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Empresas: o custo da concorrência limitada no mercado
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perder o emprego do que os trabalhadores de alta qualificação e alta renda.
A seção anterior estabeleceu que as crises afetam o bem-estar no longo prazo. Esta seção discutirá como as crises também afetam a eficiência. Os economistas estão reconhecendo cada vez mais o quanto a heterogeneidade das empresas determina e influencia os resultados dos trabalhadores. Alguns estudos sugerem que a estrutura da indústria (Koeber e Wright, 2001) e as práticas locais de negociação salarial (Janssen, 2018) são importantes para esses resultados, mas a relação entre a empresa e as características do mercado de trabalho local e o efeito cicatriz no mercado de trabalho têm recebido muito pouca atenção. Esta seção enfoca as funções de dois temas que são particularmente importantes na região da ALC: o poder de mercado e as condições do mercado de trabalho.
À medida que uma crise se alastra pela economia, o lado da oferta e o lado da demanda do mercado de trabalho são afetados. Do lado da oferta, trabalhadores menos qualificados e mais vulneráveis arcam com custos maiores e efeitos adversos duradouros. Do lado da demanda, as respostas no nível da empresa dependem da estrutura do mercado local. Essa estrutura pode indicar o grau de poder de mercado predominante de certas empresas. O poder de mercado é função de fatores externos à empresa, como concentração de mercado, e internos, como a produtividade. Esta seção destaca pesquisas de ponta nessa área na América Latina e no Caribe e apresenta novos resultados.
Efeitos de depuração
A perda de empregos causada por uma crise econômica pode reduzir a produtividade ao destruir a correspondência trabalhador-emprego e o capital humano específico gerado por ela. No entanto, os choques macroeconômicos resultam em realocação microeconômica no nível do trabalhador e no nível da empresa. Nesses momentos decisivos, os destinos dos trabalhadores e das empresas estão vinculados. As empresas podem ajustar o número de empregados, a carga horária desses empregados e as ofertas salariais, e os trabalhadores podem optar por aceitar essas ofertas ou procurar outras opções. A partir dessas interações, é estabelecido um novo equilíbrio de curto prazo. Este estudo mostra que esse equilíbrio depende das condições do mercado de trabalho local, bem como da capacidade das empresas de ajustar empregos e salários que, por sua vez, é ligada à regulamentação do mercado de trabalho. Como as empresas são um canal-chave de transmissão dos efeitos das crises para os trabalhadores individuais, esses efeitos também dependem da estrutura do mercado do produto, das rendas existentes e dos mecanismos de divisão de lucros.
Na transição para um novo equilíbrio, muitos trabalhadores perdem seus empregos ou têm seus rendimentos reduzidos, algumas empresas fecham as portas, e novos ingressantes no mercado de trabalho enfrentam um início de carreira mais desafiador. Conforme explorado mais acima neste capítulo, os impactos de uma crise deixam cicatrizes nos trabalhadores e nas empresas. Muitos trabalhadores não se recuperam totalmente, mesmo a longo prazo: seus rendimentos não voltam e suas carreiras seguem um caminho diferente e pior. Os perdedores perdem muito. Trabalhadores menos qualificados e aqueles com rendimentos mais baixos são os mais adversamente afetados na região da ALC. No mercado de trabalho, a compatibilidade empregador-empregado e o capital humano específico a cada posto de trabalho resultante dela podem ser permanentemente dissolvidos por um choque temporário. Essa dissolução pode retardar o aumento da produção mais tarde e implica em uma perda de produtividade. Uma crise
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também pode ter efeitos persistentes sobre insumos tecnológicos, que podem proporcionar às empresas uma margem de ajuste, e sobre a estrutura da economia, se a crise eliminar algumas empresas e aumentar a participação de mercado de outras. Grandes perturbações econômicas podem liberar os trabalhadores e outros insumos de produção de empresas de baixa produtividade, permitindo que esses recursos fluam para as empresas mais produtivas à medida que a economia se recupera. Da mesma forma, as crises podem motivar as empresas a saírem de setores de baixa produtividade. Tais mudanças podem ter efeitos persistentes sobre a economia.
Como resultado desses tipos de efeitos, as crises podem diminuir o bem-estar individual e também podem aumentar a eficiência e a produtividade (tanto em nível de empresa quanto de mercado) no curto e médio prazo.
Embora a crise da Covid-19, por sua natureza, tenha causado avanços persistentes na tecnologia motivados pela digitalização (Beylis et al. 2020), como as crises que não têm essa característica podem surtir efeitos persistentes sobre a tecnologia? De acordo com as evidências brasileiras, as empresas se ajustam a choques de demanda externa por meio de mudanças na produtividade, na demanda por qualificação, no apelo do produto e nas margens de lucro (Mion, Proença e Silva, 2020). Choques negativos de demanda em nível de empresa durante a crise financeira global causam uma redução da razão capital/trabalhador nas empresas mais afetadas em países como o Equador, ao passo que no Brasil as empresas simplesmente ajustam os empregos e salários em resposta a esses choques (Fernandes e Silva, 2021). Choques negativos de demanda externa também aumentam o conteúdo de qualificação da produção - a participação da mão de obra qualificada no emprego total aumenta em países como Argentina (Brambilla, Lederman e Porto, 2012), Brasil (Mion, Proença e Silva, 2020) e Colômbia (Fieler, Eslava e Xu, 2018).
