde “os florestais deixam património para os netos”, como lembra Luís Damas, o futuro da floresta depende de decisões consistentes, de longo prazo — e de uma verdadeira aposta na gestão ativa e na liberdade de quem cuida da terra.

mais eficazes para reduzir o risco e promover uma gestão preventiva? Em matéria de incêndios, a prevenção passa sobretudo por conseguir reduzir a carga de combustível fino existente no território. E essa redução resulta sempre de uma intensificação das intervenções de gestão florestal. Um dos maiores obstáculos à intensificação da gestão é a ausência de escala (fundamentalmente a Norte e Centro) que torne esta intensificação da gestão um ato racional. Daí que seja muito importante o papel dos agentes que, no território, possam avançar para mobilizar os proprietários para formas de gestão agrupada. Refiro-me a qualquer tipo de entidade (desde que tenha capacidade para tal), independentemente da sua organização jurídica. O estabelecimento de contratos-programa com este tipo de entidades é, do meu ponto de vista, o caminho mais promissor para

LUÍS DAMAS, PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO NACIONAL DAS ASSOCIAÇÕES DE PROPRIETÁRIOS FLORESTAIS

RUI IGREJA, SECRETÁRIO-GERAL DA ACHAR – ASSOCIAÇÃO DOS AGRICULTORES DE CHARNECA

se alcançarem níveis e intensidades de gestão aceitáveis. Outro elemento essencial, na perspetiva da prevenção, é a constituição de um corpo profissional de “bombeiros florestais”. Ou seja, agentes especializados, que dominem as técnicas de fogo (e da sua gestão), que se foquem exclusivamente na floresta e não tenham como preocupação proteger as pessoas, as suas habitações e outras infraestruturas. Esta força profissional, fora dos dias de maior risco e dos períodos de incêndios ativos, manteria uma atividade permanente na floresta, zelando pela redução da carga combustível. Como é evidente, seria essencial que tal força fosse regionalizada, com comandos também regionais, para garantir um melhor conhecimento do terreno. Seria um investimento que rapidamente se pagaria.

Como imagina a floresta portuguesa daqui a 20 anos, se o país conseguir concretizar esta transformação?

Confesso que não consigo imaginá-la, por acreditar cada vez menos que sejam tomadas as decisões necessárias para que essa transformação ocorra. E a única razão que vejo para que essas decisões não sejam tomadas é a falta de coragem política. No entanto, se daqui a 20 anos conseguíssemos que a floresta nacional fosse toda ela objeto de gestão ativa, já seria uma enorme transformação, pois estaríamos muito mais perto de ter uma floresta mais sã,

PRECISAMOS DE UMA AUTORIDADE FLORESTAL AUTÓNOMA E COMPETENTE

mais resiliente, mais produtiva e geradora de maior valor para os seus proprietários, para a economia nacional, para o ambiente e para o país. Penso que não é pedir muito: basta fazer o que não pode deixar de ser feito, sob pena de estarmos condenados a assistir à completa destruição deste ativo com um valor potencial tão elevado para os seus proprietários, para o ambiente, para a economia e para a coesão do território.

A INEXISTÊNCIA DE CADASTRO GERA

INEFICIÊNCIAS, CONFLITOS

E PERDA DE VALOR ECONÓMICO.

BLANDINA SOARES, COORDENADORA DA ESTRUTURA DE MISSÃO DO BUPI

Inexistência de cadastro gera ineficiências, conflitos e perda de valor económico

Criado para responder à falta de um cadastro completo da propriedade em Portugal, o Balcão Único do Prédio (BUPi) tornou-se um projeto transformador na gestão do território. Desde janeiro de 2025 sob coordenação de Blandina Soares, o BUPi tem como missão mapear e identificar os limites das propriedades, promovendo a segurança jurídica, a valorização económica e a sustentabilidade. Entre tecnologia, cidadania e floresta, é já uma das maiores operações de conhecimento territorial da história do país.

O BUPi é frequentemente descrito como uma revolução silenciosa na forma como Portugal olha para o território. Que desafios encontrou ao assumir a coordenação deste projeto?

Conhecia o BUPi pela sua importância jurídica e legislativa, mas não tinha plena noção da sua dimensão nacional. Este é um projeto com três grandes vertentes – humana, tecnológica e económica – e cada uma representa desafios significativos. Na vertente humana, dependemos da participação ativa dos cidadãos. Muitos proprietários têm pouca literacia digital ou jurídica e é fundamental comunicar de forma clara, para que percebam que identificar o seu terreno não é perder direitos, mas sim garanti-los. A dimensão tecnológica é igualmente exigente. Estamos a falar de uma plataforma moderna, baseada em cloud computing, que tem de assegurar interoperabilidade com vários sistemas – da Autoridade Tributária (AT), do Registo Predial, da Direção-Geral do Território (DGT), entre outros. Finalmente, a vertente económica: trata-se de um projeto nacional com custos elevados, mas que representa um investimento no futuro. A inexistência de cadastro gera ineficiências, conflitos e perda de valor económico. O BUPi é, por isso, uma resposta estruturante e de longo prazo.

O BUPi nasceu em 2017. Sente que já é reconhecido como um projeto transformador?

Sim, acredito que o BUPi já é visto como um projeto transformador para o país e para os cidadãos. Entre 2017 e 2021 o avanço foi limitado pela pandemia, mas nos últimos anos assistimos a uma adesão crescente. Hoje, muitos cidadãos percebem que o BUPi é mais do que uma formalidade: é uma oportunidade para dar valor ao território e proteger o património familiar. Basta aceder ao visualizador público do BUPi para percebermos o progresso: passámos de um mapa vazio para um retrato real do país. Ainda há alguma confusão entre cadastro, registo e finanças, mas são instrumentos diferentes. O nosso objetivo é caminhar para um documento único do prédio, com toda a informação geográfica, jurídica e fiscal. Isso simplificará a vida dos cidadãos e reforçará a confiança no sistema.

Em termos práticos, qual é o grande objetivo do BUPi?

O BUPi não serve apenas para desenhar polígonos. O que pretendemos é criar uma base

de informação geográfica e jurídica integrada, que mostre de forma precisa a quem pertence cada parcela do território. A plataforma BUPi já integra informação sobre o domínio público e privado, incluindo o domínio hídrico e, em breve, o ferroviário e rodoviário. É um sistema que evolui constantemente. O objetivo é ter um retrato fiel da realidade – o território total. E associar a essa realidade a informação sobre o direito de propriedade. Isso significa interoperabilidade entre sistemas e entidades, garantindo que o cidadão tem tudo num único local.

Quais são os maiores desafios nesta fase de expansão?

Temos desafios técnicos e humanos. No plano institucional, a interoperabilidade entre entidades é o maior obstáculo. É preciso garantir que os sistemas falam entre si e que os dados se atualizam automaticamente entre o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), a AT, a DGT e outros organismos. Mas a colaboração tem sido notável. Desde janeiro temos reuniões regulares com todas as entidades en-

O QUE PRETENDEMOS É CRIAR UMA BASE DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA E JURÍDICA INTEGRADA, QUE MOSTRE DE FORMA PRECISA A QUEM PERTENCE CADA PARCELA DO TERRITÓRIO.

PERSPETIVA TRIDIMENSIONAL DA LOCALIZAÇÃO DOS TERRENOS NO CONCELHO DE VIANA DO CASTELO.

“ AS ÁREAS COM PROPRIEDADES REGISTADAS TENDEM A ESTAR MAIS LIMPAS E GERIDAS, REDUZINDO A PROBABILIDADE DE INCÊNDIO.”

volvidas, e já firmámos novos protocolos para troca de informação em tempo real. Também trabalhamos na comunicação com os cidadãos. A campanha com a apresentadora Fátima Lopes, por exemplo, ajudou a aproximar o projeto das pessoas, com uma linguagem simples e empática. Queremos que cada português entenda que o BUPi não é uma burocracia – é uma ferramenta para dar segurança, valor e futuro à propriedade.

Como é que um cidadão pode fazer o registo do seu terreno?

É um processo simples. O proprietário pode dirigir-se a um dos balcões BUPi existentes nos municípios aderentes – a lista está disponível no site – ou fazê-lo online , usando a Chave Móvel Digital. Não existe limitação territorial: um cidadão pode fazer a RGG de um terreno em Bragança num balcão no Porto, por exemplo. Os balcões destinam-se sobretudo a quem tem menos literacia digital, enquanto as RGG eletrónicas são recomendadas para profissionais. Temos incentivado fortemente advogados, notários e solicitadores a fazê-lo digitalmente, o que aumenta a eficiência do sistema.

Qual é o papel dos municípios neste processo?

Os municípios são parceiros essenciais. Compete-lhes criar e gerir os balcões de atendimento e contratar técnicos habilitados, mas muitos fazem muito mais do que isso. Há autarquias que organizam campanhas locais, mobilizam cidadãos, criam materiais

informativos e até canções alusivas ao BUPi. Os técnicos municipais, além de apoiarem os proprietários, recebem formações contínuas e atuam como conciliadores em casos de sobreposição. É um trabalho notável de proximidade. Cerca de 90% destes técnicos demonstram uma verdadeira vocação humana de serviço público. É graças a eles que o BUPi chega a pessoas que, de outro modo, nunca participariam.

O que acontece quando há sobreposições ou conflitos nos registos?

A taxa de sobreposições é muito baixa – cerca de 2% – e tem-se mantido estável, o que é sinal de maturidade do sistema. Importa esclarecer que a delimitação feita no BUPi não cria direitos de propriedade. O BUPi identifica, mas não legitima. O direito é formalizado através de um título, como uma escritura ou partilha, que depois é registado na conservatória. Quando há erros ou pequenos lapsos, os técnicos conciliadores podem resolver administrativamente. Se o conflito for real, recorre-se ao tribunal, com base nos títulos formais. O BUPi não gera

IDENTIFICAÇÃO E DESENHO DE TERRENOS NO VISUALIZADOR, COM SUPORTE DE CARTOGRAFIA VETORIAL.

conflitos – revela-os. E isso é positivo, porque permite enfrentá-los e resolvê-los de forma transparente.

O BUPi pode também ter impacto na prevenção dos incêndios e na gestão florestal?

Sim, e de forma muito direta. Um território identificado é um território mais seguro. As áreas com propriedades registadas tendem a

“ O BUPI ESTÁ A TRANSFORMAR-SE NUMA PLATAFORMA DE GESTÃO TERRITORIAL INTEGRADA.

É PRECISO GARANTIR

QUE OS SISTEMAS FALAM ENTRE SI E QUE OS DADOS SE ATUALIZAM AUTOMATICAMENTE

ENTRE O INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO (IRN), A AT, A DGT E OUTROS ORGANISMOS.

estar mais limpas e geridas, reduzindo a probabilidade de incêndio. Num estudo recente, sobrepusemos os mapas das RGG com as áreas afetadas pelos fogos de agosto e verificámos que onde havia RGG o fogo quase não entrou. O BUPi é, portanto, uma ferramenta de ordenamento e gestão florestal, essencial para mudar a paisagem rural e prevenir catástrofes.

Como se faz a integração entre o BUPi e o cadastro predial existente?

Portugal tem dois regimes: o cadastro predial, mais antigo, e o cadastro simplificado, que nasce com o BUPi. O objetivo é integrá-los. Com o novo regime jurídico, as RGG validadas por todos os proprietários confinantes passam a integrar a carta cadastral, ou seja, tornam-se cadastro predial. A plataforma BUPi continuará ativa e ligada às bases de dados da DGT, garantindo a interoperabilidade necessária. Esta integração é um passo decisivo para termos, finalmente, um sistema cadastral único e moderno em todo o país.

Muitos proprietários não têm provas de titularidade ou enfrentam dificuldades na atualização dos dados. Como se resolvem essas situações?

Esta é uma realidade histórica. Há muitas propriedades que passaram de geração em geração sem documento formal. Quando alguém possui um terreno, mas não tem escritura, pode recorrer à justificação de direitos – um processo legal que permite comprovar a posse com testemunhas ou documentos auxiliares. Outra via é a usucapião, que reconhece a propriedade a quem, durante mais de 20 anos, exerceu atos contínuos de proprietário – cultivou, limpou, cuidou do terreno. O importante é que o cidadão perceba que o BUPi aceita diferentes formas

de legitimidade: quem tem o prédio inscrito nas Finanças, quem tem o registo predial ou quem apresenta justificação legal pode fazer a RGG. Já as discrepâncias entre as várias entidades – Finanças, Registo Predial e BUPi – resolvem-se por harmonização. As novas regras obrigam a que as áreas e confrontações coincidam, com margens de tolerância pequenas. É um processo exigente, mas que traz coerência e segurança a todo o sistema.

E o que acontece aos terrenos sem dono conhecido?

Quando o puzzle do território estiver quase completo e restarem polígonos sem identificação, será iniciado o procedimento de reconhecimento e registo de prédios sem dono conhecido. É um processo previsto na lei e que garante que nenhuma parcela do território fica sem enquadramento. Por isso, apelamos à participação dos cidadãos enquanto o processo é gratuito. A elaboração da RGG e o registo predial são gratuitos até 31 de dezembro de 2025, e é importante aproveitar esta oportunidade.

Há escassez de técnicos habilitados para acompanhar o ritmo do projeto?

Temos situações muito diferentes no país. Há municípios com grande procura e técnicos sobrecarregados, e outros com menos movimento. A contratação é da responsabilidade das autarquias, e por isso há desigualdades. De qualquer forma, o sistema foi concebido para ser flexível: qualquer cidadão pode ir a qualquer balcão, independentemente da localização do seu terreno. E com o aumento das RGG eletrónicas, realizadas por profissionais jurídicos, o processo tem ganho agilidade. O futuro passará cada vez mais por essa via digital, sem perder o apoio presencial para quem precisa.

Qual a percentagem da área georefenciada atualmente pelo BUPi?

Os dados são públicos e atualizados semanalmente no site do BUPi, o que reflete a transparência do projeto. Neste momento [outubro] temos quase três milhões de propriedades identificadas, num total estimado de oito milhões, o que corresponde a 36% da área georreferenciada do país. Mais de 450 mil cidadãos já participaram e, todos os dias, são criadas cerca de quatro mil RGG por via presencial e eletrónica. A meta para 2025 é atingir os 40% do território cadastrado. Pode parecer um número modesto, mas, conside-

ALGORITMO DE AJUDA À LOCALIZAÇÃO DE TERRENOS, PELA LOCALIZAÇÃO ESTIMADA DOS ARTIGOS MATRICIAIS.

rando que durante mais de um século o Norte do país praticamente não tinha cadastro, é um progresso extraordinário.

O NOSSO OBJETIVO É CAMINHAR PARA UM DOCUMENTO ÚNICO DO PRÉDIO.

E quanto aos municípios que ainda não dispõem de cadastro predial?

O BUPi é precisamente a solução para esses territórios. As RGG validadas por todos os confinantes passam a integrar o cadastro predial, contribuindo diretamente para a criação do cadastro onde ele ainda não existia. Atualmente, 158 municípios do continente

já aderiram ao BUPi, incluindo todos os que podiam fazê-lo. Nos Açores e na Madeira, estamos em fase de integração tecnológica e legislativa, com vista a garantir que também as regiões autónomas ficam incluídas no sistema. O objetivo é que nenhuma parcela do território nacional fique de fora.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem sido essencial para financiar o projeto. Que balanço faz dessa componente?

O PRR tem sido um instrumento determinante, sobretudo para apoiar os municípios. Os concelhos do Norte têm financiamento até junho de 2026 e os do Centro até dezembro de 2025, mas estamos a trabalhar para igualar os prazos e permitir que todos possam executar até meados de 2026. Esta harmonização é essencial para garantir que o esforço de georreferenciação avança de forma equilibrada em todo o país.

O orçamento atual – cerca de 10 milhões de euros – é suficiente para as metas definidas?

Sim, é um valor ajustado ao planeamento feito até 2026. Este orçamento cobre a manutenção da plataforma, as campanhas de comunicação, o apoio técnico aos municípios e as ações de formação. É um investimento significativo, mas proporcional à dimensão e importância nacional do projeto.

O BUPi poderá evoluir para uma ferramenta de planeamento estratégico do território?

Sem dúvida. O BUPi está a transformar-se numa plataforma de gestão territorial integrada. Hoje, além da informação cadastral, já inclui dados sobre domínio público, perigosidade de incêndios, florestas, ordenamento urbano e até planos diretores municipais. Esta integração permitirá que o BUPi seja usado para apoio à decisão pública, planeamento agrícola, gestão florestal e proteção ambiental. Naturalmente, será sempre necessário garantir segurança e ética no tratamento da informação, mas o potencial é imenso. O projeto não termina – continuará a evoluir. A única dúvida é se a atual Estrutura de Missão, que coordeno, será prorrogada ou se o BUPi passará a ser gerido por outra entidade permanente. Independentemente disso, o caminho é irreversível: o BUPi é uma política de Estado e uma ferramenta de futuro.

A Água Que Corre Contra o Tempo

Antes mesmo de se falar de alterações climáticas e da escassez de recursos hídricos se ter tornado um problema na generalidade do território nacional, já o regadio era uma questão fundamental para as agriculturas de cariz mediterrânico, com é a agricultura portuguesa.

No âmbito europeu, em Bruxelas, onde a CAP desenvolve parte do seu trabalho, sempre foi evidente a diferente preocupação dos chamados países do Sul, face ao norte da Europa, onde se verificavam índices de pluviosidade muito superiores, inclusivamente com situações de disponibilidade excessiva de água.

Nas décadas mais recentes, o problema agravou-se e a gestão dos recursos hídricos adquiriu contornos de prioridade nacional, não só para a agricultura como também para a generalidade das atividades económicas e mesmo para o consumo humano, constituindo um fator determinante para o desenvolvimento de uma forma geral.

Sendo uma matéria transversal à nossa sociedade, a água é a questão mais relevante para moldar e determinar o futuro da agricultura no nosso país. Por outro lado, um plano para a gestão dos recursos hídricos só pode ser concretizado mediante uma vontade política determinada, com investimento substanciais e decisivos em infraestruturas de armazenamento e distribuição de água, à escala nacional. Estamos, portanto, perante uma prioridade que não se compadece com ciclos políticos, que implica a adoção de uma estratégia de longo prazo e que pressupõe uma espécie de pacto de regime em torno desta matéria.

Ora, tendo em conta que a falta de determinação política sobre esta questão – bem como sobre outras, diga-se de passagem –tem sido recorrente ao longo das últimas décadas, seria motivo para duvidar da implementação de um plano com esta dimensão e abrangência. O recente anúncio da estratégia “Água Que Une”, por parte do governo, deixa-nos com esperança de que estejamos, de facto, a dar os primeiros passos em direção a um verdadeiro plano estruturante em matéria de recursos hídricos em Portugal, mas é necessário que não fiquemos pelo anúncio e que rapidamente passemos à implementação

Trata-se de um plano que prevê a aplicação de cinco mil milhões de euros até 2030, e que permitirá aos agricultores uma maior previsibilidade nas suas produções, combatendo os efeitos das alterações climáticas, os quais já se tornaram evidentes em muitas culturas. O Programa “Água que Une” deverá aumentar significativamente a área de regadio, reabilitar perímetros de rega, incrementar a capacidade de arma-

zenamento de água e a construção de novos aproveitamentos hidroagrícolas. Para além disso, é essencial promover interligações entre bacias hidrográficas e apoiar a construção de charcas e barragens.

É preciso compreendermos que sem água não há pessoas, não há economia, não há futuro. Independentemente de quem esteja no poder, Portugal precisa manter uma visão clara sobre esta matéria, no sentido de promover o desenvolvimento regional e o progresso do país. Vejamos o exemplo de Alqueva, que impulsionou a economia no Alentejo, um território que corresponde a cerca de um terço da área do território nacional, com baixa densidade populacional e carência de rejuvenescimento, mas que aumentou exponencialmente as receitas fiscais face ao investimento efetuado. Alqueva já está pago e a sua atividade constitui uma fonte de receita para o Estado. Assim, reagimos de forma muito positiva ao anúncio, por parte do governo, de que o preço da água no perímetro de rega de Alqueva não vai aumentar para os agricultores.

Agora, torna-se necessário investir na capacidade de reter e distribuir água em outras regiões, também a partir do rio Tejo, de modo a proporcionar também ao Ribatejo e ao Oeste, por essa via, recursos hídricos que poderemos e deveremos aproveitar. Não há dúvida de que Portugal precisa urgentemente de reforçar a sua resiliência face à escassez de água que se verifica de uma forma cada vez mais abrangente ao longo de

todo o país. Esta situação degrada a já frágil coesão territorial e a resiliência face às alterações climáticas, bem como a soberania alimentar nacional, colocando em causa a atividade agroflorestal e a pecuária.

Desta forma o tema do armazenamento, da gestão e da distribuição de água não pode de forma alguma ficar refém de agendas partidárias e calendários eleitorais. Manter a água como prioridade nacional é reconhecer que sem ela não há agricultura, não há indústria nem qualquer outra atividade económica. Para além de tudo o mais, não podemos hipotecar o futuro das próximas gerações, deixando arrastar problemas para os quais existem soluções técnicas, carecendo apenas de planeamento atempado, empenho e investimento. A água que corre nos rios, nos aquedutos, nos canais, na atmosfera e nosso corpo, é também a água que neste momento corre contra o tempo.

Setor agrícola expectante sobre criação da AdP Áqua

O anúncio da criação da AdP Áqua, nova empresa do grupo Águas de Portugal destinada a acelerar a execução da Estratégia Nacional Água que Une, foi recebido com expectativa e prudência pelos principais representantes do setor agrícola que, acima de tudo, quer “obra feita”.

A Estratégia Nacional Água que Une, apresentada em março, pretende responder a um dos maiores desafios estruturais do país: a gestão sustentável da água. A criação da AdP Áqua, anunciada em outubro pela ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, surge como o primeiro passo para tirar o plano do papel. Mas no setor agrícola — o principal utilizador da água em Portugal — as reações reve-

lam tanto esperança como impaciência. Luís Mira, secretário-geral da CAP, vê com preocupação este anúncio e defende que o momento já deveria ser de discussão do financiamento de alguns dos projetos previstos, sob pena de se perder capacidade de investimento. “A posição da CAP é de preocupação, porque nós não consideramos que este seja um avanço. Não sabemos no que é que isto se traduz. Estamos a discutir o

Orçamento do Estado para 2026 e precisávamos de ter com clareza a forma como se vai financiar este investimento.” A Confederação dos Agricultores de Portugal assegura que não deixará este assunto cair no esquecimento. Os agricultores regantes defendem que o setor deve estar representado na AdP Áqua, mas acima de tudo é preciso passar à ação. “O mais importante é que se passe para a execução. Sabemos que

é preciso uma estrutura para tal acontecer. No entanto, preocupa-nos agora a forma como o setor agrícola vai estar representado nesta empresa criada no âmbito do ministério do Ambiente”, alerta José Núncio, presidente da FENAREG.

