Chelsea HOTEL de Claudio Edinger

Page 1


CHELSEA HOTEL
Claudio Edinger
Ensaio dE FrEd ritchin
CHELSEA HOTEL

Edição REvisada

FotogRaFias

Claudio Edinger

PREFácio

Alexandra Auder

agRadEcimEnto EsPEcial Fred Ritchin

Ensaio Pete Hamill

EditoRa vEnto lEstE São Paulo, Brasil

CHELSEA HOTEL

Para Gunther, Dascha e Mina

Para Philippe Halsman (in memoriam)

Ficha técnica da primeira edição

Coordenação Editorial: Walton Rawls

Editor Executivo: David Markus

Diagramação: Len Zabala

Ficha técnica da segunda edição

Coordenação Editorial: David Fabricant Design: Misha Beletsky

Gerente de Produção: Louise Kurtz

Ficha técnica da edição brasileira

Coordenação Editorial: Mônica Schalka

Editor Executivo: Heloisa Vasconcellos

Coordenador do Estúdio: Gabriel Guarany

Editor Assistente: Cauê Siqueira Cardoso

Fotografias, declaração do fotógrafo e legendas © 1983, 2024 Claudio Edinger. Prefácio © 2024 Alexandra Auder. Agradecimento especial © 2024 Fred Ritchin. Outros textos © 1983 seus respectivos autores. Todos os direitos reservados sob as convenções internacionais de direitos autorais. É proibida a reprodução ou a utilização desta obra de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou por qualquer sistema de recuperação de informações, sem permissão por escrito do editor. Dúvidas devem ser endereçadas à Abbeville Press, 655 Third Avenue, Nova York, NY 10017. Composto em Questa. Impresso no Brasil pela IPSIS.

Segunda edição

Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL)

Edinger, Claudio, 1952-. E23c Chelsea Hotel / Claudio Edinger. – 2. ed. – São Paulo, Brasil: Vento Leste, 2024. 176 p. : foto. ; 25,4 x 19 cm

ISBN 978-85-68690-21-5

1. Fotografia. 2. Memórias. 3. Chelsea Hotel (Nova York) –História. I. Título.

DDC 770

caPa E lombada

Julia. (Ver pp. 70–71).

contRacaPa

Jasmin Marjorie Paganelli. (Ver também pp. 72–73)

FRontisPício

Casal de músicos franceses. A da direita é prima de Christiane Lavedan, a pintora que me apresentou ao Chelsea. O coelho chamava-se Peter.

nota do EditoR

As seguintes fotografias são novas nesta edição: músicos com coelho (p. 2), George Leary Love (p. 49), Viva (p. 84), sósia de Jimi Hendrix (pp. 92–93), Stella Waitzkin (pp. 148–49), Bettina Grossman (pp. 152–53), autorretratos (p. 174) e rato (p. 175). Todas as demais fotografias foram digitalizadas novamente a partir dos negativos e, em certos casos, substituídas por uma imagem diferente do mesmo tema. Os textos de Alexandra Auder e Fred Ritchin são novos nesta edição, assim como as legendas em itálico cinza.

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

Chelsea Hotel em português

alExandRa audER

Estava me sentindo nostálgica na semana de lançamento do meu livro de memórias sobre minha infância e juventude no Hotel Chelsea. Nostálgica, apesar do aviso do próprio Chelsea. Aquele na placa de bronze na entrada: Você Não Pode Voltar Para Casa.

Mas eu não poderia tentar uma última vez?

Em 1971, quase nasci no saguão. Mudei-me do Chelsea em 1989, quando saí de casa para a faculdade, e logo depois disso comecei a escrever um primeiro rascunho do livro que levei uma vida inteira para terminar. Ter escrito tanto sobre atingir a maioridade no hotel me fez sentir um desejo romântico irracional de retornar (no Chelsea, “maioridade” significava que quando fiz 12 anos, Stanley, o gerente, me arrastava para sua sala e me atormentava sobre o aluguel, avisando ainda que “eles” trocariam as fechaduras se minha mãe não pagasse logo).

Quando tentei organizar a festa de lançamento do meu livro no Chelsea, esqueci que não estávamos mais nos velhos tempos, aquela breve época em que ser artista falido tinha um pouco de prestígio . . . bem, pelo menos no Hotel Chelsea. Os proprietários atuais disseram que me dariam um desconto: 10 mil dólares para fazer uma pequena reunião no novo bar chique. Eu deveria saber que seria assim quando fui dar uma olhada no bar e descobri que havia um coquetel com o nome da minha mãe – o Viva Superstar – e ele custava 35 dólares.

Desanimada, peguei o trem para casa na Filadélfia e encontrei o livro de Claudio com o restante da correspondência. Sentei-me no sofá e abri o pacote. Esse era o portal para o passado que eu tanto desejava. Sempre tive dificuldade em descrever a atmosfera decadente,

mas chique, do velho Chelsea, e aqui estava ela em toda a sua glória. Claudio tem provas visuais. Uma foto real da placa de Sid Vicious (p. 160)! Esse rabisco foi o que me deu a ideia de riscar meu próprio nome na tinta dourada do elevador aos 10 anos de idade.

Ah, e aquele saguão! Que magia ser transportada para o que havia sido, basicamente, minha segunda sala de estar. E lá, no velho saguão, está a escultura deplorável que me fez desperdiçar tantas páginas do meu livro ao tentar descrevê-la –aquela com as garrafas de vinho e pratos de comida de verdade cobertos de tinta e de poeira (pp. 66–67). Agora vejo que era muito maior do que eu imaginava.

E lá está Stanley, meu algoz, em pé na divisória do escritório (p. 21). Essa divisória é um personagem do meu livro – eu usava o reflexo para acompanhar o crescimento dos meus seios enquanto esperava o elevador dourado, e então vandalizava os anúncios nos cartazes.

E a mesa telefônica (p. 167)! Graças a Deus que Claudio a clicou. Eu adorava conversar com as telefonistas em seu mundinho de pequenos plugues e luzes. Adorava quando Bonnie, telefonista com penteado bufante e voz ofegante, ligava para me acordar: “Hora da escola, Alex”.

Quando eu chegava da escola, muitas vezes encontrava um bilhete colado na porta do 710, nosso apartamento, escrito com a letra sofisticada da minha mãe, me avisando em qual quarto ela estaria. Isso era ótimo: significava que, se ela estivesse fofocando com os vizinhos, eu poderia relaxar e ela estaria de bom humor. Dependendo de com quem ela estivesse, eu subia (ou descia) para conferir.

Se ela estivesse no apartamento de George, que mais parecia uma selva (pp. 120–21), eu corria até lá para ver os animais exóticos enquanto ele e minha mãe fumavam e fofocavam.

Estou com a Doris era maravilhoso! Eu adorava subir por dentro daqueles estranhos círculos gigantes de plástico empilhados contra a parede (pp. 90–91).

Estou no Virgil era outra bênção. O apartamento dele era o mais chique. Ele era gentil e servia chá, e eu era louca por aquele quadro dos seis ovos gigantes (pp. 154–55). Ele me ajudou com um trabalho de escola sobre sua colaboração com Gerturde Stein: Quatro Santos em Três Atos.

Quando ela estava na Peggy eu passava longe. A verruga que ela tinha no terceiro olho me assustava (pp. 124–25).

Quase todas as páginas do livro de Claudio trazem, de verdade, um personagem decisivo da minha infância: Merle e Lee (p. 53), os acumuladores que moravam no nosso andar e também eram babás da minha irmã; o homem com um buraco na cabeça (pp. 32–33), que parecia assustador, mas na verdade era muito legal; e Rita Fecher (pp. 126–27), que ninguém supera na organização de uma casa!

O bilhete melhor e mais comum era na casa da Ruth. Ruth e Danny moravam no 810, diretamente acima de nós. A planta original do apartamento deles era igual à do nosso, mas eles viviam derrubando paredes e integrando os quartos até o final do corredor. Os canos do banheiro traziam os gritos de Ruth e levavam os gritos de minha mãe. Quando a coisa saía do controle, elas ligavam uma para a outra, se acalmavam e minha mãe ia ao apartamento de Ruth. Lá, elas passavam horas reclamando de tudo e eu ficava livre por um tempo. Essa sou eu de perfil, aos 12 anos, em primeiro plano no apartamento de Ruth (pp. 30–31).

Desisti da ideia da festa de lançamento do livro no Hotel Chelsea, mas convenci meus editores a me

hospedarem lá por algumas noites. Depois de comemorarmos em outro lugar, alguns amigos e familiares vieram para minha suíte para tomar um último drink. A suíte ficava dois andares diretamente acima do meu antigo apartamento, mas, além da vista das janelas, não havia nenhum vestígio dos velhos tempos. O fogão La Cornue havia custado mais do que um ano inteiro de aluguel na década de 1980. Despi-me completamente, vesti o roupão branco e felpudo com Hotel Chelsea bordado em vermelho e ficamos acordados até as 3h da manhã rindo e bebendo.

Quando chegou a hora de todos irem embora, eu os acompanhei sob o toldo listrado de vermelho e branco, ainda de roupão e descalça. A cidade estava silenciosa. Abri o roupão à medida que seus carros se afastavam.

Voltei pelo saguão vazio e avaliei a situação. Parecia muito com o que costumava ser. A escultura de comida empoeirada havia sumido há tempos, mas o mesmo banco estofado de quando eu era criança ainda estava lá. Levantei o assento e vi o espaço vazio que parecia um caixão onde costumava me esconder para assustar turistas desavisados. O jovem recepcionista perguntou-me se eu precisava de algo. Eu disse que não.

Peguei o elevador dourado, que agora é preto. Tentei riscar Alex com minha unha, mas a tinta era indelével. Decidi parar no terceiro andar. Eu odiava o terceiro andar – tinha um corredor quadriculado preto e branco que me lembrava filme de terror (pp. 98–99). Coloquei meu ouvido na porta de um dos apartamentos: nada.

O corredor não era mais quadriculado, mas a famosa escadaria de mármore tinha sido preservada. Subi as escadas e encontrei o quadro com o recorte de jornal sobre minha mãe e minha irmã caçula. Costumava ficar pendurado na divisória do escritório. No final dos anos 80, minha mãe, furiosa, passou um marcador para borrar a fotografia, gritando que não

faria publicidade de graça para o Chelsea a menos que Stanley descontasse alguns meses de aluguel. O marcador desbotou tanto que dá para ver através dele minha mãe e minha irmã silenciosamente reprovando a estética luxuosa e os preços exorbitantes. Revirei os olhos ao passar por elas.

Subi de escada até o 710, coloquei a mão na porta do nosso antigo apartamento como se estivesse em uma sessão espírita. Nada. Passei pelo apartamento de onde costumava vazar tinta turquesa e fúcsia por baixo da porta. Estava impecável, como todas as outras portas.

