UCS Revista (Ano 10 - Nº 35 - Outubro/2025)

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Inteligência - Da horta escolar ao parque tecnológico: o conjunto de iniciativas que faz da UCS uma referência nacional em inovação

Memória - Nas comemorações dos 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, o resgate de cartas trocadas entre quem veio e quem ficou

Saúde - Conexão entre o saber científico e a indústria gera tecnologia que pode chegar à prateleira para melhorar a qualidade de vida

Natureza - Nos licenciamos poeticamente para contar como a admirável bicharada do UCS Zoo desperta a consciência ambiental

Pesquisa - Pacientes oncológicos, idosos e pessoas com sobrepeso: cada vez mais a ciência orienta para os exercícios físicos

Economia - Um game sobre educação financeira incentiva adolescentes a planejar seus gastos a partir da escolha de prioridades

Justiça - Acervo com 40 mil processos judiciais de décadas passadas revela avanços (ou não) na legislação

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

Presidente do Conselho Diretor

Dom José Gislon

Vice-presidente do Conselho Diretor

Cláudio Luiz Pessôa de Oliveira

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

Reitor

Gelson Leonardo Rech

Vice-Reitor

Asdrubal Falavigna

Chefe de Gabinete

Givanildo Garlet

Pró-Reitora de Graduação

Terciane Ângela Luchese

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

Everaldo Cescon

Pró-Reitora de Inovação e Desenvolvimento

Tecnológico

Neide Pessin

UCS REVISTA

Outubro/2025 - Ano 10 - Nº 35

Produção

Assessoria de Comunicação UCS Área de Imprensa

Textos

Fabiano Finco

Fernando Levinski

Gabriela Zanesi

Edição

Fabiano Finco

Gabriela Zanesi

Fotos

Bruno Zulian

Claudia Velho (Acervo/UCS)

Banco de imagens (Freepik e Envato)

Ilustrações

Ernani Carraro

Gian Lucas Stuani

Projeto gráfico

Carmem Meira Theodoro (apoio)

Gian Lucas Stuani

Supervisão

Júlio Valter Sguaisser Rech

Nika Ferronato

Paquito Masiá Herrera

Serviços gráficos

Gráfica & Editora São Miguel

Tiragem

2.000 exemplares

Contato imprensa@ucs.br

De oficinas ecológicas para estudantes da rede pública à oferta de soluções para o enfrentamento de tragédias ambientais: como a Universidade de Caxias do Sul tornou-se referência nacional em inovação através da educação e da pesquisa

Segunda maior cidade da Colômbia, com mais de 2,5 milhões de habitantes, Medellín quer tornar-se a Capital Mundial da Inteligência Artificial até 2028. As diretrizes estão postas e há uma mobilização forte da sociedade na busca do objetivo. Mas o foco das ações não está exatamente nas empresas de tecnologia ou nos agentes públicos, e sim nos estudantes do Ensino Básico e Fundamental de Medellín, que em 2013 foi eleita a cidade mais inovadora do mundo pelo conceituado Urban Land Institute devido a seus avanços na educação.

“Não se tira proveito da inteligência artificial sem educação básica de qualidade e sem formação de caráter. A aptidão humana, o conhecimento, são essenciais para que a IA indique e crie soluções para a sustentabilidade e a segurança social”, observou Santiago Uribe em palestra no II Simpósio sobre Inteligência Artificial da Universidade de Caxias do Sul (UCS), realizado em outubro de 2024. Antropólogo responsável por projetos de inovação em Medellín, Uribe deixou bem claro que é preciso educar para chegar lá.

O dicionário Michaelis conceitua assim a Inteligência: faculdade de entender, pensar, raciocinar e interpretar; entendimento, intelecto, percepção.

Em linha reta, 4.700 quilômetros separam Medellín de Caxias do Sul, onde mora Victória de

Oliveira Ales. Ela conta que na sua casa - na localidade de Santo Antão da Terceira Légua - ajuda a cuidar de duas galinhas, um galo e dois cachorros. “E também ajudei a salvar um filhotinho de chupim que caiu do ninho. A gente deu comidinha na boca e hoje ele vem no nosso ombro”, lembra Victória, combinando a inocência infantil dos seus cinco anos de idade com um orgulho espontâneo e genuíno.

Victória está entre os 2.904 alunos beneficiados pelo projeto BioHortas, desenvolvido pela UCS desde 2023 em sete escolas da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul. Vinculado à Pró-Reitoria de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico e viabilizado pelo Ministério Público via Fundo de Bens Lesados, no valor de R$ 500 mil, o BioHortas trabalha a educação ambiental com crianças e adolescentes a partir de uma abordagem prática e interdisciplinar, baseada na produção sustentável e orgânica de alimentos, no autocuidado e no respeito à natureza.

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Santo Antônio, na Terceira Légua, área rural de Caxias, é entusiasta do BioHortas. Professores, funcionários, alunos e seus familiares, estão todos muito envolvidos desde 2023 na construção de hortas, plantio, cuidado e colheita. Até uma trilha ecológica para passeios foi aberta junto a uma mata vizinha. É a escola onde

Victória estuda. E aprende, desde cedo, que “a natureza precisa ser cuidada”.

Há uma conexão primorosa entre o que a aluna aprende e o que Uribe, o antropólogo colombinano, ensina (“Não se tira proveito da Inteligência Artificial sem educação básica de qualidade e sem formação de caráter”). Até que Victória se torne adulta, a IA terá evoluído muito. Mas ela estará apta a servir-se dela, porque hoje sabe acolher um chupim sobre o ombro. Isso é inteligência.

Por que o projeto BioHortas está vinculado à Pró-Reitoria de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Caxias do Sul? De que maneira oficinas sobre animais peçonhentos, plantas comestíveis, compostagem e reaproveitamento de resíduos, entre tantos outros temas ensinados a milhares de crianças e adolescentes, se relacionam com tecnologia? O que tem a ver a inovação com um canteiro de mudas de alface?

“Esse projeto de educação ambiental contribui para entregar equipamentos urbanos fundamentais para potencializar todo um ecossistema de inovação desenvolvido pela UCS com vistas à sustentabilidade e ao bem-estar social. E assegura a sua continuidade, estimulando crianças e adolescentes a se engajarem nessa busca. E isso é tudo o que a gente quer”, responde a pró-reitora Neide Pessin.