Macário Correia, presidente da Associação de Regantes do Sotavento Algarvio, concorda com a criação desta empresa porque “as estruturas existentes estão ocupadas e não têm condições para se concentrar nesta tarefa”. Contudo, alerta para o facto da Água que Une ser uma estratégia que inclui muitos projetos de engenharia e estudos económicos, será importante que “a empresa reúna por todo o país com as entidades gestoras da água para se estabelecerem prioridades e metas”.

Macário Correia assegura que “as autarquias, as empresas municipais da área da água, as associações de regantes e outros estão à espera de serem contactados para se definir um calendário de tarefas e programação no tempo”.

Domingos dos Santos, presidente da FNOP – Associação Nacional das Organizações de Produtores de Frutas e Hortícolas sente o anúncio da criação da AdP Áqua como uma reação “pouco pensada às exigências da CAP” e destaca que o mais importante “é que comece a haver trabalho no terreno”. Um dos aspetos que preocupa o dirigente é a aparente falta de articulação neste processo entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura.

Do lado das associações de produtores, a mensagem é clara: é preciso agir. Jorge Neves, presidente da ANPROMIS, lembra que “o setor vive de decisões concretas e não de anúncios”. “O país precisa de prazos, calendários e orçamentos. Há investimentos que têm de ser feitos no tempo certo, sob pena de se perderem fundos e oportunidades.” Para o dirigente, a concretização da Água que Une é essencial para fortalecer a agricultura nacional, em particular culturas que são iminentemente de regadio, como é o caso do milho. De acordo com o presidente da ANPROMIS, a estratégia Água que Une poderia ser empreendida pela EDIA, uma empresa com muita experiência sobre o tema. “Temos a EDIA, uma entidade com experiência

extraordinária em gestão de um perímetro de rega. Tem corpo técnico, tem conhecimento. Ou seja, tem tudo o que é necessário para liderar grandes obras de regadio”, defende Jorge Neves. A agricultura no sudoeste alentejano tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Os agricultores da região relembram que continuar a aposta neste setor que dinamiza a economia regional será possível com disponibilidade de água. Por isso, também nesta região se vive com expectativa a implementação da Água que Une. Luís Mesquita Dias, presidente da AHSA – Associação de Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur, não esconde a surpresa com o “pouco destaque mediático” dado ao anúncio, considerando que “o projeto merecia ter sido comunicado ao mais alto nível, talvez pelo próprio primeiro-ministro”. O também presidente da Agrotejo sublinha que “a Água que Une deverá ser um dos projetos mais transformadores do futuro deste país, com impacto económico, social e ambiental sem precedentes”. Para o responsável, embora esperasse “um papel central da EDIA” na execução, considera que a nomeação do

professor António Carmona Rodrigues garante “competência e experiência para fazer o projeto funcionar”. Luís Mesquita Dias defende ainda que esta Estratégia deve ser encarada como um “um verdadeiro desígnio nacional” e, nesse sentido, o Governo deve depositar neste projeto “um esforço acrescido de divulgação”.

José Palha recorda que a estratégia foi “um trabalho bem feito e articulado”, mas que corre o risco de se perder no tempo. Na opinião do presidente da ANPOC, “precisávamos que o primeiro-ministro assumisse a coordenação direta desta estratégia. A água não pode esperar por ciclos eleitorais, nem por disputas internas. É urgente avançar, ou corremos o risco de desertificar o país.”

O presidente da AOP, Carlos Amaral, levanta algumas questões sobre este tema: “Como vai funcionar esta empresa? Quem vai compor a equipa? Qual o calendário para implementação de projetos? E o financiamento?”. Para o representante dos produtores de arroz é igualmente urgente que a Estratégia comece a ser implementada porque “já passou demasiado tempo” desde a apresentação da mesma.

As questões de Carlos Amaral são partilhadas por Francisco Gomes da Silva. O sócio fundador da Agroges mostra-se esperançoso que “com muita brevidade possamos ficar a conhecer estes elementos, pois isso significará que a AdP Áqua está em condições de iniciar a sua ação. Penso que o veícu-

lo encontrado é uma boa solução para liderar a governança da concretização da estratégia”. Mas sublinha que “o tempo urge” e a nova empresa “não irá certamente assumir a totalidade das ações previstas na estratégia. Terá de se encontrar o modelo de articulação, que tem de ser extremamente

simples, com os organismos públicos com responsabilidades nas políticas públicas da água – APA e DGADR –, bem como com as empresas com experiência em obras de regadio como a EDIA, por exemplo”. Francisco Gomes da Silva destaca que a AdP Áqua tem como vantagem beneficiar do “enorme crédito de que o Grupo AdP goza junto da banca nacional e internacional”.

Na perspetiva de Pedro Santos, diretor-geral da Consulai, deveria ser criada uma “estrutura de missão focada em concretizar os objetivos da estratégia Água que Une”. Mas salienta que o mais relevante é que haja um canal aberto de comunicação entre os ministérios da Agricultura e Ambiente. “Seria uma estrutura que teria um papel relevante na execução mas, também, na simplificação administrativa, burocrática.” Pedro Santos conclui que o mais relevante é que a estratégia seja concretizada.

AGROMAIS,

AGROMAIS PLUS E ALQUEVA

Duas trajetórias, o mesmo compromisso com o futuro da agricultura portuguesa

Com raízes fundas no Ribatejo e presença consolidada no Alentejo, a Agromais e a Agromais Plus e Alqueva encerram mais um ciclo de atividade com resultados sólidos e um olhar atento aos desafios do setor. Jorge Neves, diretor-geral da Agromais e João Rodrigues, diretor-geral da Agromais Plus e Alqueva fazem o balanço de um ano de trabalho em que a proximidade com o agricultor, a inovação técnica e a capacidade de adaptação se mantêm como pilares fundamentais.

A Agromais mantém-se como uma das principais forças motrizes da agricultura ribatejana, com o milho a continuar a ser a sua cultura de referência. “O milho continua a ser a nossa atividade principal e os problemas que identificamos nesta cultura são uma fonte de preocupação para o nosso fu-

turo, mas também de muitas explorações agrícolas”, sublinha Jorge Neves, diretor-geral da Agromais.

O objetivo, explica, é claro: preservar o rendimento dos agricultores e recuperar uma trajetória de crescimento das áreas de produção, algo que tem sido difícil nos últimos anos. Essa defesa

“intransigente do rendimento” passa também por apoiar a diversificação e a valorização das culturas complementares — tomate, milho para pipocas e batata de indústria.

“Temos muito orgulho nos produtores de tomate que trabalham connosco. São dos melhores agricultores deste

país, e queremos continuar a crescer com eles”, afirma Jorge Neves.

A cultura do tomate de indústria, com forte peso exportador, é estratégica para a Agromais, que atua em estreita colaboração com os produtores e a fileira transformadora. Já o milho para pipocas surge como uma alternativa viável e atrativa, garantindo novas oportunidades de rendimento para os agricultores e vai continuar a ser apoiada. A Agromais tem ainda como foco continuar a crescer na produção de batata para a indústria.

O dirigente sublinha ainda a importância da inovação tecnológica e da gestão eficiente dos recursos como fatores determinantes para a sustentabilidade da agricultura atual. “Queremos reforçar o apoio ao agricultor na aquisição de tecnologia que permita racionalizar custos de produção, sobretudo ao nível da energia e dos inputs”, afirma. Com o uso de ferramentas como o controlo de índices NDVI e a gestão de rega de precisão, a Agromais pretende ajudar os agricultores a tomarem decisões mais informadas e a aumentarem a rentabilidade das suas explorações. “Estamos muito empenhados em que os agricultores absorvam o máximo possível de informação e novas práticas culturais. O conhecimento é hoje o principal fator de competitividade”, reforça Jorge Neves. Num contexto desafiante, a Agromais mantém assim a sua missão cooperativa: apoiar os produtores, modernizar práticas e garantir a viabilidade económica das explorações agrícolas que sustentam o Ribatejo agrícola.

AGROMAIS PLUS E ALQUEVA: CONFIANÇA, CONHECIMENTO E ADAPTAÇÃO

Criada há 26 anos, a Agromais Plus, S.A. nasceu para apoiar a produção agrícola dos agricultores do Ribatejo, alargando a oferta de fatores de produção também a produtores não associados da cooperativa Agromais. “A Agromais Plus permite a comercialização de fatores de produção a todos os agricultores, e não apenas aos sócios da Agromais, CRL”, recorda João

Rodrigues, diretor-geral da Agromais Plus e Alqueva.

A empresa tornou-se uma referência técnica e comercial na região, acompanhando o desenvolvimento das principais culturas — milho grão, tomate, batata de indústria e hortícolas de ar livre. “Temos hoje a melhor equipa técnica nas culturas da região, onde conjugamos experiência, conhecimento e prática”, sublinha João Rodrigues. Há 11 anos, a empresa expandiu a sua atuação com a criação da Agromais Plus Alqueva, sediada em Ervidel, adaptando-se ao crescimento do regadio alentejano. “Hoje, a Plus Alqueva acompanha a transformação que está a ocorrer nas margens de Alqueva, fornecendo produtos e soluções ajustadas a esta nova realidade”, explica o responsável.

CONHECIMENTO TÉCNICO

E PROXIMIDADE:

OS DIFERENCIAIS

A maturidade e estabilidade da equipa técnica são, segundo João Rodrigues, o maior trunfo da Agromais Plus. “O que mais nos identifica é a confiança que depositam na equipa e nas suas soluções prescritas. A proximidade e o conhecimento profundo da região tornam-nos líderes incontestados”, afirma. Num setor em rápida transformação — com menos explorações, novas culturas, entrada de fundos financeiros e restrições ao uso de substâncias ativas —, o conhecimento técnico torna-se essencial. João Rodrigues dá um exemplo do apoio que prestam aos agricultores: “Com a saída do S-metalocloro dos herbicidas do milho, por exemplo, a abordagem à gestão de infestantes muda completamente. É preciso conhecer o campo, parcela a parcela. Deixou de haver soluções milagrosas”.

MELHORIAS E PROJETOS

FUTUROS

O último ano foi marcado por um conjunto de melhorias estruturais e operacionais: reforço do trabalho em equipa, criação de um campo de ensaio de milho para consumo humano, maior acompanhamento técnico, modernização da logística e presença digital reforçada com a entrada nas redes sociais.

O MILHO CONTINUA A SER A NOSSA ATIVIDADE PRINCIPAL E OS PROBLEMAS

QUE IDENTIFICAMOS NESTA CULTURA SÃO UMA FONTE DE PREOCUPAÇÃO PARA O NOSSO FUTURO, MAS TAMBÉM DE MUITAS EXPLORAÇÕES AGRÍCOLAS.

João Rodrigues DIRETOR-GERAL DA AGROMAIS PLUS E ALQUEVA

“ O NOSSO CAMINHO É FEITO COM OS NOSSOS CLIENTES. TEMOS UMA RESPONSABILIDADE

ACRESCIDA PERANTE A REGIÃO DO RIBATEJO E QUEREMOS RESPONDER AOS NOVOS DESAFIOS DA AGRICULTURA.

Jorge

Mas o plano de evolução está longe de ficar por aqui. João Rodrigues destaca várias áreas de investimento e inovação:

• Gestão mais clara e eficaz para melhor tomada de decisão;

• Ensaios próprios de novas soluções, independentes de condicionantes comerciais;

• Parcerias com fornecedores estratégicos;

• melhoria da logística;

• melhoria da comunicação interna e externa;

• melhoria da interação entre Agromais Plus e seus clientes;

• formação da equipa para novos desafios e culturas;

• abordagem diferenciada do território dentro das culturas core da empresa;

• implementação de ferramentas informáticas visando o aumento da eficiência;

• integração de abordagem sem resíduo e regenerativa na oferta da empresa e

• integração da gestão da rega no apoio ao nosso cliente.

“O nosso caminho é feito com os nossos clientes. Temos uma responsabilidade acrescida perante a região do Ribatejo e queremos responder aos novos desafios da agricultura”, conclui João Rodrigues.

O CARBONO NA FLORESTA DE PRODUÇÃO

Oportunidade e responsabilidade na fileira do eucalipto

THE NAVIGATOR COMPANY

Num momento em que os desafios climáticos exigem respostas concretas e estruturadas, o Modelo de Valorização do Carbono (MVC) surge como uma proposta estratégica para reconhecer e remunerar os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas florestais.

Este modelo visa atribuir valor económico à capacidade de sequestro de carbono, criando incentivos para práticas de gestão sustentável e promovendo a conservação ativa dos recursos naturais. No entanto, para que o MVC tenha impacto real, é fundamental que inclua e valorize a floresta de produção, que representa uma das maiores fontes de sequestro de carbono em Portugal. É neste contexto que a indústria florestal, e em particular empresas como a The Navigator Company, têm um papel determinante na concretização e credibilização deste modelo. A Navigator é hoje uma referência internacional na produção de pasta, papel, tissue e bioenergia a partir de fontes renováveis. Mas é também, e cada vez mais, um agente ativo na gestão florestal sustentável em Portugal, gerindo quase 110 mil hectares de floresta com certificação de gestão sustentável (FSC e PEFC). A empresa assume um papel de liderança na promoção de boas práticas florestais, apoiando milhares de pequenos e médios proprie-

tários florestais através de programas de capacitação, certificação e valorização da floresta. Este compromisso com a floresta portuguesa vai além da produção de matéria-prima. A Navigator reconhece o valor estratégico da floresta como ativo ambiental, social e económico. Neste contexto de emergência climática, a floresta de produção – em particular o eucaliptal bem gerido – surge como uma ferramenta poderosa para o sequestro de carbono e a mitigação das alterações climáticas. E é com base nessa experiência que afirmamos: a floresta de produção, longe de ser um obstáculo, pode – e deve – ser um pilar do MVC.

O EUCALIPTO: UM ALIADO FUNDAMENTAL NA CAPTURA DE CARBONO

O eucalipto é frequentemente alvo de críticas simplistas, mas os dados falam por si: trata-se de um dos ativos florestais com maior capacidade de sequestro de carbono por hectare, graças ao seu rápido crescimento e elevada produtividade. O eucalipto globulus,

que plantamos em Portugal, sequestra anualmente, e por hectare, cerca de 11,3 toneladas de CO2, valor que representa destacadamente o maior nível de sequestro anual das espécies presentes na floresta nacional.

O CARBONO NO SOLO É A PARCELA MAIS RELEVANTE

Apesar de haver uma exportação de carbono na floresta de produção de eucalipto (com o corte), ela é inferior a 30% do total, de acordo com estudos publicados pela UTAD. Os 70% não exportados ficam maioritariamente no solo (50%), nas raízes (9%), nos sobrantes de corte (6%) e biomassa morta (5%).

Estes números reforçam o papel do eucalipto como aliado fundamental da sustentabilidade, desde que inserido num modelo de gestão responsável, que respeite os ciclos ecológicos, promova a biodiversidade e minimize os riscos de incêndio. Quando gerido de forma responsável, o eucaliptal é um sumidouro de carbono altamente eficiente, com ciclos curtos que permitem capturas regulares e previsíveis.

MVC: UMA OPORTUNIDADE PARA VALORIZAR A PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL

O MVC pode ser um importante instrumento para reconhecer o valor ambiental da floresta. Ao permitir a geração de créditos de carbono baseados em práticas de gestão sustentável, abre-se a porta a uma nova fonte de rendimento para produtores florestais e empresas que investem na conservação e melhoria dos ecossistemas. Mas para isso, é essencial que o modelo reconheça a especificidade da floresta de produção. Não podemos cair na tentação de excluir o eucalipto com base em preconceitos ou visões ideológicas. O que deve ser valorizado é a gestão responsável, não a espécie em si.

O PAPEL DA INDÚSTRIA: DE CONSUMIDORA A COCRIADORA

A indústria tem aqui uma responsabilidade clara. Não basta adquirir créditos de carbono para compensar emissões – é preciso investir na criação desses créditos, em parceria com quem gere o território. Isso implica:

• Apoiar projetos de gestão florestal certificada, que promovam a produtividade, a biodiversidade e a resiliência.

• Desenvolver metodologias específicas para florestas de produção, que reflitam o seu potencial real de sequestro.

• Garantir que o valor gerado chega aos produtores, criando incentivos para práticas sustentáveis a longo prazo.

Na Navigator, estamos a trabalhar precisamente nesse sentido. Acreditamos que o carbono pode ser um importante eixo de valorização da floresta de produção, desde que o modelo seja tecnicamente robusto, economicamente viável e socialmente justo.

Para dinamizar o MVC, é essencial criar condições que permitam aos proprietários florestais – sobretudo os de pequena dimensão – aceder a este mercado. Isso implica:

• Modelos de agregação  para ganhar escala de gestão e reduzir custos.

• Ferramentas digitais  para monitorização e reporte de carbono.

• Apoio técnico e institucional para garantir a integridade dos projetos.

• Confiança e transparência  para atrair investidores e compradores de créditos.

A Navigator tem vindo a desenvolver projetos-piloto inovadores, como a implementação de sistemas de monitorização de carbono em áreas de eucaliptal e a promoção de projetos de certificação florestal que permitiram a emissão dos primeiros créditos de carbono em território nacional. Estes projetos, realizados em parceria com entidades públicas e privadas, têm como objetivo testar metodologias robustas de quantificação de carbono e criar modelos replicáveis para outros proprietários.

PRODUTORES FLORESTAIS: OS GUARDIÕES DO CARBONO Nenhum modelo de valorização será eficaz sem o envolvimento ativo dos produtores florestais. São eles que co-

nhecem o terreno, que tomam decisões diárias com impacto direto no sequestro de carbono, que enfrentam riscos como incêndios, pragas e instabilidade de mercado.

O MVC deve ser uma ferramenta de valorização destes produtores, não um fardo burocrático. Para isso, é fundamental simplificar os processos de certificação, garantir apoio técnico e criar plataformas de mercado acessíveis e transparentes.

CONCLUSÃO: VALORIZAR

O QUE JÁ FAZEMOS BEM

Portugal tem uma floresta de produção moderna, certificada e altamente produtiva. Temos conhecimento técnico, temos experiência de gestão e temos uma indústria florestal que aposta na inovação e na sustentabilidade. É preciso aproveitar estas mais valias. Mas para isso, é preciso coragem política, visão estratégica e compromisso coletivo. O carbono não pode ser ape-

nas uma linha num relatório de sustentabilidade. Tem de ser um fator real de transformação — económica, ambiental e social. A responsabilidade climática é, hoje, um desígnio coletivo. O setor florestal, os proprietários, as empresas, os consumidores e os decisores políticos têm todos um papel a desempenhar.

Na Navigator estamos prontos para esse desafio. Porque acreditamos que a floresta de produção, e em particular o eucalipto, pode ser parte da solução climática. E porque sabemos que o futuro se constrói com base naquilo que fazemos hoje — com rigor, com responsabilidade e ambição.

Desafios e oportunidades do mercado de carbono no setor agroflorestal

O mercado voluntário de carbono (MVC) está a atravessar uma fase de transformação profunda. Segundo o relatório internacional State of the Voluntary Carbon Market 2025, a reorganização em torno de normas mais exigentes, maior rigor técnico e valorização de projetos baseados na natureza está a redefinir as regras do jogo.

Esta transição, embora desafiante, representa uma oportunidade real para o setor agroflorestal — desde que haja visão, iniciativa e alinhamento político e setorial.

Em 2024, o volume de transações caiu 25% e o preço médio dos créditos diminuiu 5,5%. À primeira vista, parece uma retração. Mas o valor total do mercado é quase o dobro do registado em 2018, sinalizando uma maturação estrutural. O que está a acontecer é uma reinicialização da oferta: projetos com metodologias antigas perdem relevância, enquanto os novos — mais robustos e alinhados com normas internacionais —estão em fase de consolidação. A procura por créditos de alta integridade mantém-se estável, com 182 milhões de toneladas comercializadas, sobretudo em categorias como Florestas e Uso da Terra. Os créditos de remoção — que sequestram carbono em reservatórios naturais ou artificiais — foram 381% mais caros do que os de redução. Projetos de Arborização, Rearborização e Regeneração (ARR), incluindo sistemas agroflorestais, estão entre os mais valorizados. A preferência por créditos recentes (dos últimos cinco anos) atingiu níveis sem precedentes, com um aumento de 217% no preço face aos mais antigos. A Gestão Florestal Melhorada triplicou o volume de transações, enquanto os créditos de energia renovável continuam a perder participação.

Este novo ciclo exige mais do que boas intenções. Requer metodologias credíveis, interoperabilidade entre mercados e reconhecimento político. O impacto do Artigo 6 do Acordo de Paris é amplamente antecipado, mas os participantes do mercado não consideram que as jurisdições locais estejam preparadas para implementar os seus mecanismos. Sem articulação entre governos, iniciativa privada e instituições europeias, o MVC corre o risco de se tornar uma promessa não cumprida.

Com o Decreto-Lei n.º 4/2024, Portugal criou a sua plataforma nacional para registo e verificação de créditos de carbono. É um passo decisivo, mas não suficiente. A oportunidade não se concretiza por decreto — exige ação estratégica. O setor florestal português já

tem alguns casos com metodologias internacionais para a arborização e gestão florestal melhorada, embora com pouca amplificação para a estrutura fundiária portuguesa. No setor agrícola, porém, há um vazio — apesar do enorme potencial, desde a regeneração de solos à redução de metano entérico em ruminantes.

Um exemplo internacional é a metodologia que permite que explorações leiteiras ou de carne reduzam significativamente as emissões de metano através de aditivos alimentares. A redução de emissões de CO2, com benefícios adicionais como melhoria da eficiência alimentar e da saúde animal. Este tipo de projeto é especialmente viável em cooperativas ou agrupamentos de produtores, permitindo diluir custos e aumentar escala. Mas sem iniciativa técnica e científica, os créditos não saem do papel. Faltam projetos-piloto, protocolos de medição, envolvimento das universidades e das cooperativas. Sobra expectativa — e essa não gera carbono, nem rendimento.

No que diz respeito, a incentivos para a dinamização deste tipo de projetos, poderão existir apoios indiretos — como o PEPAC, o PRR e o Fundo Ambiental — e mecanismos como os Créditos de Carbono Futuros (CCF), que funcionam como pré-financiamento. Mas sem metodologias adaptadas à realidade portuguesa, os produtores ficam à margem.

A certificação de carbono pode trazer vantagens que vão além do rendimento direto. Permitindo vir a valorizar a produção, aceder a mercados diferenciados, reduzir riscos ambientais e integrar certificações como FSC®, PEFC, Modo de Produção Biológico ou Global G.A.P. Mas também tem riscos: incêndios, alterações climáticas extremas, abandono dos projetos, mudanças legislativas e falhas na rastreabilidade. Para mitigar estes riscos, terá de se desenvolver planos de gestão adaptativa, seguros ambientais e fundos de reserva de carbono.

