Acho Digno 04

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04_ANO1_DEZEMBRO_2014

ENTÃO É NATAL?! NOSSO NOEL É PRETO E RASTAFÁRI CELEBRAMOS A KWANZAA A PARTIR DO DIA 26.12


EDITORIAL

Crédito: Vera Lopes

Enfim, 2014 chegou ao fim e o que levamos de

bom para os próximos anos? Muito aprendizado, paciência, diversão e parcerias. Esse foi um ano de apostar todas as fichas em nossos sonhos, mas não basta só apostar tem que saber jogar ou pelo menos aprender as regras do jogo. A Acho Digno, que surgiu em meado de setembro, e hoje finaliza um ciclo com quatros edições publicadas, muita informação, cultura, moda e gostinho de queremos muito mais para o ano que se inicia. No clima de final de ano, pensamos em falar de um outro natal, de uma festa natalina diferenciada, de um “noel” negro e com rastafári, e por que não? Pensamos um editorial de moda do nosso jeito, de dentro da nossa casa, com os nosso familiares e pessoas próximas, com as nossas crenças e religião. Também há espaço para você que pretende iniciar o ano com uma vida nova, formalizando e trocando alianças, e por tanto indicamos o serviço de algumas meninas especializadas em cabelos e maquiagens para noivas negras. Enfim, essa edição está recheada de informação, de conteúdo sobre música da terra, cinema, literatura, tudo do bom e do melhor, porque esse é o nosso melhor presente que podemos dedicar a vocês. Então, chegue bem 2015! Com muita cor, com muitas vibrações positivas, muitas parcerias, como um projeto de vida, pois a nossa revista eletrônica surgiu para ficar e traçar longos caminhos. Na trilha dos nossos ancestrais, pedimos licença para continuar nessa trajetória, e que desejamos que seja muito vitoriosa. Boas Festas! Bom 2015 para tod@s parceiros e leitores (as) da Acho Digno.

EXPEDIENTE CONSELHO EDITORIAL: Camila de Moraes e Elisia Santos REPORTAGEM E TEXTOS: Camila de Moraes COLUNISTAS: Cuti Silva, Diosmar Filho, Elisia Santos, Emanuelle Góes, Hildália Fernandes, Jocevaldo Santiago e Renata Santos PROJETO GRÁFICO: Camila de Moraes REVISÃO: Vera Lopes


SUMÁRIO Crédito: Ricardo Stricher

Crédito: Larissa Fulana de Tal

O nosso Noel é preto e usa rastafári Página 7 e 8

Editorial de moda celebra a chegada do novo ano Página 14 Crédito: Ednea Rubum

Crédito: Maurício Reis

Casamentos Afros - Serviço especializado para noivas negras Página 30 Carlos Moore - é a personalidade do mês que participa da Conversa Fiada Página 9 - 12

Nara Couto - uma nova voz no cenário da música baiana Página 27

Crédito: Bruna Castelo Branco


Reprodução Internet

Poesia

Para ouvir e entender “Estrela” Se o Papai Noël não trouxer boneca preta neste Natal meta-lhe o pé no saco!

Autor: Cuti Silva, escritor e poeta

Fotos: Arquivo Pessoal

Borboleta em mim

Fotos: Arquivo Pessoal

A metamorfose Meu destino A transformação Minha companhia Por mais que tente Me toma Sem freios É chegada a hora Metamorfose Sigo em um novo casulo Pronta Serei uma borboleta Mas qual será a minha cor? Autora: Emanuelle Góes, Enfermeira - Mestra em Enfermagem. Doutoranda em Saúde Pública. Coordenadora de Saúde do Odara Instituto da Mulher Negra

Autor: Jocevaldo Santiago, poeta

Dica de Blog: http://vagabunletrando.blogspot.com.br/


E o show continua...

Refletir os ganhos e acertos de 2014 é igual uma consulta com

psicólogo. Passamos dias pensando no que será dito, porque não queremos ser mal interpretadas, como se os fatos não respondessem por si só. É momento de fazer balanços, de refletir quais as potencialidades e déficits da tua vida para sociedade. E também é momento de perceber o cenário brasileiro. Compreendo que este ano foi com emoção, 7x1 contra o Brasil e em casa, os dois times baianos mais importantes na série B, continuam os programas sensacionalistas, continuam os realities shows, as pessoas falam de sofrência em momento de sobrevivência e para piorar tivemos a mais apaixonada eleição presidencial de todos os tempos, era discussão dia e noite em todos os espaços para saber quem era o melhor candidato. Foi um ano tenso, contudo, 2015 começa com as melhores mudanças, trocam secretários, secretárias estaduais, muda ministros e ministras, começa uma nova rodada de jogos e a boa música vai ecoar nos sete mares. Para ter dimensão deste novo cenário e estar na elegância é preciso estar atento ao melhor de 2014, a revista Acho Digno! A revista surge de uma demanda social e com sangue novo no mercado da estética e moda. Tanto eu, quanto Camila de Moraes estamos atentas ao que está sendo visto e lido, e, desde a primeira edição buscamos nos diferenciar das revistas existentes, seja artigos, editorial de moda, dica de livro, filme, entrevista, é uma revista recheada de surpresas e excelentes discussões. Este mês traremos discussões atuais como a importância do Natal para negros e negras, e há? No editorial de moda pensamos de que forma é o ano novo para nós? Vamos para Paris brindar o novo ano que chega? E precisa de Paris para ser feliz? Bem, boa leitura, 2015 já está na esquina e sintam-se a vontade para começar este ano virando a próxima página. Feliz ano novo!

Crédito: Josofá Araújo

Opinião


O SeU EsTiLo

Dizem que clássico nunca sai de moda ,um ótimo exemplo é o “Preto e Branco” e se você acha que não tem como transformá-lo e deixar o seu look moderno preste atenção nessa marca paulista que lançou uma coleção toda em “Preto e Branco”, a ByMAIA, como este look a coleção vem carregada de modelagens diferenciadas e muita estampa. A calça capri bem larga estampada e a camiseta bicolor costumizada, são uma amostra de que sim, o clássico pode ser descolado. Foto: Luan Batista - Estúdio Urbano Styling: Maiwsi Ayana - ByMAIA Modelo: Renata Prado

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Arquivo Pessoal

Quem Faz a Comunicação

Historiadora, jornalista e ativista do movimento negro,

Ana Flávia Magalhães Pinto, se relaciona com a comunicação como uma forma de “missão”, segundo ela independe de vínculos empregatícios. Em meados da década de 1990, ingressou no curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo por entender que nessa área seria possível trabalhar com demandas e vozes dos sujeitos políticos que tivessem menos poder para que pudessem ser ouvidas para além de seus limites. Segundo Ana Flávia, “o direito à comunicação me parece tão essencial como o acesso à terra, à educação e à saúde. O problema é que o curso de jornalismo não estava (e acho que não está) organizado a partir desses pressupostos. As expectativas do mercado hegemônico da comunicação tinham mais importância. Isso me fez questionar se meu lugar de atuação profissional era mesmo aquele. Foi quando finalizei a graduação em Jornalismo, em 2001, e iniciei a de Letras... Mas foi o ingresso no mestrado em

