Antologia - Concurso Literário UCS e ACL/RS

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2º Concurso Literário Municipal da Universidade de Caxias do Sul e Academia Caxiense de Letras e 1ª Antologia Virtual de Escritores Caxienses

AS 30 MELHORES CRIAÇÕES

TEMPOS DE REINVENÇÃO

DAS JANELAS (RE)INVENTO O MUNDO


Tempos de Reinvenção das Janelas (re)invento o Mundo. Este foi o tema do Concurso Literário Municipal de Caxias do Sul. Os adolescentes e a comunidade da nossa cidade se inspiraram e criaram seus próprios poemas, contos e crônicas. A leitura e a escrita são compromissos da Escola, mas também da família. Ainda em casa inicia-se a plantar a semente da palavra. Na Escola ela deve continuar sendo cultivada e regada para que possa brotar da maneira mais bonita possível. Para começarmos a escrever, antes de tudo temos que ter o gosto pela leitura. Lendo, desenvolvemos o senso crítico, a criatividade e aprendemos a escrever corretamente. Afinal, ler e escrever são sinônimos de “Ser” livre, de viajar, imaginar e sonhar... Feliz de quem gosta de escrever, porque consegue abrir as janelas de suas emoções. Escrevemos para manifestar sentimentos diversos, para comunicar um fato, afirmar uma tese. Escrevemos quando estamos apaixonados pela vida, para tocar o outro e para dizer ao mundo que existimos. Escrever é um ato prazeroso, individual, livre, em que o escritor vasculha os porões do seu mundo interior para decifrar seus emaranhados segredos. Promover um Concurso Literário é incentivar a linguagem escrita, é provocar o surgimento do Leitor e do Escritor que existem no íntimo de cada indivíduo. As criações nos revelaram os sentimentos do cotidiano expressados pelos participantes, nos fizeram viajar em dias chuvosos e noites enluaradas, sentimo-nos tomados por uma agradável nostalgia e esperança de dias melhores. Nossas saudações literárias a todos os participantes desse Concurso Literário. Parabéns! Um agradecimento especial a Clarissa Scholz Pellin // Assessoria de Comunicação da UCS, pelo empenho // Nosso carinho à comissão de Jurados // Acadêmicos da Academia Caxiense de Letras – RS // Carlos Roberto Posser // Domingas Colombo Giacomin // Maria de Lurdes Rech Pianegonda // Às Doutoras em Letras da Universidade de Caxias do Sul // Cristina Loff Knapp // Suzana Maria Lain Pagot. Um abraço literário! Domingas Colombo Giacomin Coordenadora do 2º Concurso Literário e vice–presidente da Academia Caxiense de Letras. Ano da publicação: 2020

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categoria 1

Poesia

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Júlia Baggio Ferreira Pseudônimo: Dazaica Colégio São Carlos 8º ano do Ensino Fundamental Professora: Taís Pagliarin

Tempos de reinvenção - das janelas (re)invento o mundo. Recomeço, com o vento que passa pela janela O mesmo ar que esfria meu corpo, aquece minha alma Vejo também, a vida mais bela Como de costume, ela é bastante calma. Pelos meus olhos, é isso que eu vejo E tudo parece se encaixar Cada árvore, cada lugar Tudo tão pacato, como um breve bocejo. Mas, a minha alma também observa Talvez até melhor que meus olhos A vida em si, e tudo que ela reserva Como em uma graciosa melodia, tudo se conserva. Meu corpo físico está trancado, como em uma caixa Porém, meu eu de verdade, está mais livre do que nunca Dentro de mim, não existe mais nenhuma rixa Somente a minha companhia, a qual aprendi a gostar. De minha janela, reinvento o mundo Nada é imundo Tudo é como sempre imaginei Sem doença, sem maldade, sem leis Talvez seja melhor assim, pois, afinal, minha mente não se abala por limites Ela não descansa, somente flui, por todo meu corpo, por todo meu ser Me permite estampar quem eu sou, de forma total e natural Ultrapassando toda a minha barreira cultural. Agora, tudo que me resta é imaginar Pôr-me a sonhar, pois quando eu acordar As pessoas não serão iguais Querendo ou não, ver tudo somente pela janela, as cansou demais. 4


Ana Luiza Izoton Tres Pseudônimo: Amarílis Colégio La Salle Caxias 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Roberta Debaco Tomé

Da janela eu vejo a rua Da janela eu vejo a rua

Lidar com responsabilidade

Pessoas vivendo por viver

É uma nova realidade

Aglomeração pura

que mais parece uma tempestade

Ninguém pensava no que

Mas precisamos aprender

podia acontecer

a viver e reconhecer os heróis mascarados na hospitalidade

O ano era 2019 Mas 2020 acabou com tudo:

Séries, filmes, livros…

furacão, vulcão e um mini vírus

Cozinhar para o tempo passar

chamando a atenção do mundo

É difícil não se entediar Mas não adianta desanimar

O início da década é desanimador

Pois sempre tem lados positivos

Acabou com ideias, esperanças, sonhos e finanças

E o verbo é esperançar

O mundo é amador

já que precisamos esperar

quando se trata de protetor

para nos vacinar e voltar ao antes de se readaptar

Milhões de infectados espalhados pelo globo

Ainda assim, quando tudo passar,

Vamos perdendo nossos amados

devemos guardar na memória

e o dinheiro não paga o dobro

toda essa vitória e honrar a história

Mas da janela eu vejo a rua

dos que foram embora

e posso reinventar meu modo de pensar

E da janela eu vejo a rua

Só assim consigo ver

revejo meus pensamentos

o que antes só a lua

Invento e reinvento minha lua

podia perceber

Em casa mesmo, nos momentos

Sem conviver com a amizade

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Victor Andrin Neves Lima Pseudônimo: Andrin Colégio Murialdo 7º ano do Ensino Fundamental Professora: Ivanise Leidens Rossi

E essa pandemia que não passa... E essa pandemia não passa... Passam os dias Passam pessoas Passam notícias E essa pandemia não passa.... Passa-se vontade Os sorrisos passam Passa-se álcool Passa o tempo Passam-se os alunos? Passam-se leis. Passa na TV, no rádio, na Internet e até no feed Passa-se a usar máscaras Passa-se a olhar mais Passa-se a olhar para dentro Amigos não se tocam No rosto também não Mas com um toque de tecnologia Achamos uma solução: Tocando teclado, tela e botão Diminuímos a distância e acalentamos o coração. Se esse vírus não passa, buscamos a reinvenção!

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Luiza Noro Correa Pseudônimo: Bárbara Dentton Colégio La Salle Caxias 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Roberta S. D. Tomé

A vida fora da janela Cai a tarde e a brisa mansa que sopra lá fora Insiste em me convidar para um passeio. E agora... Penso, reflito e decido: não posso ir, tenho que resistir, Porque se eu for, riscos eu vou correr. Como posso sair e sentir a brisa se o perigo ainda existe? Mas como não sou de ficar triste, Sempre encontro uma solução E então meu pensamento voa, atravessa a janela, E corro livre como os pássaros que ouço cantar alegremente. Sinto a brisa no meu rosto E sonho com viagens, com amigas queridas, E também no meu imaginário reinvento a vida. No aconchego da minha casa, danço, estudo, E me preparo para a nova vida que virá após a pandemia. A primavera vai chegar, o sol vai brilhar E eu na brisa comemorar.