A operacionalização do mercado português está a ganhar forma. Os CCF são emitidos por estimativa e convertidos automaticamente em créditos verificados (CCV) após validação por um verificador independente. Todos os créditos ficam disponíveis para transação, podendo ser comprados por qualquer utilizador da plataforma. A compra é feita por acordo direto entre comprador e detentor dos créditos, com um custo de transação de 0,20€ por crédito, imputado ao comprador. Para submeter um projeto, o promotor deve obter validação inicial por um verificador qualificado. As taxas de registo são de 950€ por projeto, com possibilidade de integração em programas — nesse caso, o primeiro projeto paga 950€, e cada adicional acresce 200€. Há isenção para projetos em áreas prioritárias, o

pub que pode ser uma vantagem estratégica para territórios rurais com baixa densidade ou elevado risco climático. Mesmo com créditos gerados, subsiste uma barreira crítica: o alinhamento europeu. O governo português precisa de clarificar como os créditos nacionais

se articulam com os mecanismos europeus. Sem esse reconhecimento, os créditos correm o risco de serem vistos como moeda paralela — legítima, mas não convertível. A União Europeia, por sua vez, deve garantir que as empresas possam cumprir metas de mitigação

com créditos gerados dentro do espaço comunitário, priorizando projetos locais e rurais. Caso contrário, penaliza-se os produtores europeus. Este reconhecimento é fundamental para trazer coesão social, resiliência territorial, inovação e competitividade. O MVC pode tornar-se uma alavanca poderosa para a transição ecológica e digital do setor agroflorestal — mas só se houver método, vontade e visão. Os produtores podem gerar rendimento adicional, valorizar a produção, aceder a mercados diferenciados e contribuir para a neutralidade climática. Mas para isso, cada fileira, através das organizações de cúpula, em conjunto com a ciência, deve pro-ativamente construir metodologias próprias, com base científica e aplicabilidade prática. O Estado deve criar condições de confiança e interoperabilidade. E a Europa precisa reconhecer que a transição climática não se faz apenas com metas — faz-se com mecanismos e políticas eficazes.

FUTURO DA MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA

Estratégias para um sector em transformação

AGRÍCOLAS DA ACAP-ASSOCIAÇÃO AUTOMÓVEL DE PORTUGAL

A mecanização agrícola encontra-se hoje num ponto de viragem decisivo. O trator, que sustentou a modernização do campo ao longo de décadas, começa a ceder lugar a soluções tecnologicamente mais avançadas, baseadas em automação, conectividade, inteligência artificial e maior eficiência energética.

Esta transformação não é apenas técnica: é estrutural, económica e cultural. Requer uma nova forma de pensar a agricultura e de gerir os seus recursos, num contexto em que a competitividade e a sustentabilidade caminham lado a lado. Historicamente, a mecanização foi o motor do desenvolvimento agrícola em Portugal. Desde a utilização generalizada dos primeiros tratores, a partir da segunda metade do século XX, a capacidade produtiva das explorações aumentou de forma decisiva, permitindo reduzir a dependência da mão-de-obra intensiva. Hoje, vivemos um novo momento histórico, em que a mecanização deixa de ser apenas uma ferramenta de trabalho pesado para passar a ser um sistema integrado de tecnologias e dados. Nos últimos anos, a agricultura tem sido pressionada por desafios cada vez mais complexos: alterações climáticas, escassez de água, concorrência externa, aumento dos custos da energia e dos fatores de produção, e a necessidade de responder a consumidores mais exigentes quanto à qualidade e sustentabilidade

dos alimentos. Neste cenário, a mecanização surge como um fator determinante para garantir a produtividade e a viabilidade económica das explorações. As tecnologias de agricultura de precisão já estão a transformar a forma como se semeia, rega, fertiliza e colhe. Através de sensores e sistemas digitais, é possível aplicar os fatores de produção apenas onde e quando são necessários, evitando desperdícios e reduzindo o impacto ambiental. Esta transição representa ganhos evidentes: mais eficiência, menor consumo de recursos e maior rentabilidade para os agricultores. Nos olivais do Alentejo, por exemplo, sensores de humidade do solo permitem ajustar a dotação de rega gota a gota em tempo real, com base nas necessidades da cultura garantindo poupanças significativas de água e energia. Soluções baseadas em sensores, automação, inteligência artificial e Sistemas de Apoio à Decisão, prometem otimizar processos, reduzir o desperdício de recursos e minimizar o impacto ambiental, promovendo práticas agrícolas mais sustentáveis.

Ao mesmo tempo, a robotização e a autonomia estão a ganhar terreno. Máquinas agrícolas autónomas, orientadas por sinal de GPS e dotadas de inteligência artificial, já não são um cenário futurista. Em algumas explorações, sobretudo de maior dimensão, começam a ser realidade. Estas soluções permitem aumentar a precisão das operações e reduzir a dependência da mão-de-obra, um dos grandes desafios atuais do sector. Em

culturas intensivas, como as hortícolas, já existem robots capazes de colher produtos com elevada delicadeza, substituindo tarefas que eram exclusivamente manuais.

Contudo, a modernização da mecanização agrícola não se esgota na aquisição de novas máquinas. Exige também uma aposta decidida na formação e na qualificação. Operar “tratores digitais”, gerir dados em tempo real ou realizar manu-

tenção de sistemas tecnologicamente avançados requerem competências diferentes das que dominaram a agricultura no passado. É fundamental garantir que os recursos humanos dispõem da preparação necessária para tirar partido das novas tecnologias, sob pena de estas ficarem subaproveitadas.

A segurança é outro tema incontornável. Portugal continua a registar níveis preocupantes de acidentes com tratores, muitos deles fatais. A modernização do parque e a introdução de normas de homologação mais rigorosas são passos fundamentais para reduzir esta realidade. A mecanização do futuro deve ser mais produtiva, mas também mais segura, protegendo quem trabalha diariamente no campo.

A transformação mecânica pode ser acelerada através de políticas fiscais claras e de programas de incentivo à renovação do parque de máquinas. A substituição progressiva de equipamentos antigos permitirá reduzir consumos, emissões e sinistralidade, reforçando a competitividade do sector agrícola português.

A Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia dá hoje prioridade à sustentabilidade e à inovação. A mecanização inteligente é vista como um instrumento central para atingir os objetivos de redução de emissões e de uso eficiente dos recursos. No futuro, os apoios comunitários tenderão a privilegiar explorações que invistam em tecnologia, eficiência energética e digitalização.

Os impactos das alterações climáticas reforçam ainda mais esta necessidade. O aumento da frequência de secas prolongadas, de ondas de calor e de episódios de precipitação extrema exige máquinas adaptadas a condições variáveis e, muitas vezes, adversas. A mecanização do futuro não será apenas mais eficiente, mas também mais resiliente, capaz de trabalhar em cenários meteorológicos instáveis sem comprometer a produtividade.

O desafio não é apenas tecnológico ou económico. É também social e territorial. Em muitas regiões do interior, a mecanização tem um papel crucial para manter a atividade agrícola, evitando o

abandono dos campos e contribuindo para a coesão territorial. Uma agricultura mais produtiva e moderna ajuda a fixar população, a criar emprego qualificado e a assegurar que a produção nacional responde às necessidades alimentares do país.

Foi precisamente para incentivar este diálogo que a ACAP, através da sua Divisão de Máquinas Agrícolas, organizou no passado dia 9 de Setembro, durante a Agroglobal, o Fórum “O Futuro da Mecanização Agrícola – Estratégias para um Sector em Transformação”. O evento, que contou com a presença do Ministro da Agricultura e Mar e esgotou a lotação disponível, reuniu especialistas de diferentes áreas. Mais do que um momento de debate, representou a afirmação de um compromisso: criar soluções concertadas para os atuais desafios do sector.

O futuro da mecanização agrícola será determinado pela capacidade de modernizar a atividade, aumentando simulta-

neamente a produtividade e a sustentabilidade. A tecnologia disponibiliza hoje ferramentas de enorme potencial, mas o seu impacto só se fará sentir se for acompanhada por políticas públicas eficazes, estratégias de formação adequadas e um espírito de cooperação entre todos os agentes do sector.

A mecanização constitui uma prioridade estratégica para garantir a produtividade, a competitividade e o futuro da agricultura portuguesa. Promover a inovação, incentivar o diálogo e reforçar

o compromisso com a sustentabilidade são passos essenciais para construirmos uma agricultura preparada para responder aos desafios do presente e, sobretudo, do futuro.

A ACAP – Associação Automóvel de Portugal, através da sua Divisão de Máquinas Agrícolas, reafirma o seu compromisso em continuar a trabalhar em estreita colaboração com os diversos parceiros do sector, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e competitivo desta atividade.

TOMATE DE INDÚSTRIA

Campanha de 2025 e perspetivas de futuro

A campanha de 2025, foi marcada por um atraso significativo na instalação das primeiras plantações, mas acabou por ser uma boa colheita, com rendimentos unitários bastante satisfatórios e com tomate de qualidade, sobretudo no Ribatejo, região que representa qua-

se 90% da área de cultura instalada em Portugal. Deste modo, a produção final transformada, equivalente a tomate fresco, poderá rondar os 1.4 Milhões de Toneladas métricas, acima dos 1.3 MMton inicialmente previstos para Portugal.

Com uma campanha mundial estimada nos 39.5MMton, segundo previsões do WPTC (fórum mundial do tomate processado), Portugal representa 3.5% da produção mundial em 2025, que por sua vez se situa 14% abaixo da campanha recorde de 2024, cerca de 45.8 MMton.

Este ajuste ocorre principalmente por uma redução das áreas plantadas ao nível global, como fator de correção de mercado, após a constituição de stocks excessivos de concentrado de tomate.

Nesta fileira, os países produtores da União Europeia, representam 25% da produção mundial, mas a nossa fileira Europeia opera sujeita a padrões de

orientação e regulamentação legislativa e operacional bastante mais exigentes, quer no plano político, económico, social, energético e ambiental, e no que à produção agrícola diz respeito, muito condicionada pelo “Green Deal” e por acordos de comércio desiguais quanto às exigências nos critérios e normas de produção em vigor nos países terceiros.

Esta mágoa do sector é comum a muitas outras fileiras agrícolas e agroindustriais, pois as importações ´cegas´ e não devidamente controladas e taxadas nas várias interfaces do espaço de comércio Europeu, causam uma concorrência desleal e dificuldades acrescidas aos nossos produtores e indústrias.

CRIAR VALOR NA SUSTENTABILIDADE

Um novo caminho para a agricultura em Portugal

Por uma agricultura que gera valor ambiental, económico e social. Falar de sustentabilidade na agricultura não deve ser apenas uma questão de imagem, ou reputacional, nem servir apenas para cumprir regulamentos ou procurar incentivos. A transição para a sustentabilidade deve ser, cada vez mais, uma questão relacionada com a criação de valor.

Para o produtor, para o território e para o consumidor. É precisamente nesta perspetiva que nasceu a Iniciativa “Criar Valor na Sustentabilidade”, uma proposta da CONSULAI que visa transformar a sustentabilidade de um conceito abstrato para um motor

de eficiência, resiliência, e competitividade para o setor agrícola português.

SUSTENTABILIDADE

QUE CRIA VALOR

A agricultura enfrenta desafios profundos: alterações climáticas, escassez de

água, degradação dos solos e flutuações de mercado. No entanto, estes desafios por vezes também são oportunidades, desde que se adotem práticas que fortaleçam a resiliência das explorações e que transformem a gestão dos recursos naturais em vantagens competitivas. O

Luís Mira da Silva PARTNER NA CONSULAI

objetivo é claro: alinhar a sustentabilidade com a estratégia de negócio das explorações agrícolas, garantindo que cada ação no caminho da transição sustentável se traduza num benefício económico. Ou como sintetiza o mote da iniciativa: “Criar Valor na Sustentabilidade”.

UM MODELO EM REDE, CENTRADO NO PRODUTOR

A Iniciativa “Criar Valor na Sustentabilidade” baseia-se num modelo colaborativo em rede, que integra produtores, organizações setoriais, empresas da cadeia de valor a montante e a jusante, e entidades financeiras. No seu programa-piloto, que arranca em novembro de 2025, participam mais de 50 empresas agrícolas, agrupadas em quatro hubs: culturas arvenses, horticultura, fruticultura, e frutos secos. O programa será desenvolvido em parceria com diversas empresas da cadeia de valor, e em estreita colaboração com organizações setoriais, como a ANPOC, a Agromais, o Melro e a Migdalo.

A CONSULAI assumirá a gestão operacional deste programa, em articulação com especialistas nacionais e internacionais, e com o apoio de diversos projetos europeus, como o Climate Farm Demo, o SoilValues e o ClieNFarms, que introduzem conhecimento aplicado e ferramentas de apoio à transição e à monitorização da sustentabilidade. O modelo do programa assenta em três pilares:

1. Demonstrações práticas no terreno e partilha de conhecimento entre agricultores;

2. Capacitação técnica e estratégica adaptada à realidade nacional;

3. Comunicação e disseminação de resultados e boas práticas.

PROGRAMA DE TRANSIÇÃO SUSTENTÁVEL DO SETOR AGRÍCOLA

A primeira concretização prática da Iniciativa “Criar Valor na Sustentabilidade” é o Programa de Transição Sustentável do Setor Agrícola, desenvolvido em parceria entre a CONSULAI e o Crédito Agrícola. Este programa visa capacitar agricultores e técnicos na adoção de práticas sustentáveis – com enfoque na agricultura regenerativa – traduzindo essa transição em ganhos de rentabilidade e produtividade.

O programa decorrerá entre novembro de 2025 e maio de 2026, envolvendo seis sessões presenciais que combinam formação técnica, visitas de campo e workshops. Cada sessão abordará um eixo-chave da sustentabilidade no setor agrícola:

1. Materialização da sustentabilidade: bases estratégicas e práticas de transição;

2. Clima e alterações climáticas: mitigação, adaptação e boas práticas (com enfoque nos cereais de sequeiro);

3. Solo: conservação, fertilidade e agricultura regenerativa (com enfoque na horticultura);

4. Água: eficiência hídrica e tecnologias de rega (com enfoque na fruticultura);

5. Biodiversidade e serviços de ecossistemas: o papel das explorações na preservação ambiental (com enfoque nos frutos secos);

6. Eixo socioeconómico: avaliação de custos, benefícios e acesso a financiamento sustentável.

O programa culminará com a elaboração de um caso de estudo sobre financiamento sustentável e um manual prático com diretrizes para a transição sustentável, consolidando o conhecimento partilhado durante as sessões.

BENEFÍCIOS CONCRETOS PARA O PRODUTOR

Para os produtores agrícolas, a Iniciativa e este programa inicial organizado em colaboração com o Crédito Agrícola representam uma oportunidade para:

• Ter acesso a formação técnica aplicada, em contexto de campo, com especialistas;

• Trabalhar com referenciais de monitorização de indicadores ambientais e económicos;

• Partilhar boas práticas, e ter acesso a análises de benchmarking entre explorações;

• Apoiar o reporte de sustentabilidade e o eventual acesso a financiamento verde;

• Aumentar a eficiência na gestão da água e na fertilização, reduzir custos, e valorizar o produto final;

• Aumentar a resiliência das explorações às alterações climáticas e valorizar o ativo agrícola.

A Iniciativa “Criar Valor na Sustentabilidade” é uma abordagem integrada que coloca o produtor no centro da transição para a sustentabilidade, procurando mostrar que a sustentabilidade pode – e deve – ser sinónimo de rentabilidade e de competitividade, a curto, a médio e a longo prazo.

FRUTOS SECOS EM PORTUGAL

A atualidade e o futuro

DIRETOR EXECUTIVO DA PORTUGAL NUTS

– ASSOCIAÇÃO DE PROMOÇÃO DE FRUTOS SECOS

Há pouco menos de cinco anos, um grupo de empresas produtoras de frutos secos decidiram juntar-se e criar a Associação de Promoção de Frutos Secos, denominada Portugal Nuts, com a visão de trabalhar ativamente para Portugal ser reconhecido como um dos melhores produtores mundiais, com produtos de origem valorizada.

Há pouco mais de uma década, os frutos secos eram uma presença discreta na agricultura portuguesa, hoje são uma das fileiras mais dinâmicas, sustentáveis e estratégicas do país, consolidando uma trajetória de crescimento notável, tanto em área plantada como em valor económico, e assumindo atualmente um papel relevante na agricultura nacional, integrando o conjunto das culturas permanentes com maior potencial de valor acrescentado e exportação, transformando o próprio conceito de agricultura moderna. O desenvolvimento do regadio do Alqueva foi decisivo para esta transformação, permitindo a instalação de pomares modernos, tecnologicamente avançados e orientados para a eficiência na utilização dos recursos, mas rapidamente a produção se estendeu para outras zonas do país.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), de acordo com a última atualização a 9 de junho de 2025, relativos ao comércio internacional, as exportações de frutos secos, em particular a amêndoa e a noz portuguesas, ultrapassaram os 130 milhões de euros.

A amêndoa mantém-se como o fruto seco mais exportado, com um crescimento impressionante nos últimos anos, atingindo pela primeira vez o volume total de 100,24 milhões de euros, representando um aumento de 68,6% (+40,77M€) em relação a 2023. Em quantidade, as exportações passaram de 31,31 mil toneladas em 2023 para 37,25 mil toneladas em 2024, um crescimento de 19% (+5,94 mil toneladas).

A exportação de amêndoas sem casca cresceu mais significativamente, refletindo uma maior valorização do produto no mercado internacional.

O país é já o segundo maior produtor europeu de amêndoa, e um dos países com maior ritmo de crescimento na fileira dos frutos secos, podendo vir a ser, ainda este ano, o quarto maior produtor mundial, atrás dos Estados Unidos, Austrália e Espanha.

As nozes também apresentaram um crescimento muito positivo, atingindo 2,2 milhões de euros em 2024, um aumento de 27,84% (+0,48M€) face a 2023. Em quantidade, as exportações tiveram uma pequena queda, sem impacto no desempenho global, face à valorização da produção.

Estes resultados confirmam um crescimento sólido, com impacto direto na economia, e na reputação global dos frutos secos, pois representam uma fatia significativa das exportações agrícolas, contribuindo para o saldo positivo da balança comercial, com +76,4 milhões de euros, e com um grau de autoaprovisionamento de cerca de 140%. A área dedicada à cultura de amêndoas duplicou na última década, cobrindo agora 73.000 hectares. Os pomares de nogueiras ocupam 5.400 hectares, e a área total para frutos de árvore ultra-

Nuno

passa os 110.000 hectares - um aumento de 54% em dez anos.

A produção nacional de frutos secos continua a crescer, e a reforçar a sua posição nos mercados internacionais, não só fortalecendo a economia agrícola nacional, como também atraindo investimentos, posicionando Portugal como um player global na produção, e exportação, de produtos agroalimentares portugueses.

Contudo, o setor enfrenta pressões crescentes ao nível dos custos de produção e energéticos, da mão de obra es-

cassa e, sobretudo da instabilidade dos mercados internacionais, com flutuações acentuadas nos preços da amêndoa e da noz, que obriga a uma gestão prudente e a estratégias de diferenciação baseadas na qualidade, na origem e na certificação.

No entanto, a procura global por frutos secos continua em expansão, e o mercado mundial continua a crescer, impulsionado por novas tendências de nutrição e consumo saudável, dietas equilibradas, preferência por alimentos naturais de origem sustentável, com a reputação dos nossos produtos a crescer, associada à qualidade, ao sabor e à origem ibérica e mediterrânica.

O desafio está em continuar a crescer, com equilíbrio económico das explorações, reduzindo custos, reforçando a organização da produção e a cooperação entre produtores, apostando na transformação nacional, criando escala e apostando em marcas próprias, para que o valor acrescentado fique no país. Por outro lado, a inovação tecnológica é essencial, a utilização de sensores, drones, modelos de previsão e gestão integrada das explorações, a investigação aplicada em variedades, a nutrição e a

proteção de culturas garantem o avanço contínuo do conhecimento e da produtividade.

O futuro dos frutos secos depende também de políticas públicas coerentes e de uma visão estratégica a longo prazo, é fundamental reconhecer que os frutos secos, tal como outras culturas permanentes, representam investimentos de longo prazo, que exigem estabilidade e previsibilidade nas políticas públicas nacionais e europeias.

É também essencial aceitar as culturas permanentes como aliadas da sustentabilidade e da adaptação climática, através da criação de incentivos ligados à fixação de carbono, à economia circular e à valorização de subprodutos, que poderão representar novas oportunidades, e funcionar como instrumentos cruciais para garantir a continuidade do investimento no setor.

O reforço da cooperação ibérica, e junto de outros países do sul da Europa, será igualmente determinante para a afirmação de uma voz comum na defesa dos interesses dos produtores de frutos secos no espaço europeu.

A Portugal Nuts tem sido um agente ativo na representação e promoção do

setor dos frutos secos portugueses. A Associação atua como plataforma de diálogo entre produtores, entidades públicas, investigadores e agentes económicos, promovendo o desenvolvimento e a defesa dos interesses do setor. Através de ações de promoção, estudos técnicos, eventos e projetos de investimento e investigação, a Associação tem contribuído para reforçar a imagem e o conhecimento sobre os frutos secos portugueses, quer junto dos stakeholders comos parceiros comerciais, quer nas instâncias políticas e institucionais. O Congresso Nacional e o Balanço dos Frutos Secos, organizados anualmente, são hoje espaços de referência para a reflexão e o debate público, com vista à valorização da produção nacional. O potencial de crescimento continua a ser enorme, a consolidação dos pomares em plena produção, o investimento na transformação e a diversificação das culturas, como o pistacho ou a avelã, permitirão reforçar a resiliência e a

pub

rentabilidade do setor, olhando para o futuro com confiança.

Os frutos secos deixaram de ser apenas uma oportunidade, são hoje uma certeza no panorama agrícola nacional, um exemplo de agricultura moderna, sustentável e com visão de futuro. O setor tem condições para continuar a crescer, exportar valor e afirmar Portugal como referência europeia em qualidade e competitividade. A aposta nestas culturas é também uma aposta no território, na sustentabilidade ambiental e na coesão económica do país.

A missão é clara: assegurar que o setor dos frutos secos portugueses cresce de forma sustentável, competitiva e reconhecida, tanto em Portugal como no exterior.

A Portugal Nuts continuará empenhada em garantir que o setor dos frutos secos continue a ser, no futuro, um exemplo de modernidade, resiliência e prosperidade para a agricultura portuguesa, e a Associação uma entidade de referência, com representatividade e credibilidade no panorama agrícola nacional e internacional.

Os Avieiros da Azinhaga

Às margens do Tejo e do Almonda, na freguesia da Azinhaga, junto à Golegã, instalou-se durante décadas uma comunidade singular: os Avieiros. Vieram sobretudo da Praia da Vieira, fugindo à dureza do mar e à incerteza da pesca costeira. Encontraram no rio um refúgio, uma casa e um modo de vida.