Então pensei: “Ok, esteticamente, o saguão, os corredores e a escadaria estão do jeito que eram”. Isso é bom, o esqueleto é o mesmo. Mas a alma do hotel está

perdida. Um pouco como se fosse um cadáver. É por isso que o livro de Claudio é tão bom de se folhear –ele reanima o Chelsea, expõe seu sangue e suas entranhas. Porque o que é um prédio sem seus moradores? Tentei abrir uma porta qualquer no oitavo andar, perto de onde ficavam as latas de lixo velhas e imundas. Abriu! Lá dentro havia um tesouro de lençóis de hotel brancos, perfeitamente dobrados, com debrum vermelho e Hotel Chelsea bordado nas bordas. Rapidamente enfiei alguns conjuntos sob meu roupão. Enquanto subia as escadas para ir dormir, olhei para cima e contemplei o buraco negro no topo do hotel. Claudio tem a melhor fotografia dessa claraboia (p. 12). Parece que a escadaria leva direto para o céu. Ou, dependendo do seu humor, para o inferno.

Enquanto Claudio Edinger fotografava os ocupantes do Hotel Chelsea, eu trabalhava 20 quarteirões ao norte dali como editor de imagens da New York Times Magazine. Ele estava instalado no que a revista Life havia chamado de “o hotel de quinta categoria mais ilustre de Nova York”, enquanto meu escritório condizia com o glamour decadente da Times Square. Éramos dois jovens na casa dos 20 anos, ambos fascinados pelo poder das fotografias; fazia apenas alguns anos que elas tinham ajudado a acabar com a Guerra do Vietnã.

Naquela época, a fotografia era considerada mais confiável do que a memória de uma pessoa e essencial para entender como os eventos poderiam ser compreendidos e como as histórias poderiam ser construídas, sendo ainda um meio de tornar os traumas visíveis e compartilháveis. Como Susan Sontag havia dito recentemente, uma fotografia é “não apenas uma imagem (como uma pintura é uma imagem), uma interpretação do real; é também um traço, um estêncil direto do real, como uma pegada ou uma máscara mortuária”. E no Hotel Chelsea havia muito do real, assim como do irreal e do surreal, não apenas para ser registrado, mas para ser interrogado e, em última instância, celebrado.

Nova York não era um lugar fácil de se estar naquela época. A primeira edição de Chelsea Hotel foi publicada quando o vírus da AIDS estava sendo identificado e sua rápida propagação vinha dilacerando grandes parcelas da comunidade artística da cidade, tornando palpáveis a tristeza e o medo. A premissa essencial da vida – a de que ela poderia ser vivida –havia sido violada de maneira abrupta e, ao que parecia, vingativa. As excentricidades surpreendentes e muitas vezes cativantes observadas nas fotografias de

Uma Luz que não se Apaga

Claudio não apenas delineavam algumas das manifestações mais atrozes do espírito criativo, como também marcavam o momento em que algumas dessas liberdades seriam restringidas.

A publicação do livro também coincidiu com a entrada da fotografia na era digital. Em 1982, um ano antes da primeira publicação deste livro, os editores da National Geographic apresentaram a manipulação imperceptível da fotografia via software, transformando o filme em um mosaico de pixels através de um computador que modificava uma fotografia das pirâmides de Gizé capturada na horizontal para que coubesse em sua capa vertical. Em uma entrevista concedida a mim dois anos depois, o editor da revista defendeu a intervenção, vendo-a não como uma falsificação, mas, como escrevi na época na New York Times Magazine, “apenas a definição de um novo ponto de vista, como se o fotógrafo tivesse se movido anteriormente alguns metros para um lado”, uma forma nova e desestabilizadora de viagem no tempo. E, com o surgimento de software semelhante para uso individual vários anos depois, tais alterações tornaram-se comuns e a fotografia ficou maleável, bem diferente do que Sontag havia chamado de “pegada ou máscara mortuária”.

Na época em que Claudio abordava seus vizinhos e pedia que posassem, ainda não havia chegado a época de We Are All Photographers Now!, título de uma exposição de 2007 na Suíça que reconheceria a onipresença dos celulares e suas câmeras. Quando Claudio realizava seu trabalho no Chelsea, ser retratado ainda representava um encontro privilegiado entre o sujeito e o fotógrafo, uma colaboração com potencial tanto para revelação quanto para posteridade. Como Richard Avedon descreveu, “Um retrato fotográfico é

uma imagem de alguém que sabe que está sendo fotografado, e o que ele faz com esse conhecimento faz parte da fotografia tanto quanto o que ele está vestindo ou sua aparência”. Na melhor das hipóteses, o retrato poderia ser uma mistura de psiques e almas, como em muitas das fotografias de Claudio.

Mas essa época não existe mais, interrompida pelos bilhões de selfies e outras imagens digitais carregadas online. Agora ocorreu uma mudança ainda mais transformadora: o advento da inteligência artificial, que torna o fotógrafo, o sujeito e até mesmo a câmera desnecessários. Em vez disso, agora é possível gerar imagens via prompts de texto que se assemelham às fotografias, com resultados obtidos em questão de segundos. Com algumas palavras descrevendo os moradores do Hotel Chelsea nas décadas de 1970 ou 1980, pode-se solicitar a criação de imagens fotorrealistas, como fiz enquanto escrevia este texto. Tais imagens retratam pessoas que nunca existiram, mas que poderiam ter sido vizinhas daqueles que aparecem aqui. Assim, as histórias podem ser facilmente distorcidas e as imagens aparentemente fotográficas podem começar a ser vistas com ceticismo, como uma possível simulação. A credibilidade da fotografia como registro do visível torna-se mais duvidosa.

Feitas em filme, processadas em uma câmara escura e encadernadas em um livro, as fotografias de Claudio sobreviveram a essas perturbações e ainda são capazes de iluminar vidas e tornar palpáveis os contextos em que foram vividas. Décadas depois, o leitor é capaz de reconhecer a realidade do casal de cegos, cada um sentado em sua poltrona, sendo que a mulher tinha que cantar o mais alto possível no duto de ventilação para que sua vizinha, Janis Joplin, parasse de ensaiar e eles pudessem dormir um pouco; o autor de dois livros que pintava com os dedos e limpava-os na parede antes de atender o telefone para que a parede em si, como ele dizia, “fosse uma obra-prima”; o pintor de 81 anos que deu

uma pintura em troca de aluguel gratuito e morreu aos 112 anos de idade como a pessoa mais velha dos Estados Unidos; o sósia de Jimi Hendrix, fotografado em um elevador do hotel, que disse: “Eu pareço mais com ele do que ele mesmo”; ou o produtor musical que posou com sua parceira e pode ter sido quem melhor descreveu a vida no hotel: “Você sente o cheiro de gente, de paixão. É notório que artistas viveram seus problemas aqui”.

Chelsea Hotel emoldura uma época em que se podia viver de maneira intensa e autêntica em uma comunidade de pessoas com ideias semelhantes que se encontravam e conversavam pessoalmente – e não online. Além disso, conseguiam interagir com as lentes de um fotógrafo intrépido, mantendo contato visual genuíno e prolongado. Esses sentimentos são evidentes até hoje, mesmo quando vistos da perspectiva de uma era menos tátil e cada vez mais virtual.

Agora não é mais como outrora: uma busca pelo Chelsea na internet resulta em um site de reservas que o anuncia como um hotel de quatro estrelas, pede que possível ocupante “sinta-se em casa em um dos 155 quartos equipados com frigobar e Smart TV. Desfrute de seu colchão de espuma viscoelástica com lençóis de algodão egípcio. Mantenha-se conectado através do acesso gratuito à internet sem fio”, e disponibiliza ainda “check-out sem contato físico”.

Este, obviamente, não é mais o mesmo Hotel Chelsea. Como fica claro nas fotos e entrevistas deste livro, memórias não eram formadas em colchões de espuma, e “sem contato físico” dificilmente descreveria a atmosfera do lugar. Entretanto, podemos ter certeza de que as almas de seus ocupantes retratados aqui –os verdadeiros tesouros do Chelsea – conseguiram perdurar com sua criatividade inequívoca, graças em grande parte a um fotógrafo dedicado em sua própria busca espiritual. Foi preciso um jovem brasileiro, ele próprio um forasteiro, para ajudar a lembrar melhor dessa comunidade de forasteiros.

Claudio Edinger no Chelsea

A primeira vez que vi o Hotel Chelsea, senti uma aversão imediata. Eram cerca de 23h, e eu estava acompanhando minha amiga Christiane, uma pintora francesa, até o saguão. Um mar de prostitutas e rapazes vestidos de couro rodopiava ao nosso redor. Pensei: “Nossa, que zoológico!” Olhei para Christiane e fiquei pensando como ela era capaz de morar em um lugar desses. Ela, no entanto, estava bem à vontade e me confidenciou: “Este lugar é fabuloso para artistas. Não preciso levar os galeristas até meu quarto, que é minúsculo; posso recebê-los bem aqui no saguão”. Balancei a cabeça, ainda meio perplexo. “E além disso – ela sorriu – é barato”.

Várias semanas depois, quando me vi sendo despejado da cobertura onde morava, lembrei-me das palavras de Christiane no saguão do hotel: “O Chelsea é perfeito para você. Você poderia fazer um livro fantástico sobre o hotel”. No entanto, diante da minha iminente mudança de endereço, o único livro que eu tinha em mente era meu talão de cheques, que trazia uma mensagem dolorosamente clara: mudar-me para o Queens, tentar uma vaga no YMCA ou torcer para que houvesse um quarto no Chelsea. Então lá fui eu, cambaleando para o centro da cidade em um trem IRT para a Rua 23 com Sétima Avenida, a apenas meio quarteirão do velho hotel que se tornaria meu lar.

O Chelsea era até bem apresentável durante o dia, com uma estrutura alta, mas não muito imponente, e decorada na fachada com varandas de ferro finamente forjado. Era o tipo de construção que um arquiteto descreveria como uma mistura eclética dos temas Beaux Arts e Gótico, ou, como disse um morador: “A coisa mais próxima da Europa em Nova York”.

Lá dentro, conheci o gerente, Stanley Bard, um homem esguio de meia-idade e de fala suave. Ele concordou em me mostrar rapidamente os quartos disponíveis, mas o que vi eram espaços que, pelos meus padrões de brasileiro nato,

Declaração do Fotógrafo

seriam considerados pequenos armários com camas e janelas. Muito pequeno para o meu gosto. Eu estava prestes a desistir daquele lugar quando Stanley sugeriu que eu desse uma olhada em um último quarto.

