12
CULTURA
O DIA ALAGOAS l 20 a 26 de julho I 2014
Projeto Vidas Anônimas
redação 82 3023.2092 e-mail redacao@odia-al.com.br
AMARO INÁCIO DOS SANTOS não colecionou grandes feitos ao longo dos seus 60 anos, exceto pelo título de Comendador da Alegria
Comendador Amaro Ana Cecília da Silva Repórter
O
s encontros são inevitáveis e diários, por vezes mais de uma vez por dia. Pela manhã, se dirigindo ao local de trabalho, no meio da manhã para um café na copa, no almoço ou no fim do expediente. Alguns combinam horários e quando não coincide de estarem no lugar ao mesmo tempo, sempre se perguntam um pelo outro: — Fulano já subiu? Amaro Inácio dos Santos, o seu Amaro, em sua cadeira, dentro do cubículo 100 x 900 cm, responde com seu melhor sorriso: — Acabou de descer! Dentro dos elevadores do Tribunal Regional do Trabalho de Alagoas há 18 anos, ele tem muitas histórias para contar. Embora encontre gente todos os dias, poucas já pararam para escutar o que ele diz ou para lançar um olhar mais atento
sobre aquele homem de pele negra e cabelos brancos, de sorriso largo e afetuoso. — Aprendi os horários de cada um, sei quem é cada pessoa, mas nem todos me cumprimentam. Alguns funcionários, quando cumprimentam é com um pequeno movimento de cabeça, sem sequer balbuciar. Entram conversando, saem conversando e não interrompem o assunto um instante sequer para lhe dirigir uma palavra, mas Amaro aprendeu a conviver com a indiferença e diz não se importar. — Alguns entram mudos e saem calados e eu apenas aperto o botão. Acho que falta cordialidade nessas pessoas, mas isso é de cada um. O elevador do Tribunal não demora mais que três minutos para fazer o transporte de pessoas em seus oito andares. O tempo é suficiente para Amaro brincar com todos, perguntar como está sendo o dia, informar as novidades.
“
A maneira carinhosa já impactou a vida dos funcionários e visitantes Tudo isso, entre alguns abraços e sorrisos. Quem frequenta os elevadores do órgão sabe da energia boa que Amaro transmite. A maneira carinhosa de trabalhar já impactou na vida dos funcionários e visitantes.
“Uma vez uma senhora disse que estava triste, mas que se alegrou com meu bom-dia. Ela tinha tido um dia difícil e meu gesto levou um pouco de conforto ao coração dela”, disse orgulhoso. Com sua forma peculiar de prestar o serviço, Amaro conquistou o coração de todos, ganhando até um título, digamos incomum, daqueles que trabalhavam no Tribunal. O título de Comendador, geralmente dado a reis e nobres como recompensa pelos bons serviços prestados à comunidade. O nobre coração de Amaro lhe rendeu esse reconhecimento. Mais que um simples funcionário, ele era a alegria diária de todos, que mesmo em meio às atribulações, sabiam que tinham uma dose de bom humor reservada dentro daqueles cubículos. Nascido no povoado de Santa Luzia do Norte, Amaro garante que sua infância foi boa, apesar de um pouco traumática quando, aos 10 anos,
perdeu o pai, vítima de anemia e aos 11, a mãe, com câncer. Logo cedo, se viu só no mundo com seus irmãos menores. Amaro conta lacrimejando o que sentiu naquele dia que perdeu suas referências de vida. “Meu pai foi embora e depois veio buscar minha mãe, ela morreu em casa, junto de nós. Eu queria pensar que ela estava dormindo, mas ela tinha morrido, foi difícil aceitar”, conta. Depois da morte da mãe, um dos episódios mais marcantes de sua infância, Amaro foi morar com a irmã mais velha e seus dois irmãos mais novos. Logo cedo começou a trabalhar “para não dar trabalho aos outros”. Tomou conta do galinheiro do vizinho, depois foi carregador de compras no mercado. Com 13 anos, virou ajudante de padeiro e com 14, garçom de um bar próximo ao edifício Brêda, no Centro de Maceió. Foi lá que Amaro conheceu Paulo, o dono do bar que o adotou como filho.
Paulo colocou Amaro para estudar, porque criança não podia ficar fora da escola. Terminou seus estudos no Colégio Cônego Machado, no bairro do Farol. Nessa época, Amaro não queria ser muita coisa, a não ser um adolescente barbudo de 18 anos para assistir filmes proibidos e se parecer com um homem mais velho. Só aos 20 anos ele escolheu uma profissão: queria ser economista! — Era meu desejo, mas perdi no vestibular. Então decidi fazer curso técnico de contabilidade, aqui em Maceió mesmo, na Escola Técnica do Comércio de Maceió. Amaro não conseguiu concluir o curso e acredita que o motivo de tudo foi ter encontrado uma namorada na mesma sala que estudava e que isso teria tirado sua concentração. “A gente saía muito da aula, quando
chegava a hora da prova eu não sabia de nada. Perdi o ano e perdi a namorada também, só que por outros motivos. Perdi tudo e depois nunca mais quis saber de estudo”. Descontraído e sempre com um sorriso no rosto como se as vicissitudes da vida não tivessem lhe atingido de nenhuma forma, Amaro sente pena de ter perdido os estudos, mas não a namorada. Amaro foi trabalhar no Tribunal em 1996. A princípio, iria fazer a limpeza do prédio, mas ficando com a vaga de ascensorista. “Eu adoro minha profissão e faço tudo com prazer”, afirma sorridente. E antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta, ele completa: “Quem chega aqui de cara emburrada não sabe viver, porque problemas devem ser deixados em casa. É o que faço e por isso só chego aqui de bom humor”. A.C.S.
Elayne Pontual
Ascensorista lamenta ter perdido os estudos
Comendador: “Quem chega de cara emburrada não sabe viver, porque problemas devem ser deixados em casa”