Os Avieiros eram pescadores nómadas. Não se fixavam em aldeias, mas erguiam barracas de madeira sobre estacariaou habitavam barcos transformados em casas flutuantes. Essa mobilidade permitia-lhes acompanhar os cardumes e adaptar-se às cheias e secas do rio. Viviam da pesca fluvial. Usavam redes, nassas e canastras para capturar sável, lampreia, enguia, barbo e fataça. O peixe garantia o sustento da família e era também vendido nos mercados e aldeias vizinhas, pelas mãos incansáveis das mulheres. Estas percorriam quilómetros a pé, levando nas canastras o produto fresco do rio, tornando-se pre-

sença habitual na paisagem rural ribatejana. Na vida avieira, a mulher tinha um papel essencial. Fazia o mesmo que o homem: pescava, remava, trabalhava no campo. A isso juntava o cuidar do barco, da barraca e dos filhos. As suas condições eram duras, ainda mais do que as das mulheres camponesas da região. A dieta era simples e direta: peixe em caldeiradas ou assado nas brasas, acompanhado de pão de milho, feijão, batata ou hortícolas comprados aos agricultores. Quando o rio não dava, os avieiros ajudavam nas ceifas e mondas, integrando-se temporariamente na vida agrícola.

Os avieiros tinham os seus sinais de identidade. Os homens vestiam barrete preto, camisa axadrezada, cinta preta e calças de cotim arregaçadas. O luto era carregado e longo: a morte de um pai podia pesar três anos, e a perda de um filho ou de um cônjuge marcava para sempre.

Além do Tejo, contavam com o Almonda e o Paul do Boquilobo, refúgios de pesca sobretudo em tempo de cheia. As técnicas evoluíram: abandonaram as pesadas redes varinas, sujeitas a taxas e vigilância, e passaram a usar as nassas, armadilhas cónicas feitas de rede e salgueiro. Para as enguias, utilizavam os

O POVO DO RIO

TÍTULO Avieiros

AUTOR Alves Redol

EDITOR Editorial Caminho

remolhões, uma das poucas artes sem recurso a redes.

Mais do que pescadores, os Avieiros foram símbolo de resistência e adaptação. Criaram identidade no instável território das águas, vivendo como “nómadas do rio”, à semelhança do que os ciganos eram em terra.

José Saramago, natural da Azinhaga, evocou nas suas memórias esse mundo de barcos, barracas e dignidade discreta.

TÍTULO Avieiros,avidaentreomareorio

AUTOR Mafalda Brito

ILUSTRATOR Rui Lourenço

EDITOR Barca do Inferno

E Alves Redol, em Avieiros (1967), deixou-lhes a marca literária, perpetuando uma cultura que já então se distinguia pela sua singularidade.

Hoje, a memória avieira é património cultural do Ribatejo. Recorda-nos um tempo em que homens e mulheres viveram entre a lezíria fértil e o Tejo imprevisível, deixando uma herança que ainda hoje molda a identidade da região.

VÍDEO SOBRE OS AVIEIROS

SINOPSE: Os avieiros eram pescadores oriundos da Praia da Vieira de Leiria, que no início do século XX abandonaram o mar tempestuoso e procuraram sustento nos rios, sobretudo no Tejo. O nome vem da sua terra natal, onde usavam grandes embarcações na pesca da sardinha. No Ribatejo adaptaram-se à pesca fluvial, encontrando no rio uma forma de sobrevivência. Hoje, os poucos que restam na Golegã e Chamusca são considerados os últimos avieiros, já idosos e sem descendência na profissão, representando um modo de vida em vias de desaparecer.

UM SABOR DO TEJO

Sabogas assadas no espeto

As sabogas assadas no espeto são uma das iguarias mais típicas das margens do Tejo, com lugar de destaque na gastronomia ribatejana. A saboga, peixe migrador aparentado do sável e da alosa, sobe o rio na primavera para cumprir o ciclo da desova.

A sua carne é saborosa, embora repleta de espinhas miúdas, razão pela qual nasceu a técnica de a assar inteira no espeto.

As sabogas assadas no espeto são uma das iguarias mais emblemáticas da tradição ribeirinha do Ribatejo e de outras margens do Tejo. O prato nasce da ligação profunda entre as comunidades fluviais e os ciclos naturais do rio. A protagonista é a saboga, um peixe migrador da família do sável e da alosa, que todos os anos, na primavera, sobe o Tejo em busca de águas doces para a desova. Menor que o sável, mas de carne igualmente saborosa, a saboga tem uma particularidade que a distingue: as muitas espinhas miúdas. Esse detalhe obrigou à invenção de técnicas culinárias que tornassem a sua degustação mais simples e prazerosa.

A confeção tradicional era simples e festiva. As sabogas eram espetadas inteiras em varas de madeira ou em grelhas improvisadas e levadas às brasas vivas, quase sempre ao ar livre, junto ao rio. Durante o assado, pincelavam-se com

azeite, sal e ervas aromáticas da região — salsa, poejo ou até hortelã — que real çavam o sabor fresco do peixe e amacia vam a carne. O calor direto do espeto queimava parte das espinhas mais finas, tornando o peixe mais fácil de saborear. À mesa, o ritual completava-se com o pão de milho ou broa, que absorvia os sucos ricos do assado, e com acompa nhamentos simples: batata cozida, salada de pimentos assados ou legumes da hor ta vizinha. Era um prato de partilha e de festa, servido nos dias em que os cardumes subiam o rio e traziam abundância às gentes ribeirinhas. Mais do que um alimento, as sabogas assadas no espeto eram um momento social e cultural. Juntavam famílias e vizinhos, celebrando a generosidade do Tejo e reforçando laços comunitários. Hoje, continuam a ser memória viva dessa gastronomia de raiz, marcada pela simplicidade, engenho e respeito pelo ciclo do rio.

SINOPSE: Joaquim Carriço explica o processo de assar Saboga no espeto, num vídeo realizado por Sara Navarro, a propósito da apresentação de Rodrigo Castelo (Taberna Ó Balcão, Santarém) no Peixe em Lisboa 2017.

INNOBRIDGE

Projeto de sensibilização e comunicação de proximidade para a redução de ignições na região do Algarve

INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO - UNIVERSIDADE DE

LISBOA

UNIVERSIDADE DO

ALGARVE

A ocorrência de incêndios rurais está a tornar-se cada vez mais frequente no nosso planeta, afetando pessoas e bens, e gerando impactos sociais, ambientais e económicos devastadores. Portugal é uma das situações críticas na Europa.

O relatório “O Mediterrâneo Arde” (ANP/WWF, 2019) destaca Portugal como o país europeu que mais incêndios rurais enfrentou nos últimos 30 anos e como o quarto país do mundo que perdeu a maior percentagem de área florestal desde o início do século XXI (com a área ardida a aumentar todos os anos). A região do Algarve, tal como outras áreas do País, tem sido afetada por incêndios nas últimas décadas, que se tornaram mais frequentes e severos, causando elevados impactos sociais, económicos e ambientais. Atualmente, vastas áreas do território desta região são classificadas como de alto risco de incêndio, e entre as causas do aumento deste risco pode-se encontrar a concentração de massa florestal em pequenas e fragmentadas propriedades florestais, o crescente despovoamento e envelhecimento populacional, o baixo dinamismo das áreas rurais e a desvalorização dos ativos florestais. Estas questões, juntamente com a reduzida capacidade de gestão florestal dos proprietários florestais (ausência de recursos humanos e financeiros) e o baixo envolvimento

das comunidades locais nos processos de tomada de decisão relacionados com as políticas florestais, comprometem a gestão eficaz dos territórios florestais e o respetivo risco de incêndio. É neste contexto que surge o InnoBRIDGE – projeto de sensibilização e comunicação de proximidade para a redução de ignições na região do Algarve - com o objetivo de contribuir para a promoção de um papel mais ativo das comunidades para uma gestão florestal sustentável e resiliente. É um projeto com a duração de 14 meses, iniciado a 20 de maio de 2025, financiado pela Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I.P. (AGIF), através da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL). O projeto é desenvolvido por um consórcio de duas instituições universitárias, respetivamente IST através da FUNDEC (Associação

para a Formação e o Desenvolvimento em Engenharia Civil e Arquitetura), coordenador do projeto, e a Universidade do Algarve. Conta também com o apoio das Câmaras Municipais de São Brás de Alportel, Tavira, Loulé, Monchique e Silves, e das respetivas Juntas de Freguesia.

Com uma abordagem participativa, centrada na prevenção e na mitigação do risco de incêndio rural, o InnoBRIDGE pretende criar espaços de diálogo e partilha de conhecimentos, visões e experiências, conectando pessoas, organizações e entidades e fomentando a criação de uma rede de atores que, em conjunto, promovam territórios mais resilientes e sustentáveis. O envolvimento das comunidades locais é um aspeto chave neste projeto, permitindo a co-criação de uma estratégia comunitária para a ação, contribuindo para

Maria do Rosário Partidário
Maria de Belém Freitas
Joana Dias Carla Rolo Antunes
Guilherme Saad Alessandra Rodrigues

uma maior consciencialização social do risco de incêndio rural e promovendo uma comunicação de proximidade com todos os atores dos territórios da Serra do Caldeirão e da Serra de Monchique e Silves.

Na Serra do Caldeirão, o InnoBRIDGE implementará um laboratório de inovação social (InnoLab) que fomentará o diálogo e a colaboração entre as comunidades locais, a ciência e as organizações envolvidas na gestão dos territórios florestais para a co-criação de uma visão implementável e comunitária da Serra. Este InnoLab, já testado em anos anteriores na Serra de Mochique, foi re-desenhado para a Serra do Caldeirão e encontra-se a ser desenvolvido através de uma sequência de sessões participativas (mapeamento de riscos e vulnerabilidades, visão, prioridades, capacidades e responsabilidades e estratégias para ação) que culminarão na criação de um Grupo de Ação Local da Serra do Caldeirão.

Na Serra de Monchique e Silves, o InnoBRIDGE irá capacitar e apoiar o Grupo de Ação Local (criado no âm-

bito do projeto InnoLab anterior) no desenvolvimento e execução das ações (definidas pelo Grupo) para a redução do risco de incêndio rural daquele território. Este Grupo de Ação Local encontra-se a desenvolver atividades com o objetivo de valorizar o mundo rural e florestal e atrair população jovem para aquele território. De entre as atividades, estão previstas visitas guiadas de jovens de Monchique em diferentes territórios florestais da região (Fase 1) e a criação de um projeto-piloto de minifloresta na Vila (Fase 2), visando promover a valorização das florestas e,

principalmente, despertar o interesse e a fixação desta população jovem para se tornarem agentes ativos na gestão sustentável e tornar mais resilientes os territórios florestais em Monchique. Criando uma nova dinâmica neste território, através destas ações de proximidade, pretende-se contribuir para a minimização do risco de incêndio rural, promovendo a consciencialização e a capacitação das comunidades rurais e florestais, nomeadamente da sua população jovem, e impulsionando o seu papel ativo no ordenamento e gestão dos seus territórios.

SESSÕES PARTICIPATIVAS COM COMUNIDADES DA SERRA DO CALDEIRÃO (OUT/2025)
ENCONTROS COM O GRUPO DE AÇÃO LOCAL DE MONCHIQUE (SET E OUT/2025)

TESTES PILOTO EM CONTEXTO CONTROLADO E A INVESTIGADORA PATRÍCIA GOMES DURANTE A MONITORIZAÇÃO DE UMA WETLAND IMPLEMENTADA.

WETLANDS e economia circular

Em Portugal, a dispersão geográfica de pequenas povoações, muitas delas de baixa densidade populacional, continua a representar um desafio para a gestão eficiente das águas residuais.

A construção e manutenção de infraestruturas convencionais de tratamento nem sempre é viável, quer por limitações técnicas, quer por custos elevados. Adicionalmente, a crescente escassez de água doce reforça a necessidade de estratégias que permitam a reutilização segura e eficiente da água tratada, garantindo que esta cumpra padrões de qualidade adequados para múltiplos usos. Torna-se, por isso, essencial encontrar soluções que conciliem eficácia ambiental, sustentabilidade económica e viabilidade social.

O projeto “Wetlands e Economia Circular” surge como resposta a esta necessidade. Desenvolvido pela spin-o da Universidade do Minho, PhytoClean, propõe o uso de zonas húmidas artificiais — sistemas que reproduzem, de forma controlada, os processos naturais de depuração da água. Estes sistemas utilizam plantas autóctones, substratos minerais e microrganismos que,

em conjunto, removem contaminantes e melhoram a qualidade da água, promovendo um tratamento natural, sustentável e integrado no território. As zonas húmidas artificiais constituem uma solução baseada na natureza, de baixo consumo energético, custos reduzidos e elevada eficiência no tratamento. A sua conceção permite adaptar os sistemas às características dos diferentes tipos de águas a tratar, às condições climáticas e à escala de cada comunidade, facilitando a implementação e a adaptação. Para além da eficiência técnica, estas estruturas valorizam a paisagem, aumentam a biodiversidade através da utilização de espécies autóctones e contribuem para a criação de espaços verdes multifuncionais, equilibrando espécies depuradoras (fitorremediadoras) com função estética e paisagística.

A PhytoClean, sediada em Amares (Braga), surgiu inicialmente com o

objetivo de produzir espécies aquáticas autóctones com capacidade depuradora e, posteriormente, começou a colaborar de forma estreita com municípios e entidades privadas na implementação de soluções sustentáveis para o tratamento de água. Para além da instalação das infraestruturas, realiza-se monitorização contínua, no terreno e através de ensaios piloto, permitindo avaliar a viabilidade, o desempenho e a durabilidade das soluções. Até ao momento, já foram implementadas várias unidades, permitindo testar a eficácia em contextos variados. Os resultados desta cooperação entre o tecido académico e empresarial confirmam a capacidade das zonas húmidas artificiais em tratar águas residuais domésticas, balneares e industriais, com elevada eficácia na remoção de elementos potencialmente tóxicos, nutrientes em excesso e microrganismos patogénicos. A pes -

quisa associada ao projeto, liderada pela investigadora Patrícia Gomes, tem produzido resultados científicos relevantes, com vários estudos em fase de publicação, que evidenciam a eficácia destas soluções e reforçam a sua importância como uma das opções mais promissoras para o futuro da gestão da água em Portugal. A água produzida apresenta qualidade suficiente para ser reutilizada com segurança, respondendo à crescente pressão sobre os recursos hídricos e promovendo múltiplos usos dentro do conceito de economia circular. A aplicabilidade destas soluções é ampla e flexível: a água tratada pode ser uti-

lizada na rega agrícola, no combate a incêndios, na limpeza de espaços públicos, no recarregamento de aquíferos ou em processos industriais que não exijam água potável, promovendo um ciclo de reaproveitamento sustentável. Para além do benefício ambiental direto, o projeto integra uma forte componente de educação e sensibilização, através de visitas escolares e iniciativas comunitárias de divulgação científica sobre sustentabilidade e gestão responsável da água. Estas atividades têm permitido aumentar o envolvimento das comunidades locais e promover práticas de consumo mais consciente e sustentável.

Entre as principais vantagens do sistema destacam-se o baixo custo de operação e manutenção, a autossuficiência energética, a valorização ecológica e paisagística, e o contributo direto para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em especial na gestão eficiente da água, na proteção dos ecossistemas e na adaptação às alterações climáticas.

O projeto “Wetlands e Economia Circular” representa, assim, uma proposta de valor inovadora e exequível, capaz de transformar desafios ambientais em oportunidades de regeneração ecológica, educação ambiental e desenvolvimento sustentável para as comunidades locais.

LAGO PARA TRATAMENTO DE ÁGUA.
WETLAND ARTIFICIAL NO TRATAMENTO DE EFLUENTES DOMÉSTICOS.

EVENTO DE DEMONSTRAÇÃO- SOCIEDADE AGRÍCOLA JHENRIQUES LC

Inovação, resiliência e ação no campo

O CLIMATE FARM DEMO é um projeto europeu de grande dimensão, que teve início em 2022 e irá terminar em 2029, com o objetivo de acelerar a transição para sistemas agrícolas mais sustentáveis e resilientes.

Com uma forte componente de demonstração e partilha de conhecimento, integra a “trilogia” de mais outros dois projetos europeus, os projetos irmãos: Climate Smart Advisors e Climate Smart Research (CSA e CSR, respetivamente). O Climate Farm Demo atribui aos agricultores um papel central

no combate aos desafios climáticos, enquanto o CSA se foca no aconselhamento técnico e o CSR na investigação. Alinhado com o EU Climate Target Plan (Plano de metas climáticas da UE), o projeto tem como objetivo contribuir para reduzir em 35% as emissões de gases com efeito de estufa na agricultura

até 2030. Para tal, procura reforçar o conhecimento e competências dos agricultores europeus para implementar práticas de Climate Smart Farming (CSF) (Agricultura Inteligente em termos climáticos), através da criação de uma rede de 1500 Agricultores Demonstradores (PDFs) e Técnicos de Aconselhamen-

CLIMATE FARM DEMO
Eva da Fonseca Ramos Maria Pereira da Silva CONSULTORAS NA CONSULAI

EVENTO DE DEMONSTRAÇÃO: SOCIEDADE AGRÍCOLA SÃO JOÃO DE BRITO

to Agrícola (CSAs) em 27 países. Esta rede permitirá aumentar a adoção de práticas agrícolas inovadoras de adaptação e mitigação às alterações climáticas, enquanto se desenvolvem metodologias harmonizadas de monitorização e verificação de carbono (MRV) e incentivos e outros mecanismos de compensação que apoiem a transição.

O projeto aposta numa abordagem multi-ator, fazendo a ligação entre agricultores, técnicos de aconselhamento agrícola, investigadores e decisores políticos. A inovação é também impulsionada por 10 Living Labs espalhados por toda a Europa e por 4500 eventos de demonstração em seis campanhas anuais, que promovem a troca de conhecimento no terreno. Paralelamente, incentiva a cooperação estratégica com outros projetos, iniciativas e policymakers e desenvolve ferramentas técnicas, como manuais, guidelines e metodologias de monitorização e acompanhamento.

Em Portugal, a rede do projeto Climate Farm Demo conta atualmente com 33 produtores distribuídos por todo o território nacional, abrangendo dife-

rentes sistemas de produção (como por exemplo, culturas permanentes, culturas arvenses e Montado). Para partilhar conhecimento e experiências, os produtores da rede de demonstração são convidados a organizar eventos nas suas próprias explorações, onde apresentam as práticas de adaptação e mitigação às alterações climáticas implementadas nos seus sistemas de produção. Estes encontros permitem que outros agricultores, técnicos e investigadores observem, em primeira mão, como as soluções funcionam em contexto real, promovendo uma aprendizagem prática e a troca de conhecimento entre pares.

Dentro da rede portuguesa, existe ainda um Living Lab dedicado ao Montado, centrado no combate à desertificação e à regeneração deste sistema agro-silvo-pastoril característico de Portugal. Este Living Lab, coordenado pela Universidade de Évora, reúne várias outras instituições de investigação, associações do setor, entidades públicas e empresas, e ainda mais de 20 explorações agrícolas, para validar práticas sustentáveis, monitorizar a saúde do solo, regenerar o co-

www.climatefarmdemo.eu

berto arbóreo e explorar novos modelos de negócio.

A nível nacional, a CONSULAI desempenha um papel central no projeto Climate Farm Demo. É responsável pela coordenação da rede portuguesa de agricultores demonstradores, pelo apoio técnico e logístico aos eventos de demonstração e pelo acompanhamento das atividades do Living Lab do Montado. Além disso, lidera a área temática do projeto a nível europeu da Gestão da Água, garantindo que a experiência portuguesa alimenta a construção de metodologias comuns e de ferramentas práticas para todos os países participantes.

A CONSULAI apoia ainda a dinamização de eventos online e híbridos, como webinars técnicos e sessões temáticas, que ampliam o alcance do projeto para além das explorações agrícolas, e permitem a partilha de conhecimento entre agricultores, consultores e investigadores de diferentes países. Esta vertente digital reforça a ligação com os projetos irmãos, Climate Smart Advisors (CSA) e Climate Smart Research (CSR), criando sinergias na produção de guidelines, manuais e metodologias de monitorização e verificação (MRV) e na promoção de políticas de apoio à adoção de práticas de agricultura inteligente em termos climáticos.

Com o envolvimento ativo dos produtores, o apoio técnico dos advisors e a investigação aplicada nos Living Labs, o Climate Farm Demo valida práticas inovadoras de adaptação e mitigação climática, reforçando a regeneração dos solos, a resiliência das explorações, a redução das emissões de gases com efeito de estufa e a promoção de modelos de negócio sustentáveis. O projeto transforma assim conhecimento científico em soluções práticas, escaláveis e alinhadas com os objetivos da União Europeia para uma agricultura mais sustentável e neutra em carbono.

VALORFITO

Em campo, pelo compromisso com a sustentabilidade

É no campo que cada agricultor conhece o verdadeiro valor de produzir alimentos, num contexto de respeito ímpar pela natureza, ecossistemas e sustentabilidade.

Mas tão importante como o trabalho que se faz na terra, é o que acontece fora dela. Um trabalho de gestão, cuidado e acompanhamento dos resíduos utilizados no decorrer da produção, que é absolutamente essencial para garantir que a agricultura continua a ser uma atividade segura, sustentável e responsável, protegendo e preservando o ambiente, a saúde das pessoas e a qualidade dos alimentos que chegam à mesa.

Desde a sua fundação que é essa a missão de Valorfito: contribuir para a sustentabilidade na agricultura, asse-

gurando que cada embalagem vazia, sai do campo preparada para ser diretamente recolhida e tratada – em campo, por amor à terra.

Desde janeiro deste ano que Valorfito viu alargado o seu âmbito de trabalho, somando à gestão de embalagens primárias de fitofarmacêuticos, sementes e biocidas, a gestão e encaminhamento de embalagens primárias e secundárias de fertilizantes, rações e batata semente, bem como embalagens secundárias de fitofármacos, biocidas e sementes, assegurando que os resíduos produzidos no campo são tratados de forma segura, reduzindo impactos ambientais e riscos para a saúde pública. Contudo, com o passar do tempo, mais do que assegurar o cumprimento de processos e legislações, Valorfito tem-se posicionado como um verdadeiro parceiro dos profissionais do setor. Acompanhando o dia-a-dia no campo, conhecendo os seus desafios e oportunidades; ouvindo e acolhendo as necessidades de quem lá está; facilitando o acesso a cada vez mais formação, sensibilização e capacitação, tornando a sustentabilidade uma extensão do quotidiano dos agricultores. Simplificando processos e ajudando a encontrar novas soluções – seguras e responsáveis – que tornam a missão de cuidar do ambiente ainda mais prática.

