Agir e Calar | Junho de 2012

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ENTREVISTA com Pe. Cornélio Dall alba

Vacaria; descendia de mãe brasileira e pai de origem alemã. Tive oito irmãos; três já faleceram, uma irmã, inclusive, no parto. Nós, irmãos, podemos afirmar que somos como os dedos da mão: diferentes, mas unidos. Quanto à reação dos pais ao meu desejo de ser padre, não houve resistência, mas pleno apoio e alegria. Concretizava-se um sonho de meu pai; desde que nasci, rezou diariamente um Pai nosso para que eu fosse chamado ao sacerdócio e continuou a rezá-lo até a morte.

A&C: Padre Cornélio, o que é o sacerdócio para o senhor? O sacerdócio preencheu minha vida. Carregou-me de responsabilidades. Consumiu meu tempo. Sinto-me sacerdote até debaixo d água. De um lado, percebo que é uma obra da Trindade: o Pai teve a iniciativa de me chamar por Jesus Cristo, por obra do Espírito Santo. E isso é grandioso demais para eu compreender. Por outro lado, isso exigiu de mim uma resposta. Essa resposta não foi apenas um sim; desde meu ingresso no Seminário Josefino de Fazenda Sousa, em 1946, fiz uma sucessão de sim , muitas vezes doloroso. A Igreja, por meio de Dom Ettore Cunial, me consagrou sacerdote para sempre no dia 18 de março de 1962, em Viterbo, Itália. Experimentei a verdade daquelas palavras de Jeremias: Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir; tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste (Jr 20,7). A minha perseverança até hoje foi uma graça. Nunca duvidei de meu sacerdócio; nunca me passou pela cabeça deixálo. A&C: O que o motivou para fazer esta escolha? Inicialmente era fugir da roça. Lembro como se fosse hoje: uma roça de milho, pedregosa... minha mãe estava junto; além das pedras, aque-

les pequenos cepos que o fogo da coivara não conseguira queimar, rebrotavam, e o pior eram os cipós que a enxada não conseguia estirpar pela raiz. A enxada gritava nas pedras; e o sol dardejando seus raios, e a capina avançava lenta como uma lesma. Suor, sede, cansaço... Esse foi o primeiro lampejo que o Espírito Santo me deu para ingressar no Seminário. Você pensa: Mas isso não é motivo... Para uma criança de dez anos, era motivo justo e suficiente...

Quanto à Igreja, gostaria que houvesse um só rebanho e um só pastor A&C: Para o senhor, qual o maior desafio que encontrou no seu sacerdócio? O rigorismo moral em que fui educado, em que quase tudo era pecado. E eu, como perfeccionista que fui e em parte ainda sou, me encontrei muitas vezes em palpos de aranha; isto desencadeou outros problemas psicológicos que só meus Padres confidentes conheceram. A&C: Quais episódios principais de sua vida e missão o senhor destacaria aos nossos leitores? Sem dúvida, o ano de noviciado: primeiro o Espírito me fez fugir da roça; aqui no noviciado ele fez perceber mais claramente porque ele me fizera deixar a roça. Foi um momento decisivo de minha vida. Nunca mais olhei para trás. Um outro fato que me marcou foi a minha saúde precária: gastrite, febre amarela, hepatite, câncer e, por último, a neuralgia do trigêmeo. Por fim, destacaria a minha missão dentro da congregação: o trabalho de animação vocacional e de formação. A&C: O senhor é um grande

músico, poeta, artista plástico. Isso enriquece o ser padre no mundo atual? Você acha que a abertura da Faculdade Murialdo é uma resposta da Congregação a esse mundo da cultura? Quanto a músico, sou muito pobre. Mas fiz uma série de letras que foram musicadas seja em português e em dialeto vêneto. Pintei uma série de quadros utilizando pedras. Denominei essa arte de lapiarte ; escrevi e continuo escrevendo poemas. A cultura artística me deu uma sensibilidade mais apurada, e isso certamente me ajudou a ser um instrumento mais dócil para o meu ministério. Quanto à Faculdade Murialdo... é uma instância nova para tornar conhecido e amado São Leonardo Murialdo e seu carisma. Queira Deus que o corpo docente esteja todo imbuído de Murialdo teórica e praticamente. A&C: Por muitos anos o senhor trabalhou na formação de novos religiosos, como no Noviciado. Os jovens lhe trouxeram desafios? O que a Vida Religiosa precisa para lhes dar uma resposta mais coerente? O maior trabalho que realizei foi no campo da animação vocacional na diocese de Tubarão, SC, percorrendo escolas desde Imbituba até Praia Grande. Quanto ao Noviciado, a experiência é desafiadora, mas gratificante, porque você se detém a auscultar pessoas que aspiram a ser os novos filhos da congregação e aprofunda o conhecimento da Regra, que é o coração dos josefinos. Por outro lado, não faltam desafios: o maior é discernir com o noviço sua real vocação, é interiorizar o carisma josefino; outro desafio: na primeira década do ano 2000, começaram a ingressar noviços do norte e nordeste; jovens de culturas, educação e valores diversos. O respeito e a prudência no trato com eles suscitou-me uma série de interrogações.


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