Arthur Belmonte Sbersi, Marlon Wais e Lourenço Neubert dos Santos têm 14 anos de idade e encerram o ciclo do Ensino Fundamental na Escola Santo Antônio no final de 2025. São colegas no 9º ano e entusiastas do projeto BioHortas. É comum vê-los de enxada na mão junto à horta que ajudaram a construir no terreno da escola. “As oficinas são muito boas, principalmente para quem não conhece a lida no campo”, comenta Arthur. “O projeto motivou a criação de uma cooperativa aqui na escola. Através dela vamos cultivar plantas medicinais para vender à comunidade”, orgulha-se Marlon. “A gente aprende a trabalhar em conjunto”, acrescenta Lourenço. Como diz a pró-reitora de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico da UCS:

“Espera-se que a prática dessas oficinas possa ampliar a consciência alimentar e ambiental não só do aluno, mas de toda a comunidade, direta ou indiretamente, impactada pelas atividades”, observa o professor do curso de Ciências Biológicas da UCS Guilherme Guzzo, coordenador do BioHortas junto com os professores Felipe Gonzatti, também de Ciências Biológicas, e Heloísa Theodoro, do curso de Nutrição. Vale destacar que o projeto foi elaborado pela acadêmica de Ciências Biológicas Ágatha C. C. Tomasini e pela acadêmica de Nutrição Vittoria

Há o BioHortas e há o AgroCityLiving Lab, quase que duas pontas extremas de um mesmo propósito. De casa nova, inaugurada em março de 2025 no Bloco M do Campus-Sede da UCS, o AgroCity desenvolve, em parceria com a Prefeitura de Caxias do Sul, propostas voltadas à agricultura em espaços urbanos. Pesquisa e planeja ações fundamentadas na Internet das Coisas para ajudar o produtor a lidar melhor com o solo, a temperatura e o ambiente. É um trabalho inspirado no conceito de ciência

BioHortas e AgroCityLiving Lab, cada qual com seu alcance e proposta, são ferramentas de um grande projeto conectado à UCSiNOVA - Agência de Inovação da Universidade de Caxias do Sul com parcerias públicas e privadas. Esse propósito multidisciplinar interliga todas as áreas do conhecimento da Universidade e mobiliza alunos, professores e pesquisadores em causa do bem comum.

Evidências recentes dessa força-tarefa foram as iniciativas disponibilizadas e/ou geradas pela UCS a partir da maior tragédia climática do Rio Grande do Sul, em maio de 2024, quando chuvas torrenciais provocaram desmoronamentos e enchentes de dimensões assustadoras.

Para além de dezenas de ações solidárias, a Universidade reuniu especialistas de diferentes segmentos relacionados à tecnologia, aprofundando, por exemplo, estudos para compreender a Inteligência Artificial como uma aliada na busca de soluções para a sustentabilidade urbana - e que alertam sobre a necessidade, essencial, da capacitação humana para o bom uso desse recurso. Naquele mesmo período, equipes do CityLivingLab, grupo vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA), do Instituto de Saneamento Ambiental (ISAM) e da Agência de Inovação da UCS apresentaram a vários municípios os projetos Cidades Resilientes e ReNova Cidades, cujo objetivo comum é preparar as cidades para desastres naturais e mudanças climáticas, enfatizando a importância de planejamento e governança eficazes para construir uma resiliência urbana sustentável.

A verdade é que esses projetos se consolidaram a partir da catástrofe climática de 2024, e serão permanentemente aperfeiçoados, a fim de evitar que as tragédias ambientais perdurem por muito tempo e tenham prioridade nas manchetes.

“Cidades sustentáveis, inteligentes e resilientes. Para mim está claro que é nesta ordem. Os fenômenos climáticos não são efêmeros, e nossas soluções não são provisórias. Estamos sempre em busca de ampliarmos o desenvolvimento social, ambiental, cultural e tecnológico, independente de vivenciarmos ou não uma crise nessa ou naquela área. A pauta da Inovação na UCS é institucional e permanente”, destaca a pró-reitora Neide Pessin.

Os fenômenos climáticos não são efêmeros, e nossas soluções não são provisórias. Estamos sempre em busca de ampliarmos o desenvolvimento social, ambiental, cultural e tecnológico, independente de vivenciarmos ou não uma crise nessa ou naquela área. A pauta da Inovação na UCS é institucional e permanente.

MESTRADO EM PLANEJAMENTO E GESTÃO DE CIDADES SUSTENTÁVEIS É INÉDITO NO RIO GRANDE DO SUL

A UCS passou a oferecer em 2025 o mestrado em Planejamento e Gestão de Cidades Sustentáveis, primeiro do Rio Grande do Sul com foco nesta área. A novidade sinaliza o reconhecimento do Ministério da Educação diante de um trabalho realizado pela Universidade desde 2020, quando foi criado o CityLivingLab, grupo de professores e pesquisadores da Instituição empenhados no estudo e no desenvolvimento de soluções para preparar as cidades para os desafios da sustentabilidade.

“Cidades em busca de desenvolvimento moderno e sustentável estão adotando parcerias inovadoras com a iniciativa privada e a Academia. Esse mestrado tem o objetivo de formar profissionais capazes de entender e atuar nas interfaces entre diferentes campos do saber, aplicando conhecimentos técnicos, científicos e humanísticos de maneira sinérgica para promover o desenvolvimento sustentável urbano”, argumenta a professora Ana Cristina Fachinelli Bertolini, coordenadora do CityLivingLab.

“A

Universidade é protagonista de uma cultura de inovação, produzindo conhecimento nas mais diferentes áreas. Isso resulta em pesquisas que induzem as organizações ao desenvolvimento de soluções tecnológicas e humanas, preparando profissionais e pesquisadores qualificados em consonância com os desafios climáticos e sociais”, complementa o reitor da UCS, Gelson Leonardo Rech.

A UCSINOVA É UMA ESTRUTURA DE ARTICULAÇÃO ENTRE A COMUNIDADE E A

ACADEMIA, VOLTADA PARA O DESENVOLVIMENTO DE PESQUISAS, PROJETOS

E SERVIÇOS. FUNDAMENTA-SE EM QUATRO PILARES: O STARTUCS, FOCADO À

IDEAÇÃO COM PROGRAMAS DE CRIAÇÃO DE NOVAS EMPRESAS; A ITECUCS, INCUBADORA TECNOLÓGICA; O TECNOUCS, PARQUE DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA

E INOVAÇÃO DA UNIVERSIDADE, QUE AGREGA EMPRESAS ASSOCIADAS

E RESIDENTES; E O CATALISAUCS, RESPONSÁVEL PELOS PROJETOS, PATENTES

E OUTROS SERVIÇOS JUNTO AOS PROFESSORES PESQUISADORES.

