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9.4 Templos religiosos como ambientes restauradores e homeodinâmicos

“ "A atividade cerebral se utiliza de sutis classificações e comparações, tomando uma série de decisões até que os dados armazenados através dos sentidos se convertem em uma percepção consciente do espaço edificado" (PAULA, 2013, p. 21). Além disso, o estado emocional do indivíduo afeta sua percepção, assim como seus valores e experiência (PAULA, 2013). Sendo assim, suponha-se que a preferência pela igreja em seu “estado original” deve-se ao fato da mesma despertar sentimentos de “saudade” (E.S., mulher, 70-74 anos) e por ter feito parte da história dos usuários.

Eu gostava dela antes. A luz que incide sobre o presbitério hoje é bonita, mas eu prefiro como era antes. Eu lembro da Catedral amarelinha, é o que me traz memórias gostosas. Memórias boas. (L. C., mulher, 50-54 anos)

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Relembrando, Lent (2008, p. 245) afirma que as emoções experienciadas, o contexto da cena e a mistura dos dois influenciam o processo de evocação.

9.4 Templos religiosos como ambientes restauradores e homeodinâmicos

Seja por conta da própria fé, pela história ou pela arquitetura em si. Os templos religiosos, especificamente os católicos para esse trabalho, buscam criar uma atmosfera que induz introspecção e reflexão. Sendo assim, acaba-se por projetar um ambiente homeodinâmico, isto é, que induz sensações positivas no usuário. A homeostasia refere-se a regulação da vida, envolvendo “parâmetros acompanhados da coordenação de respostas adequadas para minimizar qualquer distúrbio” (SILVERTHORN, 2003, p. 169). Este processo, constantemente se transformando, almeja equilíbrio e bem-estar para o usuário, e se estende para âmbitos espaciais, sociais e culturais. Alinhado com essa perspectiva, temos o conceito de “ambientes e produtos homeodinâmicos” , cunhado pelos cofundadores da rede de pesquisa transdisciplinar DASMIND - Design, Art, Space and Mind, da Universidade de Campinas. Tal conceito refere-se aos ambientes e produtos que contribuem para alcançar o equilíbrio homeodinâmico e, conse-

quentemente, à saúde (ZUANON; FERREIRA; MONTEIRO, 2020a). Aplicando no trabalho em questão, as entrevistas evidenciaram que a igreja se caracteriza como tranquilizadora e restauradora. Felippe (2015 apud SILVEIRA; FELIPPE, 2019) defende a existência de espaço capaz de promover alterações fisiológicas positivas. Como visto no depoimento, a Catedral não apenas foi apreendida pelo público como um ambiente religioso, mas como um espaço que promove descanso e recuperação frente ao estresse cotidiano dos usuários. “A partir do momento em que as pessoas apresentam fadigas mentais, mobilizadas por alterações frente à emendas cotidianas, elas necessitam de recuperação. ” (SILVEIRA; FELIPPE, 2019, p. 11) Na obra Ambientes Restauradores: conceitos e pesquisas em contextos de saúde, Silveira & Felippe (2019) defendem que, segundo a Teoria da Restauração da Atenção, é preciso considerar quatro propriedades indispensáveis para um ambiente ser classificado como restaurador (SILVEIRA; FELIPPE, 2019, p. 11, 12): 1.

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3. Afastamento (being away): está relacionado ao indivíduo estar longe de situações e contextos do cotidiano exaustantes, de modo a descansar a atenção. Podemos relacionar ao fato do público buscar a igreja como um refúgio. “Eu sempre gosto de passar lá e entrar, eu acho que é um momento de calmaria nessa vida da gente. [...]” (L.C., mulher, 50-54 anos). Fascinação (fascination): aspecto que possibilita um tipo de atenção que não há necessidade de esforço. Como foi apresentado, diversos elementos contribuem para a fascinação com o ambiente religioso em questão, como “sua belissíma arquitetura, os vitrais, os detalhes minuciosos, suas esculturas” (E. G., mulher, 35-39 anos). Extensão (extent): essa qualidade se refere a capacidade de tempo e sustentação em dois âmbitos: a) o primeiro se refere ao que olhar ou fazer; b) este, por sua vez, se refere a “experiência ser suficientemente ordenada e organizada para evitar a impressão de caos” (GRESSLER, 2014; KAPLAN, 1995 apud SILVEIRA; FELIPPE, 2019, p. 11). Dialogando com o conceito de fascinação, a

extensão leva ao público a querer permanecer e sustentar o olhar por tempo considerável. “E você entrar e ficar admirando a igreja num momento que não há missas ou celebrações, a imponência daquele lugar [...] Você conversa com Deus [...]. ” (L. C., mulher, 50-54 anos)

4. Compatibilidade (compatibility): De acordo com Silveira & Felippe (2019, p. 12), “ a compatibilidade envolve aspectos cognitivos e emocionais do indivíduo no processo de escolha do ambiente [...]” . Isto é, o ambiente conversa com aspectos subjetivos do indivíduo, suas experiências anteriores, e cria uma compatibilidade pessoaespaço. Trazendo para este trabalho, nota-se que as memórias autobiográficas do público no interior da Catedral Metropolitana de Vitória formaram um vínculo emocional, que confere compatibilidade entre o público estudado e a igreja.

Damásio (2018) afirma que a homeostase sociocultural trata-se de um fenômeno cultural desenvolvido por mentes conscientes, aliados com sentimentos, definidos nessa obra como “experiências subjetivas do estado momentâneo de homeostase em um corpo vivo” (DAMÁSIO, 2018, p. 32). Baseado nas respostas apresentadas, é notório o poder restaurador e tranquilizante da igreja, capaz de influenciar positivamente a percepção de ambos os grupos estudados.