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Espiando o Sistema Avançado de Preta Cakau

“Enquanto eu tô compondo, saiba que eu tô só a alma”. O trecho descreve bem a relação de Gabriela Ferreira, a Preta Cakau, com a música. De sorriso aberto e uma timidez cativante, a jovem de 18 anos me recebe no jardim do condomínio onde mora a sua produtora, manager e amiga, a Patty.

Sistema Avançado , lançado em 31 de maio de 2022, é o primeiro single da artista teresinense, que descreve a si mesma como “a primeira trapstar negra” da capital do Piauí. Em seus clipes, a rapper busca trazer representatividade preta e diversidade de corpos, elevando a autoestima de mulheres negras.

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Ao contrário do que sugere sua juventude, Cakau mostra maturidade ao falar da sua carreira, dos seus sonhos e projetos futuros. Antes de começar nossa conversa, ela tranquiliza a mim, que estava tensa por encontrar uma personalidade de quem sou fã.

“Fica tranquila, essa é a minha primeira entrevista também.”

Ansiosa para conhecer a mais nova adição das minhas playlists, pergunto: Quem é a Preta Cakau?

“Eu ainda me sinto uma criança em evolução” , ela responde. “Há um tempo atrás eu não andava nem na rua sozinha, sabe? Eu sou uma pessoa que está se descobrindo agora. Principalmente após lançar uma música e ser bem recebida.”

Devagarinho, a jovem vai se abrindo e me conta que seu início na música foi algo que ela nem imaginava ser possível.

“Eu sou uma criança periférica que pensou que era impossível fazer muita coisa. Meu primeiro clipe foi uma realização que eu queria muito e achava que nunca ia acontecer. é até difícil falar isso porque, mano, era uma coisa que não cabia no meu orçamento e eu não tinha quem me ajudasse. [...] E lançar o clipe foi tão massa pra mim e pra minha família, que mesmo que não tenha estourado, que não seja reconhecido, mas está no meu coração. ‘Sistema Avançado’ abriu as portas pra mim na música e agora eu me sinto muito bem sendo aqui de Teresina.”

A Cakau escreve letras desde os oito anos de idade. Ela me diz que sempre gostou de ouvir música e que sempre anda com alguma coisa tocando nos fones de ouvido.

“Com oito anos de idade eu já fazia riminha, pegava o caderno pra escrever. Todo dia. Só que eu não conseguia terminar as músicas, e era sem beat, coisas que eu faço hoje em dia, né? Ouvir minha própria música no beat, mesmo gravado aqui no celular, sendo uma coisa que eu fiz, aquilo me deixou muito orgulhosa.”

E gravar sua primeira música só foi possível com o trabalho duro da artista. E dos parceiros incríveis que surgiram em seu caminho.

“A gente estava na busca da primeira música para me apresentar pra todo mundo porque ninguém me conhecia aqui. Então, para essa primeira visão nós começamos a procurar uma música que fosse boa. Pensamos em começar com uma música sensual, só que eu falei que não queria isso agora. E eu já tinha feito ‘Sistema Avançado’, com o pensamento de abrir portas pra mim. De pedir para abrirem espaço para eu entrar, porque eu era nova no que estava fazendo.

Daí, mano, entrar no estúdio, sabe? A sensação de entrar no estúdio, que tem materiais bons, um produtor que sabia o que estava fazendo e poderia me gerenciar. Meu Deus, inexplicável a sensação de estar no estúdio com o Smith, que é o meu produtor agora.”

Para estrelar o clipe do seu primeiro single , Preta Cakau convidou mulheres “incríveis e empoderadas”.

“O trampo daqui é mais masculino, né? E eles estão sempre trazendo os manos deles. Eu nunca vi um clipe que trouxesse todas as manas empoderadas também. E eu falei: ‘Vou fazer isso.’ E comecei a procurar negras, trabalhadoras que estão aqui nesse corre diariamente. De ser uma mulher nordestina aqui nesse lugar que é tão difícil ter as coisas. Lidando com a vida assim sorrindo, mano. E ficou incrível. O resultado ficou ótimo.”

O segundo single , Me Quita La Paz , lançado em 31 de agosto de 2022, combina sensualidade, letras em espanhol e a batida já conhecida do trap. Dedicada a um antigo amor, o clipe desvenda a diferença entre a Gabriela do dia a dia e a Gabriela que sobe aos palcos.

“Eu pensei que não saberia lidar com o fato de ter muita gente ali me olhando, esperando eu fazer aquilo, sabe? Então, a Patty, minha produtora, falou assim: Mano, tu muda, tu cria ali o personagem, tu é a Preta Cakau na câmera, entendeu?”

Prova viva do papel da música na vida de jovens e adolescentes periféricos, Preta Cakau já mostrou que veio para ficar, ao ser indicada como uma das cinco finalistas da categoria digital Manas For Reels , do Women’s Music Event Awards de 2022. Apesar dos desafios encontrados pelo caminho, ela me conta que agradece a Deus por não ter sofrido racismo nos novos espaços a que vem adentrando: “Na música eu estou muito bem confortável até agora.”

E Preta Cakau está tão confortável que agora se prepara para lançar seu primeiro EP, com previsão de lançamento em 2023. Não sabemos bem o que vem por aí, mas é certeza que a jovem artista não decepcionará seus fãs – inclusive eu.

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