TECNOLOGIAS QUE GERAM

INEDITISMO

O Laboratório de Energia e Bioprocessos (LEBIO) da UCS integra o ecossistema de inovação da Instituição, com pesquisas e resultados em várias frentes. Seu trabalho tem sido fundamental para que empresas que optam pela reciclagem de resíduos conquistem as licenças ambientais exigidas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Nesses casos, o LEBIO atua como unidade de pesquisa responsável pelo acompanhamento dos processos de Pirólise*, atendendo à Diretriz Técnica 02/2019 da Fepam (ela estabelece que a unidade de pesquisa faça a caracterização completa dos resíduos e avalie o uso da tecnologia em escala laboratorial e industrial). Essa consultoria do LEBIO resultou recentemente em duas licenças de operação (LO) concedidas de forma inédita no Rio Grande do Sul, uma para uma empresa de reciclagem de pneus e outra para uma indústria calçadista.

Também por meio do LEBIO, a UCS celebrou contrato com a empresa Biosys Ambiental que representa um novo desafio técnico. Trata-se do desenvolvimento de um sistema combinado entre processos físicos e químicos para aproveitar o potencial energético do lodo sanitário para produção de eletricidade, utilizando o resíduo final do processamento como insumo para indústria de cimento. A técnica ainda prevê eliminar o uso de aterros para a destinação final do lodo do tratamento de esgoto sanitário, beneficiando o saneamento básico. O projeto tem duração de 36 meses e investimentos na ordem de R$ 10 milhões - R$ 7 milhões por subvenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao governo federal.

Outro projeto que demonstra a expertise do LEBIO é o Resíduos Serra – RS UP, que visa à transformação de resíduos sólidos em combustível e/ou fertilizante, também inédito no Estado. Em sua segunda fase, trabalha agora na instalação de uma usina teste junto ao Aterro Sanitário Rincão das Flores, na localidade de Apanhador, que terá capacidade de processar cinco toneladas de resíduos diariamente, beneficiando Caxias do Sul e municípios parceiros.

A UCS ainda tem projeto aprovado na Finep, com grupo de pesquisa interdisciplinar mobilizado, para a criação de um Centro Temático Estadual do Hidrogênio. Dedicado a fomentar o elemento na matriz energética do Rio Grande do Sul, o centro deverá integrar e apoiar os diferentes setores da cadeia produtiva contribuindo à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação das fontes primárias e tecnológicas para a produção de hidrogênio.

Pirólise é um tipo de tratamento térmico de resíduos realizado na ausência de oxigênio, o que a torna mais limpa e eficiente, ao contrário da combustão.

TRABALHANDO O FUTURO DE UMA CIDADE

A UCS desenvolve, em parceria com o município de São Francisco de Paula, o Plano São Chico 2050. Ao longo dos próximos meses, diferentes setores e segmentos da UCS se alinham com o propósito de diagnosticar demandas da maior cidade da região nordeste do Estado e apontar soluções formais para o seu planejamento estratégico, contemplando assim o objetivo do Plano: posicionar São Francisco de Paula a um rumo inovador e sustentável para os próximos 30 anos.

Para tanto, sob a coordenação da UCSiNOVA, a Universidade mobiliza pesquisadores e profissionais vinculados ao Instituto de Saneamento Ambiental (ISAM), à Unidade de Tecnologia do Curso de Arquitetura (UNITE), ao Instituto de Memória Histórica e Cultural (IMHC), à Assessoria de Desenvolvimento Regional (ADRE), ao Escritório de Regulação (ER) e ao projeto CityLivingLab, entre outras expertises internas, somando uma equipe de quase 30 pessoas. O grupo vai realizar diagnósticos e gerar relatórios de soluções para os planos Diretor, de Resíduos, de Drenagem e de Emergências Climáticas de São Francisco de Paula, entre outras áreas, tudo sob a perspectiva da resiliência climática e do desenvolvimento sustentável.

UM NOVO ESPAÇO PARA O NOVO

A inovação na UCS terá um novo símbolo a partir de dezembro deste ano, com a inauguração do projeto Impulsionando o Ecossistema de Inovação da Serra Gaúcha: O level up da incubadora ao parque tecnológico UCS, submetido e aprovado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao governo federal, ao custo de R$ 13 milhões.

Apresentado oficialmente em novembro de 2024, por ocasião das celebrações dos 25 anos da Incubadora Tecnológica (ITEC) da UCS, um dos pilares da UCSiNOVA, a nova estrutura de dois mil metros quadrados, anexa ao Bloco 59, vai contemplar, além da ITEC, a expansão do TecnoUCS, programas e projetos gerenciados pela UCSiNOVA. O prédio terá 20 novas salas de diferentes formatos para novas empresas incubadas residentes, um FabLab (espaço de fabricação digital e teste de prototipagem) e uma arena com capacidade para 100 pessoas, entre outros ambientes.

“São Sebastião do Caí, 27 de dezembro de 1883

Caríssimos pais

Par de casa com lágrimas nos olhos por deixar minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs que tanto me queriam. Chorava por deixá-los, e não por vir a América.

Juntamente com Raquel, par de Gênova, com grande alegria, no dia 22 de novembro. Por dois dias ela esteve muito bem. Depois o mar começou a agitar-se e ela teve vômitos. Se pelo menos vesse sido só ela; mas todos, mulheres e homens, sen am-se mal, e de 1590 passageiros, talvez uns 60 não vessem vômitos. Um fazia coro ao outro, provocando mesmo riso. Alguém dizia: “Adeus, que morro! Adeus, que morro!” e pouco depois passava a tempestade e todos estavam bem.”

O texto acima é o primeiro parágrafo da primeira carta escrita pelo imigrante italiano Paolo Rossato, poucos dias após seu desembarque no Brasil, em 1883. Entre dezembro daquele ano e junho de 1885, Rossato endereçou um conjunto de 17 cartas aos familiares que ficaram na Itália, mais precisamente em pequenas comunas da província de Vicenza, região do Vêneto. Elas foram escritas na Linha Feijó da então Colônia Caxias, onde Rossato se estabeleceu com a esposa, Raquel Massignani. Ao final desta reportagem está o primeiro parágrafo da última carta de Rossato, datada de 14 de junho de 1885entre a primeira e a última carta, um contraponto entre a expectativa da chegada e o alívio de bem suceder-se em terras brasileiras.