Ana Flávia Magalhães Pinto História, em 2003, ao me permitir estudar imprensa negra no século XIX, que me ganhou. Por outro lado, nessa mesma época, o ressurgimento do jornal Ìrohìn, em 2004, dirigido pelo Edson Cardoso, me ofereceu a oportunidade de fazer exatamente aquilo em que eu acreditava no que diz respeito ao jornalismo. A partir daí, e em articulação com outros/as ativistas do movimento negro, com destaque para o EnegreSer, em Brasília, pude desenvolver diferentes ações de comunicação em sintonia com as demandas dos movimentos sociais. Pequenos jornais, panfletos, cartilhas, cordéis, debates via internet, tudo isso abriu várias possibilidades, que foram aprofundadas nos anos seguintes”. Tendo a imprensa negra como lugar prioritário de sua atuação jornalística, Ana Flávia, escreve a partir de demandas levantadas por ativistas e organizações dos movimentos negro e de mulheres negras. Ao longo da sua trajetória, a partir de debates sobre raça e gênero, pôde dialogar com agendas de saúde, cultura e educação. Além disso, escreve para o seu blog “Por falar em liberdade” e também tem textos publicados em diferentes blogs e redes sociais. Para Ana Flávia, a comunicação precisa perder o status de profissão ou coisa de elite. “Num país fundado na escravidão e na hierarquização racial de seus cidadãos, mesmo que sem o recurso a leis rígidas, esse uso da comunicação é extremamente perverso e desastroso. Não é por acaso que a concentração da posse da terra seja tão parecida com a dinâmica observada entre aqueles que detêm a propriedade e o controle dos meios de comunicação. É certo que tivemos avanços consideráveis com a ampliação do acesso às ferramentas da Internet. A hegemonia desses grupos de poder foi posta em xeque nos últimos anos. Todavia, a democratização não só do acesso aos produtos, mas aos meios de produção devem ser assegurados, como peça-chave dos direitos sociais”, finaliza.


Então é Natal!? E nosso Noel é preto e usa rastafári Pensando em outros valores e outra forma de celebrar esses festejos conhecemos a Kwanzaa, uma comemoração de origem africana, que gira em torno de sete princípios baseados nos ideais das colheitas dos frutos.

Em pleno verão, no mês de dezembro no Brasil, a

cidade começa a se transformar para os festejos de final de ano. Existe uma outra atmosfera no ar, ruas são enfeitas, estabelecimentos comerciais são decorados, mas, como se fosse ironia, tem neve, trenó com rena, papai noel branco e barbudo por toda parte. E como não questionar essas atitudes? Em um país tropical, na estação do verão porque ter neve? Em um país com a maioria da população negra, porque não ter um noel preto e de rastafári? Por que as

famílias são conduzidas pela indústria do capitalismo a adquirem bens para seus entes queridos mesmo sem terem, muitas vezes, condições financeiras para esse feito? Pensando nesses questionamentos e sem esgotar a discussão, a revista Acho Digno convidou o jornalista e poeta Paulo Ricardo de Moraes (foto) para fazer um ensaio fotográfico com Ricardo Stricher, com produção de Karla Meura, no Mercado Público de Porto Alegre, no símbolo do orixá Bará, situado no centro desse espaço comercial. Acreditasse que ali foi assentado esse orixá, que dentro da religião de matriz africana, é a entidade que abre os caminhos, o guardião das casas e cidades. A intenção era fazer uma provocação, uma reflexão sobre como vimos o natal e como o celebramos. Ao mesmo tempo, em Salvador, conversamos com a professora, afrocentrista e mestranda em Ciências Sociais pela Ufba, Makini Olouchi, que nos apresentou a Kwanzaa, que deriva da expressão “matunda ya kwanza”, uma comemoração africana que acontece do dia 26 de dezembro ao dia 1º de janeiro. Essa celebração gira em torno do Nguzo Saba (sete princípios) que foram desenvolvidos pelo seu fundador Maulana Karenga baseados nos ideais das colheitas dos frutos. Para Makini Olouchi, “o natal é uma grande invenção. Então, não tem sentido para a gente, pois não é uma questão nossa, não é uma questão preta, e não tem nem sentido para as pessoas que costumam festejar porque é uma coisa que não tem sentido real. Nossos ancestrais comemoram a mais de três mil anos, nesse período comemoram a colheita dos primeiros frutos, então isso faz muito mais sentido”. A Kwanzaa foi celebrada pela primeira vez de 26 de dezembro de 1966 a 1º de janeiro de 1967. É uma


Reprodução internet

Sete Princípios *Umoja - Unidade (26 de dezembro) *Kujichagulia - Autodeterminação (27 de dezembro) *Ujima - Trabalho coletivo e responsabi lidade (28 de dezembro) *Nia - Propósito (30 de dezembro) *Kuumba - Criatividade (31 de dezembro) *Imani - Fé (01 de janeiro) festa de caráter inter-religioso comum entre os negros da diáspora e afro americanos. A Kwanzaa deve ser praticada todos os dias, entre 26 de dezembro a 1º de janeiro, e em cada dia deve cumprimentar a todos dizendo: “Habari Gani?”, que significa em

swahili “Qual é a nova?", a resposta deve ser com o primeiro princípio que representa o dia. Essa é a oportunidade, também, de refletir sobre um tema mundial, situação dos negros nas Américas, além de realizar outras atividades como, performance artísticas, músicas com instrumentos africanos, e sempre envolvendo as crianças nos rituais. Para celebrar o Kwanzaa é preciso decorar a casa com bandeiras africanas e pan-africana. Após, sob a mesa, coloque uma toalha verde e uma toalha de palha, mkeka em swahili, que simboliza a ancestralidade africana. Sobre a mkeka é necessário ter os seguintes itens: Mazao, frutas ou plantas colocadas em uma tigela que representa a produtividade da comunidade; Kinara, um candelabro de sete braços; Mishumaa Saba, sete velas que representa os setes princípios centrais do Kwanzaa, sendo três vela da esquerda vermelhas, representando luta, e três da direita verde, representando esperança, uma vela preta deverá estar no centro, que representa negro que tem sua origem na África; Muhind, espigas de milho, que representa as crianças; Zawadj, vários presentes para as crianças; Kikombe Cha Umoja, uma taça que representa a unidade da família e da comunidade.