Pegamos um elevador que subiu lentamente até o décimo andar e caminhamos por um iluminado corredor de mármore até a porta que Stanley abriu gentilmente. Nada mal, pensei. O pé-direito era alto, a vista era boa e havia espaço para esticar meus braços. Stanley prometeu serviço de recados, toalhas, serviço de quarto e uma pequena geladeira – tudo gratuito. O banheiro era comunitário e ficava no corredor, mas isso dava para aguentar, pelo menos até que aparecesse algo melhor. Olhei para Stanley, que já estava sorrindo, e disse: “Vou ficar com este”, pensando que deveria ser melhor do que voltar para o Brooklyn. Minhas primeiras semanas no hotel pareciam o início de umas férias de verão inesquecíveis em um retiro exótico cheio de pessoas excêntricas e curiosas. Em todos os lugares onde estive, desde o banheiro até os elevadores e o saguão, conheci um novo rosto e uma nova história. Até mesmo além do Chelsea, por toda Nova York, conheci pessoas com histórias incríveis sobre o antigo hotel. E assim foi até que um dia acordei com um estranho sentimento de carinho pelo lugar. Eu era como o marido rebelde, há um mês em um casamento arranjado com uma mulher que ele não conhecia e com quem não se importava, mas que aos poucos acostumou-se com sua esposa. Não era amor em si – embora estivesse caminhando para isso quando comecei a planejar este livro.

Mas, como geralmente acontece em um lugar como o Chelsea, as pessoas e os eventos que o cercam atrapalharam meus planos. Certa noite, enquanto lia na cama, o alarme de incêndio soou de repente. Todos corriam para as escadas carregando filhos, violões, máquinas de escrever, animais de

estimação e pinturas inacabadas. Peguei minhas câmeras, juntei-me ao cortejo e comecei a tirar fotos no meio da confusão. Acabou sendo alarme falso, mas foi o incentivo de que eu precisava para dar início ao projeto.

Então os problemas começaram. Uma moradora do quinto andar, uma artista chamada Bettina, me viu fotografando e estava convencida de que eu era do FBI. Ela me ligou para me avisar que sabia quem eu era. Um famoso sedutor, condenado uma vez por estupro, ameaçou-me com magia negra por eu tê-lo fotografado nos corredores sem sua permissão. Depois disso, passei vários dias atento para ver se encontrava bonecos de pano espetados com agulhas perto da minha porta. Havia também, é claro, a chère Christiane, que, aos quarenta e poucos anos, casou-se com um garoto de 16 anos e 1,89 m de altura cujos pais surtaram quando souberam da notícia. Eles levaram o garoto literalmente à loucura e o forçaram a abandonar sua noiva. Depois disso, furioso, ele ficava ligando repetidamente para Christiane ameaçando matá-la. Uma noite, eu me meti e peguei o telefone; foi quando ouvi com rispidez: “Escute aqui, depois dela, você é o próximo”.

O quarto ao lado do meu, um pequeno cubículo, hospedava uma incrível amostra de moradores do Chelsea. Primeiro, havia um beberrão que saía arrumado e sóbrio do hotel todas as tardes e voltava tarde da noite completamente desgrenhado, rastejando de quatro como um urso atordoado e confuso. No verão, dormia nu com a porta aberta para se “refrigerar”, segundo ele. Depois dele, veio uma pintora divorciada que me não me deixava dormir com seu rock no volume máximo e gritos durante as relações sexuais. As paredes externas do Chelsea têm cerca de 90 centímetros de espessura, mas as paredes internas são, em sua maioria, muito finas – quase dá para ouvir o vizinho coçando a cabeça. Então veio outra ativista noturna que às 4h da manhã começava a gritar: “Seu vagabundo, a cadeira elétrica é culpa sua; a morte é culpa sua”. E quando eu reclamava na recepção, ela atendia as ligações com a constante ladainha: “A morte é culpa sua. A cadeira elétrica é culpa sua. Seu vagabundo, a morte é culpa sua”. Depois dela, chegou um

cara de aparência elegante, que achei que trabalhava em um escritório. Na noite seguinte, eu o vi no saguão vestindo roupas de couro preto e correntes. Depois dele, mudou-se para lá uma ninfomaníaca. Depois dela, uma mulher bêbada que gritava nos corredores. Acho que eu poderia ter escrito um livro só sobre meus vizinhos, mas nunca saberei a que custo para minha segurança e sanidade.

Em vez disso, apontei minha câmera para os moradores mais coerentes do Chelsea e confirmei o que Christiane me dizia desde o início – que o Chelsea é uma verdadeira estufa de talentos criativos. Dentro dessas quatro paredes, um brilhantismo artístico florescia como nunca havia visto. Foi no Chelsea que Arthur C. Clarke escreveu 2001: Uma Odisseia no Espaço, e Virgil Thomson escreveu sua famosa ópera americana, Lord Byron – sem contar as inúmeras pinturas, esculturas, músicas, peças, poemas e até bebês que foram criados lá. “Foi no Chelsea – vangloria-se Stanley Bard –que a esposa de Brendan Behan finalmente concebeu após anos de tentativas malsucedidas em outros lugares”.

Se há um catalisador para toda essa energia criativa, tem que ser a liberdade e o senso de tolerância que permeiam o hotel. Arthur Miller disse uma vez: “Aqui você não precisa usar gravata para pegar sua chave”. E segundo o escultor cubista Shmuel Kudish, “Se você é artista e está atrasado com o aluguel, Stanley vai entender”.

Para mim, um homem, George Kleinsinger, ilustra melhor o que é o Chelsea. George foi o autor da peça infantil Tubby the Tuba e da ópera Archy and Mehitabel, que se baseia na história de Don Marquis sobre uma barata eloquente e um gato impulsivo. Ele alugou uma quitinete na cobertura do hotel para escapar do abismo cultural da periferia urbana. Dez andares acima da Rua 23, ele criou um ambiente todo seu, hospedando uma incrível variedade de cobras, macacos, gambás, pombos, tartarugas e plantas. “Esta é minha ilha tropical”, esclarecia ele ao visitante, que podia ser tanto o garoto lá debaixo (que vinha vê-lo alimentar sua píton com ratos) quanto Walter Cronkite.

Com o tempo, a maioria dos animais mudou-se para outras moradias. A cobra era demais para as camareiras, que

se recusavam terminantemente a limpar o quarto de George. E um dos macacos, depois de ter se aliviado na cabeça do Sr. Cronkite, também foi mandado embora. O gambá era do tipo ciumento e tendia a morder George sempre que ele conversava com uma admiradora bonita. Ele havia se mudado para o Zoológico do Bronx quando George conheceu sua terceira esposa Susan em um elevador do Chelsea. Mas as pombas permaneceram, assim como o famoso jardim de plantas exóticas no terraço de George, e sua tartaruga, Gray, que dançava um passo ou dois sempre que ouvia uma melodia envolvente.

“Só vou sair do Chelsea morto”, George costumava dizer. E quando ele morreu de câncer aos 68 anos, sua esposa continuou a cuidar dos animais e do jardim, no qual ela jogou suas cinzas. No hotel, havia a sensação de que George nunca havia partido. As pessoas continuavam falando sobre ele;

sua lenda cresceu. Nada parecia mudar muito. Há uma estranha atemporalidade em relação os moradores do Chelsea, algo que se desgastou no próprio lugar, algo que tentei encontrar através das minhas fotos. É como o que o poeta B. H. Williams escreveu:

Poetas, artistas e músicos Desfilam aos montes, E, ocasionalmente, alguém famoso Entra pela porta da frente.

E lá está Stanley Bard dizendo: “Esperamos que tudo corra bem, porque queremos vocês aqui para sempre no Chelsea Hotel”

CHELSEA HOTEL

“O prédio fica na Rua 23 com o ar de uma grande dama que se vê no meio de uma festa de seus inferiores sociais, mas em vez de reclamar decide participar da diversão.” – New York Times

“A

atmosfera do hotel é tão criativa que até as prostitutas engravidam”. – Gene Winfield, porteiro

Gerente e coproprietário (centro) do Chelsea, ele diz que todo mundo apresenta algum grau de excentricidade. “Você encontrará ‘originais’ por toda a cidade. Eu também sou excêntrico –excêntrico em relação a este lugar”.

stanlEY baRd

Dizem que o antigo elevador do Chelsea é assombrado e para no primeiro andar sem motivo. Ninguém entra e ninguém sai. As pessoas afirmam que é o fantasma de Sid Vicious, o falecido guitarrista dos Sex Pistols, cujo último endereço foi o quarto 100 do Chelsea.

ElEvadoR

A britânica ilustradora de moda da revista New Wave relembra com carinho a “profissional” que morava ao lado. “Ela trazia muitos clientes para casa. Parece que ela fazia muito dever de casa”, brinca Su.

su cuRtis

dan

Cantor de música country, palhaço e mímico. “Adoro maquiagem”, diz ele. Ele começou a pintar o rosto aos cinco anos de idade. “Acho que não sou deste planeta”, afirma.

Músico, poeta e fotógrafo, ele revela que teve encontros com espíritos aqui, mas “os encontros foram muito especiais, e eu não quero falar sobre eles”.

Bidewell, que agora mora em Nashville, gravou uma música sobre o Chelsea, “Dream Hotel”.

JoE bidEWEll

Diretora de moda da grande empresa têxtil Wamsutta, ela foi assistente do editor da revista Vogue. “Adoro ver moda – diz ela – e, nesse sentido, o Chelsea é único. Por exemplo, a primeira vez que vi o visual punk foi no saguão do hotel”.

ann van Es

Talya comemora seu segundo aniversário.

FEsta dE anivERsáRio

Ele nunca teve que trabalhar na vida – a mãe o sustentava. Sofreu uma queda há dois anos e perdeu a memória. Teve que fazer uma cirurgia no crânio para recuperá-la.

John

Professora de francês e aluna da Universidade de Nova York. “O Chelsea tem prestígio underground”, declara. Sua avó paga o aluguel.

lisa KaPloWitZ

iRa cohEn

Quando poeta na juventude, conheceu Dylan Thomas no hotel e foi muito influenciado por ele. Ele se lembra do dia em que voltou para o Chelsea depois de uma longa viagem ao exterior: “O hotel tinha acabado de sofrer um apagão, alguém morreu em um incêndio no segundo andar, os Sex Pistols tinham pichado seus nomes nas paredes, e do lado de fora eu vi uma poça de sangue – alguém tinha acabado de pular de uma janela. Este ainda é meu hotel favorito em Nova York”. Ele também é fotógrafo.

Foi quem trouxe o tai chi e o teatro chinês clássico para os Estados Unidos. Ela diz que também levou a dança moderna para a China. Agora dá aulas nas Nações Unidas.

Delza morou no Chelsea até sua morte em 1996, aos 92 anos de idade.

soPhia dElZa

É autor de vários livros, peças e contos. Sua obra foi traduzida para 14 idiomas. Lind também é pintor. “Nova York é um ótimo lugar para anarquistas apolíticos como eu”, declara.

JaKov lind

Pintor sul-africano, ele afirma que os ratos do Chelsea são muito simpáticos. “Às vezes estou pintando e eles vêm e me encaram. Vou arranjar um gato”.