Esses manuscritos foram publicados de forma inédita em 1977, no livro La Mérica, de Luis A. De Boni. Traduzidos pelo autor e pelo professor Ciro Mioranza, constituem um recorte fiel e intimista da magnitude

da imigração italiana ao Rio Grande do Sul, iniciada em 1875. Passados 150 anos, a epopeia imigratória é celebrada em 2025 com um calendário de eventos festivos e culturais, resgates históricos inéditos, homenagens e novas publicações, entre elas o livro Um Oceano de Cartas, organizado pela pesquisadora Maíra Inês Vendrame (Brasil) e a antropóloga Daniela Perco (Itália).

A obra traz o conjunto de cartas de Paolo Rossato com nova tradução, atualizada, seguidas de notas explicativas, e apresenta de forma inédita 10 cartas escritas pela imigrante Maria Favretti, que aos 28 anos partiu sozinha da Itália rumo ao Brasil para, em 1892, estabelecer-se na Colônia Caxias. O livro tem apoio do Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da Universidade de Caxias do Sul, apresentação do reitor da UCS, Gelson Leonardo Rech, e deve ser publicado no segundo semestre de 2025, pela EDUCS - Editora da Universidade.

“Trata-se de um acervo muito rico. No viés antropológico, as cartas constituíram um movimento muito importante de incentivo à imigração ao Brasil naquele período. Ao mesmo tempo em que revelavam dificuldades, incertezas e saudades, descreviam as conquistas, as vantagens da nova terra. Em sua maioria, as correspondências buscavam atrair ao Brasil os familiares que ficavam na Itália”, explica a pesquisadora Maíra Vendrame.

Em artigo, ela argumenta esse fenômeno por meio de uma frase usada por Rossato em uma de suas cartas: “Lá éramos servos, aqui somos senhores”. Rossato expressa um sentimento de revolta, indignação e consciência em relação à condição em que viviam os camponeses no norte da Itália, de onde havia partido. “Se na terra de origem eram ‘servos’, no além-mar conquistariam a liberdade, podendo viver como ‘senhores’. É dessa maneira que o imigrante busca atrair os familiares e parentes para o sul da América. A condição de “senhores” significava se tornarem donos das áreas de cultivo e moradia, bem como levar uma vida sem temer a fome, a miséria e a dispersão da família”, observa Maíra.

Há divergência de informações estatísticas, mas estima-se que entre 1875 e 1914 chegaram ao Rio Grande do Sul de 80 mil a 100 mil italianos. O motivo principal desse fenômeno não foi a propagandeada “cocagna”, a visão paradisíaca do que seria o novo mundo na América, mas a péssima situação político-social em que se encontrava boa parte dos agricultores italianos no final do século 19. Foi a época da unificação e da modernização da Itália, processo que forçou a redução do excedente populacional, liberando grande parte da mão de obra até então empregada nos campos. Ao mesmo tempo, o Brasil passava por um período de transição impulsionado pela abolição da escravidão em 1888 e pela necessidade urgente de mão de obra, especialmente para as vastas plantações de café que se expandiam no país.

“Colônia Santa Teresa de Caxias, 14 de junho de 1885

Caríssimo irmão

No dia 4 de junho recebi sua carta, sabendo por ela que todos nossos parentes e amigos que vieram para cá queixavam-se de mim, dizendo que foram traídos. Há meses que se queixavam pois tendo partido da Itália e aqui chegado, pareciam todo desvairados. Em vez de ouvir o que eu e outros colonos lhe dizíamos, ouviam a Momoli Munaro e outros vagabundos como ele. Mas agora que viram como se encontram outros colonos mais antigos que têm trigo, milho, vinho e tudo o mais, estão contentes e compraram colônias perto de mim.”

MARIA FAVRETTI

“Vila de Caxias, 12 de abril de 1893

…Digo-lhe que há muito tempo não recebo cartas suas, o que me incomoda, pois temo que tenha acontecido algo de ruim, peço-lhe, então, que me responda assim que receber a presente carta. Digo-lhe que o meu baú não encontrei, por mais que o Cônsul o tenha procurado. Saiba que aqui estou no meio de uma revolução, comecei a escola, mas após 28 dias tive de abandonar, por falta das alunas e alunos, sendo uma escola mista, de 79 estudantes, os quais me pagavam um orim cada um ao mês, era um pagamento que me permitiria viver e vestir-me, e ajudar a família. Agora, com razão, devo dizer que desventurada nasci e ainda mais desventurada morrerei.

Agora, por um pouco de tempo, solicitei que me levassem a uma loja de mercadorias e gêneros coloniais, de uma senhora cujo marido a abandonou e que foi viver com uma prima, então eu pensei bem em aceitar seu convite, são, desde o dia em que lhe escrevo, oito dias que aqui me encontro, a tal Senhora me dá o que comer e vestir.

Peço-lhe que distribua a todos os parentes e amigos as minhas lembranças e que me escreva logo de todos vocês. Não me estendo mais, porque são já 2h da madrugada, e o sono me vence, a patroa vai dormir, e então eu também vou, dou-lhe a boa noite com tantas saudações, beijos e abraços para a Senhora, irmãs, irmão, além da Tana, com um beijo grande para a minha cara Gina. Aqui agora estamos no outono, come-se todo tipo de fruta, bebe-se tanto vinho como água, paga-se o litro de vinho a 2 soldos desses, que é 10 centavos dos nossos. Eu já z amizade com diversas famílias de colonos, os quais, lhe digo a verdade, todos me amam, que, também quando fui obrigada a abandonar a escola, eu tinha uns 30 convites, se quisesse aproveitar para ir, então agora, embora me encontre em uma venda onde nada me falta, com tudo isso todos me convidam a encontrá-los para beber o vinho novo. Acabo por incomodá-la, me despeço novamente e lhe peço que tenha coragem.

A revolução a que se refere Maria Favretti na carta acima é a Revolução Federalista, guerra civil ocorrida no Sul do Brasil de 1893 a 1895, poucos anos após a Proclamação da República. O conflito originou-se da crise política gerada pelos Federalistas, grupo opositor ao governo de Júlio de Castilhos, então presidente do Rio Grande do Sul, que buscava conquistar maior autonomia e descentralizar o poder da recém-instalada República.