O PROJETO VALORFITO

AO VIVO

E é assim que nasce o projeto “Valorfito ao Vivo”: da vontade de estar ainda mais próximo dos agricultores, conhecendo as suas especificidades, sensibi-

ALARGAMENTO DA LICENÇA

Em Janeiro de 2025, Valorfito vê alargada a sua licença, somando à habitual gestão de embalagens primárias de fitofármacos, biocidas e sementes, a gestão de novos fluxos, de embalagens primárias e secundárias de fertilizantes, rações e batata de semente, bem como embalagens secundárias de fitofármacos, biocidas e sementes.

lizando e alertando para aquelas que são as melhores práticas, mas, acima de tudo, ouvindo as suas necessidades, conhecendo os seus constrangimentos e trabalhando em conjunto para encontrar formas de lhes fazer face. Lançado este ano, o projeto consiste em visitas itinerantes a pontos de retoma de resíduos agrícolas, permitindo esclarecer dúvidas, promover a correta entrega das embalagens e recolher feedback sobre as principais dificuldades encontradas no processo. Um contacto direto com o trabalho no terreno, essencial para compreender as necessidades reais dos profissionais e trabalhar em soluções práticas, ajustadas à realidade de cada região.

O pontapé de saída foi dado em Aveiro, com visitas a 14 pontos de retoma do distrito, onde foi possível compreender que embora a maioria dos profissionais conheça o sistema e utilize os pontos de retoma, ainda existe uma parcela significativa que não entrega corretamente as suas embalagens, muitas vezes por desconhecimento do sistema ou dificuldade de acesso. Uma oportunidade para explorar novas formas de criar pontes ao longo de todo o circuito de recolha, colmatando dificuldades, sensibilizando para a importância que cada profissional assume neste processo.

Acima de tudo, o objetivo de Valorfito foi criar um modelo de proximidade

e interação que facilite uma linha de comunicação contínua com os profissionais e onde estes encontram um parceiro sempre pronto para apoiar, informar e esclarecer.

O objetivo é que este projeto possa expandir-se e chegar a todas as regiões do país, consolidando a presença de Valorfito em todo o território e demonstrando que cada esforço individual é parte de uma responsabilidade coletiva: transformar a gestão de resíduos agrícolas numa prática corrente, eficiente e segura, que faz parte das rotinas pro sustentabilidade em campo. Com este projeto, Valorfito dá mais um passo na construção de uma agricultura consciente e sustentável, mostrando que a gestão correta de resíduos não é apenas uma obrigação legal, mas um compromisso ético e ambiental; evidenciando que, com ação, informação e proximidade, é possível transformar desafios em oportunidades de melhoria contínua, promovendo um setor agrícola mais forte, mais informado e mais comprometido com o futuro do país.

Empenhado em garantir que cada profissional do setor agrícola se sente apoiado, informado e parte integrante de uma rede de sustentabilidade que protege o ambiente, valoriza boas práticas e reforça a importância de cada ação no ciclo de uma agricultura responsável.

Técnicos da Agromais obtêm certificação para operação de drones agrícolas

A Agromais – Entreposto Comercial Agrícola continua a investir na inovação e na modernização tecnológica ao serviço da agricultura. No âmbito da sua estratégia de apoio técnico aos agricultores, um grupo de técnicos da Agromais concluiu recentemente a formação e certificação oficial para a condução de drones, reforçando as competências

da equipa e a capacidade de resposta junto dos produtores. Os drones, recentemente adquiridos pela Agromais, representam uma ferramenta fundamental na agricultura de precisão, permitindo a monitorização das culturas, o mapeamento de áreas agrícolas, a deteção precoce de pragas e doenças, bem como a avaliação do estado hídrico e nutricional das plantas. “A certificação dos nossos técnicos é um passo importante para colocar a tecnologia ao serviço dos agricultores. Queremos garantir que o uso dos drones é feito de forma profissional, segura e orientada para resultados concretos no campo”, sublinhou a direção técnica da Agromais.

Agromais promove ações

de sensibilização para controlo da Figueira-do-Inferno na cultura do milho

A Agromais tem vindo a desenvolver ações de sensibilização junto dos agricultores com o objetivo de reforçar o controlo da Figueira-do-Inferno (Datura stramonium), uma infestante com impacto crescente nas culturas de milho. Estas iniciativas incluem sessões técnicas, visitas de campo e divulgação de boas práticas agrícolas, alertando para a importância da identificação precoce e do controlo integrado desta planta invasora. A presença da Figueira-doInferno representa não só um risco para a produtividade e qualidade do milho, mas também para a segurança alimentar, devido ao seu potencial tóxico. Com estas ações, a Agromais reforça o seu compromisso com a sustentabilidade e a sanidade das culturas, apoiando os agricultores na adoção de estratégias eficazes de prevenção e gestão das infestantes.

Novo canal TV sobre mundo rural arranca em dezembro

pub O novo canal de televisão Conta Lá (nome provisório segundo os promotores), deverá arrancar em dezembro, depois de emissões pontuais na Feira Nacional de Agricultura, na Agroglobal e nas eleições autárquicas. A chegada deste canal representa uma nova aposta na proximidade com o público e na valorização da produção nacional. A CAP é uma das apoiantes deste projeto. Segundo Luís Mira, secretário-geral da CAP, sublinha consideram que o projeto “vem dar voz ao interior do país”. O mesmo responsável destaca as dificuldades que a agricultura enfrenta em comunicar as profundas mudanças tecnológicas e de sustentabilidade ambiental vividas nos últimos anos, assim como a rentabilidade crescente de algumas culturas e a incorporação de conhecimento científico. “A agricultura está numa grande evolução, numa grande mudança, e temos de usar estes meios para que nos entendam, pois ainda há um problema de entendimento. As pessoas hoje valorizam muito a alimentação, a saúde, e é preciso reforçar que quem produz os alimentos é o agricultor. E essa questão tem de ser tratada de uma forma diferente daquela que tem sido feito até agora, e pensamos que este é o meio de o fazer”, reforça. A participação da CAP neste projeto será de duas formas: por um lado com prestando apoio técnico e, por outro, solicitou às suas associadas uma contribuição financeira que pode ascender no total “às centenas de milhares de euros”.

Agricultores da Agrotejo promovem a biodiversidade com instalação de ninhos e comedouros nas explorações agrícolas

A Agrotejo e os agricultores associados estão a desenvolver um projeto de promoção da biodiversidade que visa reforçar o equilíbrio ecológico nas explorações agrícolas e na paisagem rural da região. Como parte desta iniciativa, os agricultores têm vindo a instalar ninhos, caixas-abrigos e comedouros destinados a aves insectívoras e outras espécies auxiliares, fundamentais para o controlo natural de pragas e a preservação dos ecossistemas agrícolas. Esta ação traduz o empenho dos agricultores da Agrotejo em conciliar a produção agrícola com a conservação da natureza, integrando boas práticas ambientais que contribuem para uma agricultura mais sustentável e resiliente.

Além do impacto direto na preservação da fauna local, a iniciativa tem também um importante valor educativo e comunitário, sensibilizando agricultores e a população em geral para a importância de proteger e promover a vida selvagem nas zonas rurais.

CARTAXO-DE-CABEÇA-PRETA A ESPÉCIE COM MAIS REGISTOS.

GARÇAS-BOIEIRAS E GAIVOTAS-DE-ASAS-ESCURAS ATRÁS DOS TRATORES.

BANDO DE ABIBES UMA AVE AINDA FACILMENTE OBSERVÁVEL NO INVERNO.

RESERVA DA BIOSFERA DO PAUL DO BOQUILOBO

Monitorização de aves em zonas agrícolas

A Reserva da Biosfera de Paul do Boquilobo (RBPB), a primeira a ser classificada em termos nacionais tem, atualmente, uma área total de 5896 hectares.

A ocupação do solo, segundo o Atlas das Reservas da Biosfera de Portugal, publicado em 2021, inclui agricultura intensiva (82%), florestas (5%), zonas húmidas (5%), áreas urbanizadas (5%) e pastagens (3%).

À semelhança das outras Reservas da Biosfera tem um zonamento tripartido: zonas nucleares (13,8%) que abrangem zonas húmidas, a maior das quais a Reserva Natural o Paul do Boquilobo (RNPB), com uma elevada biodiversidade; zonas tampão (17,5%), correspondendo, grosso modo, aos limites da área alagada por cheias do rio Almonda; zonas de transição (68,7%),áreas de intensa atividade agrícola incluindo algumas zonas florestais (Figura 1). A importância agrícola deste território é inegável, sendo esta a principal atividade económica da região, mas a sua importância em termos da biodiversidade também não deve ser menosprezado em particular no que se refere à diversidade de espécies de aves.

CARACTERÍSTICAS DO PERCURSO

Partindo destes dois pressupostos, a importância agrícola da região, e o seu valor potencial para a biodiversidade, desenvol-

vemos um percurso em plena RBPB, com cerca de 15 quilometros ao longo de uma estrada rural alcatroada com excessão do troço final, já perto do Centro de Interpretação da RNPB, em macadame.

Atravessa maioritáriamente zonas de intensa atividade agricola praticamente sem cortinas arbóresas, com uma ou outra árvore isolada na zona de transição da Reserva da Biosfera (Figura 1).

METODOLOGIA

As monitorizações realizaram-se sempre à 4ª feira, iniciaram-se a 25 de outubro de 2023, e, para efeito da presente análise, prologaram-se atá ao dia 8 de outubro do presente ano de 2025.

Idealmente tinham uma periodicidade semanal mas ao longo deste período houve muitas semanas em que não foi possível realizar o percurso: num total de 103 semanas corresponden-

Fernando Faria Pereira TÉCNICO SUPERIOR ICNF
Paulo Valente VOLUNTÁRIO RNPB

tes ao período de praticamente dois anos, realizaram-se 57 visitas. O intervalo entre as visitas, teve um interregno máximo de 9 semanas mas, na maioria dos casos, de apenas uma ou duas semanas (Figura 9).

O percurso foi percorrido de carro tendo tido uma duração média de 1 hora. As visitas foram sempre realizadas entre as 12:00 e as 15:45, principalmente entre as 14:00 e as 15:30. A escolha deste horário, com a consciência de que no verão corresponde ao período de menor atividade das aves, justificou-se por ser o horário disponível por parte dos participantes.

Realizaram-se registos climáticos: temperatura (termómetro da viatura), velocidade do vento (escala do Beaufort) e taxa de cobertura do céu em percentagem (observação direta).

Em termos agrícolas, para cada visita, por ordem decrescente, foram identificadas as três principais ocupações do solo (por exemplo: milho, hortícola, pousio).

Nas monitorizações iniciais só se contavam as espécies mais conspícuas (por exemplo aves de rapina ou gralhas), para as outras espécies apenas se registava a sua presença. A partir da primeira monitorização de 2015, realizada a 15 de

RESERVA DA BIOSFERA DO PAUL DO BOQUILOBO, ZONAMENTO E TRAÇADO DO PERCURSO DE OBSERVAÇÃO DE AVES.

janeiro, 37ª monitorização, começaram a contabilizar-se os efetivos de todas as espécies observadas.

RESULTADOS

A média por sessão foi de 16 espécies com um mínimo de 7 espécies na semana de 24 de julho 2024 e um máximo 31 espécies por duas vezes 14 de fevereiro de 2024 e 15 de fevereiro de 2025.

O maior número de observações de espécies registou-se no inverno e o menor número no verão, o que pode ser explicado por uma menor atividade humana, tanto na presença física como na cobertura do solo, e maior quantidade de água no inverno, ao contrário do que sucede no verão que tem ainda como fator limitante, da atividade das aves, as elevadas temperaturas (Figura 4).

A maio parte da espécies observadas teve apenas 1 a 5 registos correspodente a 47,5% do total de registos, entre 6 a 10 registos 15, 4%, 11 a 15 registos 14, 1 %, 16 a 20 registos 6,4%, 21 a 30 registos 2,6%, 31 a 40 registos 6,4% e superios a 40 registos 7,7%.

Apresentam-se seguidamente 5 gráficos: abibe, ave exclusivamente invernate (figura 5);águia-de-asa-redonda ave sedentária com individuos invernantes (figura 6); gralha-preta sedentária (figura 7); cotovia-de-poupa, sedentária tipica de terrenos agricolas (figura 8); chasco-cinzento ave migradora de passagem (Figura 9).

CONCLUSÕES

O objetivo deste artigo foi a divulgação de um estudo, que se pretende aprofundar, para avaliar a relação entre a atividade

agrícola e a diversidade de aves. A continuação dos registos é fundamental para perceber a variação das diferentes espécies ao longo do ano. É notória a diminuição, em espécies e nº de indivíduos, ao longo dos anos: espécies comuns há menos de uma década são agora raras e dificilmente observáveis, embora certas espécies que não apareciam sejam agora comuns. A maior parte das espécies registadas beneficia da proximidade da RNPB e do Tejo e não são típicas de terrenos agrícolas. Embora não se questione a importância de atividade agrícola, a principal atividade económica da região, constata-se que, apesar de classificado como Reserva da Biosfera, tão propalada pelas autarquias e operadores turísticos, este território tem vindo perder identidade. Deveriam ser dados pequenos passos no sentido da sua melhoria em termos ambientais, sem comprometer a atividade agrícola, o que traria enormes benefícios para a biodiversidade e resiliência do ecossistema. Ao invés constata-se que não é dado valor um dos pilares que levou à criação da Reserva da Biosfera, a conservação dos valores e identidade natural deste território, que pouco a pouco vai perdendo a sua identidade, tornando-se menos resiliente.

RESERVAS DA BIOSFERA

Os grandes desafios das Reservas da Biosfera em Portugal

As Reservas da Biosfera da UNESCO são frequentemente confundidas com áreas de conservação de caracter mais restritivo, mas representam muito mais: são territórios de excelência para a conciliação entre conservação da natureza, desenvolvimento sustentável e conhecimento científico.

Em Portugal, a rede tem crescido de forma consistente. Hoje contamos com 13 Reservas reconhecidas e outras 2 em processo de candidatura, abrangendo ecossistemas muito diversos – desde ilhas oceânicas a montanhas, estuários e zonas rurais. Estas Reservas não são apenas espaços de elevado valor ecológico. São territórios vivos, habitados por comunidades que enfrentam desafios reais como o despovoamento, as economias de pequena escala e a pressão das alterações climáticas. O ser humano está no centro da sua dinâmica, refletindo o espírito do Programa Man & the Biosphere (MaB) da UNESCO: promover soluções para uma relação equilibrada e sustentável entre pessoas e natureza. Antes de falar dos desafios, é importan-

te destacar os progressos feitos nos últimos anos. Um marco particularmente relevante foi o projeto “Territórios Sustentáveis, Comunidades Resilientes”, financiado pelos EEA Grants, que deu às Reservas ferramentas essenciais para reforçar a sua missão.

Graças a este projeto surgiram iniciativas como os Festivais da Biosfera (já na 3.ª edição) e atividades inovadoras como os BioKeepers ou as Olimpíadas da Biosfera. Os Roteiros de turismo sustentável e as ações de capacitação para novos negócios de base natural ajudaram ainda mais a fortalecer estas Reservas. Foi criado também o Portal Nacional das Reservas da Biosfera (www.reservasdabiosfera.pt), com dados de grande valor como o contributo de cada território para os Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2030 e que, juntamente com filmes de qualidade (que a RTP difundiu em horário nobre), gerou um incremento substancial de visibilidade nacional e internacional.

Destaca-se também o trabalho de análise dos serviços de ecossistemas oferecidos por cada Reserva, uma ferramenta estratégica para valorizar os contributos destes territórios a nível local, nacional e internacional.

Apesar de todos estes avanços, ainda há desafios estruturais, alguns emergentes, importantes. Estes não podem ser vistos apenas à escala nacional, mas devem ser enquadrados num mundo em rápida mudança, marcado pelas alterações climáticas, perda de biodiversidade, transformações tecnológicas e pro-

Anabela Trindade PRESIDENTE DO COMITÉ NACIONAL DO PROGRAMA MAN & THE BIOSPHERE DA UNESCO*

fundas transições sociais e económicas. As Reservas da Biosfera são também fundamentais para dar resposta a compromissos internacionais, como o Quadro Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal ou a Agenda 2030. Pela sua natureza integradora, estes territórios oferecem soluções práticas para alcançar algumas metas deste compromisso global.

As Reservas portuguesas, parte da Rede mundial da UNESCO com mais de 785 territórios em 142 países, são laboratórios vivos de sustentabilidade, testando soluções inovadoras para conciliar as necessidades humanas com a conservação da natureza. Portugal, com a sua diversidade ecológica e cultural, pode contribuir de forma decisiva para esta missão global.

PRINCIPAIS DESAFIOS:

• Alterações climáticas e resiliência dos ecossistemas – fenómenos climáticos extremos são cada vez mais frequentes. Já não basta consolidar modelos de desenvolvimento sustentável; é necessário avançar para a regeneração e restauro, reforçando a resiliência das paisagens e das comunidades.

• Despovoamento e envelhecimento demográfico – grande parte das Reservas está em áreas de baixa densidade, onde a saída dos jovens e o envelhecimento fragilizam a vitalidade económica e cultural e, por isso, a sua sustentabilidade.

• Valorização económica – produtos endógenos e serviços dos ecossistemas ainda não são suficientemente reconhecidos nem valorizados nos mercados.

• Governança e participação – é urgente reforçar a governação participativa, envolvendo autarquias, entidades públicas, empresas, associações, universidades e comunidades locais. A articulação entre atores nem sempre é fácil e os mecanismos de participação cidadã continuam frágeis. As Reservas da Biosfera apresentam também fragilidades na sua governança quotidiana ao nível de recursos, humanos e financeiros.

• Visibilidade e reconhecimento público – apesar do prestígio internacional da designação UNESCO, muitas Reservas continuam pouco conhecidas em Portugal. Aumentar a visibilidade é essencial não só para atrair visitantes e investimento, mas também para fortalecer o orgulho e

Foto Carlos Paula Simões

o sentido de pertença das comunidades locais. Em alguns territórios, mais procurados, iniciam-se avaliações de capacidade de carga para que seja mantida a integridade dos ecossistemas e a qualidade e segurança na visitação.

Mas cada desafio traz também consigo uma oportunidade. A recente criação da Rede Portuguesa de Jovens MaB permite integrar novas ideias, tecnologias e formas de participação. As Reservas podem ser cada vez mais laboratórios vivos para a ciência, promovendo investigação aplicada e transferência de conhecimento para soluções de gestão adaptativa como, por exemplo, práticas agrícolas inovadoras e resilientes, conciliando produção de alimentos com conservação da biodiversidade. Portugal beneficia ainda de integrar a Rede de Reservas da Biosfera da CPLP, que facilita a troca de experiências entre países que partilham língua, desafios e oportunidades comuns.

A valorização dos produtos locais, a certificação de práticas sustentáveis e a integração em cadeias curtas de valor ajudam a consolidar modelos económicos que beneficiem diretamente as comunidades locais. As Reservas são também espaços privilegiados para programas de educação ambiental, aproximando escolas, universidades e sociedade civil da agenda global da sustentabilidade. O novo Plano de Ação Estratégico do Programa MaB 2025–2035 convida a uma nova década de compromisso, onde as Reservas devem ser líderes em sustentabilidade, resiliência climática e inclusão social.

As Reservas da Biosfera em Portugal enfrentam desafios complexos, mas também têm uma oportunidade única: afirmarem-se como territórios de futuro, onde se experimentam soluções inovadoras para viver em harmonia com a natureza. O sucesso dependerá da capacidade de mobilizar todos – gestores, investigadores, autarcas, empresários, jovens e cidadãos – para transformar estas Reservas em territórios de esperança e inovação, inspirando soluções que transcendam fronteiras e contribuam para um futuro sustentável, inclusivo e partilhado.

* Deixou o cargo de presidente a 30 setembro 2025

AGROMAIS E CONSULAI

O caso de estudo português do projeto

QuantiFarm na Quinta da Cholda

No coração da lezíria ribatejana, a Quinta da Cholda, na Golegã, recebeu no passado dia 28 de maio um evento que juntou agricultores, técnicos, investigadores e estudantes em torno de um objetivo comum: perceber como a tecnologia pode tornar a agricultura mais eficiente, rentável e sustentável.

Organizado pela Agromais, em parceria com a Consulai, o encontro centrou-se no projeto europeu QuantiFarm, que está a testar e avaliar o impacto real de ferramentas digitais em explorações agrícolas de vários países da Europa. O projeto arrancou em julho de 2022 e tem como objetivo a avaliação do impacto da digitalização na agricultura, estando a realizar a avaliação de desempenho de diversas tecnologias utilizadas por explorações agrícolas comerciais

através de 30 casos de estudo. As tecnologias em avaliação estão a ser testadas em 7 áreas distintas do sector agrícola: culturas aráveis, fruticultura, horticultura, produção de laticínios, produção de carne, apicultura e aquacultura. Os 30 casos de estudo serão avaliados durante 3 anos e encontram-se localizados em 20 países europeus, representando 10 regiões biogeográficas.

Em Portugal, o projeto conta com dois parceiros, a Consulai líder do pacote

de trabalho “Teste e avaliação de tecnologias digitais em condições reais”, e a AGROMAIS líder do caso de estudo relacionado com a irrigação de precisão na cultura do milho.

A Consulai é responsável pela elaboração de relatórios de avaliação que expressem os resultados dos 30 casos de estudo, coordenando a comunicação entre os diferentes parceiros envolvidos: líderes de cada caso de estudo que recolhem informação junto de cada explo-

ração e os investigadores do Politécnico de Milão que realizam a avaliação custo benefício de cada tecnologia. Em Portugal, o caso de estudo do QuantiFarm decorre precisamente na Quinta da Cholda, sob a liderança da Agromais. Um dos agricultores que faz parte deste caso de estudo trata-se de João Coimbra, produtor de milho e reconhecido defensor da inovação no setor agrícola. Nesta exploração está a ser testada a ferramenta Irristrat™, um software desenvolvido pela empresa portuguesa Hidrosoph, que permite gerir a rega de forma mais precisa e sustentável.

O evento abriu com a intervenção da Agromais, que destacou o papel das organizações de produtores na promoção da inovação agrícola. Foi sublinhada a importância do trabalho conjunto com os agricultores, da partilha de conhecimento técnico e da necessidade de testar soluções em campo, em condições reais. Seguiu-se a apresentação da Consulai, que enquadrou o QuantiFarm e reforçou a relevância destes momentos de demonstração para aproximar a investigação e a prática agrícola. Para além do projeto em si, foi salientado que a transição para uma agricultura mais digital e sustentável só é possível quando existe cooperação entre produtores, técnicos, empresas tecnológicas e entidades de consultoria.