Ele é ator de cinema e trabalhou com o falecido John Belushi no filme Os Irmãos Cara de Pau. Ela desenha roupas femininas. Segundo Philip, as pessoas “descoladas” moram no SoHo ou em Tribeca; as pessoas que “se cansaram de ser ‘descoladas’ se mudam para lugares como o Chelsea”.

PhiliP combs E baRbaRa tEti

Arthur

Por mais de 20 anos (1956–1977), o Hotel Chelsea foi meu segundo lar, e, sentado aqui diante de meu processador de texto ao norte do equador, é difícil acreditar que não tenha voltado lá – ou mesmo aos Estados Unidos – por mais de meia década. Mas ainda guardo as memórias de seus corredores e de seus moradores (alguns deles tão exóticos quanto qualquer habitante das selvas do Ceilão).

Tenho lembranças particularmente afetuosas de Charles Jackson, uma pessoa gentil e amável que nunca repetiu o sucesso alcançado com Farrapo Humano (mas quantos autores contribuíram com uma obra indelével ao seu idioma?). Parece que conheci a maioria dos meus amigos escritores, músicos e artistas no Chelsea, e listar cada um deles seria um exercício tedioso. Mas não posso deixar de mencionar o compositor George Kleinsinger; a recente notícia de sua morte entristeceu-me profundamente, e pergunto-me o que aconteceu com todos os pássaros, peixes e répteis que tornaram seu apartamento no 10º andar verdadeiramente único (ainda guardo uma foto de sua charmosa tarântula de estimação cobrindo quase toda a minha mão).

Das centenas de memórias do último quarto de século, aqui estão algumas que me vêm à mente:

– Usar Norman Mailer como tema para o primeiro rolo (sim, rolo!) de Polaroid que fotografei.

– No telhado à noite, lançar raios laser nos pedestres que passavam na Rua 23. Eles ficavam hipnotizados pelo ponto vermelho-escuro e brilhante que ardia na calçada e, ao movê-lo, eu conseguia controlá-los como marionetes (isso foi na década de 1960; agora que todos sabem do que se trata, não funcionaria mais).

– Jantar com Edith e Clifford Irving no auge da peripécia de Howard Hughes e, durante a refeição, assistir a um sujeito dando uma entrevista na TV onde afirmava ser o próprio Hughes. Ele estava completamente envolto em bandagens, como Claude Rains em O Homem Invisível; quando foi desembrulhado à força, ele se revelou ser Mel Brooks (eu acho; se não fosse, deveria ter sido).

Preciso parar; estou ficando com saudade. . . . Mas, por uma reviravolta inesperada do destino, estarei no endereço 222 West 23rd daqui a apenas dois meses, enquanto promovo a sequência de um certo livro que escrevi no quarto 1008. Vejo vocês lá . . .

Colombo, Sri Lanka 6 de setembro de 1982

Esta estrela pornô de 21 anos afirma ter tido relações com mais de 5 mil homens – e nunca teve um orgasmo com nenhum deles. Ela também trabalha como dançarina de shows eróticos. Diz que não se importa em praticar SM, “porque depois que termino, compro um par de sapatos da Gucci com o dinheiro”.

“coRY”

Estilista suíça que possui uma loja de roupas vanguardistas no SoHo. “Aqui é uma aldeia vertical com todas as conveniências de uma mansão”, declara.

Bartsch, que se tornou famosa como empresária da vida noturna nos anos 1980, ainda mora no Chelsea.

susannE baRtsch

gEoRgE lEaRY lovE

Love (1937–1995) foi um fotógrafo afroamericano que teve uma carreira prolífica no Brasil nas décadas de 1960 a 1980. Ele é a única pessoa neste livro que eu já conhecia antes de me mudar para o Chelsea. “Quando estou na cidade – ele me disse – adoro ficar no Chelsea, a verdadeira Nova York”. A esposa de Love, Claudia Andujar, diretora do Museu de Arte de São Paulo, incentivou minha carreira fotográfica inicial.

Ex-entrevistadora de rádio, fotógrafa e escritora, ela recebeu uma bolsa do National Endowment for the Arts em 1979 e atualmente está escrevendo um livro que narra a arte moderna desde a Segunda Guerra Mundial até os dias atuais.

ann l. stubbs

anniE, Roo E RichaRd & Jan maRshall

Richard é designer cinematográfico e Jan escreve comunicados à imprensa sobre longas-metragens. Roo aparece em anúncios de TV para Kellogg’s e computadores Atari. Annie está com ciúmes.

lEE E mERlE listER

Ela é dançarina e diretora de dança. Ele trabalha como datilógrafo. “Adoramos o Chelsea porque é tão orgânico”, explicam. “Em Nova York, tudo é tão reto – os prédios, as ruas. . . O Chelsea tem essas belas linhas vitorianas. . . ”.

Merle Lister ainda mora no Chelsea e apareceu em Dreaming Walls, um documentário recente sobre o hotel.

nahum tschacbasov E iREnE ZEvon

Os dois são pintores. Ele mora aqui há 40 anos; ela veio ficar com ele há 16 anos. As pinturas dele estão nas coleções dos museus Metropolitan, Whitney e Brooklyn. Ela teve “51 exposições individuais”.

Ela é francesa e monja budista. Ele traduz livros budistas para o francês.

baRbaRa cREPon E PhiliPPE couPEn

man-laÏ

Nasceu em Paris, foi criada em Bruxelas e morou na Espanha a maior parte da vida. No entanto, declara: “Amadureci em Nova York”. Estilista de moda, ela fala seis idiomas, inclusive catalão. “Se não fosse pelo Chelsea – diz ela – eu não conseguiria sobreviver em Nova York. Aqui encontrei uma segunda família.” Clarence, seu gato, dorme com ela sob os cobertores toda noite.

Man-Laï ainda mora no Chelsea e administra seu negócio de organização de eventos em seu apartamento.

FRancEs cumbERbatch

Camareira do Chelsea, ela trabalha aqui há 15 anos. Foi difícil para ela limpar o quarto do compositor Kleinsinger: “Ele tinha aquelas cobras, sabe, e tocava piano com elas na cabeça”. Ela adorou quando ele se livrou delas.

Quando voltei da Europa para Nova York em 1964, o Chelsea foi minha primeira parada. Não havia nem sinal da atmosfera anônima e impessoal de um hotel. Sempre encontrava pessoas que conhecia da Europa nos corredores, integrantes do domaine poétique, como Bernard Heidsieck, Henri Chopin, Brion Gysin. Durante minha estada, Antony Balch filmou várias cenas de seu filme, The Cut-Ups. Cada quarto neste hotel é diferente. Aqui você encontra quartos de quase qualquer época – anos 1920, anos 1930 – ou quartos refrigerados, impessoais, que poderiam ser de qualquer lugar.

Há suítes com lareira e cozinha que poderiam ser dos aposentos de Holmes na Baker Street… Lembro-me de que Arthur C. Clarke ocupava uma dessas, um apartamento no último andar… Ele me mostrou seu Telestar, telescópio que lhe permitia ler o jornal de alguém sentado em um banco da Union Square. George Kleinsinger também morava no último andar – com suas árvores, vinhas e uma coleção de animais exóticos… sua selva em miniatura.

Naquela ocasião ele andava preocupado com sua píton – ela não estava comendo… Ele tentou de tudo: … codorna em lata, camundongos e ratos brancos. Certa vez ele teve que resgatar a cobra de um rato

branco que teria roído um buraco na serpente preguiçosa. Olhei ao redor, nervoso: “Não tem nenhuma tarântula ou escorpião por aí, tem? As pessoas têm, sabia?” Ele me garantiu que não tinha.

Também encontrei Norman Rubington no Chelsea. Ele escreveu Fuzz against Junk sob o pseudônimo de Akbar del Piombo. Não sei quantas vezes tive que jurar que eu não era Akbar del Piombo e que não tinha escrito esse livro. E havia Guy Frossaid, que publicou Minutes to Go da Shakespeare and Company em Paris na Rue de la Bûcherie … e Claude Pélieu e Mary Beach… velhos amigos de Londres.

Foi no Chelsea que Brion Gysin construiu a Dream Machine, um equipamento que ele estava tentando comercializar. Teoricamente, uma luz estroboscópica poderia precipitar convulsões em indivíduos predispostos. Ninguém queria arriscar ser processado por distribuir o artefato. As empresas recusavam-se até mesmo a fotografá-lo. Mas ele aparece no filme de Balch.

E é claro que me lembro de Stanley Bard, o proprietário e anfitrião perfeito – disposto a aceitar obras em troca de aluguel. Poderia um gerente de hotel fazer mais pelas artes do que ele?

Steele escreve fórmulas de física e espera um dia ganhar o Prêmio Nobel. Trabalha em meio período como assistente de pesquisa na Universidade de Vermont. Como vários gênios americanos, passou um tempo internado em um hospital psiquiátrico.

bRucE stEElE

do chEmYns

Designer de joias belga. Achou um manequim na rua e trouxe-o para casa. Ela diz que o ama. “Eu o trato muito bem, coloco roupas diferentes nele, levo para vários lugares. É o homem perfeito para mim”, afirma.

Quando os pais viajam com Jake, de 5 anos, nas férias, ele quer voltar.

Então lhe perguntam: “Você sente tanta falta de Nova York assim?” “Não, mas sinto falta do Chelsea”, responde ele.

baRbaRa E JaKE shaPiRo

Violinista, morava em um escritório em Manhattan: “Era um endereço nobre, mas sem janelas”. Treinado como músico clássico, ele agora toca mais o “popular” por causa do mercado.

Diz ele que já teve um longo caso com drogas. Agora é cantor, compositor e autor de dois livros de poesia, Neurotic Niches e Hero Sandwiches.

Perfumista freelancer britânica, ela declara: “O Chelsea parece um santuário. Quando as pessoas olham para você, não é com escárnio, mas com admiração – não importa a sua aparência”.

Julia

Faz a distribuição de catálogos para a casa de leilões de arte Sotheby Parke Bernet. Ex-dançarina da companhia White Dream em Amsterdã, ela revela: “Aqui sinto como se estivesse na Europa e não na América”.

Jasmin maRJoRiE PaganElli

Jim, maRY lou, Roxanna E JimmY shERWood

Jim é escritor e tem mais de 30 livros não publicados. Mary Lou é dona de casa, e Jim trabalha como motorista de limusine. Seus filhos nasceram no Chelsea.

Como repórter de jornal, trabalhou para o Chicago Tribune e Cincinnati Post. É autor de dois livros e pinta com os dedos como hobby. Toda vez que o telefone toca, ele limpa os dedos na parede antes de atender. “Minha parede é uma obra-prima”, explica.

david schWaRtZ

Inventor dos morteiros metálicos utilizados para proteger e conter instalações nucleares.