Conversa Fiada com Carlos

Moore

Entrevista: Camila de Moraes Fotos: Maurício Reis

Conhecido internacionalmente pela luta contra o

racismo, pelo pan-africanismo, o escritor, pesquisador e cientista social, Carlos Moore concedeu entrevista para essa edição da revista eletrônica Acho Digno, onde dialogou sobre juventude, questão racial e cultura. O cubano, que está exilado no Brasil com sua família desde 2000, tem sua vida dedicada ao registro da história e da cultura negra. Em sua carreira como acadêmico, tem os títulos de doutor em Etnologia e doutor em Ciências Humanas. Já publicou diversas obras, entre elas estão: “Fela, Esta vida Puta” (2011), a biografia autorizada do cantor, saxofonista e ativista nigeriano Fela Kuti; “A África que Incomoda” (2008), sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro; “Racismo e Sociedade” (2007), sobre as novas bases epistemológicas para entender o racismo. Durante a sua trajetória conviveu com diversos ativistas negros como Lélia Gonzalez, Abdias Nascimento, Malcolm X, Myriam Makeba, Cheikh Anta Diop, Aimé Césaire e Maya Angelou. Agora, confira a nossa “Conversa Fiada” com essa personalidade. Boa Leitura! Acho Digno: O senhor vive aqui no Brasil há 15

anos. Como vê o legado africano aqui na Bahia e no Brasil? Carlos Moore: O legado africano no Brasil é muito forte; ele impregna tanto brancos como negros. Os brancos nem se dão conta até que ponto eles foram africanizados aqui nesse país; nem se dão conta. Para vocês terem uma noção da africanização global da sociedade brasileira, você tem que ir para o Portugal. Aí você se encontrara de imediato num mundo radicalmente diferente deste aqui - a fala, mesmo sendo a mesma língua, é realmente diferente; a postura e diferente; a mentalidade e os gestos culturais, são totalmente diferentes. Quando você vai para o Portugal, você não tem o sentimento de estar na sua mãe pátria. Mas, se você faz a viagem, por exemplo, para um país africano, aí de imediato você se encontra à vontade; percebe que há algo muito, muito parecido com o Brasil. Lá, na África, mesmo quando a língua for totalmente diferente, a gente se sente mais à vontade. Por exemplo, se você vai para um país africano onde não se fala o português ... Não estou nem falando dos países africanos lusófonos, onde se fala português; estou falando de países como Nigéria, ou Benin, que não tem nada a ver com a língua portuguesa... Então, aí imediatamente você encontra uma coisa familiar. Você encontra um sentimento de paz, um sentimento de continuidade cultural; sente que


você está passando de uma coisa africana para outra coisa africana. Então, a meu ver, esse sentimento que experimentam muitos brasileiros quando vão para a África, é a prova mais patente, mais convincente da africanidade do Brasil, da africanização da sociedade brasileira e da nação brasileira. Acho Digno: Cómo, através da cultura, a gente pode abordar a questão racial? Carlos Moore: A cultura é o plano mais complexo do ser humano. É a cultura que faz o ser humano ser aquilo que ele é - um animal profundamente social. A cultura é aquilo que segmenta essa sociabilidade, é aquilo que dá ao ser humano uma identidade além do que é biológico, e que segmenta essa identidade global em todo tipo de identidades. Então, a cultura é o vetor mais importante para o desenvolvimento da sociedade. É aquilo que faz o ser humano ter aquilo que tem de melhor articulado – a sociabilidade. E, o que é que o ser humano quer? É ser respeitado, ter uma convivência harmoniosa, e vencer tudo aquilo, todas aquelas mazelas, que impedem sua realização como ser humano. O ser humano quer a convivência, a dignidade. Ora, o maior obstáculo, eu acho, que o ser humano tem diante desses objetivos, atualmente, e já há bastante tempo, é o problema aquele que está aí - o racismo! A questão racial é o obstáculo maior, praticamente intransponível, que temos diante de nós. A humanidade não chega a resolver esse problema. O racismo está aí há mais de três mil anos, agindo, se desenvolvendo, se metamorfoseando, e cada vez se complexificando ainda mais. Acho Digno: E por que isso? Carlos Moore: O racismo é o problema mais difícil que o ser humano tem a enfrentar, porque vantagens estão ligadas ao seu mantenimento. Todo um mundo de vantagens e de privilégios existem articulados dentro de, e em torno à, o racismo. O racismo protege as vantagens, protege os privilégios e os prolo-

ga. Então, dentro desse mundo que se beneficia do racismo, não há um desenvolvimento da consciência antirracista porque esse tipo de consciência não é vantajosa. O ser humano não quer resolver aquilo, como não quer resolver o problema das guerras endêmicas. Então, isso faz com que o racismo seja algo muito, muito difícil de vencer, e perigoso. Contrariamente à guerra, o racismo se desenvolve sem parar! Há momentos que a guerra não beneficia a todos e que ela tem de cessar. Há momentos que a guerra entra em conflito com a própria sociedade, então se decreta um cessar o fogo e se iniciam negociações de paz. Isso acontece quando a prolongação da guerra faz correr os mesmos riscos aos contendentes. Mas o racismo não é assim. O racismo confere constantemente vantagens e foros de privilégios a um grupo racial específico. De modo que esse grupo, como grupo, não tem interesse em terminar com o racismo.


Claro que, individualmente, pessoas dentro desse grupo racial privilegiado podem detestar os privilégios raciais, e até lutar contra eles, mas, o grupo racial ao qual ele/ela pertence, continuará defendendo esses privilégios. Acho Digno: E, nós negros, como lidar com essa questão? Carlos Moore: A conclusão à qual as minhas pesquisas históricas tem me levado, é que assim o custo dos privilégios e vantagens conferidos pelo racismo não forem mais elevados que os benefícios desses mesmos privilégios e vantagens, considerados globalmente, o racismo continuará a ganhar mais terreno, a ocupar mais espaços e a se complexificar. Ele se complexifica, simplesmente porque, como com todas as dinâmicas sociais e culturais, ele acompanha o desenvolvimento tecnológico, científico e do conhecimento em geral. Os acompanha e se gruda a eles. Ele é extremamente plástico. Acho Digno: É possível dialogar com um público jovem sobre essa temática? Carlos Moore: Sim, é possível e imprescindível dialogar com a juventude sobre a complexidade da questão racial. Até porque os negros são o alvo principal e primordial do racismo. Se as novas gerações não perceberem essa realidade desde cedo, elas fracassarão nos seus intentos de alcançar objetivos

