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Nego Luiz, a desobediência que criou arte

Artista e desobediente. É a descrição que nos cumprimenta ao entrar na página de Luiz Felipe, o Nego Luiz, no Instagram. Como qualquer membro da Geração Z, a primeira coisa que faço para conhecer o trabalho de alguém é procurar a pessoa em todas as redes sociais existentes. Isso é um problema, reconheço, mas não é o ponto aqui.

É uma manhã como todas as outras. Entro na página do Luiz e passo alguns minutos analisando as fotos e vídeos de suas representações artísticas.

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Artista e desobediente, Nego Luiz vem pintando sonhos e transformando a vida de outros jovens teresinenses através da dança.

E é na periferia da capital que nasce o projeto que me apresentou ao seu trabalho. Uma iniciativa da secretaria municipal da Juventude em parceria com o Programa Lagoas do Norte, o concurso “Se Liga Na Ideia” buscava soluções viáveis de prevenção à violência na cidade. Jovens dos treze bairros que compõem a região do Lagoas desenvolveram propostas nas temáticas de arte, cultura, empreendedorismo, esporte e inovação tecnológica. Ao todo, 20 projetos foram escolhidos para participarem de uma capacitação e foram premiados com R $10 mil reais para a implementação da ideia. Luiz Felipe foi um dos participantes ganhadores do concurso. Com o projeto “Cultura Negra na cidade”, ele realizou oficinas de percussão e danças afro-brasileiras, buscando introduzir outros jovens talentos teresinenses ao espaço artístico na capital.

“Participar do projeto ‘Se Liga na Ideia’ foi uma experiência incrível. Aliás, está sendo até hoje, permeando o meu corpo, permeando as minhas caminhadas. É uma experiência que me fez crescer muito na minha construção como indivíduo. E realizar duas oficinas como uma contribuição dentro de uma localidade, de um bairro, foi muito benéfico especialmente para mim. Esse é um caminho muito bacana de construir em Teresina, porque nós trazemos empoderamento para essa juventude negra que é muito talentosa, muito rica e que precisa ter espaço, precisa ter oportunidade, que precisam ser inseridos nesses espaços artísticos que são predominantemente brancos. Acredito que nós temos muito o que apresentar, muito o que ensinar, muito o que mostrar.

E o projeto tem esse olhar de trazer a juventude como protagonista da sua própria história, da sua própria arte.”

Meu contato com Nego Luiz se dá inteiramente por meio das redes sociais. E graças a Deus a Internet existe, pois atualmente ele mora em São Paulo, cursando Dança na Universidade Anhembi. É impossível falar do Luiz sem falar da dança, uma paixão que só se fortaleceu apesar das dificuldades do meio em que cresceu. Quando peço que ele descreva quem é, Nego Luiz fala de sonhos.

“Nego Luiz é um ser humano sonhador, guerreiro, que cresceu em uma estrutura onde o ‘não’ foi mais presente do que o ‘sim’. A minha base foi a minha mãe, né? Quem me ensinou a sonhar, me ensinou a pensar nessa relação de sabedoria. De saber como lidar com o não, mas entender que esse ‘não’ pode se tornar um ‘sim’ durante a minha existência.”

Da desobediência nascem a paixão pela arte e a perseverança para correr atrás dos seus sonhos.

“Sou um eterno sonhador, sempre acreditei no meu potencial, sempre acreditei que eu poderia muito mais do que socialmente estavam me ofertando. Um dos meus lemas é esse, né? Artista e desobediente. Eu me coloco nessas duas falas. Sou Nego Luís artista, sou negro desobediente, porque acredito que a desobediência me fez alcançar, me fez chegar a outros lugares.”

Para Luiz, a dança é uma ferramenta importante para se entender enquanto indivíduo. Em suas palavras, ter o corpo como proposta de estudo inspira empatia, nos tornando seres humanos cada dia melhores.

“Meu primeiro passo, meu primeiro movimento dançante foi quando eu nem sabia que eu estava dançando. Mas eu sentia que esse era o meu chamado. Tentei resistir, tentei ir para outros todos os espaços de trabalho, mas a dança sempre me chamava de volta.