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João Gilberto Wolff Gediel Pseudônimo: Giba Colégio La Salle Caxias 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Roberta S. D. Tomé

O sorriso do meu olhar Saio na sacada com olhar distante. O sonho é puro. Tudo parece mudado num instante. Como não ficar inseguro? É como estar atrás do muro E não enxergar a frente. É como não ver no escuro A dúvida a gente sente! Uma ideia, uma ação, um sentimento! Uma ideia: reinvenção! Uma ação: movimento! Sentimento: compaixão! O olhar vai ficando diferente Muitas tem sido as descobertas. Redesenhamos as relações, subitamente. Cadê aquelas respostas certas? Fomos apresentados para o distanciamento Para a rotina de acenar para a tela. Mas ficamos sempre juntos em pensamento E o importante, a vida, ainda acredito nela. Para o novo ficar ligado, dar atenção. A máscara não tirou o sorriso do meu olhar! É colocar as vestes da reinvenção E abraçar o mundo que chegou e vai ficar. Então que venha o novo, a mudança! Nós de mão com a vida, vamos seguir! A jornada, a caminhada, a andança... Resilientes e reinventados: o amanhã pode vir! 8


João Pedro Tizatto Pseudônimo: Marca Texto Colégio La Salle Caxias 8º ano do Ensino Fundamental Professora: Nilceia Kremer

Nas janelas Janelas, eram apenas janelas mas agora Agora viraram olhos, eu olhando por hora Vendo o sol de Aurora Quem diria, quem pensaria nesse tipo de mundo Com seres humanos tão impuros Se protegendo com muros Mas não fugiremos Mesmo das janelas pelo mundo lutaremos Que tudo passe queremos Agora apenas oremos Pelas frestas da janela entra os raios de sol Eu olhando através dos vidros imagino a praia do farol E minha mente vai em prol O mundo aprendeu a trocar aviões por janelas Viajar apenas pelas telas Ou imaginando apenas Do alto da minha janela Eu observo igual sentinela Vejo ele e ela Minha janela aberta Minha imaginação esperta Querendo sair para descobertas De dentro da minha casa Vontade ter asas Porém observo o caos e logo passa

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Arthur Camassola Brocheto Pseudônimo: Fênix Colégio Murialdo 7º ano do Ensino Fundamental Professora: Ivanise Leidens Rossi

Mudança Olhando pela janela Vejo um futuro incerto Um mundo parado Mas vejo muito além de tudo isso Olhando pela minha janela, Vejo a oportunidade Oportunidade de se reinventar E pensar diferente, Do ser humano aprender de uma vez a ser gente Ser gente de verdade, Sem toda essa falsidade, Sem toda essa desigualdade Em nossa forma de viver E esse futuro que vem Nos diz para pensar direito, urgente Pois com pensamento coerente, Com o convívio entre a gente Pouco a pouco o mundo vai melhorando Reinvenção necessária Que possibilita às pessoas Seguirem de cabeça erguida Mas caminhando diferente Percebendo que nesta sociedade, O “ser” precisa de espaço Espaço para viver e sonhar, Para nos corações O amor habitar E palavras de esperança espalhar 10


Giordana Citton Pseudônimo: Quarentenado(a) Colégio São Carlos 8º ano do Ensino Fundamental Professora: Taís Pagliarin

Tempos de reinvenção - das janelas (re)invento o mundo Uma doença, antes desconhecida;

Depois de meses em pandemia;

Agora, é o símbolo da atualidade.

Tiro como lição;

Uma pandemia?

A importância de sairmos;

Nem imaginávamos!

Vermos as pessoas que amamos;

Quarentena com mais de quarenta dias?

Fazermos o que gostamos.

Quem me dera…

Agora, devemos ter olhos diferentes;

Acontece, que viver esse novo normal;

À vida e, em especial, à liberdade;

Não é para qualquer um.

Que hoje, está restrita.

Deixar de ter uma vida presencial;

Através das janelas do quarto;

A ter uma virtual;

Vejo um mundo a ser descoberto;

Foi uma mudança drástica.

Ou talvez;

Passar a ver todos do nosso convívio;

Redescoberto.

Somente pela tela dos aparelhos;

O mundo que hoje está diferente;

Nos fez nos reinventarmos.

Um dia voltará ao normal.

Não ao novo;

A liberdade que tínhamos;

Mas sim;

Não era valorizada.

Ao antigo;

Sair de casa;

NORMAL.

Nunca foi um desejo tão grande; Mas agora é.

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Andrew Willian Wilmsen Pseudônimo: A.W.W Colégio La Salle Caxias 8º ano do Ensino Fundamental Professora: Nilcéia Kremer

Através da minha janela Através da minha janela, vejo um mundo cheio de incertezas. Um mundo se reinventando, confiando que dias melhores estão chegando. Vejo a natureza, plantas que nascem e morrem, flores que enfeitam os jardins. Vejo um céu azul como o mar, e o sol que brilha tão forte a nos cegar. Um novo tempo. Isolamento, olhares distantes, pessoas mascaradas, o medo à flor da pele, mas apesar do momento, que estamos vivendo, não podemos parar. A vida segue, segue seu rumo, com esperança e confiança que tudo irá mudar.

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Martina Debaco Tomé Pseudônimo: Bem-te-vi Colégio La Salle Caxias 8º ano do Ensino Fundamental Professora: Nilcéia Kremer

E as cortinas foram abertas Tempos de devaneio: Abro as cortinas da alma Exploro a vista que há em mim Aperto os olhos Sem permitir que a chuva dessas duas nuvens castanhas Caia Quem me dera poder sair! Sair do quarto, sair da casa Sair da cidade, sair do país Sair de mim E criar asas para voar Deixando a janela entreaberta balançar com o vento Sentindo falta de minha comum e lastimável companhia Mas, enquanto não fujo, Enquanto continuo no mesmo quarto, na mesma casa Na mesma cidade, no mesmo país, Tentando ser sincera e convincente comigo mesma, como se, Fingir normalidade fosse algo normal, Vou mandar-lhe abraços por pombo correio E esperar que um dia Seja eu quem voe da janela para ir abraçar-te

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Bernardo Forini Pseudônimo: Bernardo Forini Colégio La Salle Caxias 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Roberta Spadari Debaco Tomé

Isolamento na vertical Do isolamento do meu quarto

Porque isso é o meu normal

eu vejo a vida passar

É a minha vida

em meio a pandemia

Por mais que as vezes seja uma droga

a vida segue seu rumo

Eu tinha o controle

saúde é o que importa

Eu era livre

cuidando uns dos outros

Eu vivia

para se equilibrar

Passar a tarde inteira assistindo séries

emocionalmente

Comendo chocolate

para não surtar.

E se enchendo de salgadinhos e refrigerantes Era tudo que eu pedia anteriormente

Os dias vão passando

Um descanso

E a vida se acostumando

Eu sempre reclamei da minha vida

Com um novo normal

E agora que podia fazer o que eu queria

Mas não quero um novo normal

Eu estou instável e desequilibrado.

Quero meu dia a dia de novo Quero ir para a escola

Mas por que?

E reclamar sussurrando da professora

Por que eu não estava feliz?

Para um colega ao lado

A resposta...é simples

Almoçar na casa da minha vó

Nós necessitamos sentir

E jogar basquete

Sentir ar e aromas

Até ficar todo suado

Sentir emoções

Quero chegar em casa à noite

Raiva, tristeza, dor

E dizer como o meu dia foi um porre.

Felicidade, cansaço E amor Trancado dentro de casa É muito difícil entender o que sentimos As vezes sinto Como se eu estivesse dentro de uma fantasia Dentro de um labirinto De pensamentos sem fim.

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Sabrin Candido Pseudônimo: H. Masser Colégio La Salle Caxias 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Roberta Spadari Debaco Tomé

Janelas não são barreiras Da brisa quente que entra pelas janelas Em uma noite estrelada de verão Da corrente gélida que invade as janelas Em uma noite fria de inverno Às estrelas, mais fiéis companheiras de uma noite de solidão Que desde os tempos remotos são observadas Pelos destemidos Vikings Que às observavam durante tempestades em alto mar Contrastando com a serenidade do céu Pelas pequenas janelas de seus navios Pelos judeus escravizados Trabalhando arduamente do alvorecer ao crepúsculo Pelas janelas de suas humildes cabanas Pelos heróis que lutam bravamente Contra um inimigo desconhecido Das janelas dos hospitais Àqueles que se falam através das janelas Àqueles que trabalham através das janelas Àqueles que ajudam através das janelas Porque as janelas as quais me refiro não são mais apenas concretas Olhamos, sonhamos e desejamos através delas Porque um dia houve esperança apesar delas Porque alguém ousou se reinventar por meio delas Que olhemos as estrelas Que elas nos escutem E que sonhemos com tempos de águas calmas Nos quais as janelas serão somente as corpóreas

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Martina Onzi Biasoli Pseudônimo: Marli Tinazi Colégio São Carlos 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Camila Fátima Cavion

Um “re” na frente Reinventar, ah que palavra bonita, tão elegante e infinita... Da primeira vez tu inventa, e se não der certo, não esquenta! Coloca um “re” na frente, e peleja novamente. Navega o necessário, mesmo que num invento arbitrário. Inventa de outro jeito, forma outro conceito: Usa o teu olhar profundo, e brinca com o mundo!