A HidrosophI encerrou o ciclo de apresentações com uma explicação detalhada sobre o funcionamento da ferramenta Irristrat e seus benefícios práticos. A ferramenta permite uma gestão da rega com maior precisão, através de dados,

previsões e algoritmos avançados Este software de gestão da rega, disponível em formato mobile, permite calcular o balanço hídrico das culturas com base em dados meteorológicos, no estado atual do solo e da planta, e em registos históricos da parcela.

O sistema é compatível com uma vasta gama de equipamentos, integrando sensores de humidade do solo, estações meteorológicas e contadores de água. Estes dispositivos comunicam com a plataforma, permitindo a recolha automática de dados em tempo real. O agricultor pode ainda planear e registar operações de rega, fertilização e monitorização fenológica, aceder a relatórios detalhados e receber alertas automáticos sempre que são detetadas situações críticas.

Durante a demonstração no terreno, os participantes puderam observar uma comparação prática entre duas parcelas de milho: uma conduzida com o apoio do Irristrat e outra seguindo as práticas tradicionais. Os resultados preliminares são claros: menor consumo de água e um aumento significativo na produtividade, ganhos que revelam como a agricultura digital pode transformar o quotidiano dos agricultores. Inovação com impacto real

Ao longo do dia, ficou evidente que a agricultura de precisão já não é apenas uma promessa, mas uma realidade com

resultados concretos. O caso português do QuantiFarm mostra que o uso de ferramentas digitais pode trazer benefícios claros: maior rentabilidade, maior produtividade e uma gestão mais responsável dos recursos, em particular da água, um fator cada vez mais crítico em face das alterações climáticas.

Mais do que a demonstração de uma tecnologia, o evento na Quinta da Cholda foi uma prova do valor da colaboração entre agricultores, empresas tecnológicas, organizações de produtores e consultores especializados. Através dessa articulação, é possível acelerar a adoção de soluções inovadoras e garantir que a agricultura portuguesa se mantém competitiva, sustentável e preparada para o futuro.

Visite o website do projeto QUANTIFARM ou através do QR CODE em cima indicado.

Aves: Aliadas Naturais da Agricultura

Na agricultura, todos sabemos como é importante manter o equilíbrio natural e reduzir o uso de produtos químicos. Uma forma simples e eficaz de o fazer é favorecer a presença de aves nas explorações agrícolas.

Além de embelezarem a paisagem e contribuírem para a biodiversidade, as aves são autênticos aliados no controlo de pragas, alimentando-se de insetos, larvas e outros pequenos organismos que afetam as culturas. E aves como o milhafre, o peneireiro ou as corujas ajudam no controlo de roedores, contribuindo para o equilíbrio do ecossistemas e proteção do cultivo.

Em Portugal, existem mais de 400 espécies de aves em estado selvagem. Muitas delas são residentes e comuns nas zonas rurais. Espécies como o chapim-real, a carriça, o pisco-de-peito-ruivo, os pardais e até os pica-paus são visitantes frequentes de pomares, hortas e vinhas, onde encontram alimento e, se possível, locais para nidificar.

No entanto, nos espaços agrícolas mais intensivos, podem faltar locais adequados para fazerem os ninhos, especialmente para as espécies que nidificam em cavidades, como buracos em árvores ou fendas em construções antigas. A remoção de árvores antigas, por razões de segurança ou produção, tem reduzido essas oportunidades.

É aqui que entram as caixas-ninho, pequenas estruturas de madeira que imitam cavidades naturais e permitem que estas aves se instalem e se reproduzam com sucesso. A sua colocação em pomares, sebes, vinhas, olivais ou campos de cereais, pode ter efeitos muito positivos no controlo natural de insetos e contribuir para a saúde das culturas, reduzindo a necessidade de pesticidas.

VANTAGENS

PARA OS AGRICULTORES

• Aumentam o controlo natural de pragas;

• Reduzem a necessidade de químicos;

• Contribuem para a biodiversidade e o equilíbrio ecológico;

• Valorizam a imagem ambiental da exploração, um fator cada vez mais apreciado pelos consumidores e programas de apoio.

COMO APOIAR A NIDIFICAÇÃO DE AVES NA SUA

EXPLORAÇÃO?

A instalação de caixas-ninho é uma medida simples, barata e eficaz. Eis algumas dicas práticas:

• Quando instalar: entre Novembro e Janeiro, para que as aves se habituem antes da Primavera.

• Onde colocar: em árvores, postes ou estruturas estáveis, com o orifício voltado a sul ou este, protegido do vento e do sol direto.

• Altura ideal: entre 2 a 4 metros do chão, e longe de outros ramos ou estruturas que permitam o alcance de predadores como gatos ou roedores.

• Não colocar poleiros, as aves não precisam deles e podem ser aproveitados por outras aves para predar as crias.

• Tipo de caixa-ninho: depende da espécie que pretende atrair. Por exemplo:

• Chapim-real e azul: orifício entre 28 e 30 mm.

• Pardal-comum: 32-35 mm.

• Pisco-de-peito-ruivo ou melro: preferem caixas com “janela” aberta em vez de orifício.

• Materiais: madeira natural, sem tratamento químico; evite colas e use apenas pregos ou parafusos.

• Manutenção: limpar no final do Verão, abrindo a caixa com cuidado, para

evitar acumulação de parasitas entre temporadas.

• Evitar materiais no interior: as aves constroem os ninhos com o que escolhem na natureza.

A Associação 30POR1LINHA, com sede na região do Médio Tejo, tem vindo a desenvolver projetos de sensibilização para a biodiversidade local com o apoio de municípios e entidades locais. Um dos projetos relacionado com caixas-ninho é o NAPA – Ninhos Artificiais Para Aves, que instalou dezenas de caixas-ninho em escolas e espaços públicos, desenvolveu oficinas de construção destas estruturas e agora pode ser replicável em quintas, hortas ou herdades.

A ideia é simples: com pouco investimento e algum cuidado, qualquer agricultor pode contribuir para o aumento da biodiversidade e, ao mesmo tempo, beneficiar dela no seu dia-a-dia agrícola. Na Internet encontra vários modelos e tutoriais de construção. Em caso de dúvidas, pode contactar-nos através do email: atrintaporumalinha@gmail.com Ao colocar caixas-ninho na sua exploração, estará a promover o equilíbrio ecológico, a proteger as suas culturas de forma natural e a tornar o seu espaço agrícola mais vivo e saudável. Agora que se aproxima a época ideal para a colocação das caixas-ninho, porque não dar esse passo? As aves agradecem… e os seus campos também!

REDESUSTERRA

A biodiversidade funcional ao serviço dos sistemas horto-industriais da Golegã

O RedeSusTERRA (PRR-C05-i03-I-000093) aborda as melhores formas e/ou estratégias de otimizar a sustentabilidade dos territórios agrícolas portugueses, restaurando inúmeros recursos naturais, principalmente a Biodiversidade Funcional, e promover os respetivos Serviços dos Ecossistemas (e.g. saúde e qualidade do solo, controlo biológico de pragas, vetores de doenças e/ou doenças, e polinização) que beneficiam e suportam, sobretudo economicamente, muita da atividade agrícola nacional.

Além de embelezarem a paisagem e contribuírem para a biodiversidade, as aves são autênticos aliados no controlo de pragas, alimentando-se de insetos, larvas e outros pequenos organismos que afetam as culturas. E aves como o milhafre, o peneireiro ou as corujas ajudam no controlo de roedores, contribuindo para o equilíbrio do ecossistemas e proteção do cultivo.

Em Portugal, existem mais de 400 espécies de aves em estado selvagem. Muitas delas são residentes e comuns nas zonas rurais. Espécies como o chapim-real, a carriça, o pisco-de-peito-ruivo, os pardais e até os pica-paus são visitantes frequentes de pomares, hortas e vinhas, onde encontram alimento e, se possível, locais para nidificar.

No entanto, nos espaços agrícolas mais intensivos, podem faltar locais adequados para fazerem os ninhos, especialmente para as espécies que nidificam em cavidades, como buracos em árvores ou fendas em construções antigas. A remoção de árvores antigas, por razões de segurança ou produção, tem reduzido essas oportunidades.

É aqui que entram as caixas-ninho, pequenas estruturas de madeira que imitam cavidades naturais e permitem que estas aves se instalem e se reproduzam com sucesso. A sua colocação em pomares, sebes, vinhas, olivais ou campos de cereais, pode ter efeitos muito positivos no controlo natural de insetos e contribuir para a saúde das culturas, reduzindo a necessidade de pesticidas.

VANTAGENS

PARA OS AGRICULTORES

• Aumentam o controlo natural de pragas;

• Reduzem a necessidade de químicos;

• Contribuem para a biodiversidade e o equilíbrio ecológico;

• Valorizam a imagem ambiental da exploração, um fator cada vez mais apreciado pelos consumidores e programas de apoio.

COMO APOIAR A NIDIFICAÇÃO DE AVES NA SUA EXPLORAÇÃO?

A instalação de caixas-ninho é uma medida simples, barata e eficaz. Eis algumas dicas práticas:

• Quando instalar: entre Novembro e Janeiro, para que as aves se habituem antes da Primavera.

Rafael Carvalho
Ana Paula Nunes

ABRIGOS PARA A BIODIVERSIDADE FUNCIONAL (A E C – ARTRÓPODES POLINIZADORES – ABELHAS SILVESTRES, B E C – ARTRÓPODES PREDADORES E/OU PARASITÓIDES) INSTALADOS NOS CAMPOS DA GOLEGÃ.

COBERTURAS VEGETAIS COM MISTURAS BIODIVERSAS ADEQUADAS ÀS RESPETIVAS CULTURAS PARA MELHORIA DA SAÚDE E QUALIDADE DO SOLO E CRIAÇÃO HABITAT PARA A BIODIVERSIDADE FUNCIONAL, NA JH LUZ (A) E NA SOC. AGR. SÃO JOÃO DE BRITO (B).

• Onde colocar: em árvores, postes ou estruturas estáveis, com o orifício voltado a sul ou este, protegido do vento e do sol direto.

• Altura ideal: entre 2 a 4 metros do chão, e longe de outros ramos ou estruturas que permitam o alcance de predadores como gatos ou roedores.

• Não colocar poleiros, as aves não precisam deles e podem ser aproveitados por outras aves para predar as crias.

• Tipo de caixa-ninho: depende da espécie que pretende atrair. Por exemplo:

• Chapim-real e azul: orifício entre 28 e 30 mm.

• Pardal-comum: 32-35 mm.

• Pisco-de-peito-ruivo ou melro: preferem caixas com “janela” aberta em vez de orifício.

• Materiais: madeira natural, sem tratamento químico; evite colas e use apenas pregos ou parafusos.

• Manutenção: limpar no final do Verão, abrindo a caixa com cuidado, para evitar acumulação de parasitas entre temporadas.

• Evitar materiais no interior: as aves constroem os ninhos com o que escolhem na natureza.

A Associação 30POR1LINHA, com sede na região do Médio Tejo, tem vindo a desenvolver projetos de sensibilização para a biodiversidade local com o apoio de municípios e entidades locais. Um dos projetos relacionado com caixas-ninho é o NAPA – Ninhos Artificiais Para Aves, que instalou dezenas de caixas-ninho em escolas e espaços públicos, desenvolveu oficinas de construção destas estruturas e agora pode ser replicável em quintas, hortas ou herdades.

A ideia é simples: com pouco investimento e algum cuidado, qualquer agricultor pode contribuir para o aumento da biodiversidade e, ao mesmo tempo, beneficiar dela no seu dia-a-dia agrícola.

Na Internet encontra vários modelos e tutoriais de construção. Em caso de dúvidas, pode contactar-nos através do email: atrintaporumalinha@gmail. com

Ao colocar caixas-ninho na sua exploração, estará a promover o equilíbrio ecológico, a proteger as suas culturas de forma natural e a tornar o seu espaço agrícola mais vivo e saudável. Agora que se aproxima a época ideal para a colocação das caixas-ninho, porque não dar esse passo? As aves agradecem… e os seus campos também!

PLATAFORMA +VALORCER

Blockchain e sustentabilidade

na fileira dos cereais

O +VALORCER, financiado pelo PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, é um projeto colaborativo que pretende transformar o setor dos cereais em Portugal, promovendo uma agricultura mais sustentável, digital e transparente.

Reúne mais de dezassete organizações de produtores e envolve mais de doze mil agricultores em todo o país. A sua atuação assenta em três pilares

complementares: (1) um programa de capacitação que forma produtores e organizações de produtores (OPs) em áreas como gestão de informação,

marketing, risco e sustentabilidade; (2) um referencial produtivo que incentiva práticas agrícolas sustentáveis com base em indicadores men -

suráveis; e (3) uma plataforma digital de gestão de informação baseada em tecnologia blockchain, que garante a rastreabilidade e a confiança em toda a cadeia de valor.

É precisamente neste último pilar que se centra o este artigo: a plataforma de gestão de informação, desenvolvida pelo NOVA Blockchain Lab da NOVA IMS, constitui o coração digital do projeto +VALORCER. Esta ferramenta foi concebida para recolher, armazenar e analisar os dados de sustentabilidade da produção cerealífera portuguesa, transformando a informação em conhecimento e valorização. A plataforma engloba três componentes: gestão de dados, painel analítico e transações na blockchain (ver figura 1).

1. GESTÃO DE DADOS

O primeiro componente da plataforma é a introdução de dados. Os produtores, através das suas organizações de produtores (OPs), são convidados a introduzir informação relativa às suas práticas agrícolas, seguindo o referencial produtivo sustentável desenvolvido no âmbito do projeto pela Nova Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Este referencial integra mais de cem indicadores que avaliam dimensões fundamentais como poluição, gestão de recursos hídricos, biodiversidade, economia circular, alterações climáticas e responsabilidade social. O processo é simples, estruturado e concebido para refletir a realidade do terreno, permitindo que os produtores comuniquem o seu compromisso com a sustentabilidade de forma objetiva e mensurável.

2. PAINEL ANALÍTICO

O segundo componente é o tratamento e visualização dos dados. A informação registada é processada e apresentada em dashboards interativos (Power BI), que permitem analisar indicadores de sustentabilidade em tempo real, comparar resultados entre regiões, culturas ou organizações, e acompanhar a evolução das práticas agrícolas ao longo do tempo. Estes painéis oferecem ainda a possibilidade de gerar relatórios estruturados e auditáveis, que podem ser partilhados com parceiros, distribuidores ou industriais, reforçando a transparência e o valor acrescentado da produção nacional.

3. TRANSAÇÕES

NA BLOCKCHAIN

O terceiro componente é o registo dos dados na blockchain. A tecnologia blockchain, essencialmente uma base

de dados descentralizada, segura e transparente, garante que toda a informação inserida é imutável, auditável e confiável. Uma vez registados, os dados não podem ser alterados sem deixar rasto, o que assegura a autenticidade e integridade da informação. No caso do +VALORCER, os registos são armazenados na Blockchain Layer3 Nova Cidade, uma infraestrutura otimizada para a gestão de dados a baixo custo, que oferece simultaneamente transparência pública e privacidade dos produtores, através de controlo de acesso.

Com esta plataforma, o +VALORCER coloca a tecnologia ao serviço dos produtores, permitindo-lhes assumir um papel ativo na valorização dos seus produtos e na comunicação do impacto positivo das suas práticas. É uma ferramenta que transforma dados em confiança, sustentabilidade em valor e inovação em futuro.

FIGURA 1: PAINEL ANALÍTICO DA PLATAFORMA +VALORCER. (*POR MOTIVOS DE PROTEÇÃO DE DADOS, OS NÚMEROS APRESENTADOS SÃO FICTÍCIOS)

AGRICULTURA DE PRECISÃO, DIGITALIZAÇÃO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A transformação tecnológica da gestão da rega pela Agromais CRL em parceria com a Hidrosoph

A agricultura de precisão representa hoje uma das mais importantes revoluções tecnológicas do setor agrícola, constituindo um vetor essencial para garantir a sustentabilidade económica, social e ambiental da produção.

Num contexto de crescente escassez hídrica, variabilidade climática e pressão para reduzir custos operacionais, a digitalização e a integração de sistemas inteligentes tornam-se determinantes para a eficiência e competitividade das explorações agrícolas.

A conjugação de sensores remotos, big data, modelos preditivos e inteligência artificial (IA) permite não só recolher grandes volumes de informação agronómica, mas também transformá-los em conhecimento operacional e decisões baseadas em evidência. Neste âmbito, a Agromais CRL, em parceria com a Hidrosoph, tem desenvolvido e implementado um modelo inovador de gestão inteligente da rega, que combina tecnologia, ciência de dados e know-how agronómico para otimizar o uso da água e aumentar a produtividade das culturas.

CONTEXTO E ENQUADRAMENTO TÉCNICO

O cenário climático nacional caracteriza-se por uma distribuição irregular da precipitação e períodos de seca prolongada, agravados por fenómenos de temperatura extrema. Estes fatores colocam a agricultura portuguesa perante o desafio de manter níveis produtivos competitivos num quadro de recursos hídricos limitados e de exigência crescente em eficiência ambiental. Historicamente, a gestão da rega baseava-se em práticas empíricas, experiências locais e estimativas subjetivas, resultando frequentemente em aplicações desajustadas de água, perdas energéticas e stress hídrico nas plantas. Paralelamente, a dependência exclusiva de imagens de satélite (NDVI, EVI, SAVI, etc.) revelou limitações quanto à resolução temporal e espacial, frequência de passagem e interferências atmosféricas (nuvens, aerossóis). Esta lacuna de informação em tempo real compromete a capacidade de resposta rápida às necessidades hídricas dinâmicas das culturas.

SOLUÇÃO TECNOLÓGICA

INTEGRADA

Para ultrapassar estas limitações, a Agromais CRL e a Hidrosoph imple -

mentaram uma arquitetura híbrida de suporte à decisão agronómica, combinando aquisição de dados in situ, observação remota e plataformas digitais inteligentes. O sistema baseia-se em quatro eixos tecnológicos fundamentais: Sensores de campo: Instalação de sondas de humidade do solo a múltiplas profundidades, medindo parâmetros como condutividade elétrica aparente (CEa), tensão matricial da água no solo e conteúdo volumétrico de água ( v). Estes dados são transmitidos em tempo real via telemetria, permitindo caracterizar o perfil hídrico do solo e determinar o ponto ótimo de rega.

PLATAFORMA DE GESTÃO

INTELIGENTE (IRRISTRAT™)

Solução digital de gestão e monitorização da rega, que integra dados de sensores, estações meteorológicas, previsões de evapotranspiração (ET0), balanços hídricos diários e imagens de satélite. Através de algoritmos de modelação, o sistema emite avisos de rega, relatórios analíticos semanais e recomendações adaptadas à cultura e ao seu estádio fenológico.

AQUISIÇÃO DE DADOS POR

SENSORES REMOTOS

Recurso a imagens multiespectrais e térmicas provenientes de satélites e drones para a obtenção de índices de vegetação (NDVI, NDRE, GNDVI) e

mapas térmicos de stress. Estas imagens permitem monitorizar o vigor vegetativo, anomalias de crescimento, zonas de défice hídrico e heterogeneidades das parcelas.

INTEGRAÇÃO

DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E MACHINE LEARNING

Aplicação de modelos preditivos e algoritmos de regressão e classificação que correlacionam variáveis climáticas, fenológicas e edáficas para prever o stress hídrico, otimizar planos de rega variáveis (VRI) e antecipar necessidades de intervenção agronómica.

Serviços do departamento de gestão de rega e agricultura de precisão da Agromais CRL em parceria com Hidrosoph A operacionalização desta arquitetura traduz-se em um conjunto de serviços técnicos avançados, que têm vindo a ser disponibilizados aos produtores:

– Monitorização contínua da humidade do solo

Dados obtidos por sensores e transmitidos em tempo real permitem ajustar a rega com base em métricas objetivas e georreferenciadas, eliminando desperdícios e garantindo a uniformidade da aplicação.

– Avisos e relatórios de rega personalizados

Através da plataforma IRRISTRAT™, os agricultores recebem recomendações semanais baseadas em modelos de evapotranspiração, previsões me-

teorológicas e variabilidade espacial das parcelas.

- Diagnóstico e benchmarking de parcelas

Comparação entre parcelas assistidas pelo sistema e parcelas tradicionais, com avaliação de eficiência hídrica (m3/ ton), incremento de produtividade, redução de custos energéticos e rentabilidade global (ROI).

- Capacitação técnica e formação digital

A Agromais e a Hidrosoph promovem formação contínua para técnicos e agricultores na interpretação de mapas espectrais, dados térmicos e dashboards interativos, potenciando uma verdadeira mudança cultural digital no setor.

– Resultados e benefícios agronómicos

A implementação deste ecossistema tecnológico tem demonstrado ganhos significativos em múltiplas dimensões:

- Eficiência hídrica, com reduções diretas no volume de água aplicada.

- Aumento de produtividade, em função da cultura e do tipo de solo.

- Redução dos custos operacionais até, devido à menor utilização de energia e insumos.

- Maior previsibilidade operacional, com base em dados preditivos e relatórios históricos.

- Sustentabilidade ambiental reforçada, reduzindo a pegada hídrica e de carbono, contribuindo para as metas do Pacto Ecológico Europeu.

DESAFIOS TÉCNICOS E ESTRATÉGICOS

A consolidação desta abordagem exige ainda superar desafios relacionados com:

- Investimento inicial em equipamentos, sensores e licença de software;

- Escalabilidade e interoperabilidade entre diferentes sistemas digitais;

- Capacitação técnica dos utilizadores e interpretação de outputs complexos;

- Garantia de segurança e privacidade de dados agrícolas, assegurando con-

formidade com o RGPD e normas ISO/IEC 27001;

- Integração com políticas públicas de incentivo à transição digital agrícola (PAC 2023–2027, PRR).

PERSPETIVAS FUTURAS E APLICAÇÃO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O futuro da agricultura de precisão reside na convergência entre IA, sensorização remota e modelos preditivos de decisão. As próximas fases do projeto preveem:

- Desenvolvimento de modelos de aprendizagem automática para previsão de stress hídrico e deteção precoce de anomalias vegetativas;

- Implementação de sistemas de rega de taxa variável (VRI), com prescrição automática via mapas de aplicação;

- Criação de representação virtual das explorações agrícolas, permitindo simulações agronómicas com base em dados históricos e previsão meteorológica;

- Integração de drones para recolha automática de dados térmicos e multiespectrais, aumentando a resolução temporal e espacial da monitorização.

Por detrás da tecnologia encontrará sempre uma pessoa e nunca somente a máquina.

A transição tecnológica da agricultura portuguesa é hoje uma realidade incontornável e, simultaneamente, uma oportunidade de evolução estrutural para o setor. A Agromais CRL, através do seu Departamento de Gestão de

Rega, tem demonstrado uma clara visão estratégica ao posicionar-se como agente ativo neste processo de digitalização e modernização da atividade agrícola, promovendo a adoção de ferramentas tecnológicas que colocam os dados e a ciência ao serviço da eficiência produtiva.