Além disso, as crises na América Latina podem afetar a estrutura da economia através de mecanismos distintos. Os choques de demanda durante a crise financeira global induziram a saída das empresas - não no momento do impacto, mas cerca de dois anos após o choque no Brasil e no Equador (Fernandes e Silva 2021). Também foram documentados problemas com dívidas pendentes, com potencial de matar as empresas menos resilientes e aumentar a participação de mercado das mais resilientes. Além dos efeitos nas empresas existentes, as crises podem ter efeitos persistentes nas empresas criadas em tempos difíceis. A demanda é o fator mais importante da capacidade de uma empresa, e se a empresa abrir em um momento de baixa demanda, ela terá mais dificuldade para desenvolver sua rede de clientes e aprender como trabalhar bem com ela. Novas evidências para os EUA indicam que as empresas que nascem em tempos de crise acabam atrofiadas - ou seja, crescem lentamente ao longo do seu ciclo de vida, mesmo quando os tempos melhoram (Moreira 2018). São mudanças que podem ter implicações persistentes para a economia e que as empresas não conseguem reverter.
Ao induzirem a saída de empresas menos eficientes do mercado, as épocas economicamente adversas podem ter um efeito depurador. Suponha que o mercado de trabalho esteja sujeito a grandes fricções, de modo que empresas com produtividade muito baixa possam sobreviver contratando trabalhadores por salários muito baixos. Devido às grandes fricções do mercado, os trabalhadores que recebem essas ofertas de baixos salários as aceitam, porque continuar procurando emprego é uma opção ainda pior, pois as taxas de compatibilidade são baixas. Portanto, as empresas de baixa produtividade podem essencialmente reter recursos que poderiam ser usados com mais eficiência em outro lugar. Neste contexto, grandes rupturas econômicas podem ter um efeito depurador ao liberar os trabalhadores das empresas de baixa produtividade e permitir que eles
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se realoquem em empresas mais produtivas à medida que a economia se recupera. Da mesma forma, as crises poderiam permitir a realocação para fora de setores de baixa produtividade que operavam à margem da sobrevivência. Mas esses efeitos só são possíveis se forem criados empregos após o fim da crise. Os efeitos positivos das crises sobre a produtividade agregada, portanto, não são garantidos.
É importante ressaltar que os efeitos positivos das crises na produtividade das empresas também não são garantidos. Novas evidências produzidas no contexto deste relatório mostram que a crise financeira global de 2008-09 levou a uma redução na produtividade das empresas no Brasil e no Equador (ao contrário das evidências dos Estados Unidos de recuperação de empregos devido a aumentos na produtividade total dos fatores [PTF] ) (Fernandes e Silva 2021). A Figura 3.7 mostra que, no Brasil, a queda na demanda de exportação de determinada empresa em decorrência de uma crise foi associada à produtividade bem mais baixa da empresa em questão, independentemente de essa produtividade ter sido medida usando o valor agregado por trabalhador ou PTF. No Equador, a relação entre produtividade e queda na demanda de exportação provocada pela crise vai na mesma direção. Uma possível razão da diferença nos efeitos da produtividade entre os dois países - queda duradoura no Brasil versus queda temporária no Equador - é a diferença documentada no ajuste de emprego dos países: a recuperação foi mais “sem empregos” no Equador. Essa diferença também é consistente com uma possível acumulação mais intensa de mão de obra por parte das empresas equatorianas em antecipação à recuperação da demanda, causada pela dificuldade de demitir e recontratar trabalhadores ou pelo caráter indireto de alguns tipos de mão de obra. Dois outros mecanismos também estavam em ação. Em primeiro lugar, os resultados mostram que as empresas no Brasil aumentaram a proporção de trabalhadores qualificados durante a crise, mas esse ajuste não ocorreu no Equador. Em segundo lugar, as empresas brasileiras não ajustaram suas relações capital / trabalhador, mas as empresas do Equador registraram uma redução forte e duradoura dessa medida.
Setores e empresas protegidos: A concentração do mercado atenua a depuração positiva
Estruturas de mercado menos competitivas podem atenuar os efeitos positivos de depuração descritos anteriormente neste capítulo. Se as empresas protegidas - definidas como aquelas que enfrentam menos concorrência - se ajustam menos durante as crises, sua oportunidade de experimentar um efeito depurador é menor. Em vez de se tornarem mais ágeis e produtivas, se essas empresas ganharem mais participação de mercado e afastarem ainda mais a concorrência durante as retrações econômicas, elas podem aprisionar mais recursos que poderiam ser usados com mais eficiência em outro lugar. Essa dinâmica é ainda mais preocupante na ALC, por ser uma região de elevada desigualdade e baixo crescimento da produtividade.
É bem aceito que a concorrência perfeita é algo raro nos mercados de produtos e fatores. A concorrência imperfeita nos mercados de produtos geralmente implica que as empresas têm algum poder de mercado. O poder de mercado é frequentemente medido por meio de índices de concentração, como o índice de Herfindahl-Hirschman, que calcula a soma dos quadrados das participações de mercado de cada empresa em um mercado definido. Os economistas frequentemente associam medidas mais altas de concentração - resultantes da presença de menos empresas com maiores participações de mercado - com mais poder de mercado nas mãos dessas empresas. Embora as empresas com mais poder de mercado tendam a fazer os mesmos tipos de escolhas de insumos (como relações capital-trabalho) que as empresas que enfrentam mais concorrência, as