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Kauã Dall’Agnol Bristot Pseudônimo: Bristtot Colégio La Salle Caxias 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Roberta Spadari Debaco Tomé

Da minha janela o mundo posso mudar Em meio a esse momento, É possível sonhar Que um dia o mundo irá mudar. Penso da minha janela Que o mundo posso reinventar. Uma pandemia não é o fim, Para uma espécie que passou por guerras. Penso num mundo sem ódio, Que enfim todos possam se amar. Mas para isso se realizar Não sou só eu que tenho que mudar, Todos têm que se ajudar Para o mundo reinventar. Penso da minha janela Quanto tempo ainda vamos nos odiar, Sendo que podemos nos amar Aos meus olhos o mundo ainda pode mudar. Ninguém é perfeito, Mas todos podemos melhorar. Da minha janela vejo um mundo sem cor, Com ódio e rancor. Da minha janela sonho, Que o mundo irá mudar. Todos iremos amar E juntos lutar.

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Domênica Mangoni Pseudônimo: She Colégio São Carlos 7º ano do Ensino Fundamental Professora: Camila Fátima Cavion

Das janelas Só lembro do medo que tinha De pensar que em um dia Tudo isso aconteceria Das janelas eu vi o tempo passar O trânsito diminuir As lojas à fechar E a presença das pessoas sumir Mas agora tudo está normal, não é mesmo? Lojas e shoppings reabriram Pessoas de casa estão saindo Alguns vão até viajar E o senso estou tentando achar Das janelas estou vendo o nosso Pantanal queimar Pessoas e animais à morrer A fome e os preços à crescer E ele sem nenhuma atitude ter

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Elis dos Reis de Jong Pseudônimo: Sile Colégio La Salle Caxias 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Roberta Spadari Debaco Tomé

Estranho É muito estranho pensar que tudo mudou. Estamos presos. Nossa casa que era paz e conforto, Hoje esconde nossos tormentos. Nossos surtos. Não há como voltar Porque não tem como sair. O simples de toque de olhar, A intimidade do quase tocar, Nunca foram tão reais. Antigamente, as máscaras eram apenas uma metáfora As prisões eram apenas as da alma Agora, nunca foram tão reais. Quando olhar é o que nos resta, Devemos sempre observar. Quando o mundo nos aprisiona, Devemos sempre nos libertar, Nos permitir. Quando não podemos abrir as portas, Devemos encontrar uma janela. Quando não há como voltar, Devemos sempre reinventar. É muito estranho pensar que tudo mudou, O que não é estranho é perceber que todos mudaram.

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Nicole Pulsz Pinto Pseudônimo: Jade Escola Jesus Bom Pastor 9º ano do Ensino Fundamental Professora: Indiana Fochesatto

Juntos, porém, separados Nunca houve maior proximidade, Nunca houve maior solidão, Nunca houve maior promiscuidade, Nunca houve maior escuridão. Nunca se acabam as pesquisas, Nunca se acabam as dúvidas, Nunca se acabam as notícias, Nunca se acabam as mortes consecutivas. Incapazes de reverter a situação, Incapazes de manter a sanidade. Nesse mundo infeliz, que é incapaz de igualar a equação, E por fim, somos reduzidos à adequação.

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categoria 2

Contos

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Gisele Troian Guerra Pseudônimo: Jeté Colégio La Salle Caxias 3º ano do Ensino Médio Professora: Raissa Ness

A arte de me reinventar Durante o ano novo, muitas promessas e pedidos são feitos pelas pessoas que desejam alcançar um objetivo, realizar um sonho, buscar a felicidade... Esse não seria diferente, todos nós tínhamos propósitos. Eu também tinha, uma jovem de 17 anos que ama dança, arte e cultura. Era março de 2020 e as aulas já tinham começado a mais de um mês, a empolgação ainda tomava conta de nossos corpos. Minha turma teria um ano especial pela frente, com muitas comemorações e celebrações. Porém, certo dia, recebemos a notícia de que a escola fecharia por uma semana devido a pandemia que tomava conta do mundo. Tudo bem, era só uma semana, não me preocupei. Eu e meus amigos nos víamos pela última vez naquele dia. Após ouvir afirmações como “é só uma semaninha...vai dar tudo certo”, comecei a ouvir “é só um mês...vai dar tudo certo”, e isso só piorou. Infelizmente, perdemos o controle da situação e estávamos “quarentenados” a muito tempo. O tempo passava e eu começava a me perguntar que nem Chico Buarque em Roda Viva: “A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu?”, pelo simples fato de ver a situação agravando e as pessoas não se conscientizando, mostrando que nós estávamos estancados. A minha rotina iniciava-se cedo na minha casa, no meu quarto. Como sempre, tarefas intermináveis da escola me acompanhavam todos os dias. Primeiro eu fazia as de exatas, as quais tenho mais dificuldade, para depois partir para as de humanas. Sou uma pessoa extremamente preocupada, às vezes chega a ser irritante. Será que minhas colegas do trabalho da escola terminaram a parte delas? Era uma atividade tão fácil, vou conversar com elas… Ai meu Deus, o que faço? E assim, constantemente, sucedia-se minha vida. Tentava viver um dia de cada vez para não surtar em um futuro próximo. Porém, estar trancada em casa não é fácil, e os sintomas disso começavam a se manifestar em meu corpo e mente. Noites mal dormidas, ansiedade em excesso e crises de choro intermináveis caracterizavam a situação. Além disso, problemas pessoais misturavam-se com os do mundo caótico. 22


Apesar de sempre manter contato com minha família, amigos e até professores muito queridos que bastava uma conversa e tudo se resolvia internamente, a tristeza tomava conta de mim, já não era mais a mesma pessoa do início do ano. Mas, afinal, quem eu era? Esta crise existencial só eu podia resolver. Era necessário reconectar-me novamente comigo mesma de forma inédita. Conforme os dias passavam, me conscientizava cada vez mais de que eu precisava reinventar o mundo, mas não qualquer um, meu mundo interno. A arte tornou-se minha aliada naquele momento. A dança, particularmente, era a minha salvação. Nunca dancei tanto quanto no meio de uma pandemia, era inacreditável como evolui tanto em tão pouco tempo. Quando ligo o computador para encontrar minhas colegas e professoras, tenho o pressentimento que será uma aula especial, a qual falaremos sobre Martha Graham, Rudolf Laban e Pina Bausch, gigantes da dança moderna. Consequentemente, comecei a me interessar por novas leituras, posicionamentos críticos a condição atual e entender coisas que não tinha maturidade para absorver no passado. Sabia em quem podia confiar e o que achava certo ou errado no mundo. Se reinventar é isso, olhar pela janela do meu quarto e, mesmo assim, ter a capacidade de explorar minhas potencialidades e botá-las em prática. Acredito fortemente que, por hora, descobri quem sou. Posso dizer positivamente que não sou a mesma pessoa de março de 2020, pois estou contente com quem me tornei. Ainda assim, sei que vou passar por muitos momentos como esse, estando em casa ou não. Mas como já dizia Chico em Apesar de Você: “Amanhã há de ser outro dia.” Sendo assim, irei viver o hoje.

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Giovana Guerra da Silva Pseudônimo: Giovana Guerra Colégio La Salle Caxias 2º ano do Ensino Médio Professora: Marise Haidée Espíndola Susin

Tempos de reinvenção - das janelas (re)invento o mundo Ágatha, sentada em seu sofá barato e rasgado em alguns pontos, considerava impossível enxergar além de suas janelas. A paisagem recheada de prédios a fazia parar para admirar as diferentes misturas de cores que o céu apresentava cada vez que tinha oportunidade de passar pela sala, mas agora lhe causavam tédio. Todos os dias pareciam exatamente iguais. Dentro dela, a presença de muitos sentimentos conflitantes, fortes ou fracos demais, mas raramente estabilizados. Uma dessas desestabilizações gerou algumas brigas por chamadas de vídeo e a primeira consequência notável de sua quarentena foi o término de um namoro de anos com um rapaz chamado Guilherme, pois a tal da introspecção a fez questionar se havia de fato se apaixonado por ele ou pelo efeito prazeroso que ele lhe causava. Outra dessas desestabilizações emocionais fizeram com que ela quebrasse a cara por esperar demais de alguns amigos os quais pensava que estariam sempre ali, ao passo que a presentearam com pessoas inesperadas, que a preencheram com o carinho e a sinceridade de que precisava. Parecia que o universo estava fazendo uma verdadeira limpa em seu círculo social, o que era difícil demais de ser compreendido naquele momento. Tudo isso, pois lá em meados de fevereiro ou março, os rumores de que uma nova doença estava se espalhando pelo Hemisfério Norte chegou aos ouvidos de Ágatha (e de todas as pessoas que possuíam TV, internet ou só apreço pela cultura da fofoca). De súbito, ela se viu recebendo ordens diárias de pessoas que nunca havia visto na vida – ordens essas que transformaram o seu pequeno apartamento na torre deprimente da Rapunzel, e suas compras do mercado em uma ameaça, caso não passasse álcool até em seus cabelos ao chegar da rua. Cada vez que pegava o celular na mão, o número de vidas ceifadas aumentando exageradamente tocava seus olhos e rasgava seu coração. Nas redes sociais, pessoas metidas a médicos, cartomantes, infectologistas e médiuns a fizeram se autodiagnosticar como ansiosa – ou louca. Um dia, depois de passar horas segurando uma xícara de chá já fria, olhando vagamente para as paredes bege, Ágatha lembrou com amor no peito do valor imenso que atribuía à vida antes dos caminhos que a trouxeram até aquela segunda-feira de serração. Quis fazer muito e quis fazer diferente. Aproveitou aquela chama crescente de serotonina que 24