Wm. coRnElius hall

Pintora de Boulder, Colorado. “O Chelsea destruiu a imagem que eu tinha de Nova York”, revela. “Foi avassalador”. Ela produziu a maioria de suas pinturas durante os três anos em que morou aqui.

candY KlEin

realista francesa.

sabinE monYRis
Pintora

Quando descobri que estava grávida da minha segunda filha, disse a Stanley Bard que precisava de um apartamento maior. Stanley me deu o quarto que havia acabado de ser desocupado por Juliette Hamelecourt, ex-dama de companhia da rainha Julianna da Holanda. Quando minha primeira filha nasceu, em 1971, Juliette morava no quarto ao lado do meu. Na época, perguntei como ela havia conseguido o emprego, acrescentando que eu poderia muito bem fazer algo parecido. Ela respondeu: “Minha querida, você não pode se candidatar ao emprego. Você tem que nascer para ele”. Juliette não percebeu que eu estava brincando. No entanto, foi por causa de moradores como ela, com sua ingenuidade encantadora e seu jeito não tão americano de ver as coisas, que decidi ter minhas duas filhas no Hotel Chelsea. Afinal, em uma cidade tão famosa por sua tendência a Sodoma e Gomorra, encontrar um lugar como o Chelsea não é tarefa fácil.

O Chelsea foi meu primeiro lar quando me mudei para Nova York em 1963. Desde então, nunca mais consegui me mudar para um dos prédios “normais” da cidade. Não sei se isso se deve à estética inferior ou aos moradores inferiores. Mas uma coisa é certa: duvido que haja uma Josephine para atender suas ligações na central telefônica do famoso Dakota (se é que existe uma central telefônica lá). Não há um Charles, o porteiro-chefe, para levar seus filhos até o ônibus escolar no Beaux Arts. Em lugar do nenhum mundo você encontrará uma governanta como a Doris para limpar vômito de bebê do seu vestido preto favorito, ou um porteiro como o Pearl para buscar alguns Häagen-Dazs às 3h da madrugada. E, claro, duvido que haja um Stanley Bard no Lincoln West Towers para lhe dar 50 dólares quando um corredor roubar sua bolsa no Central Park.

Viva posa com a filha mais nova, Gaby Hoffmann, no colo; sua filha mais velha, Alexandra Auder, está de pé à esquerda. O pai de Gaby, o ator de novela Andrew Herrera, está na tela da TV.

Viva

maRc gublER

Baixista suíço, ele diz: “O Chelsea me faz lembrar o meu país. Não importa se a música que estou tocando está alta ou não. Aqui ninguém se intromete na minha vida”.

Este casal de cegos não conseguia dormir à noite porque Janis Joplin costumava ensaiar no apartamento ao lado do deles. Para parar a música, a Sra. Sellis foi até o duto de ventilação e começou a cantar o mais alto possível. Quando Janis implorou para que ela parasse, ela respondeu: “Só quando você parar”.

sR. E sRa. sEllis

Cineasta, escultora e videoartista, ela revela: “Em Nova York, o lugar onde você mora tem status. É importante. Adoro este lugar porque é muito perto de tudo – do MoMA, do SoHo, e há restaurantes baratos por perto. Não gosto de cozinhar”.

Suas obras foram expostas no Museu de Arte Moderna (MoMA) e no Metropolitan Museum. Ela foi premiada por seu trabalho cinematográfico em Cannes, no Festival de Cinema de Nova York e em Oberhausen.

As obras posteriores de Chase incluem Chelsea Hotel (1993), documentário de uma hora que marca o 110º aniversário do hotel.

doRis chasE

Eu o fotografei em um dos famosos elevadores do Chelsea. “Estes elevadores são assombrados”, afirmou. “Eles param primeiro no andar, o andar de Sid Vicious – ninguém entra, ninguém sai. Mas nem sempre . . . É estranho”. Sobre sua semelhança com Hendrix, ele brincou: “Eu pareço mais com ele do que ele mesmo”.

sÓsia dE Jimi hEndRix

Ele nasceu aqui e quer ser mágico quando crescer.

oRYa “chElsEa boY” shomRon

Pintor francês, ele se refere ao Chelsea como “um estado de espírito”. Ele gosta da atmosfera tranquila onde pode trabalhar sem encontrar pessoas. Antes de se mudar para o Chelsea, morava em um barco.

guY haRloFF

Com um bolo de steak tartare para todos os convidados (cães e donos), Barney comemora seu primeiro aniversário.

FEsta dE anivERsáRio dE baRnEY

Contador aposentado de uma “grande multinacional” (“desculpe, mas não posso revelar o nome”), ele afirma que prefere ficar no Chelsea do que ir para a Flórida.

Ele é fotógrafo de nus. Ela é crupiê desempregada. Ele usa sua cama como estúdio.

tRisha E sZabo

Ex-agente de condicional do Tennessee, agora é estudante de arte e design na Parsons School of Design. Ela sente falta de sua antiga casa, que tinha dois banheiros: “Não é fácil dividir seu banheiro com outras pessoas”.

PhoEbE diFtlER

Estuda Negócios Internacionais na Universidade de Nova York e trabalha no departamento de cheques de viagem do Citibank.

donna hastings

Jonathan bERg

É investidor e mora no Chelsea há cinco anos. Ao falar sobre o Chelsea, aproveita para citar o Super-Homem: “Esta é minha Fortaleza da Solidão.”

Berg ainda mora no Chelsea com sua esposa, Susan.

Ambos gostam de garimpar artigos em brechós e foram donos de oito lojas. Ele agora vende antiguidades, itens colecionáveis e curiosidades. “Consigo encontrar o que você quiser”, garante ele.

thomas PatRicK E WEndY gould

Ele é escritor e cineasta; ela é pintora e escultora.

“Eu me sinto muito romântico em relação ao hotel e às pessoas que moraram aqui antes”, declara Thomas. “Aqui sinto que estou vivendo em um filme. O hotel é definitivamente um filme – um filme de Fellini”.

schuYlER

Poeta, romancista e bolsista da fundação

Guggenheim em produção literária. Ganhou o Prêmio Pulitzer de poesia em 1981 e escreveu para as revistas New Yorker e New York Review of Books. Atualmente, é crítico de arte da Artnews.

JamEs

Lembro-me de um incêndio no Chelsea, talvez em março de 1972. Uma gritaria geral, todos subindo e descendo pelas escadas, lotando os corredores. Um evento comunitário! Todo mundo queria ajudar – idosos e crianças primeiro, depois as cobras de estimação e os gatos exóticos. Incêndio onde? Por quê? E as consequências? Não consigo me lembrar, e não importa. O que importa é que todos pareciam dizer (ou demonstrar com atitudes, o que é ainda melhor): “Nosso Chelsea está em chamas. Nossos vizinhos podem estar em perigo. O que posso fazer?” Ninguém vinha com: “Sai-da-frente-tenho-que-salvar-minha-própria-pele”. Desastres de qualquer natureza reduzem as pessoas a egocêntricos que falam sem sentido ou as elevam a integrantes de uma tribo. Essa consciência do senti-

mento tribal era muito mais acolhedora naquele dia frio de inverno do que as chamas (que provavelmente só queimaram o precioso estoque de alguém).

O Chelsea foi meu esconderijo e refúgio em um momento em que me tornei público sem querer e precisava de um ninho seguro, amigos, proteção. Stanley e a equipe entenderam. Além disso, eu e minha esposa estávamos falidos. Stanley organizou um leilão das pinturas dela no saguão; o ator Cliff Gorman foi o leiloeiro. Devemos ter vendido algumas telas, e houve uma bela festa depois. A tribo toda apareceu. Quando saí da prisão em 1974, fiquei lá novamente. Minha libido havia sido reprimida durante 16 meses. Eu me sentia frio, fora de mim. As moças do Chelsea acenderam outra chama.

Pintor e residente de longa data. Aos 81 anos, ele deu uma pintura ao gerente do hotel, que concordou em nunca aumentar seu aluguel.

O Sr. Cole hoje tem 106 anos.

Cole morreu no Chelsea em 1988, aos 112 anos.

Na ocasião de sua morte, ele era o homem vivo mais velho do mundo.

alPhEus colE

Ex-líder de uma banda de rock, Campbell agora está escrevendo dois musicais para a Broadway. Ele toca piano em um restaurante francês na parte nobre da cidade. De sua cobertura triplex, ele define o Chelsea como “uma mistura entre o Plaza e o Terminal Rodoviário Port Authority”.

Campbell, mais conhecido como Jobriath, o glam rocker dos anos 1970, morreu de AIDS no Chelsea em 1983.

bRucE camPbEll

Jogador de hóquei com mestrado em psicologia. Durante o dia, ele costuma praticar nos corredores. À noite, ele gosta de “dominação e disciplina”.

stEvE sloan

Pintor holandês, trabalha com marketing para se sustentar. Ele gosta do Chelsea porque “as paredes são grossas e se eu colocar um disco para tocar às 4h da manhã, ninguém vai se incomodar”. Ele encontrou um piano no corredor.

Van Es, que fundou uma empresa de papel de parede personalizado, morou no Chelsea até sua morte em 2009.

WillEm van Es

gEoRgE KlEinsingER

Compositor, escreveu Tubby the Tuba, um musical da Broadway para crianças. “Meu quarto é minha própria ilha tropical”, diz ele. Toda vez que ele toca piano, sua tartaruga, Gray, dança dentro do aquário.

Para não incomodar seu pai, que é pintor, ele pratica no corredor. Mas ele não incomoda todas as outras pessoas? “Até agora ninguém reclamou”, ele responde.

Trabalha parte do tempo como camelô e parte como artista de cinema Super-8; mora no Chelsea há 15 anos. Nos anos 1960, a verruga em sua testa era um sucesso místico. “Ah! Seu terceiro olho”, ela ouvia com frequência.

Entre os amigos de Biderman no Chelsea estavam Allen Ginsberg, Gregory Corso, Patti Smith e Robert Mapplethorpe. Sua filha Ann é a criadora das séries de TV Southland e Ray Donovan.

PEggY bidERman

É designer e documentou o teatro radical através de pinturas, desenhos e gravuras.

Trabalha ainda como ilustradora de tribunal para a NBC e leciona no ensino médio. Filha de rabino, tornou-se também esposa de rabino, mas acabou se divorciando dele para se casar com um revolucionário latino.

Fecher morou no Chelsea até 2003; seu documentário sobre integrantes de gangues do Bronx do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, Flyin’ Cut Sleeves, foi lançado em 1993. O filho de Fecher, Zev Greenfield, é fotógrafo e ainda mora no Chelsea.