A UCS desenvolveu um site exclusivo em celebração aos 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Além de conter a programação completa dos eventos alusivos ao sesquicentenário, o site disponibiliza um rico conteúdo informativo e documental, que o credencia como importante instrumento didático e fonte de pesquisa.

ucs.br/150-anos-da-imigracao-italiana

LIVRO ESPECIAL DA UCS CELEBRA A EPOPÉIA

O compromisso da Universidade de Caxias do Sul com a valorização da herança cultural da imigração italiana resulta em intensa dedicação à celebração dos 150 anos da chegada dos imigrantes no Rio Grande do Sul, completados em maio de 2025. Na presidência da comissão executiva das comemorações no âmbito caxiense e como integrante da comissão oficial do governo estadual dedicada aos festejos, a instituição movimenta diferentes projetos, muitos deles desenvolvidos junto ao Consulado Honorário Italiano em Caxias do Sul e ao Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre.

Entre as novidades editoriais está o livro dos 150 Anos da Imigração Italiana no RS (imagem ao lado). Com patrocínio da Móveis Florense, mais de 600 páginas e versões em português e italiano, a publicação da EDUCS foi lançada no Brasil e na Itália. A obra tem como organizadores o reitor da UCS, Gelson Leonardo Rech, a pró-reitora de Graduação, Terciane Ângela Luchese, o diretor do Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da Universidade, Anthony Beux Tessari, e o coordenador do Programa de Pós-Graduação em História, Roberto Radünz. Os capítulos e seções, ilustradas com fotos e documentos históricos, têm contribuição de 66 pesquisadores brasileiros e italianos para a abordagem de temas como colonização, política e imprensa, economia, educação, religiosidade e cultura. A tradução dos textos fica a cargo da equipe do Programa UCS Línguas Estrangeiras.

INOVAÇÃO E

INSPIRAÇÃO

a favor da saúde pública

FRANK 5010 é um ventilador pulmonar mecânico desenvolvido para auxiliar no tratamento de pacientes com Covid-19. Foi idealizado em março de 2020, quando a pandemia do coronavírus recém iniciava seu dano ao mundo. Naqueles dias de tantas incertezas, havia a certeza de que era preciso agir rápido. E assim fez um grupo de profissionais voluntários sob coordenação da Agência de Inovação da Universidade de Caxias do Sul (UCSiNOVA), através do seu Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação (TecnoUCS), e orientação da direção técnica do Hospital Geral de Caxias do Sul.

Com a colaboração de parceiros da iniciativa privada, em poucos meses FRANK 5010 estava pronto e aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Foram fabricadas dezenas de unidades. Considerando a gravidade da doença, os ventiladores cumpriram com sua função à medida de seu alcance.

FRANK 5010 representa hoje um símbolo para pesquisadores da UCS, estiveram eles envolvidos ou não no projeto. O equipamento acelerou uma série de outras iniciativas de pesquisa, projeto e execução da Universidade na área da saúde, inclusive inéditas no

contexto nacional. Foi um momento de inspiração (sem sugestionar qualquer trocadilho com o respirador), um indicativo de que era possível criar, e criar mais, com foco no bem-estar comunitário.

Uma prótese funcional acionada por impulsos elétricos musculares que permite o movimento “de pinça” em pessoas com braços amputados - ou com ausência congênita desse membro - e um aparelho para cinesioterapia (ramo da fisioterapia que se dedica à terapia com movimentos) passiva para pacientes, inclusive sob cuidados críticos, estão em fase de ensaios e testes e em processo de registro de patente. São criações originadas na esteira do FRANK 5010, assinadas por uma equipe multidisciplinar e apresentadas, na prática, em 2024, na Clínica de Fisioterapia da UCS.

Os equipamentos de concepção tecnológica e aplicação medicativa, embora muito diferentes, compartilham duas características idênticas: foram submetidos e aprovados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e têm como objetivo essencial atender ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Estamos falando de produtos com tecnologia inédita no Brasil e de custo muito inferior aos fabricados no Exterior. Mas será preciso uma sinergia entre o meio industrial privado e o meio acadêmico para que se tornem uma realidade para a saúde pública do país.

“O ponto inicial para o desenvolvimento desses dois equipamentos foi o respirador FRANK 5010, na pandemia, que catalisou uma série de ações na Universidade. Logo após ele ser aprovado para a aplicação em pacientes, a UCS criou um ambiente interno de captação para produtos inovadores vinculados à área da saúde. E recém havia sido aberto um edital da Finep para a subvenção de produtos inovadores direcionados à acessibilidade. Nesse edital foram aprovados 16 projetos no Brasil, e dois deles eram os nossos”, destaca o médico Alexandre Avino, professor do curso de Medicina da UCS, diretor técnico do Hospital Geral.

As próteses e o aparelho para cinesioterapia, denominado Autofisio 500, estão sendo testados em pacientes com diferentes casos clínicos, na própria Universidade. É um estágio essencial para que sejam gerados relatórios de funcionalidade, uma premissa da Finep para acompanhar a evolução dos projetos. E é também uma etapa delicada, porque demanda estratégias a fim de não submeter um paciente ao teste e gerar nele a expectativa de uma pronta recuperação ou reabilitação. “Há testes em que o resultado não é satisfatório, nem para a nossa equipe e nem para o paciente. E isso faz parte do processo. Por isso é necessário ter atenção constante nessa fase, um cuidado especial para cada avaliação. Em relação às próteses, no entanto, já temos evidências de que mesmo nos casos de não adaptação, elas desempenham importante função clínica na reabilitação do coto (parte do membro que permanece após uma amputação) do paciente, como

um relevante recurso de fisioterapia diante do trauma de uma amputação. O coto precisa ser “treinado” para não provocar hipotrofia (redução do tamanho ou função de um órgão), por exemplo. Quando não convier como um produto final, a prótese cumprirá função como dispositivo de terapia ocupacional e pesquisa acadêmica”, explica a coordenadora do curso de Fisioterapia da UCS, Katiúcia Pezzi Corlatti.

As próteses e o Autofisio 500 precisam ser aprovados por órgãos reguladores - a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entre eles -, patenteados e fabricados (por empresa privada apta para tal) para serem transformados em produtos vendáveis. Aí entra outro de seus diferenciais: o objetivo é que se tornem produtos de prateleira, de baixo custo, para que contemplem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Todas essas etapas estão sendo cumpridas para que a meta SUS seja alcançada o quanto antes.

O mundo agradece aos investidores e aos desenvolvedores. Cada vez que concluímos um projeto é uma felicidade, transparece em um mundo melhor. E projetos assim, que conectam o saber científico com a indústria, se tornam tecnologias de prateleira, acessíveis, desenvolvidas com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Gisele Barpp de Lima não tem o braço direito. Nunca sentiu necessidade de recorrer a uma prótese para desempenhar qualquer função, seja na vida pessoal ou na profissional. “Aprendi desde pequena a me adaptar. A deficiência sempre me serviu de estímulo para buscar a superação”.