queria lhe percorrer as veias e se levantou de uma vez. Quis viver. Naquela segunda de serração, dançou nua pela casa, pintou o rosto inteiro com as sombras coloridas que já não eram mais tão úteis em um mundo sem festa alguma, experimentou pela primeira vez uma meditação guiada e depois escutou, no último volume, uma daquelas bandas de rock que a mãe dela sempre dizia “ser do capeta”. Ela nunca vai conseguir entender como foi capaz de criar uma atmosfera de tanta liberdade em tempos de tanta retração. Apenas mais uma intenção remanescia para aquela tarde: tomar um banho de chuva. Ágatha não fazia isso desde a infância e, ironicamente, sempre imaginou que, quando finalmente o fizesse de novo, estaria ao lado do amor da sua vida, como nos filmes mesmo. Agora, com seus dezoito anos, estava com a chance nas mãos, porém nunca havia desejado tanto viver um momento completamente sozinha. Ela se vestiu e desceu correndo as escadas do prédio. Quando finalmente atravessou a rampa final e girou as chaves da porta de ferro, sentiu como se o vento forte tivesse soprado sua felicidade para longe. Um cenário completamente diferente do que ela estava acostumada fez com que sua ficha finalmente caísse sobre o que estava acontecendo no mundo. O silêncio que a ausência de indivíduos, de suas risadas, de seus gritos, de seus abraços, de seus beijos e de suas roupas que refletiam pouco ou muito de sua personalidade, era ensurdecedor. Não havia nem mesmo a presença de veículos rodando, não havia nada que pudesse fazer com que se sentisse menos solitária naquele momento. Ao fechar a pesada porta e dar as costas para aquela atmosfera apocalíptica que ela julgava só existir em séries, Ágatha subiu as escadas tentando se consolar. Não estava sozinha, é claro, teria o pai, a mãe, a irmã e os amigos mais próximos... Através de uma tela de vidro fria e inanimada. Ao girar novamente as chaves do apartamento 34, percebeu que aquele universo pessoal que havia criado – aquele onde dançou nua, pintou o rosto, meditou e ouviu rock pesado – seria tudo o que teria por muitos e muitos meses e que o único contato que teria com a antiga realidade dependeria de suas memórias. Voltou a sentar no sofá surrado e pegou a xícara fria nas mãos. Assim que seu olhar se perdeu como antes, concluiu que o único jeito de ser capaz de reinventar o mundo, seria aceitando de uma vez que a loucura viria a ser sua nova sanidade. 25


Bruna Locatelli Pseudônimo: Urano Colégio São Carlos 1º ano do Ensino Médio Professora: Camila Fátima Cavion

Um simples sopro do vento pode mudar tudo Em Caxias do Sul, numa noite de cerração, em um dia que não me lembro ao certo, a hora era 17:18 da tarde, uma menina, a qual não era muito conhecida, observava o mundo de sua janela. Todos os dias ela realizava essa prática com o intuito do tempo passar mais rápido, já que, devido a uma pandemia, era impedida de sair de casa, e por isso se contentava em observar tudo de longe, sempre atenta aos mínimos detalhes, tentando se conectar com ela mesma, buscando algum tipo de entretenimento em meio a um mundo parado. Buscava respostas para suas perguntas filosóficas e idiotas através do sopro do vento em seu rosto, era seu único compromisso, seu único propósito, sua forma de tentar ter esperança em meio àquela situação que parecia ser eterna ... mas seus pensamentos mudaram completamente naquele fim de tarde, e dúvidas que ela jamais havia pensado surgiram, sentimentos de dor e revolta invadiram seu corpo, o peso da insuficiência bateu em sua vida... Naquele dia, sob o início de uma chuva, em meio a um singelo e tímido pôr do sol, escondido atrás de todo o nevoeiro, mais ou menos às 17:17 da tarde, ela se recordou de um momento vivido no verão passado, quando ela correu pela praia sozinha, em meio as estrelas, com os pés descalços, cabelos soltos e uma roupa que valorizava sua autoestima, sentindo apenas a brisa do mar, uma liberdade sem igual e a sensação de estar completa por ela mesma… Após essa lembrança, a primeira lágrima escorreu pelo seu rosto, a indignação por não saber quando poderia viver aquilo de novo invadiu seus pensamentos, ela ficou com raiva por não ter mais o controle que achava que tinha sobre o que acontecia em sua própria vida, com a hipocrisia do mundo perante ao ideal do que manda e do que obedece, com a ideia de que sempre buscamos a perfeição de alguma forma, como se não fosse normal passar por fases difíceis na vida… naqueles segundos em silêncio e com todos aquelas dúvidas dentro dela, foi como se o tempo tivesse parado.

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Eram 18:03, o escuro tomou conta da cidade, a menina permanecia calada após viajar em suas próprias ideias e se deparar em vários caminhos que não a levaram a nenhuma conclusão exata, Voltou a refletir e dessa vez pensou no quanto ela tinha sorte de estar segura com sua família em casa, e que apesar de não estar sendo produtiva, ainda podia mudar o mundo de alguma forma tentando se reinventar pelas limitações do contato com a vida fora de sua casa. Refletiu melhor e chegou à conclusão de que para a situação melhorar, ela precisava mudar sua visão sobre ela, buscando mais positividade e levando consigo a gratidão pela vida, independente de sua fase, e apesar de ser clichê, lembrou que tudo passa, e como diz Capital Inicial “para que sofrer se nada é para sempre ?”, a vida é um sopro, um milésimo de segundo, uma chance que temos de sermos a melhor versão de nós mesmos, e assim como a menina desta história, assim como eu mesma, assim como você… temos a necessidade de saber os nossos próprios limites e enfrentá-los dia a dia, afinal somos os escritores de nossas próprias histórias em que o destino apenas indica o ponto final, o resto está em nossas mãos.

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Brenda Bressanelli Marcon Pseudônimo: Brenda B. Marcon Colégio La Salle Caxias 2º ano do Ensino Médio Professora: Marise Haidée Espíndola Susin

O con(fron)to de Alice Em meio a todas as frustrações que sente neste atual período pandêmico (desavenças familiares, desorganização da casa, desocupação por conta do tédio, desabafos com as paredes sobre o estresse acumulado e muitos outros des), Alice descobriu um pequeno prazer cotidiano. Todos os dias, às 15h, o cachorro da garota, Fredd, desperta de sua quietude habitual – com uma pontualidade impressionante – e inicia um choro sofrido, com gritos agudos arranhando a garganta, porque sente que precisa dar uma voltinha. Se o Yorkshire pudesse falar, certamente soltaria algo do tipo “qual é, Alice, não vai me tirar desta casa nunca? Tá na hora, vamos, prende a coleira em mim, vamos, vamos!” A jovem, então, veste uma máscara azul e recolhe os lixos que precisa levar para fora. O animal saltita pela casa, impaciente. Por volta de 40 segundos depois, ambos estão embaixo do sol (por vezes inclemente e solitário no céu de Caxias do Sul), iniciando a caminhada diária pelo bairro. Geralmente, Alice está tão feliz quanto o cachorrinho – não exclusivamente porque ela o ama e sente prazer em satisfazer suas necessidades, mas também porque as ruas que eles percorrem os levam em direção a uma árvore verde e esbelta, que fica ao lado de um prédio bege compacto de quatro andares. Assim, enquanto Fredd esvazia a bexiga miúda no tronco da grande árvore, Alice gosta de observar, com interesse, o ambiente ao seu redor. Foi essa curiosidade, há um mês, que levou os olhos da garota a repousarem sobre a sacada mais encantadora que já havia visto. Os pássaros cantando, as amoras levadas ao chão pelo vento, as folhinhas de laranjeira que ela eventualmente roubava para fazer chá à noite; tudo isso a rodeava enquanto seus olhos semicerrados procuravam analisar melhor cada detalhe daquele ambiente desconhecido. Ficava em um apartamento do primeiro andar, separado de Alice apenas pela grade de ferro marrom que cercava o edifício. O diferencial daquela sacada? Fácil, era o que mais chamava a atenção da menina: não havia varal e roupas ao vento, como em todas as outras. Aquela sacada tinha sido fechada com panos de vidro temperado, e ali era visível uma escrivaninha cor de madeira, um laptop preto, uma cadeira simples e, rente à parede, uma estante verde-água recheada de livros. Além disso, uma quantidade incrivelmente confortante de sol entrava no recinto.