Rita FEchER

Uma vez conheci um repórter investigativo valentão que me disse gostar de seu ofício porque lhe permitia “derrubar portas”. Eu diria de forma mais branda: a reportagem abre portas, como as que foram abertas para mim no Hotel Chelsea quando escrevi um artigo sobre ele para a New York Times Book Review em 1967. A maioria das pessoas que entrevistei eram memoráveis; todo o clima do lugar, a mistura de personalidades e talentos díspares, a aura de história – tudo se integrava para deixar um perfume de memória. Eu me materializei brevemente na vida de cada um deles e nunca mais os vi, e agora eles assumiram uma espécie de imortalidade na minha mente, como personagens de um romance que você segue fora da página impressa.

Quando vi estas fotografias de Claudio Edinger pela primeira vez, minha própria experiência voltou em um flash. Como eu, ele abriu portas e entrou em vidas; as pessoas que ele conheceu ganharam a imortalidade instantânea que a fotografia confere.

Cada um dos rostos nestas fotos é um retrato na sobrecapa de um livro não escrito. Quantas histórias podemos contar sobre eles! Eu me lembro de um pintor brilhante que havia sido aclamado pela crítica, mas que acabou sendo descartando por acaso pelos volúveis formadores de opinião do mundo da arte de Nova York. Ele guardava suas pinturas escondidas do mundo como crianças deficientes, até que a roda da moda girasse novamente.

Na época em que fiquei lá, o Chelsea foi fustigado pelas correntes culturais e contraculturais dos anos 1960. As camadas da Boêmia estavam expostas como estrias geológicas. A camada mais recente era a dos Novos Boêmios – os hippies – o jovem romancista taciturno que escreveria seu único livro de sucesso estrondoso, os cantores de rock, as tietes e os executivos de A&R das gravadoras, prematuramente ricos e cabeludos, ainda na casa dos 20 anos. Outro estrato era o dos Velhos Boêmios –os ex-radicais trabalhistas, os rebeldes não tão jovens de Greenwich Village, ainda animados e desafiando as convenções com olhos brilhantes e travessos. E, finalmente, havia os Boêmios Internacionais – um romancista tcheco, um pintor australiano, um artesão japonês, um escultor holandês – para quem o hotel era uma estação de passagem no circuito global de vanguarda. Acrescente ainda as viúvas dos artistas, os artistas sem portfólio (ou talento), os parasitas, os farsantes – e temos um Grand Hotel vulgar esperando que um Lubitsch ou Fellini grite: “Silêncio no set. Câmera! Ação!”

Lendas do mundo da arte pairam densamente no ar do Chelsea; o passado é palpável. E embora possa ser verdade que a arte é a única vida após a morte, os artistas do Chelsea não estão lá para saborear a imortalidade, uma imortalidade inconstante que depende do giro da roda. Na verdade, é de se perguntar quais artefatos impregnados com o sopro da vida de seus criadores estão guardados e esquecidos naquele hotel. No final, é talvez a evanescência espalhafatosa da vida que seja sentida mais intensamente no Chelsea. Edgar Lee Masters disse isso em seu poema “The Chelsea Hotel”:

Que amores foram vividos aqui, que desesperos suportados

Agora eu estava no quarto de outro pintor. Um velho filósofo. Pendurada em uma parede, havia uma enorme imagem de um mastodonte pintado com realismo escrupuloso – a não ser pelas presas curvas da fera, que haviam crescido tanto que penetravam seu crânio. “Este é o homem moderno”, ele explicou, “destruindo a si mesmo com sua tecnologia excessiva”. Tempos depois, li a história de Stuart Cloete, “The Blast”, de 1946, na qual um sobrevivente de uma guerra nuclear vive em uma caverna sob o Chelsea. Imagino se Cloete havia visto o quadro antes de escrever: “O homem se sobrecarregou com essa mesma tecnologia em um sistema que correspondia à armadura dos répteis pré-históricos e, como eles, incapaz de mudar, foi forçado à autodestruição pela própria extensão de seu desenvolvimento.”

Que crianças nasceram aqui, e que enlutados se foram Fora de suas portas, que paz e que lamento Esses quartos conheciam, há muito obscurecidos.

Dá aulas de tai chi e trabalha como tipógrafa durante a noite. À tarde, ela faz ioga no telhado.

chRistEl hEnning

É escultor, artista plástico e figurinista de strippers. Morava em um prédio de três andares no coração da Times Square, mas mudou-se para o Chelsea pois, segundo ele, “nenhum outro hotel me aceitaria”.

Possui mestrado em História da Arte pela Universidade de Columbia e foi professor adjunto do Brooklyn College. “Aqui não parece um prédio burguês”, diz ele. “Adoro o pédireito alto do meu quarto. Minha mente tem bastante espaço para pensar”.

John RussEl

Veterano da Guerra do Vietnã, foi ferido por um foguete que caiu a menos de 3 metros de distância de onde estava. Para ajudar a aumentar sua renda – de cheques que recebe da Administração de Veteranos – ele cria dobermanns.

daRREll mondEllo

oliviER chandon dE bRaillEs

Piloto profissional de automobilismo e herdeiro da fortuna do champanhe Moet & Chandon, ele afirma: “Aqui é a verdadeira Nova York”. É faixa preta de segundo grau (2º Dan) em taekwondo.

Chandon, que namorou a modelo Christie Brinkley enquanto morava no Chelsea, morreu em uma pista de corrida na Flórida em 2 de março de 1983, pouco depois que esta fotografia foi tirada.

Pintor espanhol com obras nas coleções dos museus Metropolitan e Hirshhorn, é especialista em representações de violência e guerrilha. Uma de suas obras encontra-se na sala de jantar do dono da montadora Fiat, Giovanni Agnelli.

gaston oREllana

Ele é produtor musical; ela é dançarina e aspirante a atriz. “No Chelsea, a estética está presente até no cheiro do seu quarto”, afirma Andre. “Você sente o cheiro de gente, de paixão. É notório que artistas viveram seus problemas aqui”.

andRE saundERs E chERRY andERson

Escultor cubista e imigrante russo. Ele diz: “Se você é artista e não tem dinheiro para pagar o aluguel, o gerente entende. Para um artista, isso é incrível”.

shmuEl

Foi editora da seção de moda do Sunday Times em Londres e escreveu o livro Good Golly, Ms. Molly. Segundo ela, “meus interesses eternos são humor e sexo”.

Parkin agora mora em Londres e retomou sua antiga carreira de pintora. Entre suas obras recentes está uma gravura intitulada Chelsea Hotel Orgy.

mollY PaRKin

RichaRd bERnstEin

Ele mora no Chelsea há 10 anos. Sua obra está na coleção do Museu de Arte Moderna (MoMA). Responsável pela criação de capas ousadas para álbuns e para a revista Interview.

Berstein morou no Chelsea até sua morte em 2002. O livro Richard Bernstein, Starmaker: Andy Warhol’s Cover Artist (2018) fez ressurgir o interesse por seu trabalho.

Foi bolsista da fundação Guggenheim em música em 1981 e compôs a trilha sonora original do filme Três Mulheres, de Altman. Gerald foi caixeiro-viajante e passava a maior parte do tempo em hotéis. “Tudo é tão instável. O hotel faz você criar sua própria estabilidade através do seu trabalho”, diz ele. Ele também é professor de piano.

Busby ainda mora no Chelsea.

gERald busbY

Waitzkin deixou para trás uma vida cheia de privilégios para mergulhar na cena artística do centro de Nova York. Ela transformou seu quarto no Chelsea em um ambiente artístico: nesta foto, os livros dispostos em suas prateleiras não são volumes reais, mas esculturas feitas de resina. Após a morte de Waitkin em 2003, seu quarto foi parcialmente reproduzido no John Michael Kohler Arts Center em Wisconsin.

stElla WaitZKin

Escultor e morador do Chelsea por 24 anos, fez esculturas de Harry Truman, Charles de Gaulle, Mahatma Gandhi, George Bernard Shaw e Arthur Miller.

A escultura em baixo-relevo Seven Arts, de Shapshak, ainda está pendurada acima da lareira no saguão do Chelsea.

REnÉ shaPshaK

Bettina caminhava pelos corredores do Chelsea empurrando um carrinho de compras com todos os seus objetos de valor. Ela hesitou em me deixar fotografá-la porque podia jurar que eu era do FBI – e me contou. Depois passou a dormir no corredor porque seu quarto estava abarrotado de suas obras de arte – que agora estão sendo adquiridas pelo Museu de Arte Moderna (MoMA) e outras instituições importantes.

bEttina gRossman

É compositor e mora no Chelsea há 40 anos. Escreveu sua ópera Lord Byron no hotel. Hoje ele compõe “retratos” musicais de rostos de pessoas.

Thomson morreu em sua suíte de seis cômodos no Chelsea em 1989, aos 92 anos.

viRgil thomson

Lavador de janelas há 35 anos, ele limpa as do Chelsea há apenas quatro. “Não é fácil, sabe? Você comete um erro e já era”. Ele me conta que seu hobby é dançar e que sonha em vender mariscos em Long Island depois de se aposentar.

JosEPh PolacEK

francês que pinta

JacQuEs halbERt
Pintor
apenas cerejas. Costumava dar festas nas quais ele vinha como o bolo.

Stanley lembra-se de quando deu permissão a Martha Graham, coreógrafa da Metropolitan Opera, para um ensaio de Aída. O resultado conseguiu desestabilizar até mesmo o inabalável Sr. Bard, que está acostumado a lidar com “artistas” e seus pedidos esdrúxulos. Bard conta que Graham havia pedido apenas que os elevadores ficassem funcionando até tarde. Naquela noite, o recepcionista, histérico, ligou para a casa de Bard, dizendo que havia limusines na frente do hotel e que havia leões e tigres entrando no hotel. Bard disse: “Você deve estar brincando”. O recepcionista estava falando sério. A Sra. Graham, no entanto, garantiu a Stanley que os leões (não havia tigres) eram educados. Como de costume, nenhum dos vizinhos reclamou naquela noite.

hotEl

“Então eu entendi – tudo foi explicado; eu tinha descoberto o erro supremo da cidade, sua caixa de Pandora. Cheio de orgulho presunçoso, o nova-iorquino subiu aqui e viu, consternado, o que nunca suspeitara: que a cidade não era a sucessão infinita de desfiladeiros que ele supunha, mas que tinha limites – da estrutura mais alta, ele viu pela primeira vez que ela se desvanecia no campo em todas as direções, em uma vasta extensão de verde e azul ilimitada em si mesma. E diante da terrível percepção de que Nova York era afinal uma cidade e não um universo, toda a brilhante edificação que ele erguera em sua imaginação desabava no chão. . . ”.

– F. Scott Fitzgerald, “My Lost City,” 1932

I.

