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O esporte cada vez mais presente nas Lagoas do Norte
from Versos Perplexos
Iniciativas apoiadas pelo poder público ainda correspondem à maior parte dos projetos sociais que atendem juventudes negras e periféricas em Teresina, ainda assim, esse apoio nem sempre é financeiro e nem atende completamente às necessidades desses grupos. As atividades que apresentam resultados mais evidentes são aquelas ligadas à prática esportiva. O tênis de mesa é uma delas.
Na zona norte de Teresina, o olhar atento da engenheira Kamila Fonteneles identifica os erros na postura dos jovens atletas e sua voz rápida e determinada logo dispara instruções para que os alunos mais velhos ajudem os mais novos. Kawane Sales e Lorenzo Alves são dois dos jovens responsáveis por monitorar o treinamento e apresentar aos iniciantes as regras do tênis de mesa.
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"Eu conheci a Kamila aqui no Parque Lagoas do Norte. Com uns onze, doze anos, eu vinha jogar tênis de mesa com meus amigos do colégio e ela sempre ficava na administração do parque trabalhando até tarde. Ela via a gente jogando e vinha jogar junto", afirma Lorenzo Alves, de 19 anos.
A engenheira percebeu o interesse das crianças da região pelo esporte e deu um jeito de puxar as cordinhas, trazendo mais equipamentos para incentivar a prática no parque. "Nós já tínhamos o costume de jogar no colégio, mas lá era muito bagunçado. Jogar aqui era melhor por ter mais espaço, e nós podíamos jogar todos os dias”, diz Lorenzo.
O exercício de tentar aprender as regras do esporte sozinho e ensinar aos amigos parece ter ficado gravado no consciente do jovem, que, mesmo treinando toda semana, diz não ter intenção de priorizar uma carreira como atleta profissional. “Eu vinha jogar aqui no parque e não sabia fazer nada, pô. Nada, nada, nada. A gente procurava vídeos no YouTube e ficávamos tentando reproduzir. Era assim. Um que sabia mais alguma coisinha ensinava para os que sabiam menos. Mas agora enxergo o tênis de mesa mais como um hobby. Quero aprender e me capacitar mais só para ensinar as crianças, porque acho que já estou muito velho. Só que ainda tenho muito tempo pela frente para passar o meu conhecimento para as crianças mais novas.”
Um dos mesa-tenistas mais antigos do projeto idealizado por Kamila, Lorenzo encontrou uma treinadora que o incentiva não somente a continuar praticando, mas também a estudar e trabalhar.
“A Kamila aconselha a gente demais. Antes da pandemia eu passei por um momento muito complicado na minha vida. Eu ficava em casa o tempo todo, sem saber o que fazer, sem tomar partido de nada, sem ter um rumo. Aí a Kamila chegou, foi um anjo mesmo que bateu na minha porta assim, do nada. Do nada ela bateu na minha porta e: ‘E aí está fazendo o quê?’ E eu: ‘Rapaz, estou fazendo nada.’ Aí ela me deu uns conselhos, me incentivou a entrar no IFPI, a estudar de novo, a fazer uns cursos e agora eu tô aqui, né? O braço direito dela. Na verdade, um dedo mindinho”, Lorenzo brinca.
Sob a sombra das árvores que preenchem de verde o pátio da escola onde praticam, Kawane, de 17 anos, me mostra seu sorriso pela primeira vez ao me falar do amor que tem pela raquete. Treinando há cinco anos, a atleta já participou de quatro edições dos Jogos Escolares Brasileiros, além de campeonatos municipais e estaduais, e da Copa das Federações de Tênis de Mesa.