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O leitor já constatou, no começo do texto, que esse é um ano difícil para Alice. A menina nunca teve um lugar destinado para estudos em casa, então sempre fez todas tarefas na mesa da cozinha. Agora, com o ensino a distância, isso se torna um empecilho porque esse cômodo é barulhento (ela pode estudar na cama do quarto, mas a mãe alega que ela fica “toda torta”. É verdade, suas costas doem). Então, penso que você não está surpreso com a magia exercida sobre nossa personagem pelo pequeno escritório bem decorado e cheio de sol. É que, naqueles momentos em que parava para contemplá-lo, ele representava tudo o que ela não tinha. Mesmo assim, era bom poder observar.

Numa dessas tardes, Alice foi pega encarando. Uma mulher de cabelos

castanhos encaracolados, usando óculos redondos de armação fina, estava trabalhando no notebook (o que não deu para notar de primeira, devido ao reflexo do sol no vidro). Quando a jovem percebeu que fora flagrada examinando o ambiente, suas bochechas ficaram levemente vermelhas e a vergonha arrepiou seu corpo. Ela agarrou firme a guia do cachorro.

A desconhecida abriu o vidro.

– Oi! – ela exclamou. – Tudo bem?

– Oie. Tudo, sim. Eu estava olhando aí pra dentro, na verdade – respondeu, com

uma risada tímida. – Muito legal sua ideia de fechar esta parte de fora. Diferente. – Alice sinalizou para o resto das sacadas do prédio, provando seu argumento.

– É verdade – assentiu a mulher – foi ideia do meu marido. Aqui é bom, porque

pega bastante luz natural. – A tensão do corpo de Alice se esvaiu. A moradora do apartamento, e dona do escritório, parecia ser legal. – Que fofo seu amiguinho.

– Obrigada, o nome dele é Fredd. Eu sou a Alice – ela se apresentou. – Achei

tudo tão lindo. Desculpa se foi meio assustador pra você, tipo... eu encarando. É que a estante verde-água tá um amor. 29


– Que nada, Alice! Pode olhar à vontade. Montei tudo este ano, tivemos que

reinventar. Com as mudanças no formato de trabalho, sabe, agora eu faço tudo de casa. Era difícil, porque eu não tinha um lugar específico pra isso. Agora que fechamos esta parte, consigo participar das minhas reuniões enquanto tomo sol – ela riu. ¬– Quem imaginaria, né?!

– Pois é. – Alice ficou feliz pela desconhecida, mas ainda se sentia intimidada.

Por que aquela mulher se virou tão bem? Conseguiu um lugarzinho para o trabalho remoto, e ainda tinha ficado lindo, algo diferenciado do resto do prédio.

– Sabe, eu costumo ver daqui de cima você passando com seu cachorrinho. Fico

feliz que você goste tanto do que eu montei. É simples, mas fiz com carinho.

– Ah, sério? – a jovem foi pega de surpresa. A dona da escrivaninha, do laptop

e da estante sabia que ela passava ali, e provavelmente tinha conhecimento de suas observações rotineiras. ¬– Eu gosto de olhar, é que não tenho algo do tipo na minha casa. O que você fez aqui ficou muito legal.

– Obrigada.

O conforto que Alice sentia ao apreciar o local imaculado fora interrompido.

Talvez o que a atingiu foi a súbita noção de uma vitória: alguém havia conseguido superar as adversidades que a pandemia trouxera, alguém desfrutava daquele cantinho, alguém havia se reinventado completamente. Agora, uma pontada de inveja espalhouse por seu corpo, e ela não pôde deixar de comentar, sorrindo:

– Então você contornou as situações complicadas, né? É o que parece. Tá tudo

tão perfeito do lado daí!

– Perfeito? Aqui?

– Isso.

– Quem me dera, menina. Eu tô sem lugar pra estender as roupas.

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Manoela Brandalise Araldi Pseudônimo: Roberto Colégio La Salle Caxias 3º ano do Ensino Médio Professora: Raissa Ness

O dia em que o sol adoeceu E de repente, tudo parou. Da noite para o dia, um simples abraço virou sinônimo de medo; um aperto de mão, falta de educação. É, e de lá para cá, nossos pensamentos e valores, de lagartas, transformaram-se em borboletas. Certo dia, estava na sala, quando ouvi os cachorros latirem. Fui olhar. Para minha surpresa,- e deles também- eram pessoas caminhando em frente a nossa casa de máscaras. Realmente, isso é assustador e muito suspeito. Já não ia mais para a escola faziam dois dias. Infelizmente, minha imunidade havia sido golpeada. Chegou terça-feira, já estava começando a melhorar, até que veio a notícia mais inesperada: sem aulas nem saídas por tempo indeterminado. De fato, por essa nem mesmo eu esperava. Antes, não ir à escola era motivo até de uma certa comemoração e alegria, algumas vezes. Porém, algo muito grave deveria ter acontecido para isso ocorrer. Pelo menos, era o que eu imaginava. Só que não tinha ideia das dimensões e proporções que isso acabaria tomando forma. A TV, juntamente com minha mãe, finalmente me deixaram cientes de toda essa situação, até então confusa. Claramente, isso era uma catástrofe sem precedentes. As saídas de domingo que tanto gostava e que eram tão imprescindíveis, estavam proibidas. Pronto. E depois diziam que o fim do mundo seria no ano de 2012. Nem sabiam que 2020 poderia entrar na lista de possibilidades- e, até mesmo, no podium. É, até ontem o H1N1 assustava a todos. Mas, chegou um vírus, chamado coronavírus,ou para os mais íntimos, COVID-19- vindo da China, que acabou deixando até ele sem reação ou foco. Da noite para o dia, tudo mudou. Uma cidade, um mundo, antes dominados por carros, congestionamentos, pessoas apressadas, barulho, aglomeração, agora eram um deserto. Só os ‘corajosos’ conseguiam sair de casa- que não eram muitos, por sinal. A quarentena resolveu bater à porta de todos, e ficou tomando chá por quase um mês. 31


Ninguém aguentava mais. A loucura e a raiva estavam tomando conta- não esquecer da ansiedade. Sair de casa era como sair de um forno de pão: dentro era tão quentinho, tão agradável; mas, fora parecia de uma frieza inimaginável, um pesadelo. Ficar dentro da bolha era mais seguro. Até que, em um certo dia, por erro- ou não- a bolha estourou. Foi quando, finalmente, sai de casa. Fui ao mercado, o que parecia uma aventura, como ir viajar a um lugar muito aguardado. Chegar a esse estado não foi fácil. Para isso, quase um quilo de coragem teve que ser adicionada à insegurança e ao medo, até que ambos se diluíssem e uma mistura homogênea de confiança ficasse pronta, no ponto certo. Nunca pensei que um lugar, antes tão frívolo, pudesse se tornar quase como um passeio na casa da vó, com diversos doces em cima da mesa e um gostinho de infância; tempos que pareciam tão distantes, mas estavam tão próximos. Dizem que damos valor ao que temos só quando perdemos. É. Isso me faz refletir cada dia mais que essa ‘afirmação’, esse ditado popular, fosse tão verdadeiro e cheio de significado. Nossas vivências não só determinam o que somos hoje, mas o que seremos um dia. Apesar de todos os desafios e dificuldades, quase que uma tempestade no oceano, um dia, por fim, as águas se acalmam e a bandeira, finalmente, torna-se verde. Mas tudo isso só tornou-se possível pela paciência, pelo isolamento, pela reflexão. Quem diria que um dia os animais do zoológico seríamos nós olhando pelas janelas de nossas ‘jaulas’? Será que o que vivíamos antes era de fato ‘normal’?