de vida dignos. Esse é um problema extraordinário, porque o racismo não é uma coisa que se encontra congelada no tempo. O racismo é cada vez uma novidade. Ele é uma novidade para cada geração. Então, cada geração tem que reinventar novos métodos para lidar com essa realidade, uma realidade que a raça negra não tem como ignorar e não pode fugir. Outros grupos humanos podem ser atingidos colateralmente e/ou de maneira contingencial, mas o alvo permanente do racismo é a raça negra. É contra ela que, historicamente, tudo isso se mobilizou, no inicio. E assim continua sendo. De modo que os negros estão condenados a lutar contra o racismo, a encontrar formas novas de combate contra ele. E a cada vez que o racismo se metamorfoseará, eles terão que encontrar novas formas e estratégias de combate para lidar com essa metamorfose, para lidar com essa novidade. Acho Digno: Como abordar a questão do racismo para dialogar com a juventude brasileira? Carlos Moore: Tem muitas pessoas, inclusive negras, que não percebem o racismo. Muitos negros nem se dão conta que que são alvos dele, e que estão sendo dizimados pelo racismo. Acham que eles são alvos de alguma outra coisa - a falta de oportunidades, porque não tem dinheiro, alguma outra coisa. Eu acho que, se fizéssemos um exame, um estudo de opinião da população mundial como um todo, seria uma minoría aqueles/aquelas que percebem a exis-


os videogames. Ora, esses games não colocam o problema para ele; não há games antirracistas, exceto nos Estados Unidos. Lá, agora começam-se a produzir alguns videogames que colocam o problema. Mas a grande indústria dos games não está nem aí; não lhes interessa, como tampouco lhes interessa abordar as outras formas de opressão social. São problemas muito mais difíceis de aceitar, de abordar, de integrar por essa indústria megabilionária.

tência do racismo na sociedade. Entre os brancos, esse problema nem se coloca praticamente. Entre os brancos, inclusive, nega-se a existência desse fenômeno, seja porque não o percebem, seja porque realmente não querem encarar algo que lhes procura enormes benefícios. Então é difícil. As novas gerações tem que encontrar meios diferentes para levar essa consciência para a juventude. Acredito que seja necessário utilizar todos os métodos que as tecnologias modernas permitem, e, inclusive inventar métodos novos para provocar essa conscientização. Acho Digno: Nessa questão de inventar métodos novos. O que o senhor acha de usar essas novas tecnologias para dialogar com o público? O que mais pode ser utilizado? Carlos Moore: O público jovem de hoje é um público que é fundamentalmente diferente do público de antes. O público jovem de hoje dialoga com todo o tipo de mídia e redes sociais e obtêm informações através dessa mídia social. Então, há a necessidade de utilizar essa mídia para levar o racismo a discussão. Eu acho que é aí que se encontra o desafio – a saber, encontrar a maneira e utilizar as mídias sociais, redes sociais, todas essas formas novas de comunicação, para combater o racismo. E o público jovem de hoje é um público que também passa muito tempo com

Acho Digno: Abordamos a questão cultural, a questão da música, na nossa revista. Como trazer a questão racial no meio dessa arte, por essa vertente da música? Como foi a convivência com Fela Kuti? Carlos Moore: Bom, a música de Fela, o Afrobeat, é a primeira música da África continental que tem abrangência planetária, que tem abrangência mundial, ou seja, que impacta realmente a juventude no mundo inteiro, seja qual for o pertencimento cultural e racial dela. Então, a música de Fela é uma música profundamente global. Ela veicula sentimentos com os quais as pessoas podem se identificar, apesar das fronteiras lingüísticas e culturais, e até sociais. O Afrobeat é, primeiro, uma música panafricanista, uma música que atravessa todas as fronteiras de todos os países e introduz em todas as sociedades um código genético musical profundamente africano, no rítmico quanto no melódico, e na sua intencionalidade política. O Afrobeat surgiu com o Fela como um veículo para desenvolver aquelas ideias dele, que são ideias panafricanistas, antiracistas e antimperialistas. Fela utilizou a música como veículo nessas três vertentes. Então, eu acho que essa música, o Afrobeat, chegando aqui no Brasil, pode e deve ser recuperada pela sociedade negra brasileira, sobretudo os jovens. Não simplesmente como uma música lúdica, mas como uma música que permite a conscientização sociorracial da juventude. Ao mesmo tempo que ela é lúdica e profundamente dançante, essa música é revolucionaria.. Não há contradição entre a ludicidade da música e a conscientização social e racial; pelo contrário. Então, o Afrobeat pode, sim, servir para desenvolver as ideias da luta antiracista que está crescendo no Brasil com tanta força nos últimos 25-30 anos. A Acho Digno agradece a conversa fiada com o professor Carlos Moore que foi muito gentil e receptivo ao nos receber. Esperamos que os seus ensinamentos de vida possam auxiliar aos leitores nessa luta contra o racismo e compreender melhor a nossa sociedade.


Artigo Jurídico

Arquivo Pessoal

Acesso a Cultura no Brasil – um longo caminho a ser percorrido Os Direitos Culturais, além de serem direitos humanos

previstos expressamente na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), encontram-se normatizados em nossa Carta Magna nos arts. 23, 24, 30 e na seção especifica sobre a Cultura que inicia no art. 215 . Dispõe o artigo 215: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I- defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II- produção, promoção e difusão de bens culturais; III- formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV- democratização do acesso aos bens de cultura; V- valorização da diversidade étnica e regional.

Como vimos o Estado tem papel fundamental para que os brasileiros tenham acesso à cultura, pois como fundamentais que são, os direitos culturais, entre outras coisas, exigem ações positivas. Os deveres prestacionais impõem obrigações ao Estado de legislar, construindo uma estrutura jurídica e viabilizando o exercício positivo do direito à cultura. O Plano Nacional de Cultura (PNC), instituído pela Lei 12.343, de 2 de dezembro de 2010, visa fortalecer a ação do Estado no planejamento e na execução de políticas culturais a longo prazo (até 2020), voltadas a proteção e promoção da diversidade cultural brasileira; define os órgãos responsáveis pela condução das políticas para a área e aborda aspectos relativos ao financiamento. O PNC é um plano de estratégias e diretrizes para a execução de políticas públicas, buscando abranger as demandas culturais dos brasileiros e brasileiras de todas origens étnicas, faixas etárias, classe social e demais situações de identidade. Tem como objetivos, entre outros, universalizar o acesso à arte e à cultura; estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional; valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileiras; desenvolver o mercado interno de cultura; e qualificar pessoal para a gestão do setor. Com a participação da sociedade e de gestores públicos foram estabelecidas 53 metas a serem cumpridas até o ano de 2020 com intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no PNC, cuja execução é acompanhada pelo Ministério da Cultura e publicada na plataforma virtual (pnc.culturadigital.br) para que todo o cidadão brasileiro tenha acesso. Assim, desde a criação do PNC, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que todos brasileiros tenham acesso a programas, projetos e ações culturais que garantam a valorização, o reconhecimento, a promoção e a preservação da diversidade cultural existente no Brasil. Renata Santos OAB/RS 94.201 Advogada e sócia da empresa MS Advogados Email:renatasantoss.adv@gmail.com