E não será aos 47 anos que Gisele vai optar por uma prótese. “Na verdade, acho que passar a usar uma prótese agora poderá me limitar”, deduz. Mas ela foi uma das primeiras voluntárias a participar dos testes quando a UCS recebeu, em agosto de 2024, o lote piloto das dez próteses para pacientes amputados de membros superiores. A entrega dos aparelhos representou o avanço de mais uma etapa desse que é um projeto inédito no Brasil.

conhecimento da UCS, médicos do corpo clínico do Hospital Geral e a iniciativa privada, neste caso representada pela Longhi Engenharia e Automação, empresa caxiense que fabricou as próteses e as entregou oficialmente à Universidade.

“Eu fiquei encantada com a funcionalidade dessa prótese, por mais que eu não tenha interesse em utilizá-la. E achei importantíssimo participar dos testes. É uma maneira de ajudar os profissionais da Clínica a adequá-las às diferentes situações. Entendo que cada paciente tem uma história, e para muitos a deficiência pode ser uma ‘dor’ que a prótese vai ajudar a diminuir. Para mim, o maior benefício é saber que eu posso ajudar a melhorar a vida de alguém”, observa Gisele.

Ver as próteses prontas, em funcionamento, significa um passo muito grande nesse que é um projeto pioneiro para a saúde pública no Brasil, originado de uma parceria entre Academia e indústria”.

Matheus Parmegiani Jahn, coordenador de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da UCSiNOVA, participante do projeto

A JAGUATIRICA

Felídeo de porte médio. Escala árvores, nada, também salta muito bem. A beleza e a (relativa) docilidade da jaguatirica iludem algumas pessoas que a desejam como um animal de estimação exótico. Mas ela tem hábito solitário, é mais da noite do que do dia. A jaguatirica é discreta, fica mais na dela, então precisa ser estimada de longe, sem sobressaltos humanos desnecessários.

A TARTARUGA-DE-BARRIGA-VERMELHA

A tartaruga-de-barriga-vermelha parece levar a vida numa boa entre as pedras e a água doce do lago do Zoo. Quando toma banho de sol, vez ou outra alonga o pescocinho e as patas para além dos limites do seu casco, à guisa de uma boa espreguiçada. É vagarosa ao solo, mas na água demonstra sua personalidade ativa e desinibida. Não gosta de barulho e evita confusão.

A CAPIVARA

ce ser um pássaro vaidoso. Veste-se com cores vistosas e chalra para atrair parceiros e marcar território, como que sugerindo aos seus pares (e aos humanos) a importância de ser visto e ouvido. Essa ave é um dos símbolos da fauna brasileira, das florestas tropicais, da exuberância bucólica

Ela tornou-se fenômeno pop nos últimos anos: ilustra chaveiros e camisetas, inspira páginas nas redes sociais e sua pelúcia concorre lado a lado com a dos ursinhos. Alguma coisa nela conquista as pessoas, talvez seu jeito manso, afável. O maior roedor do mundo pode chegar a quase 100 quilos, mas seu tamanho não assusta nem as crianças. Ela até tem uma cara de desconfiada, mas é sociável, adaptável a diferentes ambientes, amiga de todos os outros animais, inclusive o homem.

PESQUISAS DE REVISÃO SISTEMÁTICA

COM METANÁLISE DA LITERATURA

RELACIONADA A DIFERENTES POPULAÇÕES CLÍNICAS ALCANÇAM

REPERCUSSÃO INTERNACIONAL

“Para pacientes com câncer, ser fisicamente mais forte pode estar relacionado a viver mais”. É o que concluiu um estudo desenvolvido pela Edith Cowan University (Austrália) em parceria com a Universidade de Caxias do Sul e outras instituições internacionais - Middlesex University (Inglaterra) e University of Padova, University of Molise e University of Milan (Itália) -, publicado em 2025.

O trabalho, na UCS representado pelo professor e pesquisador Pedro Lopez da Cruz, mostra que altos níveis de força muscular e de aptidão cardiorrespiratória em pacientes oncológicos adultos estão associados à redução de 30% a 40% da mortalidade, tanto a ocasionada pelo câncer como por quaisquer outros eventos de saúde. Os resultados, obtidos da comparação entre indivíduos com altos e baixos níveis de aptidão física, orientam para a perspectiva de avaliar prescrições de exercícios personalizadas para essa população clínica, a fim de contribuir à longevidade.

CAPACIDADE FUNCIONAL

Outra pesquisa publicada em 2025 aborda a prática de exercícios físicos e o envelhecimento. O estudo aponta que mesmo um baixo volume de treinamento de força, ou resistência, como é chamada a musculação, pode melhorar substancialmente a capacidade funcional de idosos saudáveis no desempenho de atividades cotidianas, como levantar da cama, por exemplo. A investigação da “dose” mais adequada de exercícios sinalizou que “menos pode ser mais”, no sentido de que extrapolar no esforço pode não agregar benefícios. Independente da duração do programa adotado, foram identificados impactos positivos na massa muscular. A pesquisa foi coordenada pela UCS, por meio dos professores e pesquisadores Pedro Lopez da Cruz e Anderson Rech, e pela Egas Moniz School of Health and Science (Portugal), com a participação da Edith Cowan University (Austrália), da University of Freiburg (Alemanha) e da University Medical Center Groningen (Holanda). A partir do trabalho, podem surgir futuras diretrizes de exercícios com foco no bem-estar relacionado ao envelhecimento.

TREINO DE FORÇA

E diante da habitual indicação de exercícios aeróbicos para pessoas com sobrepeso ou obesidade, outro estudo, realizado pela UCS também através dos pesquisadores Pedro Lopez da Cruz e Anderson Rech, em parceria com a Edith Cowan University, denota a importância do treinamento de força para o emagrecimento e a preservação dos músculos. Ao comparar a prática isolada da musculação com sua combinação com atividades aeróbicas, a pesquisa não identificou benefícios adicionais decorrentes da associação - ou seja, incluir o exercício aeróbico no treino de força não resultou em ganhos superiores.