Primeiro, o vemos como objeto. Uma grande pilha escura e cambaleante, da cor de sangue seco, elevando-se 11 andares acima de uma rua encanecida pelo tempo. Por aquela rua insone vagam bêbados peregrinos, prostitutas decadentes, homens de olhos fundos consumidos pela anorexia da heroína. Desde sempre, eles sabem que a cidade tem limites e por isso nunca olham para cima. Não enxergam esse edifício extraordinário, ao mesmo tempo ruína e monumento, esse artefato da cidade perdida de todos, esse habitat humano comparado tão frequentemente a uma dama que parece que seus verdadeiros arquitetos foram Henry James e Edith Wharton. Anos depois de seus contemporâneos terem deixado o planeta, o edifício persiste e perdura, sendo sua sobrevivência um ato de crítica e ironia.

A dama, com certeza, rege uma corte um tanto decadente agora. Se caminhar da Sétima Avenida até a entrada do edifício, você passará por diversos estabe-

O Chelsea aos 100 anos

PEtE hamill

lecimentos como Arby’s Roast Beef, Blarney Stone Bar & Grill, Aristocratic Deli, Maria's Hairstyles, o restaurante espanhol Centro Vesco, Brothers Haircut, Arlington Launderers, Brenners Income Tax e Capitol Fishing Tackle, além dos pelos portões de ferro da Interesting Records. A dama parece distante – a ponto de chegar à indiferença e com uma máscara de total desdém – ao completar seu centésimo aniversário.

Drogados e pizzarias, prostitutas e Big Macs, bêbados e botequins não a perturbam; ela já viu de tudo. Mas ela se instalou na Rua 23, repleta de janelas salientes e cumeeiras, coroada com uma tiara de chaminés, cingida com faixas de pedra, seu grande volume do século XIX adornado pela caligrafia rendada de suas varandas de ferro. Nem parece se importar com o crachá que foi forçada a usar pelos senhores do comércio, aquele que diz Hotel Chelsea. Está lá para qualquer um que não saiba seu nome; aqueles que sabem não precisam perguntar.

Então ela olha para os campos frios e partidos de sua cidade em ruínas com os olhos firmes e o orgulho duro e silencioso de uma sobrevivente. Mas se você ficar em frente ao McBurney YMCA do outro lado da rua (seu companheiro desde 1904) e observá-la por um longo tempo, se você passar por ela tarde da noite quando o vento de inverno sopra do rio Hudson, se você ouvir atentamente em uma noite de verão depois que a sirene tocar pela última vez em direção ao Hospital St. Vincent, você pode ouvi-la sussurrar.

É um sussurro rouco. Fraco. Às vezes confuso. Mas traz a história da Nova York perdida.

Conheço você, diz a dama. Conheço todos vocês. Conheço suas alegrias, seus sucessos, suas tragédias, seus fracassos, suas fraudes; abriguei sua arte e sua música – e seus assassinos também. Você quer ouvir a

história de Jim Fisk, que tinha um escritório na esquina do Grand Opera House, saqueava ferrovias e tesouros e fazia amor com Josie Mansfield em lençóis de seda? Ou prefere a história do baixista Sid Vicious, aquele pobre garoto de poucos talentos, destruído pela ânsia de tornar-se um mito? Eu vi ambos, suas chegadas lânguidas e partidas abruptas. Eu sussurro sobre tolos e adúlteros, ela diz, anões e comunistas e estelionatários franceses; poetas aleijados e pugilistas homossexuais; cineastas que não fazem filmes, pintores que não pintam quadros e romancistas que não escrevem romances. Você quer ouvir a história do abortista do 902, que saiu para almoçar em uma tarde chuvosa e não parou até chegar a Xangai, onde morreu nos grandes tumultos de 1927? Ele esteve aqui; junto com astros do beisebol e soldados da fortuna; beatniks, hippies e punks; homens que afundaram no Lusitânia e outros que embarcaram no Normandie; mafiosos e fugitivos, revolucionários e policiais corruptos; dançarinos inaptos e atores que não conseguiam decorar suas falas; jóqueis que perderam a batalha para o peso e cantores com vibratos trêmulos; fugitivos, jogadores e andarilhos noturnos. Alguns grandes artistas. Alguns bons poetas. E pessoas simples e decentes também; pessoas que trabalhavam; pessoas que refizeram suas vidas aqui e tornaram-se mais fortes nas cicatrizes; seres humanos que encontraram refúgio na dama como parte de sua estratégia contra a solidão. A velha dama, reumática com o tempo, sussurra a respeito de todos eles. E lá está ela, aos 100 anos de idade, regente do país das perdas. Ela sabia, muito antes de Fitzgerald, que Nova York tinha limites.

“Coroados não apenas sem história, mas sem qualquer possibilidade crível de tempo para a história, e consagrados por nenhum uso exceto o comercial a qualquer custo, eles são simplesmente as notas mais penetrantes nesse concerto do dispendiosamente provisório em que seu supremo senso de Nova York se resolve. Eles nunca se dirigem a você como as majestades da construção do mundo que conhecemos até agora – torres ou templos ou fortalezas ou palácios – com a autoridade de coisas de permanência ou mesmo de coisas de longa duração. Uma história é boa apenas até que outra seja contada, e arranha-céus são a última palavra em engenhosidade econômica até que outra palavra seja escrita”.

– Henry James, The American Scene, 1905

II.

Quando James escreveu sua queixa desolada sobre arranha-céus “dispendiosamente provisórios” que haviam suplantado a Nova York de sua infância, o Chelsea já tinha 22 anos e havia passado por uma grande transformação. Conta a história que o Chelsea foi concebido originalmente como a primeira grande cooperativa de apartamentos particulares da cidade cujos proprietários eram 10 pintores e artistas bem-sucedidos da época. Como tantas outras coisas sobre a velha dama, isso é difícil de confirmar. É fato que um anúncio no Real Estate Record de 20 de janeiro de 1883 descrevia “um edifício de 12 andares, de tijolo, com acabamentos em arenito, apartamento para 40 famílias, 175 × 86, mansarda, telhado de tijolo e patente News, custo 300 mil dólares; proprietário, George M. Smith, et al.; arquitetos, Hubert, Pirsson & Co. 19 East 20th Street”. O anúncio não trazia mais detalhes. Sabemos que a empresa Hubert, Pirsson construiu o Chelsea, que o elaborado trabalho em ferro nas sacadas foi projetado por J. B. e J. M. Cornell. Mas se de fato houve 10 proprietários originais, seus nomes se perderam. Nos arquivos do Museu da Cidade de Nova York, há outro recorte, do Record and Guide, de 29

de março de 1884, onde se lê: “Todos os apartamentos foram comprados logo após o início da construção, cada conjunto de quartos está com grande sobrepreço em relação ao custo original. . . . Os proprietários dos vários apartamentos acreditavam que as despesas operacionais não lhes custariam nada pois as lojas do térreo e os dois andares superiores eram destinados a inquilinos a fim de gerar renda”.

Sabemos ainda que em 1884, o Chelsea possuía 97 suítes, variando de três a 12 quartos, e que no último andar havia estúdios duplex maravilhosos, também considerados os primeiros em Nova York. Supõe-se que o Chelsea também tenha apresentado a primeira cobertura da cidade e o primeiro jardim no terraço. Talvez. Não se pode ter certeza. O que é certo é que os homens que a conceberam o fizeram “como as majestades da constru-

ção do mundo”, como James descreveu aqueles edifícios trazidos ao mundo para sobreviver por muito tempo. Eles começaram com a localização. Naquela época, a Rua 23 era uma das vias mais elegantes da cidade. Na esquina da Oitava Avenida ficava o Grand Opera House, todo de mármore barroco e retórica arquitetônica; sobreviveu como teatro, casa de vaudeville e cinema dos estúdios RKO até 1960, quando foi demolido para dar lugar à feiura estéril das ILGWU Houses, uma cooperativa de apartamentos. Koster and Bial’s Concert Hall, o principal palco para as atrações de vaudeville da cidade, ficava na Rua 23, assim como o famoso Madison Square Hotel (depois renomeado para Bartholdi em homenagem ao escultor da Estátua da Liberdade), grandes lojas de departamentos como a Stern Brothers e restaurantes como o Mouguin’s, tão amado pelo pintor Everett Shinn da escola “Ashcan”. De 1886 a 1890, Lily Langtry morou na 361 East 23rd Street, em uma linda casa que hoje não existe mais. O bizarro Eden Musée, o museu de cera mais famoso da cidade, ficava no lado norte da Rua 23, a oeste da Quinta Avenida (era uma obra-prima extravagante, demolida em 1916 e substituída por um feio edifício comercial). Perto da Nona Avenida, Clement Clarke Moore escreveu “’Twas the Night Before Christmas” em uma casa de propriedade de sua família, sendo que na parte da rua que terminava no North River ficava a entrada para a Pavonia Ferry, que fazia parte da New York–Lake Erie and Western Railroad Company, uma das empresas de Fisk; essa estrutura precária durou até 1950. Aqui havia grandes lojas, editoras e, claro, teatros. Vinte anos após a Guerra Civil, o conceito de glamour de Nova York estava apenas surgindo, criando um mundo especial de fortuna e celebridade. Por um breve período, a Rua 23 foi seu epicentro.

Nesse burburinho, surgiu o Chelsea. Foi uma época de otimismo extraordinário na vida americana; a nação havia sobrevivido à terrível Guerra Civil, e Nova York havia sobrevivido aos roubos do Tweed Ring no pós-guerra. Parecia que a República continuaria crescendo

para sempre, sendo Nova York sua principal metrópole. Quando aqueles talvez míticos 10 nova-iorquinos decidiram construir o Chelsea, eles se comprometeram não apenas com o presente da cidade, mas também com seu futuro. Gastaram a então vasta soma de 1,3 milhão de dólares, afundando porões profundamente no leito rochoso, até mesmo abrindo um túnel de 90 metros que ainda pode ser visto na Rua 22. Os 11 andares do edifício erguiam-se 90 metros acima do nível da rua, tornando-o a estrutura mais alta de Nova York, um título que reivindicou até 1902, quando o Flatiron Building foi inau-

gurado na esquina da Rua 23 com Quinta Avenida. Os corredores eram revestidos de mármore branco. As paredes externas tinham 90 centímetros de espessura, as internas eram de tijolo sólido, e os quartos ostentavam lareiras e cornijas esculpidas à mão. O ponto alto do interior era a magnífica escadaria: mármore preto, 11 andares do saguão até o telhado. Estávamos na era da coisa bem-feita; da pintura bem-feita, do livro bem-feito, do terno bem-feito e, claro, do edifício bem-feito. Os 10 proprietários originais não se decepcionariam. Embora não tenha sido uma obra-prima da arte arquitetônica, o Chelsea foi um esplêndido exemplo de arte manual.

O restante do século, se pudermos acreditar nos recortes amarelados das hemerotecas, foi um período de elegância estável. Grandes jantares fizeram a elite da sociedade de Nova York cruzar suas portas, inclusive um nova-iorquino chamado Chester Alan Arthur, que era Presidente dos Estados Unidos (havia sido convidado por Charles Melville Dewey, pintor que morava no hotel). Mark Twain passava lá para ver os amigos. Quando se apresentava no Grand Opera House, na mesma rua, Lillian Russell muitas vezes era levada de carruagem para o Chelsea para se divertir como uma rainha.