EDITORIAL DE MODA

Um brinde ao novo ano de 2015 Com os festejos de final de ano, a edição desse mês

de dezembro, convidou alguns modelos para celebrar essa virada de ano, sonhos, realizações e vibrações positivas para o ano que se inicia. Pensamos em um editorial de moda que seguisse essa linha de comemorações, seja onde for, dentro de casa, no vizinho, na rua, na praia. Acompanhada, sozinha, feliz. Acreditando em suas crenças, na religosidade, respeitando as diferenças e seguindo na perspectiva que um mundo melhor nesse ano de 2015, com muito amor e

brilho nos olhos. Para realizar esse ensaio contamos com a parceria da fotógrafa Larissa Fulando de Tal e da assistente Everlane Moraes, juntamente com a marca Estilodé, de bolsas, cartucheiras e acessórios, da empresária Carla Cristina Santos. A maquiagem ficou por conta de Elisia Santos do Salão Rosas Negras e na produção contamos com Vera Lopes, Ari Souza e Camila de Moraes.

Os modelos dessa edição: Alane Reis Coscarque André Costa Emillie Lapa Helder Bomfim Lisia Lira Luedji Luna Paula Loyola Raphael Mukumbi Lisboa














Música da Terra

A nova voz da música baiana Crédito: Bruna Castelo Branco

Nara Couto estreiou no cenário musical, em carreia solo, em meados de julho de 2014.

Dando um grande passo em sua carreira artística, Nara

Couto, assume o protagonismo do seu primeiro show com o espetáculo “Outras Áfricas”, no qual a proposta é estabelecer uma ponte musical entre o continente africano e a Bahia, através de seus compositores, em releituras contemporâneas de canções clássicas e novas propostas sonoras. Nara é uma cantora de timbre mezzo soprano. Nessa estrada cantou com artistas baianos como Daniela Mercury, Magary Lord, Mateus Aleluia, até ingressar como vocalista da Orquestra Afrosinfônica, onde atua há seis anos, investigando o canto e a sonoridade africana aplicada a diferentes contextos. O show “Outras Áfricas”, o qual dará continuidade no ano de 2015, levando o espetáculo para outros espaços, tem esse título inspirado em uma canção do compositor Jarbas Bitencourt, que expressa claramente o desejo da cantora em buscar uma africanidade própria, que seja o somatório de suas experiências no universo dessa herança africana tão cultuada e mítica, que é também matriz de tudo o que se cria musicalmente na Bahia e em boa parte do mundo na atualidade. Início da Carreira: A baiana começou sua carreira artística como bailarina. Especializada em dança afro, atuou por muitos anos no Balé Folclórico da Bahia, de onde obteve a formação rítmica e o entendimento da música africana. Em seguida teve uma longa trajetória dançando para artistas como Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, entre outros. Após nove anos como bailarina,

começou a atuar como vocalista, mesclando seu entendimento rítmico, com a preparação vocal. Segundo Nara, “é uma outra forma de expressar as minhas sensações, a dança contribui muito para a minha música, e a partir dela eu consigo traduzir no corpo o que transfiro para a voz. Sinto que precisava começar na dança para ter essa compreensão do que hoje eu defendo enquanto conceito no meu trabalho cantando”. Exemplo de Vida: Oriunda de um dos bairros mais negros da cidade do Salvador, a Liberdade, a cantora revela que o bloco afro Ilê Aiyê, localizado no mesmo local, fez parte da sua infância. Sua mãe foi rainha mirim do bloco. Revela que toda a sua família tem uma trajetória artística grande. A mãe e a tia eram bailarinas e dançavam com Apolônio. “Sempre observa as duas. Tinha essa visão que a dança era algo que deveria levar a sério, com a sua disciplina de ensaios e tudo mais. Quem contribuiu e contribui para a minha educação é o meu pai José Carlos Arandiba, mais conhecido como Zebrinha, diretor do Balé Folcórico da Bahia e do Teatro Bando Olodum, um dos artistas mais respeitados do Brasil”, declara. Na música suas influências vão de Mateus Aleluia, Cesaria Évora, Mirian Makeba, os blocos afros, Nina Simone, Paulo Flores, Bonga, até chegar em uma turma mais contemporânea como, Tiganá Santana, Sara Tavares, Mayra Andrade, Ary Lura, Gigi, Asa, entre outros grandes nomes. Com essa trajetória, a vida de Nara sempre foi ligada a arte. “Conheci o mundo através da arte, meus ensinamentos de vida fora extraídos desse universo artístico, onde aprendi a me valorizar como mulher negra, a respeitar os meus mais velhos, a encarar as dificuldades com garra, a nunca desistir dos meus sonhos, a respeitar a diversidade, acima de tudo, ter consciência que eu carrego um legado histórico de resistência e tenho responsabilidade de preservar, defender e representar através da minha arte”, finaliza. Divulgação


Cultura

Coletivo Baobá une arte, cultura e profissionais em torno da diáspora africana

Divulgação/ Arquivo Pessoal

Situado no Rio de Janeiro, o grupo desenvolve diversos trabalhos, em uma experiência interdisciplinar e coletiva relacionados à arte africana da África e do Mundo.

Oficina de dança lecionanda por Géssica Justino, integrante do Coletivo Baobá

O Coletivo Baobá nasce do encontro de

seis artistas criadores e produtores de diferente áreas que, intimamente, são ligados à cultura e arte das “Áfricas Diaspóricas”. Portanto, a formação do grupo se deu a partir da afinidade desses artistas com a estética da cultura africana existente na África e no mundo. A proposta do Coletivo é difundir a arte e a cultura rompendo fronteiras entre as linguagens para uma maior interação. Englobam música, dança, poesia, artes plásticas, design, cinema e moda. Para além disso, o Coletivo propõe vários tipos de atividades como por exemplo, produção, criação, comunicação, ensaios fotográficos e oficinas, sempre relacionadas a identidade afro diásporica. Para o Coletivo Baobá as suas principais referências vem do continente africano e da afro diáspora contemporânea, e também, urbana. De acordo, com o grupo, “a arte só se faz arte por não ser vazia. O Coletivo Baobá traz em seus desdobramentos a identidade que preenche o vazio da chaga preconceituosa eurocêntrica reavivando as cores que a colonização tentou ofuscar. Cores essas que repre-

sentam a força, alegria, beleza, o movimento, inteligência, a sabedoria e o valor da cultura dos diversos cantos da África”. Baobá: É uma árvore sagrada original de solo africano que revela em sua estrutura e imagem a ancestralidade africana e se torna símbolo de acolhimento, morada e perpetuação de uma memória que ultrapassa qualquer barreira imposta pelo decorrer da história. Baobá representa o virtuosismo do tempo que a seu tempo gera frutos e alimenta o corpo e a alma. É um local onde as pessoas se encontram para se expressarem ou aprenderem e esse é um dos conceitos do Coletivo Baobá, um lugar ou uma entidade onde cada um (a), mesmo não sendo do grupo, pode se expressar. Fonte: com informações do site do Coletivo Baobá

http://www.coletivobaoba.com/ Contatos: +55 (21) 9 8212 2946 +55 (21) 9 9191 4712 contato@coletivobaoba.com


Cultura Divulgação/Arquivo Pessoal

A história vista em outra perspectiva com um colorido único do artista plástico Carlos Kahan igualdade”.