A musculação, por si, já se mostrou capaz de reduzir a gordura corporal. Combinada com uma alimentação menos calórica, então, acresce em perda de gordura e peso. O treinamento de força destacou-se ainda pela capacidade de preservar e aumentar os músculos, mesmo diante da redução do peso dos praticantes. Isso é essencial, especialmente, para idosos, que tendem a perder massa muscular com o tempo - lembrando que manter a massa magra ajuda na mobilidade, na prevenção de quedas e no gasto calórico diário, facilitando o controle do peso. Ou seja: incluir no tratamento da obesidade programas de exercícios baseados na musculação, mesmo que não leve a grandes mudanças nos números da balança, agrega à saúde. Quanto mais alternativas, mais chances de encontrar modalidades satisfatórias para ajudar cada um a manter o hábito do exercício.

Game de simulação de vida para adolescentes leva a reflexões e aprendizados relacionados ao uso responsável do dinheiro e aos impactos das decisões sobre as finanças para o bem-estar e a saúde

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Instituto Memória Histórica e Cultural da UCS contém acervo com 40 mil processos judiciais, datados de 1898 a 2003. Analisados à luz da legislação atual, muitos deles se revelam inquietantes

Preservar a história é a forma mais fidedigna de compreender o que já vivemos e, desta forma, analisar como nos relacionamos atualmente. Entrar no Bloco T do Campus-Sede da Universidade de Caxias do Sul é uma oportunidade valiosa de voltar no tempo, revisitar a história e buscar entender a sociedade que nos antecedeu, em diversos aspectos. Ali está sediado o Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da UCS, abrigando um vasto acervo de diferentes épocas de Caxias e região.

Entre tantos documentos, fotografias e objetos está um vultuoso conjunto com 40 mil processos oriundos da Comarca de Caxias do Sul, gerados entre 1898 e 2003. O arquivo foi doado ao IMHC pelo Poder Judiciário por meio de um acordo firmado em 2001 entre a Fundação Universidade de Caxias do Sul (FUCS) e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Com a articulação da ex-professora da UCS Luiza Horn Iotti, o acervo foi entregue ao Instituto em 2004, dando origem ao Centro de Memória Regional do Judiciário – Caxias do Sul.

Após serem submetidos pela equipe técnica

condições de armazenamento e tornaram-se material de pesquisa - leia sobre as condições de consulta a seguir.

A reportagem teve acesso a esse rico acervo e, propondo um exercício de reflexão sobre a evolução (ou não) dos padrões, dos costumes e da legislação vigente ante casos antigos, convidou duas professoras de Direito da UCS - curso que completa 65 anos em 2025 - e uma egressa da graduação para analisarem alguns processos. O objetivo foi interpretar como determinado caso foi julgado em sua época e refletir como seria analisado à luz da legislação atual.

Participaram da dinâmica a professora de Direito Penal e Prática Jurídica Giséle Mendes Pereira, a professora de Direito Penal e Processo Penal Glenda Biotto e a egressa do curso Bartira Merlin, formada em 2014. Cada uma escolheu um processo para ser interpretado, tendo como critério casos relacionados à violência (física ou psicológica) contra a mulher.

Confira os casos e as impressões das professoras sobre a condução dos processos à épocapor questões legais, o texto utiliza nomes

ACHISMO ESTRUTURAL

Diante de uma sociedade que enfrenta estigmas pesados em decorrência do machismo, as mulheres vivenciaram dificuldades gigantescas em relacionamentos ao longo das últimas décadas. Prova disso é o caso analisado pela professora Giséle Mendes Pereira, ocorrido em 1942.

Maria, então com 16 anos, teve um relacionamento consensual com um homem que teria prometido casar-se com ela. A jovem morava com uma madrinha, que ao saber que o casal havia mantido relação sexual antes daquele possível casamento decidiu registrar um boletim de ocorrência contra o homem.

O caso foi registrado como “crime de sedução” (revogado em 2005) e Maria

foi submetida ao “autoexame de defloramento”, comum na época e hoje considerado uma ofensa moral contra a mulher. Para a professora Giséle, a forma como se procedeu o exame relatada no processo representa uma situação impensável nos dias de hoje. “O perito faz um relato de uma maneira absolutamente grosseira. Isso mostra como o patriarcado, o machismo estrutural, está presente há tantos anos na nossa sociedade”, enfatiza a professora.

Durante o julgamento, algumas testemunhas afirmaram que Maria “gostava de namorar”, enquanto outras disseram que ela mantinha “bom comportamento”. A ação acabou sendo arquivada, e a jovem casou-se com outro rapaz.

RAIÇÃO QUASE LEVA À TRAGÉDIA

Outro caso enquadrado como “crime de sedução”, ocorrido em 1943, foi analisado pela professora Glenda Biotto: uma desilusão amorosa quase levou Joana, 16 anos, a tirar a vida ingerindo veneno após relacionar-se com Marcos, 25 anos, por um período de três meses. Além de descobrir que o namorado tinha uma amante, Joana disse que sofria ameaças quando negava-se a ter relação sexual com ele. O caso foi levado à Justiça pela irmã de Joana.

O delegado responsável pelo inquérito determinou que a jovem passasse pelo exame de “conjunção carnal e defloramento”, cujo resultado mostrou que Joana havia perdido a virgindade. Aproveitando-se desse fato, o acusado indicou três testemunhas, homens, que disseram já ter se relacionado sexualmente com Joana - um deles, inclusive, mediante pagamento à adolescente. Questionada ao longo do processo, Joana admitiu ter feito sexo com outros

homens, mas que não se lembrava de detalhes e preferia não se manifestar sobre o assunto.

Glenda entende que o caso chama a atenção pela maneira com que Joana é tratada ao longo do inquérito. “Ela é identificada de forma machista, como ‘mulher do sexo’, ‘desfrutável’ e ‘que perambulava nas ruas buscando sexo’. Marcos acabou absolvido da acusação por ameaça, um ano depois. “O magistrado ainda enalteceu o acusado, dizendo que era um ‘homem direito’, mais uma demonstração de machismo naquela época”, sustenta a professora, destacando uma composição majoritariamente masculina durante o processo: o defensor, o promotor, o juiz e as três testemunhas.

Trecho citado no processo: “...não dá para presumir a virgindade de uma jovem que vive perambulando pelas ruas, e se entrega com facilidade a qualquer homem”.

ROMESSA DE CASAMENTO (...“MAS ESSE FILHO NÃO É MEU!”)