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Gabriela Lain Bonamigo Pseudônimo: Gabi Colégio São Carlos 1º ano do Ensino Médio Professora: Camila Fátima Cavion

Mentes que se abrem E lá estava eu em mais um dia normal da minha vida, recebendo os alimentos e nadando na minha piscina particular quando de repente uma janela se abre... tudo começou quando meus pais decidiram receber uma criança como benção. Durante uma viagem, pediram a iluminação de Deus para que eu aparecesse no ventre de minha mãe e assim se fez. Os meses foram passando e eu aproveitando toda aquela mordomia até que um dia, como disse no começo, tudo mudou. Passaram-se exatamente 9 meses e uma espécie de passagem secreta que eu nunca tinha visto antes se abriu para que eu entrasse em um novo mundo. Nessa nova etapa de minha vida, várias coisas me foram ensinadas como utilizar minhas perninhas curtas para locomoção ou que eu poderia usar a linguagem tanto para cantar como para falar. O tempo foi passando e já era hora de entrar na escola. Uma nova fase se formou e faltava tão pouco para alcançá-la... Nesse local chamado escola, durante o ensino fundamental fui adquirindo muito conhecimento sobre números, linguagens, cultura, entre muitas outras coisas maravilhosas e tudo isso para me preparar a outra fase mais curta, chamada ensino médio... Certo dia vi-me presa em uma sala grande, muito escura, sem portas ou janelas e apenas com uma pequena frecha em um lugar do qual não sabia onde saindo um finíssimo raio de luz. Percebi que em meu rosto se encontrava algo que tapava toda minha face, cobrindo nariz e boca e deixando livre somente meus olhos. Em minhas mãos, uma espécie de líquido transparente muito gosmento que ao espalhar na pele diminuía essa estranha consistência. O mais engraçado era que havia pessoas por perto, porém não reconhecia nenhum rosto. Elas pareciam não estranhar o que estava acontecendo, diferente de mim totalmente confusa e curiosa. Decidi observar para ver se encontrava algo que me explicasse onde eu estava e segui em uma direção, naquela da pequena frecha de onde vinha a luz. Senti medo, mas também senti uma brisa suave, um calorzinho aconchegante o que me tranquilizou. Caminhei mais rápido para ver da onde vinha isso tudo que era algo tão desconhecido e inesperadamente uma luz muito forte chegou aos meus olhos. Por alguns segundos, achei que tivesse ficado cega, mas minha visão foi voltando aos poucos. Fiquei maravilhada com o que havia logo em minha frente. Era uma grama muito verde, bem cuidada com árvores frutíferas carregadas de maçãs e peras e um rio totalmente cristalino com água pura. Um verdadeiro paraíso! Voltei ao lugar de onde vim para chamar aquelas pessoas, porém nenhuma acreditou em mim, julgaram-me louca. Fiquei chateada, mas segui meu caminho. Tirei aquele tecido estranho do meu rosto e lavei minhas mãos que estavam com aquela gosma. Senti um alívio e pensei “ah como é bom respirar esse ar puro”. 33


Fui seguindo o curso do lago e percebi algo estranho acima de mim, quer dizer, muito acima de mim, nas nuvens. Era uma forma de um cavalo! Um cavalo perfeito, tão perfeito que eu jamais tinha visto. Ao lado do cavalo, tinha uma bela árvore e inclusive, uma forma humana, parecia uma Deusa, tamanha a perfeição. Segui minha viagem ao longo do rio e visualizei fogo e fumaça sem fim... Que tragédia. Tantas árvores queimadas, tantos animais mortos e outros que perderam suas humildes casas... Fiquei totalmente sem reação, parecia que congelada, transformada em pedra pela medusa sabendo da minha impotência em relação a todo aquele caos. O que será que causou aquele incêndio? Tudo estava tranquilo, tão bonito, uma paisagem maravilhosa e de repente um cheiro forte de fogo queimando a mais bela grama que poderia servir de abrigo ou alimento para outros seres vivos... Triste, continuei minha jornada. Deparei-me com as lembranças que havia vivenciado nas leituras dos livros que abrem tantas janelas para uma vida mais culta e de novos conhecimentos e nesse momento percebi que realmente há esperança: o mundo pode ser reinventado através do sopro do conhecimento que invadirá a mente das pessoas para que possam cuidar da natureza, da vida e de um crescimento saudável para todos os seres que habitam nesta terra.

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categoria 3

Crônicas

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Ione da Silva Grillo Pseudônimo: Athena Oliva

As janelas do meu mundo Sempre gostei de janelas... Na infância as janelas eram duas folhas de madeira e tinham tramelas. Eu via a imensidão do verde, da terra de chão batido, da horta, das galinhas explorando o terreiro. Nos dias de chuva, da janela, queria contar as gotas da cortina de lágrimas que descia do telhado. Com o carregamento dos anos fui conhecendo outras janelas. E fui descobrindo que gostava muito mais de janelas do que imaginava. Algumas tinham minhas preferências: as que se abriam para jardins, pomares e mares. As que se abriam para os movimentos que passavam indiferentes a minha presença. Não gostava, e ainda não gosto, das janelas que se abrem para telhados e muros. Gosto de janelas que se abrem para o mundo, das janelas que moram em casas. As janelas que moram em apartamentos tem pouca visão. Elas tem a visão da superioridade, olham tudo de cima para baixo, a única vantagem é que olham e não são vistas. Passei muito tempo fazendo pouco uso das minhas janelas, no entanto agora, estou vivendo um tempo em que elas estão me mostrando um mundo que eu nunca vi em tantos anos morando com elas. Hoje acordei com o sol batendo na janela, ele insistiu tanto que levantei da cama e fui abrir os olhos lá fora. Quase não enxergo nada tamanho o brilho que se abriu na minha frente. Aos poucos fui vendo o Parque do Ingá cheio de árvores com bandos de pássaros cantando. Fiquei um tempo com o nariz colado no vidro e os ouvidos atentos aos sons. Chegando na cozinha abro outra janela e o Muro das Lamentações está ali, bem na altura dos meus olhos. Olho o espaço onde deixei meu recadinho. Ele ainda está ali, na fresta das pedras, adormecido pelo tempo, manchado pela espera. Sento para tomar café de frente para a janela e fico vendo o movimento de gente que vem rezar, lamentar, deixar seus bilhetinhos. Saio pela casa abrindo janelas. Agora estou de frente para a Fontana di Trevi. Vejo Netuno com seus cavalos e posso jogar minha moeda sem ter que pedir licença para a multidão. Ouço o barulho da água deslizando sobre o mármore e uma pomba vindo beber água. Deixo Netuno e vou para o Rio de Janeiro. As palmeiras imperiais do Jardim Botânico estão sofrendo com o frio gaúcho, será necessário cobri-las para que continuem crescendo. As estrelitzias, aqui no parque Keukenhof, sobrevivem bem ao inverno, não preciso me preocupar com elas. Que variedade enorme de tulipas, nunca vi tantas cores juntas. Acho que esse é o parque mais lindo que eu já vi! 36


Saí da Holanda e estou chegando na Bahia. Que maravilha essa plantação de mamão. Da minha janela vou pegar um mamão com a minha mão. Estou nesse pensamento quando Maria grita da cozinha: - Vai demorar muito abrindo essas janelas? Parece que estás descobrindo o mundo! - Descobrindo não, estou inventando...

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Clarissa Nogueira do Espírito Santo Padovani Mussoi Pseudônimo: Traça Literaris

Através da janela, eu me encontro Da janela de casa vejo a vida passar. Assim como os segundos, minutos e horas, as nuvens caminham em sintonia com o vento. E o tempo segue seu rumo. E eu, aqui! Estou observando a vida mudar, me adaptando ao “novo” (a)normal. Já não existem abraços e afagos. No mundo virtual, percebo o real, de maneira intensa consumindo a alma dos mais ansiosos. Viver olhando da janela e desacelerar parece ironia. Percebo que quanto mais desacelero, mais as coisas voam. Voar... nesse momento, invejo a liberdade dos pássaros quase na estação primaveril. E num momento de silêncio ouvir seu canto seria um motor de carro. Queria entender a dimensão dessa relação que nasceu do eu e do comigo. É complexo entender as aflições de um mundo que passou, não tão distante do que onde me encontro atualmente. Tento conectar, não com a internet, mas com meus pensamentos confusos e atribulados para conseguir ressignificar essa nova relação. Estar numa sala sozinha escrevendo e meus pensamentos fluindo, é não viver só. É um diálogo do ser, com o ter e o saber o que será de mim e do amanhã. Talvez, ter a pia seria a melhor terapia nessa conexão que surge entre o barulho da água e as lágrimas que correm do rosto. Respirar o ar puro seria uma nova realidade dessa nova amizade entre o meditar e o estar. Prestar atenção na respiração que vem e sai das narinas para acalmar um coração ansioso e um pulmão agitado. Repensar que o novo doi, mas pode ser para aprender que o tempo, muitas vezes é injusto. É amigo e inimigo de nós mesmos que sempre corremos ou fugimos dele.