Trajetória: Aos 26 anos começou a pintar como profissão, porém desde criança já exercia essa função de artista plástico. Sempre pintou em telas abordando temas brasileiros, cultura brasileira. Como artista impressionista pintava paisagens, plantação de algodão, de cacau, pessoas na lavoura, cenas tipicamente brasileiras. Também retratou muita coisa do nordeste em suas obras. “Eu conto a nossa história, pessoas da nossa cor, a origem dessa história”, acredita que a arte é capaz de unir as coisas e as pessoas. Kahan, revela que sua obra abriu diversas portas e é feliz por conseguir ter chegado até onde chegou com os frutos desse trabalho e reconhecimento. Porém, Um artista que expressa uma realidade de forma não foi fácil. Passou por diversas dificuldades na romântica, com leveza e sempre procurando apresen- vida, morou praticamente só, perdeu a mãe muito tar o belo que existe em cada história. Em suas telas, cedo, conviveu pouco tempo com o pai, e chegou a sua pintura não remete à tristeza e sim algo verídico. viver alguns anos na rua. Estudou pouco tempo no Esse é Carlos Kahan, artista plástico, paulistano que ensino formal. No entanto, a leitura o ajudou a meatualmente residente em Salvador. lhorar o vocabulário e ampliar os seus conhecimenNo seu ateliê, situado no Centro Histórico da capital tos. “Sou um resistente e não estou sozinho, graças à baiana, é possível encontrar um acervo rico em cores, Deus. Ainda tem muitas pessoas tentando resgatar a formas e espontaneidade, com diferente estilos e ins- arte, a cultura e a música”, afirma. pirações, expostas em telas. Kahan, confessa que todo Ao ser questionado sobre a sua arte, revela que ainda esse colorido viu na Bahia, nas ruas do Pelourinho e existe preconceito para com os artistas. “Eu sei que hoje expressa em suas obras. tenho um trabalho que não agrada a todos os brasiO seu trabalho é reconhecido internacionalmente. leiros, atinge uma pequena parcela só, meu trabalho Hoje em dia, utiliza uma técnica diferenciada para não é tão convencional, mas eu faço para que os pintar. Em suas obras usa pedaços de juta, ou como brasileiros possam ver com outros olhos essa coisa é conhecido, saco de batata, que aplica na tela. Como bonita. Então, eu passo essa visão, esse lado positivo a textura desse material é diferente é necessário usar de ser negro”, finaliza. uma técnica para pintar por cima. “Eu abro, tipo uma janela, valorizando o que tem mais dentro da juta. O que está dentro da juta é a realidade, e o que está fora é a ideia, é a fantasia”, explica. De acordo com Kahan, a sua arte precisa dialogar com o público de uma forma rápida, pois ela é visual. “A princípio ela tem que ser bonita aos olhos para chamar atenção e depois tem esse papo de valorizar alguma coisa, quando contam a história dos negros no Brasil que saíram da África contam aquele lado triste da história. Eu acho que isto não é bonito de se vê, então eu procuro ir pelo lado bonito. Por isso a beleza das minhas negras, elas são nobres. Eu acho que hoje nós estamos resgatando uma história. Eu sempre digo, eu não procuro privilégios, eu quero


Noivas Blacks, um momento especial na vida e um novo mercado de trabalho Crédito: Rodrigo Vasques

Está pensando em casar? Conheça o serviço de algumas meninas que se especializaram em cabelos e maquiagem para noivas negras.

Noivos: Edson da Silveira e Fernanda Ferreira

Muitos casais sonham, idealizando e preparam nos

mínimos detalhes esse momento tão especial em suas vidas. Uma nova etapa, um ciclo se fecha e outro se inicia na perspectiva de uma vida em conjunto e harmoniosa ao lado da pessoa amada. Pensando no tema, “noivas negras também casam”, a cabeleira Quênia Lopes, mais conhecida como Quênia Tranças, moradora da cidade do Rio de Janeiro, observou uma oportunidade de trabalho e de valorização da cultura negra. “Meu trabalho com noivas negras começou através de uma cliente chamada Gisele que me procurou para pentear o seu cabelo para seu casamento, pois, queria casar de tranças. Durante o processo, ela me questionou porque não fazer um projeto voltado para noivas negras? A partir de então comecei a pesquisar referências de noivas negras, observei que até tínhamos, porém a grande maioria de noivas negras com cabelos alisados e não era o que eu queria. Pensei o quanto era importante que tivéssemos referências afro e que valorizassem nossos cabelos e assim começamos nosso trabalho”, revela. Percebendo a carência nesse nicho, fez uma pareceria com uma amiga maquiadora, e hoje em dia desenvolvem um atendimento personalizados. Quênia, observa, que cada noiva tem o seu diferencial e a sua

história. “Normalmente é marcada uma prévia no meu ateliê onde eu, a maquiadora e a noiva conversamos sobre os seus objetivos ideais, criamos o modelo sugerido e no dia reproduzimos no local onde a noiva for se arrumar”. Indo para o Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, também encontramos a maquiadora Fernanda Ferreira que trabalha com noivas negras. De acordo com Fernanda, é um mercado que está em alta, um dia mais que especial na vida de cada mulher e casal, e por isso é necessário que tudo esteja do jeito que foi planejado e desejado. A maquiagem, o cabelo, a roupa, os padrinhos, os convidados, o local da cerimônia, tudo deve estar perfeito e essas meninas chegam nesse mercado para celebrar com muita autoestima essa etapa. Casamentos Afros: Janaina Oliveira, conhecida como “Re.Fem” e o esposo Marcos Costa, conhecido como “Pataco”, também preparam um casamento afro. Em 2012, começaram as pesquisas na internet por referencias em vídeos africanos e de africanos em diáspora, porém não encontraram nada que pudesse ser recriado no Brasil e até o momento não haviam encontrado uma empresa de ornamentação que entendesse o que desejavam. O jeito foi colocar mãos à