Egressa do curso de Direito da UCS, Bartira Merlin atua na área do Direito de Família e preside o Núcleo de Caxias do Sul do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Ao analisar um processo da década de 1950, ela se deparou com um caso emblemático:

Em situação financeira bastante difícil, os pais de Nilva, 17 anos, optaram por mandar a filha para morar com outra família, em outra cidade. No novo endereço, ela trabalhava como auxiliar em uma pensão, onde conheceu Felipe, 20 anos. Começaram a namorar e, com a promessa mútua de que se casariam, Nilva passou a manter relações íntimas com Felipe, mas logo descobriu estar grávida. Inicialmente, Felipe admitiu ser o pai, mas mudou de ideia após sofrer pressão da família, e o caso foi parar no judiciário como investigação de paternidade.

Como forma de comprovar o vínculo com Felipe, Nilva apresentou cartas enviadas a ela durante o relacionamento (que não era de conhecimento da família dele). O juiz, no entanto, determinou a realização de exame de tipagem sanguínea - técnica utilizada na época, antes da origem do exame de DNA -, que confirmou a compatibilidade genética e a paternidade de Felipe.

A advogada ressalta que a defesa de

Felipe, e ele próprio, utilizaram argumentos e provas de tendência machista e patriarcal, entre elas um telegrama enviado por Felipe a Nilva no qual ele afirma o desejo de se casar com ela, mas pede um tempo para convencer o pai dele - que é contra por ela não ser de uma família rica. Em outra manifestação, o pai de Felipe responde sugerindo que a jovem realizasse um aborto, e que ele arcaria com todas as despesas. “Mais uma vez, um homem, com alto poder aquisitivo, querendo resolver rapidamente a situação do filho para que ele pudesse seguir a vida e não arcar com a responsabilidade do seu ato”, reflete Bartira. No processo também consta que Felipe se classificou como ‘homem honesto’, disse que Nilva não era virgem quando eles tiveram relações e tentou desqualificá-la moralmente, alegando que ela costumava ficar “no portão da pensão até tarde conversando com vários homens”.

As acusações sobre a conduta e a moral de Nilva não surtiram efeito, pois ela apresentou provas robustas que refutaram todos os argumentos. Felipe foi obrigado judicialmente a reconhecer a paternidade, arcar com todos os custos da gestação e a pagar pensão alimentícia.

ESQUITADAS E MALVISTAS

ODOS PODEM ACESSAR O ACERVO?

O acesso ao acervo de processos não está disponível ao público em geral, nem a pesquisadores individuais sem vínculos institucionais e estudantes dos níveis Fundamental e Médio. A utilização do material é permitida para membros e servidores do Poder Judiciário, professores e pesquisadores do Direito, História e áreas afins ligados a instituições que desenvolvam pesquisa. Também podem consultar os documentos estudantes de graduação ligados oficialmente a linhas ou progra-

mas de pesquisa, como bolsistas de iniciação científica ou outras formas de bolsas ratificadas pelas instituições.

Ainda no âmbito acadêmico, para examinar o acervo o pesquisador e o orientador assinam um termo de compromisso de procedimentos éticos relacionados à utilização do material.

Já os advogados precisam solicitar autorização para a direção do Foro ou o cartório da 1ª Vara Cível de Caxias do Sul. Casos especiais são definidos pelo diretor do Foro da Comarca de Caxias.

O futuro se faz com conhecimento

A Universidade de Caxias do Sul nasceu do espírito de pertencimento à comunidade de seus idealizadores, com o objetivo de transformar sonhos em realidades, de abrir novos horizontes e possibilidades de protagonismo profissional aos jovens formados na Instituição. Por isso, ao longo dos anos, procurou não só expandir sua atuação em novas frentes, mas deu passos para tornar-se uma Universidade inovadora, atenta às mudanças de época, com uma resposta acadêmica que prioriza a pessoa, sem deixar de lado a inovação e a pesquisa.

Uma Universidade aberta a parcerias com instituições de ensino e empresas nacionais e internacionais na busca do desenvolvimento tecnológico; que traz na sua história a realização do sonho do passado, a realidade do presente e a sede de investir, pesquisar e inovar para contribuir cada vez mais na formação de profissionais que sejam protagonistas no desenvolvimento do nosso país e do mundo.

Em 2025, quando celebramos os 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, podemos olhar o passado com gratidão. Relembramos que a força do trabalho dos pioneiros, unida à vida de fé na família e em comunidade, forjou ideais e tornou possível a realização do sonho de uma nova vida também para tantos outros que escolheram começar ou recomeçar um projeto de vida pessoal e familiar no Rio Grande do Sul, ou mais precisamente na Serra Gaúcha.

Tendo presente que a transformação e o desenvolvimento de uma sociedade e de um país passa pela educação de qualidade, a UCS deseja continuar construindo a sua história com espírito de gratidão ao passado, de inovação no presente e um olhar de esperança sobre o futuro.

UCS conectada às demandas da contemporaneidade

No Brasil existem cerca de 2.600 Instituições de Ensino Superior e, entre elas, 205 universidades. Dessas 205, 91 são universidades comunitárias, ou seja, sem fins lucrativos e administradas pela sociedade civil, o que as diferencia das universidades públicas (federais, estaduais e municipais) e das privadas com fins lucrativos. As comunitárias desempenham um papel relevante no desenvolvimento regional, pois reinvestem todo o seu lucro em Pesquisa, Inovação, Ensino e Extensão. É o caso da Universidade de Caxias do Sul, cuja missão é “Promover a formação integral das pessoas, por meio da produção de conhecimento, para o desenvolvimento sustentável”.

Estar conectado às demandas da contemporaneidade não é tarefa fácil. Exige forte planejamento, estrutura tecnológica e dedicação de pessoas para prospectar parcerias, com o objetivo de ampliar o conhecimento, criar novos produtos e solucionar problemas reais. Nesta perspectiva é que impulsionamos centenas de projetos de pesquisa ligados a empresas nacionais e internacionais realizados em nossos laboratórios e junto ao Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação da UCS, em um verdadeiro ecossistema inovador. Por isso tudo, conquistamos a nona posição em Pesquisa entre as universidades comunitárias e privadas do Brasil. Constituímos uma Universidade conectada à inovação que não descuida da excelência no ensino desde a sua origem, em 1967, e que já formou mais de 133 mil profissionais. A todos que fazem parte desta trajetória, professores, alunos e funcionários, de ontem e de hoje, nossa gratidão por termos chegado até aqui: uma das melhores universidades do Brasil.

Dom José Gislon, presidente da Fundação Universidade de Caxias do Sul
Gelson Leonardo Rech, reitor da Universidade de Caxias do Sul

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UCS Revista (Ano 10 - Nº 35 - Outubro/2025) by UCS - Universidade de Caxias do Sul - Issuu