Diferente de Lorenzo, a jovem planeja priorizar a carreira como mesa-tenista profissional. “Eu sonho muito com isso, mas a gente tem que ter pé no chão, né? Eu foco nos meus estudos e no treino, e consigo conciliar os dois, mas também pretendo seguir carreira profissional e continuar competindo.”
Para os dois jovens, o tênis de mesa é um lugar seguro longe das discriminações raciais. Nos eventos dentro e fora do estado, Kawane diz nunca ter sofrido racismo.
“Nunca sofri discriminação na quadra por ser negra, mas sim por ser mulher. Aqui no Piauí principalmente, porque não existem muitas mulheres no tênis de mesa. Eles têm aquela visão:

‘Ah, ela não vai ganhar porque ela é mulher.’ Mas eu tô aqui ganhando e fazendo meu nome.”
Lorenzo também diz não ligar muito para a opinião de preconceituosos. “Eu não levo pro pessoal, de querer brigar. Eu nunca fui de fazer confusão não. As pessoas tentam se desfazer da gente pela nossa cor, mas aí eu vejo que é uma forma de me diminuir para tentar me alcançar. Ela está tentando fazer isso pra eu me sentir menosprezado, para eu fraquejar. Mas não, a gente tem que ir pra cima, a gente tem que lutar.”
Por virem da periferia, os dois atletas sabem bem a importância que o esporte tem na socialização de crianças e adolescentes.
“Muitos desses jovens não tem metas, não tem objetivos, e com a implantação do esporte você consegue dar um rumo para essas pessoas não ficarem ociosas, longe da criminalidade. Eu mesma ficava muito em casa e através do esporte eu pude sair, conhecer novas pessoas, dar um rumo pra minha vida”, afirma Kawane.
Lorenzo até se emociona ao contar a história de um dos meninos que iniciou no esporte junto com ele. “São os dois lados da mesma moeda. A gente começou junto, estávamos sempre juntos, conversando, jogando bola. Nós ficávamos aqui no parque até tarde, até doze, uma hora da manhã conversando. Acho que também teve a questão do apoio familiar, ele não teve tanto. E ele acabou entrando nesse mundo das drogas. E ficou. Eu não consegui tirar ele”, conta.
Apesar das histórias tristes, ele diz que nunca perdeu as esperanças no esporte e nem a vontade de trazer outros para o mesmo caminho. “Nós conseguimos trazer muita gente de volta.
Gente que mora na vila, que é uma situação de perigo, mas nós trouxemos esses meninos pra gente. Não é só ensinar a jogar. Nós aconselhamos, tentamos arrumar uma coisa para estudar, dá dicas, entende? Não é só o esporte porque eles têm talento. Nem todo mundo tem talento pro esporte, mas a gente tenta ajudar a dar uma condição melhor para essas crianças.”

No entanto, mesmo com sua importância comprovada através das premiações alcançadas pelos jovens e adolescentes, o projeto enfrenta dificuldades como a falta de espaço e materiais adequados para a prática do esporte.
“O meu grande problema no tênis de mesa é isso aqui (aponta para as mesas e raquetes). É muito caro. E quem compra tudo sou eu. Eles (os meninos) não têm condições, apesar da vontade”, afirma Kamila Fonteneles. “Eu até comento com os meninos. Quero que eles se esforcem para nos destacarmos e tentarmos conseguir as coisas, mas é muito difícil assim.”
“Um dos grandes problemas do esporte também é essa questão da falta de espaços. Eu já cheguei a ter trinta crianças treinando comigo, mas não tenho condições de manter por causa de falta de estrutura. Os meninos de hoje querem atenção cem por cento do tempo e eu não tenho condições de dar. Só fica mesmo quem ama o esporte.”
E mostrando o quanto ama o esporte, a engenheira tem trabalhado para a construção de um centro de treinamento onde as crianças possam praticar com mais conforto. Com a ajuda de Kawane, Lorenzo e outros atletas talentosos ainda escondidos dos holofotes, Kamila busca tornar o projeto uma referência não só no Piauí, mas também em todo o Brasil.
É como o Lorenzo me disse. “A gente tem grandes atletas e há possibilidade de ter muitos e muitos atletas maiores ainda.” Falta apenas uma parceria que tire esses sonhos do papel, seja ela pública ou privada.