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E nessa correria, em que me sentia o coelho de Alice, sempre atrasada e com pressa, o tempo pregou essa peça. Dizem que ele é sábio, mas não sei até que ponto. Talvez, se o olhar para trás trouxer um aprendizado, podemos dizer que sim, valeu a pena! De certa forma, percebo que o ter tempo é mais valioso quando olhamos para dentro de nós mesmos. Se pudesse inverter meus olhos que olham para as mais belas paisagens da natureza, será que enxergaria essa mesma beleza dentro de mim? Continuo refletindo sobre o tempo e essa relação que temos com ele – confusa, estranha e com cobranças! Cobramos ao senhor tempo todas as respostas, mas ele, com sua sabedoria se cala. Os mais velhos se calam, pois dizem que um silêncio vale mais que mil palavras. E por que será que procuramos tantas respostas? Será que o silêncio nos aflige!? Será que toda essa rapidez da comunicação virtual acelerou o processo do ter e ser sempre mais do que a forma que estou apta? Para que sobrecarregar? Já carregamos na nossa vida bagagens – algumas leves, outras meio termo e muitas, pesadas! Quantas histórias seriam necessárias para compreender que ouvir é muito mais importante que palpitar? E quantas vezes seria necessário para indagar ao tempo essas perguntas (in)questionáveis? A vida é cíclica para todos nós, embora as histórias sejam diferentes e se entrelacem em novas relações e novos afazeres. Enquanto isso, continuo a pensar sobre todo o novo que está para nascer. E, no fim, percebo que tudo na vida nem sempre é sobre o inventar, e sim, sobre fazer as mesmas coisas de um outro jeito. E, de preferência, um mais leve, igual a pena que a pomba branca deixou cair na minha frente.

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Lucia Giani Tonietto Pseudônimo: Taurina Teimosa

Sair porta afora e pisar no mundo é liberdade proibida em tempo de isolamento social. Ir e vir tem o preço do medo, tem o toque que contamina e o abraço que já não acolhe, mas infecta. Corre-se o risco do encontro que faz proliferar o que amedronta. “Ficar em casa” se torna um mantra diário. Permanecer num casulo de proteção à espera de transformações. Quanto tempo de metamorfose, mesmo? Muitas promessas, poucas respostas. Dizem, como calmante temporário: vai passar, nada é para sempre! Mas o que mesmo vai deixar de ser? Em bolhas individuais criam-se expectativas, esperanças, causas e efeitos. O desconhecido gera dúvidas e também alguns oportunistas cheios de certezas. Os espaços exigidos se revelam. São diversos, justos e injustos; carentes e abusivos. Amplos e adequados para poucos, apertados e descabidos para milhões. Os dias, os meses transcorrem em convites a distância segura e máscaras usadas como armaduras. O entorno do mundo gira indiferente, até respira melhor. No vem e vai das estações segue, é apreciado através das aberturas, frestas do olhar. Pequenas janelas limitantes que formam focos sobre a realidade. Iluminam invisíveis, revelam a hipocrisia político-social, escancaram a fragilidade da natureza tão ameaçada. Diante das circunstâncias: o que realmente faz falta? De quantas regras e ordens o consumo se alimenta? Quando o jogo da vida é sobreviver, adeus às futilidades. O básico ganha prioridade: nutrir o corpo, sentir-se confortável e seguro. A natureza força o movimento para um equilíbrio saudável. Ana Garmendia, jornalista em Paris, fala do seu olhar sobre a moda hoje: “sóbria, sem histeria, mas amando uma elegância que se encontra em todo o movimento onde existe um quase silencio, onde a calma é mais que um sentimento, é uma urgência a ser conquistada”.

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Insisto então: de que mesmo é feita a sensibilidade humana se não do frágil e necessário afeto? Como diz a letra de certa canção: “não tá faltando amor, tá faltando amar”. Reinventar aquilo que sempre existiu, mas que se perdeu na dureza do material. Aquilo que se deixou de sentir, praticar e distribuir. A filósofa, estudiosa de Nietzsche, Viviane Mosé afirma: “paramos de procurar o sentido na poesia, na música, na arte para procurar sentido na lógica, na racionalidade”. E conclui: “a vida não se explica, a vida se sente, se percebe”. Talvez a permanência na “bolha” não seja tempo em vão. Um convite à reconstrução. Janelas maiores, grandes o suficiente para que os raios da conscientização iluminem os recantos esquecidos e empoeirados da alma humana. Um novo despertar!

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Bruno Luiz Signori Pseudônimo: Alexis Gogh

A vista da janela Dia dois de junho de dois mil e vinte. Ano da grande pandemia – sinto que é assim que esse período será chamado, um dia. Eu estava em “meu” quarto. Entre aspas, pois divido-o com meu irmão do meio, Cássio. Era noite, tão noite quanto se é preciso para que as estrelas comecem a desabrochar uma a uma no céu encardido das grandes cidades. A janela do quarto é bem grande. Dela, vê-se uma parte considerável da cidade onde nasci e cresci. Umas boas dezenas de meses atrás, desenvolvi um apreço pelas paisagens dos horizontes que me cercam. Não raras vezes, pego-me contemplando o cenário de concreto e luzes multicoloridas. A um par de meses, decidi que iria homenagear a vista que acariciava meus olhos e pensamentos. Tentei. Um bocado de vezes, aliás; mas não conseguia obter um resultado satisfatório. Durmo todos os dias nesse quarto. Deixo as janelas abertas o dia inteiro. Imagine o quão torturante meu insucesso tornava-se. A janela fica aberta inclusive quando medito. Hábito adquirido quando me mudei para estudar em Santa Maria. Um jeito que encontrei para – realmente – dialogar. Tudo o que faço, e tudo o que não faço, influenciam na formação da minha irmã. Somos todos, sempre, moldes copiados à risca pelos pequenos punhados de argila que um dia serão cópias quase perfeitas de seus contextos. Digo isso como quem quer dizer: a Amanda me viu meditando naquela noite, e quis meditar também. Medito com as luzes apagadas e com a janela e a mente abertas. A única luz presente no cômodo era a que transpunha o vidro. Ficamos sentados de pernas cruzadas, um em frente ao outro, em silêncio, com a respiração longa, seguindo a pulsação emitida pela caixinha de som deixada na cama a nossa esquerda. Depois de algum tempo, igualei-me a juventude de minha irmã. Perdi a noção convencional de tempo. Não sei afirmar quantos minutos ficamos sentados juntos. O que aconteceu depois, contudo, espero jamais perder.

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Quando abrimos os olhos, conversamos sobre a possibilidade de repetirmos a dose qualquer dia desses, mas, na ocasião, propus que usássemos um incenso velho que tinha guardado. O olho de minha irmã brilhava ao dizer que adorou a ideia. Por falar em brilho, a cidade brilhava lá fora. Sentamos na cama. Enquanto eu olhava para baixo, analisando o que era humano, e traçando um plano de tentar novamente honrar minha vista, ela, da janela, olhava para cima, focava às estrelas e lembrava do que já não era mais mundano. Depois, me abraçava ao mesmo tempo em que chorava e contava sobre como as estrelas faziam-na sentir saudades de duas cachorrinhas que foram muito presentes tanto na minha vida, quanto na dela. Eu, olhando a janela, escrevi um poema sobre as luzes da cidade, e de como as sombras lembravam as minhas próprias ausências. Foi um presente; uma lembrança. Ela, olhando a tela do computador, escrevia com amor um poema dedicado às cachorrinhas que, naquele dia, eram estrelinhas a brilhar no céu. Foi um presente; uma lembrança. Não sei se faria diferença o tamanho da janela. Sei apenas que, sem ela, não teríamos pintado no coração aquela memória – amor sobre tela. Amor através do vidro da janela.