Crédito: Ednea Rubum

Noivos: Janaina Oliveira (Re.Fem) e Marcos Costa (Pataco)

obra e elaborar toda a cerimônia. “Quando decidi me casar, tinha uma certeza na minha cabeça, não poderia me casar segundo a cultura de quem nos escravizou. Mesmo por que sempre achei muito chato e monótona as cerimônias religiosas segundo as tradições europeias. A cerimônia de casamento era o momento mais feliz das nossas vidas e precisava ser celebrado com muita alegria, muita música e dança e ai veio a ideia de fazer uma cerimônia afro, pois a cultura afro é muita cor, muita luz, contato com a natureza”, declara Re.Fem. Já Fernanda Ferreira nunca havia pensado em casar, Fotos: El Grago

até que no ano passado, ela e o marido Edson da Silveira, resolveram oficializar o relacionamento. Para fugir do convencional, procuraram um clube que tivesse uma área ao ar livre para festejar o momento. “Fui bastante criteriosa com cabelo e make, pois têm muitos profissionais (atenção profissionais da beleza) que ainda não sabem realizar bons penteados e makes para cabelos e pele afro (...) Eu queria ver meus convidados felizes e satisfeitos por brindar este momento conosco. Deixamos gosto de quero mais! Valeu à pena! Sou grata por tudo de bom que me aconteceu”, revela.


Crédito: El Grego

Arquivo Pessoal

o vestido de noiva até os vasos e arranjos de flores, ela também criou e costurou as roupas dela, do meu pai e dos pastores”. Então, sentiu vontade de casar? Contrate o serviços das meninas. Também visite o site Negras no Altar, pois lá têm muitas dicas para as noivas. Boas Festas! Site: http://www.oblogdanoivanegra.com.br/ Contato Quênia Tranças Telefone: (21) 99211.7894 E-mail: quenialopes@yahoo.com.br

Crédito: El Grego

Mãe, a salvadora da pátria: Quênia revela que os preparativos do seu casamento com Fabiano França foi uma loucura total. Comenta que comprou bastante coisas da festa em um grande centro comercial, no Rio de Janeiro chamado Saara. “A ajuda de Mamis foi tudoo, se não fosse ela não sei o que seria da minha vida, porque estava trabalhando e quase sem tempo. Minha mãe virou noite montando as lembranças, lapelas, buquê. Foi correria, mas no final deu tudo certo. Nossa temática era afro e a partir daí fomos tendo nossas ideias e o casamento ficou lindo”, afirma. Re.Fem, seguiu na mesma linha e solicitou a ajuda da mãe para concretizar o seu sonho. “Minha mãe, Silvia Santos, me ajudou a tornar todos os detalhes que eu tinha em minha mente em realidade. Tudo! Desde

Noivos: Fabiano França e Quênia Lopes

Contato Fernanda Ferreira Telefone: (51) 8138.1891 E-mail: nandanastacias@hotmail.com


Ewé, uma marca de cosméticos naturais e artesanais Em yorubá, ewé significa folha, e com essa influência dos elementos da natureza, a marca que produz cosméticos naturais e artesanais em Salvador/Bahia, ganhou esse nome da empresária Mona-Lisa Jasmim. Os produtos são elaborados alquimicamente utilizando ingredientes naturais, por meio de um processo totalmente artesanal, tornando-os únicos e delicados. Segundo a empresária, os produtos são concentrados em ativos botânicos que trazem benefícios reais e duradouros para o corpo e alma. Argumenta que a introdução de elementos culturais que fazem parte da sua trajetória vindos, por exemplo, da cultura yorubá, sertaneja, egípcia e indígena, dão um diferencial ainda maior à sua marca. Há um ano e meio, Mona-Lisa acreditou no potencial do seu negócio e começou a comercializar e investir nos produtos que produz em sua própria residência. Porém, afirma que as dificuldade são muitas até os dias de hoje. “Ainda é muito difícil convencer as pessoas sobre as vantagens de se usar produtos naturais. Como não temos o poder de mídia das grandes marcas, a credibilidade vai sendo construída aos poucos. O fato de ser um empreendimento individual é bastante cansativo também. Pois a compra de matéria prima, produção, administração, elaboração de fórmulas, pesquisa, venda, controle de estoque e divulgação estão concentrados em minhas mãos”, revela. A principal dica que dá para quem deseja abrir um negócio é a persistência. “No início não vemos o dinheiro, pois

Fotos: Divulgação/ Arquivo Pessoal

Empreendedora

precisamos investir muito. A dedicação é total. Trabalhamos muito mais que em um emprego formal. Precisamos mergulhar no que estamos fazendo e ter paciência para colher os resultados”, declara. Os produtos podem ser adquiridos por meio da loja virtual e no site o cliente encontra dicas e informações sobre os materiais usados na confecção de cada obra prima. Também existe a possibilidade de fazer encomendas por e-mail e telefone. Atualmente, a Ewé vende para todo o Brasil. Contatos: Site: www.ewealquimias.com.br Telefone: (71) 3013.0388 ou (71) 8216.4919 Loja Virtual: http://ewe.tanlup.com


Cinema

Sou Mulher de Candomblé Sou Povo de Santo! Por Diosmar Filho*

Pelas narrativas vão se conhe-

cendo o significado do ser Mulher Negra do Candomblé, nas mensagens de vida da Yalorisá Raidalva Silva Souza dos Santos (Mãe Raidalva) – líder religiosa do Terreiro Ylê Asé Oyá Tolá, no distrito de Passagem dos Teixeiras – Candeias-Ba, apresentadas no documentário IGI OBA NILE “Memórias de Mãe Raidalva” uma produção da YLÊ AYÓ e a N5 Filmes, com direção de Chico Soares e Diosmar Filho. O documentário foi lançado em O projeto do documentário foi financiado pelo Fundo de Cultura do Estado da Bahia – Edital 12/2012, sob a coordenação do Centro de Culturas Populares Identitárias (CCPI-SECULT). No poema Porque Mãe Raidalva gosta de Sol, José Limeira a homenageou com a frase “À dona do certo, do cuidado menino, Mãe Raidalva!”. Em junho, no Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, na praça de outro poeta autor que escreveu “Navio Negreiro” se encontraram os treze raios e os ventos, isso porque o passado e o presente estavam juntos em cores, cheiro, brilho e perfume das suas filhas/os, netas/os, amigas/os e irmãs/os, pessoas que tiveram a honra de se encontrar com o mundo comum e tão diferente na tela, em sessão de lançamento. A riqueza do documentário se traduz em cores e cheiro pela fotografia das paisagens da comunidade de Passagem dos Teixeiras e dos cantos e recantos do Ylê Asé Oyá Tolá. Tudo se junta no texto narrativo das memórias em encontro duradouros e perenes, sentidos pela Iyá e as pessoas que ao longo dos últimos sessenta e quatros anos, vivenciaram ao lado da filha do Engenho de Brotas – Salvador, uma das grandes líderes religiosas da Bahia e do Brasil, solidária às lutas pelos direitos das mulheres e do povo de