A parceria com a Hidrosoph tem sido determinante para consolidar um modelo técnico-operacional robusto, baseado em monitorização contínua, interpretação de dados agronómicos e apoio à decisão em tempo real. A integração de sensores de humidade, plataformas digitais de gestão (como o Irristrat™), imagens multiespectrais e térmicas, e modelos analíticos avançados constitui um ecossistema tecnológico completo que eleva a rega de uma operação empírica para uma gestão científica e previsional.

Esta abordagem híbrida - que combina experiência de campo, dados de alta resolução e inteligência artificial - permite à Agromais oferecer aos seus produ-

tores soluções personalizadas, precisas e sustentáveis, assegurando simultaneamente a otimização do uso da água, a redução de custos energéticos e o incremento da produtividade agrícola.

Mais do que uma resposta tecnológica, trata-se de um modelo de transformação organizacional e cultural, onde o agricultor assume um papel central na leitura e interpretação da informação gerada, apoiado por técnicos especializados.

A Agromais CRL reafirma, assim, o seu compromisso em liderar este processo evolutivo, disponibilizando recursos, conhecimento e tecnologia de ponta para consolidar um sistema agrícola mais eficiente, resiliente e sustentável.

Esta sinergia entre tecnologia e conhecimento humano reforça o papel do agricultor moderno como gestor de dados agronómicos, e não apenas como produtor. O resultado traduz-se numa agricultura mais eficiente, sustentável e rentável, preparada para enfrentar os desafios climáticos e económicos do futuro, reforçando a importância na continuidade de promover inovação, sustentabilidade e valor acrescentado ao setor agrícola.

Uma carreira, orgulhosamente dedicada ao mundo das sementes

O gosto pela atividade agrícola foi herança de família, o interesse por novas tecnologias aplicadas à agricultura foram o resultado da formação académica e a paixão pelo melhoramento de plantas foi-me transmitida durante o estágio académico na Estação Nacional de Melhoramento de Plantas. O mundo das sementes tornou-se assim uma atração e nada melhor que a continuidade do meu percurso profissional numa empresa de referência, que tem o seu principal foco no melhoramento e desenvolvimento de variedades por diferentes espécies de interesse agrícola, com especial destaque para o milho!

Foi um percurso profissional de quase 40 anos, distribuídos pela Estação Nacional de Melhoramento de Plantas (ENMP), Núcleo de Melhoramento de Milho em Braga (NUMI) e Pioneer Hi-Bred., mas que em breve terá continuidade numa área distinta! Sinto-me um privilegiado por ter uma família fantástica que sempre me apoiou e ter tido a sorte de me cruzar ao longo da vida com grandes profissionais, enormes referências nas suas áreas.

Foi de facto, um período muito feliz e de enorme riqueza social e profissional numa atividade que muito apaixona todos os que vivemos do campo e para o campo.

Ainda assim, foi enorme a surpresa ao receber o convite do Dr. Jorge Neves e do Engº Mário Antunes, para resumir numa breve crónica o meu percurso ligado ao milho e o impacto que tiveram na minha vida, todos os profissionais ligados à atividade agrícola com os quais colaborei, em particular os agricultores da região do Vale do Tejo.

Com todo o respeito, ponderei recusar o convite, pois humildemente considero que nada de extraordinário me diferenciou da maioria dos meus colegas de empresa e dos

colegas concorrentes, todos eles profissionais com enorme sentido de responsabilidade. Contudo, este convite é uma oportunidade de ouro para agradecer o apoio e incentivo que fui recebendo ao longo da minha carreira e das sólidas amizades que alicercei.

Nunca me esquecerei da confiança que desde o início, agricultores, distribuidores, entidades oficiais e outros intervenientes na área técnica e comercial do mercado das sementes e demais fatores de produção, depositaram em mim, um jovem licenciado sem qualquer referência, apenas com o respaldo da marca Pioneer.

A cultura do milho é apaixonante e muito importante de Norte a Sul de Portugal, mas é vivida muito particularmente e de forma muito intensa, até com alguma rivalidade, especialmente nas zonas do Vale do Tejo, com maior enfase nos Riachos, Golegã, Alpiarça, Abrantes, Tramagal e Chamusca.

Foi essa rivalidade entre produtores com a ambição de alcançar a produção perfeita, a constante pressão das empresas concorrentes e a necessidade de inovar e partilhar novas experiências, que me desafiaram a melhorar continuamente e a cativar a confiança junto dos agricultores. É com enorme saudade que continuo a recordar todos os momentos de cariz técnico e social, passados nos famosos e muito participados Colóquios no Central, nos animados dias de Campo do Meirinho e dos mais recentes e bem-sucedidos Fóruns, em Santarém. São marcos só ao alcance de uma excelente equipa, a que me orgulhei de pertencer e liderar, considerada por muitos como uma das mais profissionais no universo Pioneer. Foram atividades, acarinhadas pelos agricultores, que muito facilitaram a minha atividade e a fiabilidade que, enquanto equipa, conseguíamos transmitir no lançamento de novos produtos. Orgulhosamente recordo que a Pioneer Portugal, foi a única delegação a nível mundial que teve a capacidade de colocar no primeiro lugar de vendas, híbridos como o J56, o Y74 e o A46 no seu ano de lançamento. Para este destaque muito contribuiu o enorme profissionalismo dos agricultores do Ribatejo e a sua credibilidade no panorama nacional dos produtores de milho.

Muitos foram os que me apoiaram, ajudaram e incentivaram a melhorar nas minhas diferentes funções ao longo da carreira, contudo, sem querer melindrar ou parecer ingrato para os que merecem a minha eterna gratidão, não posso deixar de mencionar duas das minhas principais referências, Francisco Bagulho (ENMP) e Carlos Lima Teixeira (Pioneer Hi-Bred), a quem muito devo pessoal e profissionalmente.

Uma carreira simples, sem qualquer destaque especial, mas muito preenchida. A todos os meus ex-colegas da ENMP, do NUMI, da Pioneer, profissionais da distribuição, dos serviços oficiais, agricultores de todo o país e em particular do Vale do Tejo e amigos no geral, que para o bem e para o mal me foram moldando, um eterno obrigado e até sempre!

Ver-nos-emos por aí!!!

O PROJETO NUTRI-CHECK NET

Práticas para uma Fertilização Otimizada do Milho

No passado dia 9 de setembro, durante a Agroglobal, realizou-se no CNEMA, em Santarém, o workshop “Práticas para uma Fertilização Otimizada do Milho”, que reuniu agricultores e técnicos agrícolas num espaço de debate e partilha de conhecimento.

O workshop foi organizado no âmbito do projeto financiado pela União Europeia NUTRI-CHECK NET, iniciado em janeiro de 2023, que conta com 10 parceiros europeus e tem como missão promover uma gestão mais eficiente e sustentável da fertilização das culturas arvenses, através da testagem colaborativa de ferramentas digitais pelos agricultores.

Num primeiro momento, contou com a apresentação deste projeto pela consultora da Consulai, Beatriz Cardoso, onde foi feito o enquadramento da iniciativa em Portugal e sublinhada a sua relevância para a modernização das práticas de fertilização.

O arranque do NUTRI-CHECK NET deu-se com a identificação em diferentes países dos principais desafios da fertilização das culturas do trigo, milho e batata. Em Portugal, este trabalho foi levado a cabo pelos Crop Nutrition Clubs, grupos compostos por agricultores, com o apoio técnico e científico de um Grupo Nacional de

Especialistas em Fertilização (National Expert Group). Esta rede garantiu a ligação entre as necessidades práticas dos agricultores e o conhecimento científico atual.

De seguida, com base nos desafios identificados, foram selecionadas ferramentas digitais e outras soluções com potencial para melhorar a gestão da fertilização, desde análises de solo e foliares, até tecnologias de aplicação variável e softwares de apoio à decisão. Numa terceira fase, algumas dessas ferramentas foram testadas em campo pelos agricultores membros dos Crop Nutrition Clubs, nos vários países par-

ceiros. Este processo permitiu avaliar a aplicabilidade, utilidade e facilidade de utilização em contexto real. Um exemplo prático desta testagem tratou-se da realização em Portugal de análises foliares aos campos de ensaio de milho na Quinta da Alorna geridos pela Agroglobal.

Para demonstrar este exemplo, no workshop, seguiu-se uma apresentação a cargo do diretor agrícola da Agroglobal, Frederico Teixeira, sobre a testagem das análises foliares realizadas durante os ensaios, vistas como ferramenta essencial para a correção de macro e micronutrientes. As análises, realizadas com uma periodicidade média de dez dias e enviadas para laboratórios especializados, permitem identificar de forma precisa o estado nutricional das plantas e apoiar a tomada de decisão. Durante a discussão destacou-se em particular a necessidade de acompanhar os níveis de azoto (N), fósforo (P) e potássio (K), salientando-se as consequências agronómicas tanto do excesso como da carência destes nutrientes principais.

Após estas exposições, o encontro ganhou uma dimensão mais participativa com um trabalho interativo entre os presentes. Os participantes do workshop avaliaram as boas práticas definidas previamente pelo projeto NUTRI-CHECK NET, refletindo sobre a sua

aplicabilidade à realidade portuguesa e debatendo as principais dificuldades e desafios à implementação. Paralelamente, surgiram ainda propostas de novas práticas consideradas relevantes para melhorar a eficiência da fertilização no país.

Os resultados deste workshop serão incluídos na análise final para a seleção das 20 boas práticas de gestão da fertilização, baseadas nas ferramentas e metodologias analisadas. Estas boas práticas ficarão disponíveis na plataforma digital do projeto, já disponível online, que funciona como repositório das ferramentas selecionadas e testadas. Concebida para ser prática e acessível, facilita o acesso a soluções que podem ser adotadas por outros agricultores e técnicos, garantindo a disseminação do conhecimento.

O workshop incluiu ainda uma visita técnica aos campos de ensaio da Agroglobal, na Quinta da Alorna, onde os participantes puderam observar três áreas distintas: 30 hectares de milho silagem em sistema Pivot com ensaio de variedades, 18 hectares de milho grão também em Pivot e igualmente com ensaio de variedades, e 4 hectares de milho silagem em sis -

tema de rega gota-a-gota com a variedade P0937. Nestes campos foram explicados os protocolos das análises foliares, partilhadas as principais lições retiradas dos ensaios e promovida a disseminação de conhecimento diretamente junto da comunidade agrícola.

O balanço final foi claramente positivo. A forte participação e a interação entre agricultores, técnicos e consultores permitiram não só aprofundar o conhecimento sobre práticas de fertilização otimizadas, como também fomentar a troca de experiências e aprendizagens do terreno. Esta dinâmica tornou o encontro particularmente enriquecedor, reforçando o papel das boas práticas de fertilização como elemento fundamental para a sustentabilidade e competitividade da cultura do milho em Portugal. Visite o website do projeto NUTRI-CHECK NET ou através do QR CODE abaixo indicado.

A fertilidade começa no solo: o futuro está debaixo dos nossos pés

FERTILIDADE E SAÚDE

DOS SOLOS E DAS CULTURAS

Quando falamos em fertilidade do solo, falamos na sua capacidade em fornecer os nutrientes essenciais nas quantidades adequadas para a instalação e crescimento das diferentes culturas. Outras funções necessárias passam pela retenção e disponibilização de água e ainda pela garantia de um bom arejamento para as raízes e para a promoção da atividade microbiana.

O solo, além de ser um suporte físico para as culturas, é um ecossistema complexo onde todas as espécies que o habitam interagem entre si. A qualidade e saúde de um solo, transversal a qualquer ecossistema da Terra, pode medir-se em função da biodiversidade que contém. Esta biodiversidade condicionará a eficiência de aproveitamento dos recursos existentes.

O solo deve reunir condições físicas, químicas e biológicas favoráveis para ser encarado como um excelente recurso e aliado do agricultor. Nele habitam milhares de organismos e todos eles contribuem para esse sistema.

Os microrganismos do solo, interrelacionados de forma dinâmica, são capazes, entre outras funções, de solubilizar fósforo, participar na fixação de azoto e armazenar nutrientes sob formas que

podem ser aproveitadas pelas plantas. (Existem, por exemplo, microrganismos que solubilizam fósforo em condições de frio, outros que o fazem a temperaturas mais altas, alguns em colaboração com determinadas espécies vegetais.)

A própria interação das plantas com o solo promove determinados organismos e gera uma redução pontual da biodiversidade na zona da rizosfera. Num ecossistema natural, várias espécies vegetais convivem num mesmo local, em diferentes fases do ciclo vegetativo, com necessidades específicas, o que permite manter a biodiversidade global. Nos ecossistemas agrícolas clássicos, sobretudo em monoculturas sincronizadas, onde todas as plantas estão no mesmo estado vegetativo, essa diversidade perde-se de forma mais acentuada.

A perda simultânea de biodiversidade microbiológica em cada bolbo radicular conduz a um empobrecimento global do solo. Caso essa biodiversidade não seja recuperável, o ecossistema perde equilíbrio, reduz a eficiência na utilização dos recursos e, consequentemente, a produtividade.

A agricultura tradicional desenvolveu práticas de maneio como a rotação de culturas e os pousios, que permitem a recuperação parcial dessa biodiversidade. Contudo, a intensificação agrícola

e a utilização excessiva de fertilizantes e fitossanitários sem o devido conhecimento técnico agravaram este problema, conduzindo em muitos casos à perda de funcionalidade dos solos e à redução da produtividade.

INFLUÊNCIA DOS FERTILIZANTES

Existem técnicas consolidadas que contribuem para a conservação do solo, como a rotação de culturas ou a adubação verde.

Os fertilizantes têm um papel fundamental na atividade agrícola: não apenas em termos de produtividade e rendimento das colheitas, mas também na melhoria da fertilidade do solo, quando aplicados de forma correta e responsável.

Os solos contêm nutrientes essenciais às culturas, mas nem sempre nas quantidades exigidas pelas plantas. Os fertilizantes surgem, assim, para suprir carências imediatas e repor nutrientes a longo prazo, garantindo que as culturas recebem o que necessitam no momento certo. Quando corretamente formulados e aplicados, os fertilizantes podem ser grandes aliados da saúde do solo, promovendo o equilíbrio microbiológico e contribuindo para a regeneração da sua fertilidade natural.

EQUILÍBRIO ENTRE REGULAMENTAÇÃO

E PRODUÇÃO

No âmbito do Pacto Ecológico Europeu, a União Europeia lançou a Estratégia do Prado ao Prato com o objetivo de travar a perda de biodiversidade e reforçar a sustentabilidade da cadeia alimentar. Entre as metas estabelecidas está a redução da utilização de fertilizantes e pesticidas em 20% e 50%, respetivamente, até 2030.

Esta redução afeta diretamente o número de unidades fertilizantes, o que significa que as que são aplicadas terão de ser mais eficientes. Paralelamente, torna-se essencial encontrar formas de disponibilizar os nutrientes existentes no solo que não estão imediatamente assimiláveis pelas plantas.

Para as empresas produtoras de fertilizantes, este é um desafio constante: responder à regulamentação sem comprometer a rentabilidade e produtividade das culturas. Exige investigação intensiva, inovação e compromisso com a sustentabilidade.

Enquanto no passado os fertilizantes convencionais apresentavam fórmulas ricas em unidades nutritivas, mas sem tecnologias agregadas, hoje surgem soluções tecnológicas e sustentáveis que não só garantem rentabilidade e produtividade, como também promovem a fertilidade e conservação dos solos.

Na Fertinagro Biotech, conscientes da necessidade de preservar a saúde e produtividade do solo, temos investido de forma contínua na investigação das dinâmicas microbiológicas edáficas. O resultado desse trabalho são tecnologias que potenciam a regeneração da biodi-

versidade e promovem a reestruturação microbiológica, deixando o solo em condições ótimas para a implantação e desenvolvimento de novas culturas.

RENOVATION FUERZA MÁXIMA – QUANDO

A INOVAÇÃO ALIMENTA O SOLO

Como resposta a estes desafios, surge a gama Renovation Fuerza Máxima, que introduz uma nova dinâmica na utilização de fertilizantes.

Trata-se de uma gama de fertilizantes complexos, granulados e mini granulados, com excelente cobertura e uniformidade na aplicação. Podem ser utilizados como adubo de fundo e/ou de cobertura, têm base sulfato, 2% de aminoácidos livres (melhorando a resposta da cultura em situações de stress) e incorporam um conjunto de tecnologias exclusivas que maximizam a eficiência nutricional e regeneram o solo:

• DURAMON® – inibidor nº1 na Europa, com efeito regulador sobre a enzima urease. Atrasa a transformação do azoto ureico em amoniacal, promovendo uma distribuição mais adequada do azoto no solo e minimizando perdas. Permite reduzir entre 15% e 40% das emissões na forma de amoníaco para a atmosfera.

• NOVOPHOS-PLB® – combina diferentes formas químicas de fósforo que se adicionam ao fósforo tradicional, disponibilizadas a diferentes velocidades no solo, garantindo a presença deste nutriente durante todo o ciclo da cultura.

• N-PRIMER® – de origem natural, estabiliza o azoto fornecido, maximizando a absorção pela planta e reduzindo perdas.

• ACTIBIÓN® – estimula a produção de fitohormonas, favorecendo o enraizamento e o desenvolvimento vegetativo, além de assegurar a solubilidade dos nutrientes.

• PROLIFE® – pacote de microelementos edáficos que promovem o trabalho das populações microbianas, aumentando a fertilidade potencial do solo. Além disso, o seu conteúdo em SUPERBIA ativa os microrganismos benéficos do solo, aumentando a sua fertilidade e bioestimulando o crescimento da cultura nas suas fases iniciais, garantindo um melhor enraizamento e desenvolvimento vegetativo.

Reunimos tudo isto num só produto, que assegura MÁXIMA EFICIÊNCIA, MÁXIMA PRODUÇÃO E MÁXIMA RENTABILIDADE — a gama de produtos Renovation Fuerza Máxima, um verdadeiro exemplo de como a inovação pode alimentar o solo e regenerar o futuro da agricultura.

Agricultura e cibersegurança: Qual o sentido?

Nunca a economia foi tão global. Apesar da geografia as distâncias terminam encurtadas pelas capacidades do meio digital e da tecnologia.

A potencialidade de negócios é agora à escala mundial. Mas esta globalidade não se remete apenas à dimensão económica, mas também à interdependência entre sectores da economia que, entre necessidades legais, regulatórias e setoriais se encontram elegíveis perante estes mesmos requisitos. O mesmo acontece precisamente no plano digital, nomeadamente ao nível da segurança da informação e da cibersegurança.   As necessidades de cibersegurança decorrem da responsabilidade de gestão da segurança da informação. Os negócios dependem da informação, em ter-

mos financeiros, operacionais e comerciais. Qual o impacto de uma paragem de operação e/ou produção numa empresa? Quais os danos reputacionais? Qual o impacto legal? É precisamente nesta última dimensão de impactos, o legal, que faz sentido debruçarmo-nos um pouco e analisar, como referi acima, as interdependências entre sectores da economia. Se antigamente, por exemplo, o setor primário da agricultura fazia depender toda a sua produção de meios manuais e mecânicos, hoje em dia a escalabilidade global e o desenvolvimento tecnológico

torna inevitável o recurso a meios técnicos cada vez mais dependentes de interligações digitais entre si, seja por internet, seja por rádiofrequência ou outras tecnologias sem fios. Isto significa que qualquer corrupção técnica neste ecossistema interligado, pode causar danos. Danos reputacionais, financeiros, operacionais e comerciais. E o que tem isto de relacionado com aspetos legais?

A interdependência setorial, assenta exatamente na cadeia de valor entre produtor, transformador, processador, distribuidor e comercializador, na medida em que pela razões que menciono

Luís Lobo

acima ao nível do setor agrícola, um incidente provocado por uma corrupção digital pode infringir danos maiores e a uma escala também global. Por isso mesmo têm surgido em vários sub-setores e a uma escala internacional, orientações em matéria de gestão de segurança da informação e cibersegurança, em alguns casos dando origem a regulamentos e requisitos legais. Também na Europa têm surgido vários regulamentos e diretivas de aplicação comum e de forma homogénea em todo os Estados Membros, com vista a criar padrões universais e standardizados nestas matérias, alinhados também com metodologias internacionais. O principal objetivos destas diligências reguladoras assenta em dois princípios fundamentais: soberania dos Estados e Ordem Pública. E tendo em conta estes princípios, facilmente podemos perceber por exemplo que qualquer desestabilização na cadeia de valor agroalimentar, em vários dos seus sub-setores, decorrente do manuseamento de pro-

dutos fitofarmacêuticos processados, produzidos e administrados por sistemas eletromecanizados, poderá culminar num incidente de saúde e ordem públicas.

O parlamento português aprovou no final de Setembro o projeto-lei que transpõe uma destas diretivas, a NIS2, para o regime jurídico nacional, que visa reforçar a segurança dos sistemas de redes e informações nos Estados Membros, para aumentar a resiliência das organizações contra ciberataques e incidentes de segurança. Independentemente da titularidade direta de uma empresa na responsabilidade legal perante este novo quadro jurídico, qualquer organização que esteja inseri-

da na cadeia de valor de uma empresa com esta responsabilidade, terá obrigatoriamente de assegurar um cojunto de requisitos mínimos nestas matérias. Por isto também a Crowe tem estado mais próxima do tecido empresarial nacional, nomeadamente com uma metodologia de requisitos mínimos para PME’s, por forma a garantir que independentemente da dimensão e estrutura operacional possam usufruir de conhecimento especializado, ajustado à sua realidade e por forma a acautelar que a conformidade com as boas práticas nestas matérias, mesmo que implementando requisitos mínimos, se possa manifestar uma vantagem competitiva e diferenciadora.

A Importância do Magnésio na Resiliência Fitossanitária das Culturas Agrícolas

DIRETOR DE COMUNICAÇÃO E ASSUNTOS REGULAMENTARES DA VITAS PORTUGAL

Nos últimos anos, o setor agrícola português tem vivido uma profunda transformação. A crescente restrição no uso de substâncias ativas em produtos de proteção fitossanitária, impulsionada por exigências regulamentares e pela procura de uma agricultura mais sustentável, tem colocado novos desafios aos produtores. Com um menor número de soluções disponíveis para a proteção das culturas, torna-se essencial encontrar estratégias complementares que assegurem a sua sanidade e produtividade. Paralelamente, a agricultura moderna enfrenta um duplo desafio: produzir mais e melhor, respondendo ao crescente aumento populacional no mundo, reduzindo o impacto ambiental. Neste contexto, destaca-se também o uso do cobre, tradicionalmente um elemento-chave na proteção das plantas, cuja utilização excessiva tem vindo a ser alvo de limitações cada vez mais regulamentadas. Prevê-se, que a sua utilização seja cada vez mais limitada, tornando-se importante o desenvolvimento e adoção de alternativas que complementem o uso de cobre como fator de proteção das culturas. Este equilíbrio exige, por parte dos produtores, a adoção de práticas que assegurem, simultaneamente, a rentabilidade das explorações e a conservação dos ecossistemas agrícolas.