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Jennifer Craco Pseudônimo: Lyra

Viagens e afins A gente costuma pensar que o mundo é pequeno – é só pegar um avião e ir, em poucas horas, para o outro lado do mundo. No Google Earth, eu posso até mesmo conhecer as pirâmides do Egito sem sair de casa. Passei muito tempo acreditando que Caxias do Sul era minúscula, uma cidade onde havia poucas descobertas a se fazer. Quanta ingenuidade... e se tem uma coisa que estes últimos cinco meses em total isolamento me deram, foi um belíssimo tapa na cara. Só para eu parar de ser ingênua. Diziam (e eu não acreditava) que o mundo é maior que o nosso quarto. Bem, agora eu acredito. Meu armário se transformou em uma muralha, e a pequeneza da minha cama chega a ser assustadora. O quarto inteiro parece que diminui a cada dia. Me esmaga lentamente. E Caxias parece uma megacidade gigantesca perto dele. Como são cansativas essas viagens claustrofóbicas que fazemos todo dia – da sala até a cozinha, da cozinha até o banheiro... e sempre acabamos no quarto. Se falássemos de física, eu poderia dizer que nosso deslocamento total nessa quarentena é zero. Parados no mesmo lugar, a solidão nos vê e se esgueira nos cantinhos do cômodo. Chega aos poucos, sem que a notemos. Lá pelas tantas, ela está atrás da gente e nos assusta: - Vá encontrar alguma coisa pra fazer, menina! Você vai acabar enlouquecendo! Normalmente, nós dizemos “xô” e esperamos que essa voz chata suma. Nós saímos, bebemos com os amigos, vamos à faculdade e mantemos esses pensamentos distantes. Mas, se há uma coisa que 2020 nos ensinou, é que nem sempre é possível fugirmos de nós mesmos. A dona Solidão me colocou cara a cara comigo mesma, e não foi um encontro agradável. Fiquei me encarando por dias, sem dizer uma palavra. Oras, que diabos dizer para aquela garota que me olha de volta? Ela é uma péssima companhia. Prefiro distância; prefiro meus amigos.

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Mas os meus amigos não estavam ali, só aquela criatura. E a dona Solidão citou Sartre no meu ouvido, bem baixinho, como se contasse um segredo: - Quem se sente solitário quando está sozinho, é porque está em péssima companhia. Obriguei-me, então, a fazer as pazes comigo mesma. Levei-me a um spa pessoal com algumas coisas há muito esquecidas e que aqueciam meu coração. Desenhei, arrisquei pinturas horríveis, dormi como nunca havia dormido antes. Li como uma condenada; escrevi com a voracidade que nunca tive. E, aos poucos, não é que eu até consegui me divertir comigo mesma? Ainda estou trancafiada na muralha que é meu quarto; ainda estou longe de pessoas que muito me fazem bem. Os meses passam pela janela, e só faço observá-los. Não posso interferir. Isso me leva à impressão angustiante de que eu não poderia, jamais, mudar o mundo – e, de fato, acredito nisto: na impossibilidade de reinventar a realidade. Mas posso flertar comigo mesma, apaixonar-me por mim e fazer jus à companhia que eu me ofereço diariamente. Posso reinventar-me. O mundo nem sempre pode ser maior que nosso quarto, afinal, mas o nosso universo interno é gigante. E é burrice que não o aproveitemos: nenhuma excursão internacional ou tour por Caxias do Sul pode ser tão completo quanto um passeio pela nossa solidão. Passaporte em mãos? Porque a viagem vai ser longa.

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Nicole Anne Modena Pseudônimo: Nicole Mel

sobre perdas e oportunidades Tenho ouvido muitas pessoas dizendo que 2020 foi um ano muito difícil, esperando que acabe logo. Obviamente, este ano atípico desestabilizou muita gente, em muitas áreas da vida. Mas eu acredito que cada perda tenha sido uma oportunidade... Sei de alguns estudos que dizem que o nosso rosto muda a cada três anos. Pois eu hoje sinto que sou completamente diferente a cada dia, vejo meu rosto e minha vida mudando a toda hora. Lembro da esperança pelo ano novo, penso em todos os projetos que nem sequer pude tentar colocar em prática. Não acordo cedo, não corri minha maratona, não tem mais viagem, nem sei se algum dia terei férias, não saí de casa, não fiz nenhum curso, não produzi o que queria... parece que sou o contrário oposto do que era há alguns meses. Pelo menos ainda acho graça da agenda que nem foi preenchida, virou um caderno em branco como se a vida nem tivesse acontecido. Mas aprendi que não se pode planejar tudo. Sempre me consideraram alguém que pensa demais, e ao mesmo tempo alguém impulsiva demais. E eu então me questiono, de que adianta fazer planos, se tudo pode acontecer? Colocar o despertador para tocar todas as noites pode ser considerado um ato de esperança, já que podemos não estar vivos no próximo dia, mas também podemos acordar vivos e perceber que a vida passou, e que todos os projetos poderiam ter sido realizados se tivéssemos a coragem de ousar sonhar, ousar acreditar, ousar planejar... Dizem que o vazio é algo ruim, mas só se pode trazer algo novo se o espaço estiver desocupado. Com todas as reviravoltas da vida, aprendi com meus pais que quando se perde tudo, se busca tudo de novo. E quando vem essa sensação de constantemente perder suas certezas, suas seguranças, é porque as coisas novas serão ainda mais especiais. Já vivi isso antes, sei que às vezes o chão vira lava e a gente se queima, mas sobrevive. E é difícil. Como não se apegar a um passado de uma vida boa, em paz, em segurança? Ainda mais quando esse passado está tão perto, há poucas semanas, e que ao mesmo tempo parecem décadas considerando o impacto da mudança.

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As perdas de 2020 trouxeram novas oportunidades. Acredito que a palavra chave para este ano realmente seja “reinvenção”. Não acordo cedo, mas descobri que os silêncios da madrugada são inspiradores. Não corri minha maratona, mas descobri que caminhadas contemplativas pela vizinhança revelam pequenas belezas ocultas na correria do dia a dia. Não viajei de férias, mas corri o mundo naquela leitura procrastinada há anos. Não conclui aquele curso, mas aprendi com a vida a ser mais paciente. Não produzi o que queria, mas cresci o que precisava. A realidade está aí. Olho para o espelho e não sei quem sou. Vejo fotos nem tão antigas e já não me reconheço... Pois bem, é hora de conhecer- se a si mesmo! Despir-se das certezas de outrora pra vestir-se de novos sonhos. Se cada dia é uma folha em branco, já é hora de voltar a escrever.

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Raíssa Ness Pseudônimo: Scarlet

2020 A chuva havia passado, o sol entre as nuvens teimava em aparecer, na calçada, na parte de dentro da casa, olha a rua e um transeunte passava, carregava uma sacola. Ao cruzar com outra pessoa este tira da sacola, de maneira muito rápida uma máscara e coloca em sua face, protegendo-se do passante. Avisto a cena e fico a observar os dois mascarados, o medo interminável que assola os seres fica escondido por meio de um pano que enclausura a face e a voz. Tapados, não se cumprimentaram, mal se olharam, mas carregaram consigo suas fragilidades. Já era para estarmos bem, uns dias, algumas semanas eram as promessas para o retorno das nossas atividades, foram-se meses, intermináveis meses, longínquas semanas. Medo, frustrações, fobias, tomaram conta de nossas vidas. E as máscaras calaram as vozes, silenciaram as almas e enclausuraram o espírito. Ficamos em casa e das janelas observamos os novos passos, notamos como somos frágeis. Foi preciso aumentar o sofá para caber todo mundo, comprar mais pratos para comermos juntos, esticar mais cordas do varal para estender a roupa. Foi preciso mais paciência. Os sentimentos começaram a se alastrar pelos cômodos e as vozes a ecoarem pelos ambientes domésticos. A casa ficou habitada, os livros começaram a crescer e os computadores foram trocados, assim como a televisão. Nos espelhos as faces foram ficando alargadas. O ritmo diário e noturno se alterou e no varal, uma nova peça, a proteção facial, colorida, preta, puída e metamorfoseada, com elásticos que dobravam nas orelhas e silenciavam pensamentos. Apenas os olhares mantinham-se acesos, vibrantes; na rua, no elevador, no supermercado, na feira, protegidos, mascarados, envoltos pelo receio do outro, do toque, do desconhecido. E na sacola, o rapaz a tirar a máscara e voltar a se dar conta de que o que antes era ficção, agora é necessidade, mascarado cruza com o passante e coloca a proteção rapidamente ao perceber que o vírus ainda vive entre nós.

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Vetores: freepik.com


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