Existem pessoas que nascem pra fazer isso. Existe missão. Então a dança é uma missão pra mim. É uma missão de cura, é uma missão de libertação, é uma missão de descobertas, é uma missão de aprendizagem. E principalmente de amor. Comigo e com os demais que me rodeiam e fazem parte da minha vida, e até aqueles não fazem também.”

Pergunto quais outros frutos ele conseguiu perceber enquanto transitava através dos mais diferentes espaços, usando aquilo que ele mais gosta de fazer: essa expressão artística que é tão antiga quanto a própria humanidade.

“Os frutos são diversos, né? Mas posso trazer algumas relações até bastante óbvias dentro do que percebi durante o projeto ‘Cultura Negra na cidade’.

A gente percebe uma alteração comportamental ali daquela juventude. Nós conseguimos despertar sorrisos, trazer esses sonhos escondidos para serem vistos, escutados. Os efeitos também são percebidos nos processos de buscar, de se aprofundar, de se inserir, de se colocar na sociedade.

Eu tenho esse olhar de multiplicação. Através desses projetos diaspóricos de relação artística e de pesquisa é possível fomentar uma juventude fortalecida. A juventude negra de combate, de resistência, né? É um corpo que tem entendimento da sua existência. É um corpo também que traz nas suas oralidades a importância do seu eu nesses espaços diversos.”

Falando de espaços, procuro saber qual é a sua opinião sobre o cenário artístico na capital do Piauí, um Estado com múltiplas manifestações e movimentos artísticos da negritude mas que ainda reproduz racismo em seus palcos e palanques.

“Sobre o cenário artístico de Teresina, né? O que que eu posso falar sobre Teresina? [...] A gente vê que é uma cidade que traz uma diversidade artística muito grande, mas que ainda não inclui a todos.

É uma cidade de muitas potências artísticas, de grandes artistas. Tem organização. Mas acredito que a rotatividade fica sempre entre as mesmas pessoas. Isso me deixa um pouco reflexivo, né? Nessa questão de criar estratégias para que a arte, para que a dança, o teatro, a música cheguem para todos. Entende isso? Que os editais, que as verbas públicas cheguem para todos. E se chega, quais caminhos, estratégias devem ser usadas para que o público tenha acesso a isso?

Por exemplo, alguém de uma comunidade que tinha uma ideia bacana de intervenção, só que não havia orientação de escrita, de elaboração de projetos, e assim acaba perdendo a verba para realizá-lo.

Perde a oportunidade de fazer algo bacana naquela comunidade.”

Um desafio que ficou claro na preparação para este trabalho é a dificuldade encontrada pelos jovens marginalizados em participar de editais como o do “Se Liga na Ideia”, pois a inscrição muitas vezes só pode ser concluída mediante a apresentação de um projeto bem escrito.

“Existe uma abertura para os jovens? Fica uma interrogativa sobre essa abertura porque, se a gente for pensar no cenário público, né, na perspectiva deles existe abertura, mas nós sabemos que o processo dessa abertura não rola e não ocorre entre a juventude periférica. Porque geralmente quem avalia esses projetos são pessoas que não tem nenhuma relação com a comunidade. Isso me faz questionar. Quem deve avaliar esses projetos? Entendeu? Quem está avaliando?

Em se tratando de projetos periféricos, eu obviamente ia buscar entender que eles vêm de uma realidade salarial diferente da minha, e eu tenho propriedade e entendimento para entender onde o autor quer chegar. Às vezes a escrita não está tão boa, mas nós conseguimos entender os objetivos do projeto. Entende? Acho que essa é a maior dificuldade. Existem pessoas super talentosas que não conseguem ser alcançadas por essa ‘abertura’, pois não possuem as ferramentas para isso.”

O “Se Liga na Ideia” capacitou jovens a transformar suas ideias inovadoras em projetos qualificados para serem selecionados, além de possibilitar a implementação de suas ideias na comunidade em que vivem. A partir de iniciativas como essa, jovens negros da periferia, assim como o Nego Luiz, encontram aberturas para transformar não somente suas próprias vidas mas também o mundo. Por que não investir em mais projetos como esse?

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