Nesta perspetiva, a nutrição vegetal assume hoje um papel determinante, não apenas como suporte ao desenvolvi-

mento das plantas, mas também como fator-chave na sua resistência natural contra pragas e doenças, e é neste cenário que a Timac Agro tem vindo a desempenhar um papel de relevo, desenvolvendo soluções inovadoras que respondem às exigências atuais do setor e promovem uma agricultura mais equilibrada, produtiva e sustentável. Exemplo disso são as mais recentes inovações Timfoliup e Sunfortis, duas soluções formuladas, tendo como base o Magnésio — um elemento essencial para o equilíbrio fisiológico das plantas e a sua resiliência natural.

O Timfoliup tem como base o hidróxido de magnésio, substância reconhecida enquanto substância de base, cuja aplicação nas culturas pode contribuir para o efeito de proteção das plantas, sem se tratar de um fitofármaco. O produto destaca-se pela elevada concentração de magnésio e um alto teor de matéria seca. Ao fornecer magnésio em formas altamente assimiláveis, o Timfoliup contribui para criar um ambiente fisiológico menos favorável ao desenvolvimento de pragas e fungos, promovendo condições que dificultam a sua proliferação. Por sua vez, o magnésio ajuda as plantas a produzirem mais clorofila e a manterem-se mais fortes e equilibradas, tornando-as naturalmente mais resistentes. Assim, o Timfoliup alia o efeito protetor indireto ao valor nutricional direto do magnésio,

promovendo plantas mais equilibradas, com maior capacidade de resistência contra o ataque de pragas e fungos. O Sunfortis, por sua vez, é um bioestimulante à base de óxido de magnésio, desenvolvido para proteger as culturas contra o escaldão causado pelo aumento da radiação UV e IV, fenómenos que se têm intensificado nos últimos anos em que se registam verões cada vez mais quentes. A formulação do Sunfortis cria uma barreira protetora natural sobre a superfície vegetal, reduzindo a absorção excessiva de radiação e prevenindo a queimadura solar dos frutos e dos tecidos foliares. O magnésio, para além do seu papel nutricional, permite também manter a atividade fotossintética das plantas, atividade esta tendencialmente interrompida aquando da aplicação deste tipo de soluções, ajudando-as a conservar o equilíbrio fisiológico e a resistir aos danos causados pela radiação solar.

Devido ao seu baixo teor em sílica, o Sunfortis apresenta ainda a vantagem de minimizar significativamente o desgaste das válvulas de pressão, membranas e bicos de pulverização, bem como a preservação exterior dos restantes equipamentos de aplicação (pulverizador e trator).

Esta solução encontra-se homologada para utilização em Agricultura Biológica, reforçando o compromisso da Timac Agro com a sustentabilidade.

Em síntese, o novo paradigma agrícola exige soluções que conciliem produtividade, sustentabilidade e equilíbrio fisiológico das plantas. A aposta em

tecnologias nutricionais como o Timfoliup e o Sunfortis, representa um passo firme na construção de uma agricultura mais resiliente e susten-

tável. Com inovação e conhecimento técnico, a Timac Agro contribui assim para uma agricultura mais preparada para os desafios do futuro.

Direito de preferência na alienação de prédios rústicos

Qualquer proprietário de um prédio rústico já terá ouvido falar que ao vender o seu terreno terá de dar preferência ao proprietário do tereno confinante. Contudo, esta obrigação legal não se verifica em todos os casos e a dúvida quanto à sua aplicação é bastante comum. O direito de preferência que é conferido aos proprietários de terrenos confinantes, permitindo que estes adquiram o terreno em detrimento de outros interessados, trata-se de um mecanismo legal que o legislador consagrou para potenciar o emparcelamento dos terrenos rústicos e a viabilidade da sua exploração agrícola.

Estabelece o artigo 1380.º, n.º 1 do Código Civil que “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à uni-

dade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”. Assim, para que exista direito de preferência, devem verificar-se cumulativamente os seguintes requisitos: (i) esteja em causa a venda ou dação em cumprimento; (ii) o preferente seja proprietário de prédio confinante; (iii) o adquirente não seja proprietário confinante; e (iv) ambos os prédios (o alienado e o confinante) tenham área inferior à unidade de cultura definida para a respetiva região.

Durante muito tempo, a principal dúvida recaiu precisamente sobre este quarto requisito, ou seja, da necessidade ou

não dos dois terrenos terem dimensões inferiores à unidade de cultura, isto porque a letra não é clara, o que levou a interpretações e decisões divergentes por parte dos tribunais portugueses. Contudo, é hoje assente e pacífico que têm ambos os prédios de ter área inferior à unidade de cultura, para haver direito de preferência. Neste sentido, destaca-se propalado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20/02/2025 (Processo n.º 156/24.7T8MDL.G1), que veio confirmar e consolidar este entendimento.

Assim, se um proprietário de terreno rústico com área inferior à unidade de cultura vender o seu terreno, e este confinar com outro igualmente inferior à unidade de cultura, o vizinho confi-

nante goza de direito de preferência na aquisição. Se, porém, qualquer um dos prédios tiver área superior à unidade de cultura, já não existe direito de preferência. Também não haverá preferência se o negócio for feito com um outro proprietário confinante.

Na hipótese de haverem vários proprietários com direito de preferência este direito vai observar-se na seguinte ordem: (i) Tem prioridade o proprietário do terreno confinante que dá servidão de passagem para o terreno vendido; (i) Nos restantes casos, prefere o proprietário confinante cujo prédio, ao ser unido ao vendido, mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona. Mas o que é afinal a unidade de cultura? Por unidade de cultura entende-se a superfície mínima de um terreno rústico para que este possa ser gerido de uma forma viável e sustentável, atendendo às características e localização geográfica do mesmo. A área de cultura vai variar consoante o terreno seja de regadio, sequeiro ou floresta, e conforme se localize

na região do Norte, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo ou Algarve, devendo o proprietário consultar as áreas mínimas definidas na Portaria n.º 19/2019, de 15 de janeiro. Quanto à comunicação esta pode ser feita por qualquer forma ou meio legalmente admissível, inclusive verbalmente desde que seja feita de forma clara e inequívoca. Na prática, o mais prudente é que seja feita por carta registada com aviso de receção, indicando-se todas as condições do negócio — preço, prazos, forma de pagamento, etc. No caso de o vendedor não saber quem são os proprietários confinantes deverá fazer a comunicação por edital na respetiva junta de freguesia.

Depois de notificado, o titular do direito de preferência dispõe de oito dias para exercer o seu direito, sob pena de caducidade, salvo se for estipulado prazo diferente.

Se o preferente não for notificado da venda, pode recorrer aos tribunais, desde que o faça no prazo de seis meses

após ter conhecimento dos elementos essenciais da transação, depositando o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da ação.

Existem, na lei, duas exceções em que o direito de preferência não se aplica: quando algum dos terrenos integra um prédio urbano ou se destina a fim diferente da cultura, e quando a alienação abrange vários prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.

Finalmente, importa referir o caso especial da Reserva Agrícola Nacional (RAN). Neste regime, a dimensão do terreno não é relevante: basta que os terrenos estejam inseridos em RAN para que os proprietários confinantes tenham direito de preferência, independentemente de terem ou não área superior a unidade de cultura. Assim, quem pretenda vender deve comunicar notificar os confinantes, que poderão exercer o direito nos termos legais. Já não será necessário fazê-lo se o comprador for também proprietário preferente.

Os desafios atuais no sector do vinho

São muitos e variados os desafios que a agricultura atravessa hoje. O sector do vinho não é exceção. Quando falamos do sector do vinho falamos em agricultura mas também em indústria, pois não nos esqueçamos que as empresas que fecham o ciclo da produção vínica, i.e., que produzem uva e a transformam em vinho são, das maiores às mais pequenas, agro-indústrias, e portanto, desafiadas diariamente nestas duas valências.

Sendo certo que o sector do vinho é composto por diversos agentes - viticultores, vinificadores e comercializadores, e que todos eles cumprem uma função no sector do vinho, darei aqui a perspetiva do pequeno/médio produtor/ engarrador (pois é nessa qualidade que atuo na empresa da qual sou gerente) que acumula todas estas valências, trabalhando a vinha e transformando a sua produção em vinho engarrafado. Não é que cada um destes agentes por si não enfrente enormes desafios, mas penso que desta forma conseguirei abranger, não a totalidade, mas pelo menos a maior parte do espectro destes desafios.

Falarei da nossa experiência concreta, mas que acredito que seja transversal a muitos dos vitivinicultores do nosso país.

Começando pela produção de uva, são hoje vários os desafios com que nos debatemos. O clima, que tendencialmente nos tem brindado com menos horas de frio e menores quantitativos de precipitação no inverno, com episódios de chuva intensa e concentrada no tempo (e, logo, com potencial erosivo e destrutivo), com picos de calor súbito e prolongado no período Primavera/Verão e cada vez mais cedo no ano. Por outro lado, o evidente aumento da pressão de doenças e pragas da videira, acompanhado, no sentido inverso, por uma diminuição das substâncias ativas disponíveis para o seu combate. Acresce ainda a cada vez mais evidente necessidade de poupança de água de rega e o aumento do custo dos fatores de produção e da mão-de-obra. Esta conjugação de fatores implica diretamente no ciclo da videira e obriga-nos a repensarmos a viticultura numa abordagem multidisciplinar. A estratégia tem passado, por exemplo, pela nutrição natural das plantas, de forma a que elas próprias ganhem resistências que lhes permitam debelar doenças e pragas, numa prática de agricultura regenerativa que temos vindo a seguir. Passa também pela constante comparação de soluções de fitofármacos e adubos existentes no mercado, privilegiando sempre os de resíduo zero, e cumprindo escrupulosamente o critério de que só tratamos em caso de necessidade efetiva - na busca de uma agricultura responsável e consciente. Também atuamos na poupança de água, por recurso a tecnologia que nos permite regar unicamente quando é necessário, e com o menor desperdício possível.

Na vinificação muitos são também os desafios que enfrentamos atualmente: o cumprimento da diversa legislação que rege a produção de vinho e que muito bem garante a qualidade e segurança alimentar do consumidor; a implementação de certificações, que não só servem para organizar o trabalho diário de adega, como atestam ao consumidor que o produtor está comprometido com a qualidade do seu produto; a produção de vinhos que, espelhando o terroir da sua proveniência, se adaptem ao gosto dos consumidores; o reinvestimento constante em equipamentos e tecnologia que permitam manter, e idealmente aumentar, a qualidade dos vinhos produzidos.

No que respeita a comercialização de vinho português, passámos em meia dúzia de anos, de um grande dinamismo comercial, para uma situação de contração preocupante da atividade. Passámos de uma evidente atividade no mercado interno, e sobretudo na exportação para diversos mercados que absorviam grande parte da produção de vinho nacional, para uma quase estagnação.

Para isso têm contribuído sobretudo três fatores: a importação de vinho a granel a preços mais baixos do que aqueles a que conseguimos produzir em Portugal; o encerramento de muitos dos mercados de exportação dos vinhos portugueses; a alteração dos hábitos de consumo de vinho em que é notória a diminuição do consumo por parte sobretudo dos mais jovens, que privilegiam hoje outro tipo de bebidas.

Se no primeiro dos fatores entendo que o caminho é o reforço da aplicação das normas de rotulagem, que indi -

quem inequivocamente a proveniência do vinho engarrafado, deixando ao consumidor a escolha consciente do vinho a consumir, no segundo fator estamos infelizmente dependentes do rumo que a situação internacional nos ditará.

Relativamente ao último dos fatores, e porventura o que mais me preocupa, não estamos claramente a fazer todo o possível para defender uma bebida que quando consumida com moderação não é prejudicial, e que acarreta séculos de história. Se no passado não era obrigatória informação nutricional na rotulagem de um vinho, hoje é-o, e qualquer consumidor preocupado com a sua saúde pode tirar as suas ilações ao ler esta informação, e atrevo-me a dizer que ficará agradavelmente surpreendido.

É na área da comercialização que o vitivinicultor português necessita sobretudo que os organismos competentes o auxiliem. Não na venda propriamente dita, mas sim na criação de condições de equidade comercial, e na divulgação da real imagem que o vinho deveria ter nosso país. Um produto tradicional, que é base de sustento de muitas empresas e famílias, e que contribui decisivamente para a boa imagem do nosso país no estrangeiro. Juntamente com a gastronomia é um dos principais motivos da visita de muitos turistas a Portugal. Se o consumidor português souber reconhecer o trabalho meritório que o sector do vinho tem feito em Portugal, nas

diversas valências que lhe estão ligadas, e com isso também o esforço exportador seja renovado, seguramente os produtores vitivinícolas saberão enfrentar todos estes desafios, com a mesma resiliência e espírito construtivo que os têm caracterizado ao longo dos anos!

Regulações e afinações de algumas funções em alfaias agrícolas

O bom desempenho dos equipamentos agrícolas, por muito simples ou muito sofisticados que eles sejam, depende sempre do cuidado que o operador/ proprietário lhes dispensa, não só na manutenção diária, mas também na manutenção durante a época em que as alfaias são sujeitas a revisões de manutenção e substituição de peças com desgaste ou em mau estado de funcionamento e ainda pela formação ou instruções/assistência técnica prestada pelos fornecedores de equipamento agrícola.

Desta forma, dentro dos vários tipos de alfaias e equipamentos agrícolas a boa regulação e afinação pode ter influência direta na produtividade das culturas que o produtor faz ou ter uma influência direta na qualidade dos produtos colhidos levando por vezes a uma valorização ou depreciação dos mesmos pelo comprador/ consumidor. Temos aqui exemplos

concretos em várias culturas como batata, milho, trigo, arroz, ervilha, girassol, só para citar alguns exemplos bem conhecidos da grande maioria da ‘’ comunidade agrícola’’.

Assim pensando em equipamentos de trabalho do solo, temos como regulações principais as seguintes:

– Nivelamento da alfaia; é importante que qualquer que seja o equipamento, este trabalhe nivelado longitudinalmente e transversalmente, ou seja o chassi da máquina tem que estar paralelo ao solo para o trabalho de todos os órgãos ativos seja uniforme, deste modo, evitamos empapamentos quando trabalhamos em solos com grandes quantidades de restolho a incorporar e temos a certeza de que o solo após a passagem da alfaia fica nivelado (Imagem7383 05).

– Profundidade de trabalho; dependendo da alfaia e do trabalho pretendido, esta deve ser uniforme, ou seja, os ór-

gãos ativos devem ter todos o mesmo nível de desgaste e devem ser todos do mesmo modelo.

–Velocidade de trabalho; dependendo da potência disponível deverá ser adequada ao trabalho pretendido sem ser excessiva podendo dessa influenciar diretamente a qualidade do trabalho final.

Equipamentos de sementeira monogrão (semeadores de milho):

A qualidade deste tipo de equipamento, é fundamental para o sucesso da cultura que vamos semear, normalmente culturas com grande custo de instalação e onde alguns aspetos técnicos podem ter um impacto significativo no sucesso da mesma. Por exemplo, o milho conjuntamente com o girassol e beterraba sacarina, são plantas em a emergência tem que ser o mais uniforme possível pois a planta que nascer mais tarde vai produzir menos que aquela que está ao seu

Abílio

lado e que nasceu um dia antes. Dado este aspeto a qualidade de sementeira é fundamental. Para isso temos que ter atenção as seguintes afinações:

– Nivelamento dos corpos de sementeira, nestes equipamentos este aspeto é fundamental para que distribuição de carga por toda a máquina seja uniforme e principalmente a semente colocada corretamente e que fique bem tapada (figura 7).

– Profundidade de sementeira, dependo da espécie a semear há uma profundidade adequada que depende de vários fatores; teor de humidade este não deve ser excessivo, caso o seja temos o risco de o fundo do pequeno rego onde fica depositada a semente “vidrar” e a radicula da jovem não ter capacidade de se desenvolver de modo adequado; estado de preparação do solo, se houver demasiados torrões ou o solo estiver em ‘’pó’’ a semente vai ter mais dificuldade em emergir por vezes devido á formação crosta; quantidade de resíduos ou coberto vegetal particularmente em SD (figura 6).

– Pressão dos elementos de sementeira ao solo; este aspeto quando seja possível a sua regulação permite otimizar as condições de sementeira devido ao facto de melhorar significativamente o contacto semente-solo condição primeira para uma boa emergência (figura 5).

– Pressão das rodas em V (fecho da semente). Tendo em conta o grau de humidade da parcela onde estamos a trabalhar e os aspetos anteriores devemos em conjuntos com a profundidade de sementeira garantir que a semente fica toda coberta por uma camada de solo uniforme (figura 1).

– Nível de vácuo/pressão de distribuição de semente; detalhe fundamental e próprio de cada máquina para poder trabalhar á velocidade e densidade de sementeira pretendidas com uma distribuição uniforme e sem falhas. Muito importante consultar sempre o manual de instruções de cada equipamento.

- Afinação da raspadeira/ Eliminação de duplos e falhas. Quando o equipamento tiver esta possibilidade, é um aliado importante para melhoria da qualidade de sementeira. Com equipamentos atuais é possível no monitor de sementeira ver estes parâmetros e corrigir. O objetivo é

zero falhas e zero duplos (figura 3).

- Regulação da adufa da tremonha de semente, é importante seguir as instruções do fabricante, para haver um nível

adequado no abastecimento de sementes ao sistema monogrão, para que o “grão a grão” seja perfeito (figura 4).

- Quantidade de semente/ha ou nº de sementes/ha, permite colocar no solo a quantidade exata de sementes, quer seja pela escolha de discos de distribuição com diferentes nº de orifícios e diâmetro destes e em conjunto com seleção de velocidade adequada na caixa de velocidades do semeador ou mais recentemente nos modelos com motores elétricos, simplesmente pela introdução do nº de sementes pretendido.

– Discos de abertura da semente; aqui o aspeto mais importante é o desgaste destas peças essenciais para uma boa sementeira, que não deve ser excessivo. Estes tocam-se na parte frontal, quando montados, se introduzir dois pedaços de papel em sentidos opostos e os fizermos deslizar de modo a que se encontrem estes nunca podem tocar-se, caso isso aconteça é conveniente montar novos. Só assim podem abrir um V perfeito sem calo para uma boa germinação.

– Afasta torrões ou afasta palhas; equipamento fundamental quando trabalhamos em condições de mobilização mínima, sementeira direta, etc, o desempenho deste acessório é muito importante pois vai deixar a linha de sementeira limpa permitindo um bom contacto da semente com o solo. Alguns modelos têm um controlo automático de profundidade. O seu correto ajuste é fundamental para que a linha fique limpa e com solo fresco para uma boa germinação sem perda de sementes envolvidas em palha sem contacto com o solo (figura_8).

– Tremonha de sementes; em certos semeadores com distribuição por pressurização o fecho correto e sem fugas de ar é fundamental para manter o sistema com pressão adequada para um bom funcionamento uma vez que o sistema fica em pressão.

– Distribuição de adubo; aspetos a ter em conta em semeadores com este equipamento são a limpeza regular de todos os órgãos de distribuição, calibração de acordo com o tipo de distribuição e instruções do fabricante e verificação regular do débito uma vez que os adubos são produtos muito higroscópicos e por vezes com uma distribuição que deve ser monitorizada de perto. Condição funda-

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F.

mental é o adubo ser depositado a cerca de 5 cm ao lado da semente e cerca de 3 a 5 cm abaixo desta (figura_2).

- Distribuição de inseticidas microgranulados e outros produtos semelhantes. Aqui os cuidados devem ser idênticos aos que devemos ter com a aplicação de adubos, exceto a localização que neste caso normalmente é em cima da semente. Devemos ter em atenção ao estado de todas as tubagens do sistema de distribuição, não podendo haver fugas, este aspeto aplicável a toda a máquina.

– Riscadores ou marcadores de sementeira; com o aparecimento dos sistemas de guiamento automático, é acessório cada vez menos usado, mas quando usado é fundamental que seja bem afinado de modo que todas as linhas fiquem equidistantes uma das outras. Quando o riscador marca ao centro do trator, deve fazer a marcação a metade da largura de trabalho do semeador. No caso da marcação ser feita para a roda da frente do trator deve usar- se a seguinte fórmula:

D = L - V/2

Em que: D é a distância do centro do semeador ao órgão ativo do riscador, L a largura de trabalho e V a via ou bitola dianteira do trator.

Equipamentos de sementeira de cereais com entrelinha estreita.

Muitas das afinações faladas para os equipamentos monogrão também se aplicam a estas alfaias, com as devidas alterações, pois de uma forma geral podem estes trabalhar em condições por vezes mais difíceis, mais humidade, solos não tão perfeitos etc.

Devemos, no entanto, realçar o seguinte:

- Discos de corte, socos de sementeira, bicos de sementeira, á semelhança de todos os semeadores é importante que estes sejam vistos e substituídos quando apresentarem desgaste excessivo, pois irão influenciar negativamente a qualidade da sementeira.

- Raspadeiras – órgãos com a finalidade de manter limpos os elementos de sementeira, devem ser cuidadosamente ajustados de modo a cumprir a função, muito importante nomeadamente em condições de solo molhado.

- Uniformizadores de sementes; têm com função em semeadores com distribuição pneumática, manter a semente no rego e contribuir para maior qualidade de sementeira, devem ser substituídos quando apresentem desgaste excessivo.

- Grades traseiras; com a função de nivelar o solo após a distribuição da semente é conveniente que estes elementos sejam ajustados convenientemente para que toda a semente fique coberta com terra.

- Profundidade da semente; dependendo do tipo e tamanho da semente e espécie a cultivar, deve ser ajustada de forma a não haver sementes que não germinem por falta de humidade ou que não nasçam por profundidade excessiva.

- Pressão nas linhas de sementeira; quando exista este equipamento no semeador ser cuidadosamente ajustado de acordo com as instruções do equipamento de forma melhorar a uniformidade de sementeira.

- Nivelamento semeador, com falado anteriormente é fundamental que estas máquinas trabalhem perfeitamente niveladas.

- Sistema pneumático de distribuição de semente; em máquinas com este tipo de distribuição de semente, devemos ajustar cuidadosamente, as rpm do ventilador em função da quantidade de semente a aplicar/ha. Normalmente estas máquinas têm valores diferenciados em função da largura de trabalho e quantidade de semente por há pelo é importante afinar cada semeador em função de cada trabalho.

Órgãos de mobilização de solo; quando os semeadores têm órgãos de mobilização de solo, normalmente discos, estes devem ser afinados de forma a fazer uma mobilização superficial para nivelar e uniformizar a cama da semente.

Devido á extensão não vamos tratar das regulações de sistemas de agricultura de precisão que pela sua especificidade merece ser tratado em sede própria.

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