2014, mas teve início em 2009 quando a comunidade do Ilê Asé Oyá Tolá resolveu celebrar os sessenta anos de iniciação de Mãe Raidalva, filha de Obalúayé e Oyá. Com carinho e inspiração suas filhas e filhos partilham com a sociedade baiana e brasileira a vida construída pela sua zeladora, o que reforça todo o ensinamento de Obalúayé que ao oferecer anualmente o seu banquete, o Olubagé, proporciona um momento de muita paz ao cobrir com palha as pessoas que se dirigem ao Égbé. Fotos: Pertenso Azevedo

santo. As paisagens, sons e narrativas juntam-se a trilha sonora de Maurício Lourenço, que em sons de corda e atabaques convida as pessoas a entrarem numa grande roda no barracão, para ajudar a contar as memórias da luta e de como se viu e sentiu e foi abraçada, beijada, amada e educada por Mãe Raidalva. Na Mostra de Cinema Negro, na sala Walter da Silveira, o documentário de uma grande roda, foi da tela ao presente no encontro de Mãe Raildava e a educadora e pesquisadora Ana Célia Conceição, que a felicitou pelo sucesso na caminhada e pelo bem estar que o filme traz a todas as pessoas que estão na luta por direitos.


Arquivo Pessoal

Assim, o documentário IGI OBA NILE “Memórias de Mãe Raidalva”, em 2015 entra na programação do cinema de Salvador e outros estados, mais seu principal objetivo será alcançar as salas de aula e rodas de debates com crianças, jovens e adultos, como um instrumento para a luta contra o racismo e a intolerância religiosa. Sua magia e beleza tem como proposta o dialogo por meio da diferença. Garantindo a mensagem de maior riqueza de Mãe Raidalda que é o respeito ao diferente é o princípio para a humanidade. Informações sobre o documentário: projetoigiobanile@gmail.com

* Diosmar Filho - Geógrafo, mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia

Me indique um livro

Arquivo Pessoal

No ano do centenário de Carolina Maria de Jesus poderia indicar a leitura de qualquer uma das suas cinco obras publicadas: Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960); Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961); Pedaços da Fome (romance -1963), ou Provérbios (1963). Mas, diante da dificuldade ainda de acesso às obras dessa venerável escritora, pioneira nessas pretas grafias, sugiro a recém lançada obra “Onde estaes Felicidade?” organizada por Dinho da Me Porió Revolução e Rafaella Fenandez e o rico, sofisticado e elegante projeto gráfico de Marceano Venturo (ciclo contínuo editorial) com uma tiragem de dois mil exemplares. O livro é composto por dois contos inéditos de Carolina Maria de Jesus: O que dá nome ao livro “Onde estaes Felicidade?” e o outro intitulado de: “Favela”. Na segunda parte são apresentados seus ensaios sobre a escritora, dentre eles textos das queridas e competentes: Miriam Alves e Geny Guimarães. Há também uma versão ebook e nesse formato consta uma carta de minha autoria para Carolina, minha inspiração primeira na arte de escrever. Enfim, Carolina é, ainda, uma escritora a ser descoberta, lida, estudada e respeitada Brasil afora. Que as gerações que estão por chegar possam ter chances maiores de acesso ao diversificado e complexo acervo deixado por essa nossa mais velha que tanto nos ensina sobre a arte de gingar xxx e vencer as diversidades e que a família desta possa ter um pouco mais de tranquilidade do que a conturbada e difícil experiência de vida que Carolina passou. Muito bem Carolina! Parabéns! Você venceu! Que os ventos, as águas, o ferro, o fogo e o barro nos fortaleçam sempre! Sigamos! Àse! Boa Leitura a todos.

Hildalia Fernandes Cunha Cordeiro é mestre em Educação e Contemporaneidade pelo PPGEduc/UNEB desde 2012; É docente no curso de Pedagogia e Letras da Faculdade D. Pedro II ministrando o componente: Fundamentos e Metodologia do Ensino da História e cultura afrobrasileira e indígena desde 2006.2; É aprendiz de contista. Tem um conto publicado nos Cadernos Negros 36 e participa, também, dos grupos literários: Quilombo Letras e Quartinhas de Aruá e é Erva Doce na família Abadá Capoeira e mãe de Cauê, sua maior obra. email: hildaliafernandes@hotmail.com


Dica

Os ventos de 2015

A dica de salão deste mês de dezembro será total-

mente diferente das outras edições. Algumas leitoras solicitaram dicas de roupas para as festas de fim de ano, e, quais as cores que serão tendência em 2015. Como nós compreendemos que vocês são quem regem esta revista, seguimos suas ordens, nobres leitoras e leitores. Primeira Dica: Consuma com estilo e deixe o excesso para teu charme. Todo cuidado é pouco para cruzar cores e peças contrastantes, porém leveza e deixar de arriscar na diferença não significa estar na moda, branco não é a grande cor do ano novo e vermelho não é a melhor peça para as festas natalinas. A melhor cor é aquela que harmoniza com acessórios, bolsas, maquiagem, sapatos e teu corpo. Segunda Dica: Sapato com salto Anabela. Apesar das rasteiras estarem em alta algumas mulheres preferem investir no salto, nem que seja pequeno. Use bastante nas festas de final de ano. Se permita nas cores, estampas, rendas e apliques. Terceira Dica: Vestido longo e tomara que caia. Aproveitem que 2015 começará com a proposta de muitas estampas: florais, folhas, pássaros e árvores.

Para as magras aproveitem os tomara que caia reto e com fendas nas pernas, para as mais gordinhas, cintura alta e decote em V, não esquecendo das fendas nas costas. Quarta Dica: Os braceletes. Algumas marcas famosas estão apostando em braceletes de várias cores e formato, aproveite bem está nova onda, use quadrados, redondos, com brilho, fosco, de uma cor, de três cores e sempre observando se há harmonia com a roupa. Nada de vestir amarelo e colocar braceletes amarelos no braço. Não esqueça, em excesso só teu charme.

melodia ao visual.

Quinta Dica: Bolsas pequenas de um cor só. Está em alta bolsa micro e sem muitas estampas, afinal estas estarão no vestido e nos braceletes. As bolsas devem apenas ser um acessório que trás

Não esqueçam, conforto não é sinônimo de banalidade, afinal vestir roupas leves, usar sandálias rasteiras ou de salto anabela, usar bolsa micro não significa ter pouca elegância. A sutileza, o charme, o conjunto do visual emana do interno, permita-se estar linda neste fim de ano e se deixe permanecer linda como as flores de 2015. Elisia Santos Socióloga e cabeleira



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