Naquela época ainda era possível, por um breve intervalo de tempo, morar em Nova York sem uma consciência crítica das mudanças que aconteciam na antiga cidade protestante. A América havia entrado em uma era de produção em larga escala, de bancos de investimento, de exploração de recursos naturais – uma era impulsionada pela nova tecnologia. A fronteira foi declarada oficialmente fechada; a ferrovia e o telégrafo mudaram nossa noção de espaço; máquinas de colheita nos permitiram alimentar milhões de pessoas. E ao porto de Nova York chegavam enormes ondas de imigrantes para trabalhar nas empresas desse novo capitalismo pujante. Na época da eleição de Lincoln, os Estados Unidos eram uma república rural; na época de McKinley, tínhamos nos tornado um império industrial. Os imigrantes, que tornaram tudo isso possível, começaram a romper

as fronteiras dos cortiços nos quais haviam sido lançados. A geografia da cidade começou a mudar. Nova York estava se mudando para a parte norte, mais nobre.

Em 25 de janeiro de 1893, o empresário teatral Charles Frohman inaugurou um novo teatro chamado Empire. Não ficava na Rua 23. Em vez disso, Frohman escolheu um local no lado leste da Broadway, logo abaixo da Rua 40. Para alguns observadores, parecia apenas a inauguração de mais um empreendimento teatral; falava-se sobre o belo foyer e a decoração com adornos em vermelho e dourado no auditório. Mas havia algo maior acontecendo, o início de uma mudança urbana inexorável.

“Ninguém percebeu que a inauguração do Empire marcou o início de uma nova era teatral”, escreveu Lloyd Morris, historiador de Nova York. “No entanto, o Empire marcou o início do século XX”.

Ali nascia o teatro da Broadway. Em poucos anos, os teatros da Rua 23 começaram a fechar, alguns para sempre, outros para reabrir na parte norte da cidade. E quando eles se mudaram, os produtores, escritores e estrelas os seguiram, levando consigo sua aura de artificialidade dourada e glamour malva do século XIX. Logo, a Rua 23 foi relegada a uma essência mais simples e feia.

Os bondes ainda chacoalhavam ao longo dos trilhos; as ferraduras de alguns últimos cavalos retiniam nos paralelepípedos. Empresários trabalhavam em escritórios; oficinas clandestinas foram abertas; o comércio continuou. Mas não havia mais o glamour. Na época, como agora, as incorporadoras imobiliárias não demoraram a agir; prédios construídos para durar um século desmoronaram diante da bola de demolição e foram substituídos por estruturas mais feias e lucrativas. O Chelsea, no entanto, permaneceu intacto.

O que não quer dizer que o Chelsea não tenha mudado, já que a opulência foi transferida para outro lugar. Os homens que o construíram envelheceram, morreram, ou, no caso daqueles artistas possivelmente apócrifos, simplesmente saíram de moda. Ao mesmo tempo, fissuras começaram a se abrir na fachada de otimismo que havia

marcado a economia americana. Houve um grande pânico financeiro em 1893, e um mais breve em 1903. Os analistas começaram a conter os piores excessos do capitalismo selvagem, e sindicatos começaram a ser formados nas fábricas de Nova York. Mas agora também um peso maior caía sobre os contribuintes de Nova York, pois o número crescente de imigrantes precisava ser atendido por escolas, hospitais e serviços. Os impostos locais aumentaram para custear essas necessidades e, na época do pânico de Wall Street em 1903, o Chelsea estava falido. Os antigos inquilinos começaram a sair. O prédio acabou sendo vendido e, em 1905, ano em que Henry James estava vagando por sua própria Nova York em ruínas, o Chelsea foi reaberto para funcionar como hotel. Em 1909, foi incluído no Handy Guide to New York, de Rand McNally, oferecendo quartos com uso de banheiro por US$ 1,50, quartos com banheiros privativos por US$ 2,00 e suítes a partir de US$ 3,50. A dama enfrentou momentos difíceis, mas, mesmo assim, sobreviveu.

O dia de hoje passará como correntes de ar

Que mudam e morrem. Diga-me como as almas podem ser

Chamas de sofrimento e de êxtase

E depois seguir como os ventos seguem.

– Edgar Lee Masters, “The Chelsea Hotel” III.

Grandes cidades muitas vezes parecem ter sido inventadas por bons escritores. Temos certeza de que Paris foi criada por Balzac; Londres, por Dickens; São Petersburgo, por Dostoiévski; Los Angeles, por Raymond Chandler. De maneira importante, Nova York foi levada a termo por um homem que usou o Hotel Chelsea pós1905 como uma de suas bases. Seu nome era William Sydney Porter, e, embora não fosse um escritor extraordinário, era de fato muito bom, e o retrato de Nova York desenhado em seus muitos contos é fundamental para entender a cidade durante um período específico de sua história. Ele se autodenominava O. Henry.

De certa forma, Porter era o arquétipo do morador mais recente do Chelsea. Nascido em 1862 em Greensboro, Carolina do Norte, filho de um médico alcoólatra que passava a maior parte do tempo trabalhando em um moto-contínuo, Porter mudou-se para o Texas em 1881, talvez por causa da saúde. Aquele foi um ano bem americano: Henry James publicava Retrato de uma Senhora; Doc Holliday e Wyatt Earp estavam envolvidos no tiroteio no OK Corral. Porter era um jovem brilhante, bom cartunista, um americano envolvido no processo de se inventar. Ele se casou com Athol Estes, a filha linda de pais ricos, e foi trabalhar como caixa no First National Bank de Austin. Por um tempo, a vida foi pacata e serena. Então, em 1894, quando Porter tinha 32 anos e uma filha de cinco anos, foi descoberto um rombo de 5.557,02 dólares em suas contas no banco. Confrontado com essas acusações, Porter deixou o país, abandonando esposa e filha, e foi para Honduras.

E lá ficou por quase dois anos, até que chegou a notícia de que sua esposa estava prestes a morrer. Ele retornou ao Texas, foi preso por acusações federais de desfalque bancário e condenado a cinco anos na Penitenciária Estadual de Ohio. Então começou a escrever contos usando o famoso pseudônimo e publicou 14 deles quando saiu da prisão em 24 de julho de 1901. Uma vez livre, foi para Nova York e tornou-se escritor profissional.

De acordo com seu biógrafo, Gerald Langford, Porter era um autêntico andarilho urbano. Ele vivia mudando de hotel, bebia até dois litros de uísque em alguns dias e costumava passear pela pelas ruas 14 e 23 flertando com vendedoras de lojas para breves romances. Esse padrão continuou após seu casamento em 1907 com Sarah Coleman, sua namorada de infância que também era escritora. Na maior parte do tempo em que viveu em Nova York, Porter morou em 55 Irving Place, do outro lado da rua do Healy’s Cafe (hoje Pete’s Tavern), onde passava

muito tempo na primeira mesa à direita, ouvindo histórias, escrevendo muitas outras ou bebendo. Ele dava gorjetas generosas, bebia muito, era um mulherengo incurável; quando ficava no Chelsea, geralmente usava um nome falso. Como tantos visitantes passageiros, ele dizia que queria escrever um romance – e nunca o fez. Mas quando a cirrose o forçou a ir para a Policlínica de Nova York em 1910, ele havia escrito 250 contos, alguns dos melhores produzidos por um escritor americano. Mas, como tantos autores, ele não poderia escrever se seu fígado virasse pedra.

“Acenda as luzes”, pediu ele em seu leito de morte, com uma frase que poderia servir de lema para muitos moradores do Chelsea. “Não quero ir para casa no escuro”.

A tradição literária do Chelsea começou com O. Henry, e durante o resto do século XX vários autores mudaram-se para lá, escreveram, amaram, fracassaram, triunfaram, traíram talentos e amigos, ou cresceram até atingir a maturidade e algo como sabedoria. Os motivos pelos quais tantos escritores foram atraídos pela velha dama são, sem dúvida, tão variados quanto seu próprio estilo, obra e vida. Mas provavelmente há algumas generalidades a serem feitas. A vocação do escritor está entre as mais solitárias que o homem conhece, a não ser que ele trabalhe no teatro ou no cinema, esses ofícios do espírito coletivo. Os romancistas, poetas e contistas trabalham sozinhos, e quando o isolamento é acompanhado da solidão, os autores muitas vezes são levados ao silêncio, ao alcoolismo ou ao suicídio. Outros criam estratégias para lidar com a solidão. Uma delas é encontrar um lugar onde o isolamento seja possível dentro da estrutura de uma comunidade maior. Os cafés de Paris têm se prestado a esse papel para incontáveis gerações de escritores, assim como as redações de jornais ocupam esse lugar para muitas pessoas, e os bares para tantas outras. Todos esses lugares estão localizados em centros urbanos e, de certa forma, o Hotel Chelsea funciona como uma cidade dentro de outra.

E, assim, um escritor chega a essa pequena cidade dentro da outra; no saguão e no elevador ele encontra seus pares, atormentados e extenuados, ou alegres com algum triunfo; ele se retira para seu próprio quarto e trabalha em seu ofício taciturno, para emergir novamente entre rostos familiares. Em algum lugar, em alguma viagem, em alguma jornada, ele encontra outro companheiro de guilda, um artesão que sofre com o fracasso de um livro ou de uma peça, a morte de um amigo, o fim de um casamento ou de um caso de amor. E sugere o Chelsea para que o companheiro se reconforte. Então chega outro escritor, que sugere a outro. Alguns ficam por pouco tempo, usando o Chelsea como uma estação amistosa entre casamentos ou amantes. Para outros, pode se tornar um lar permanente.

Um deles foi Edgar Lee Masters. Nascido em 1865 em Garnett, Kansas, ingressou na Ordem dos Advogados de Illinois em 1891 e advogou em Chicago por quase 30 anos. Mas ao longo do caminho, Masters começou a escrever poesia. Em 1915, publicou Spoon River Anthology, uma série de monólogos poéticos ambientados em um cemitério perto de sua cidade natal, e sua vida mudou para sempre. A obra tornou-se o livro de poesia mais vendido na história americana até então. Juntamente com Carl Sandburg e Vachel Lindsay, Masters logo foi considerado líder do “renascimento poético” do Centro-Oeste, e em 1920, abandonou a advocacia e mudou-se com sua esposa para Nova York, especificamente para o Chelsea. Foi uma decisão estranha em si. Como escreveu a crítica May Swenson: “Ao contrário de Sandburg, que encontrou seus materiais poéticos lá, Masters odiava a cidade e desconfiava de suas influências decadentes. Por acreditar no agrarismo como o único modo de vida saudável, ele teria descartado a urbanização da Terra se pudesse”.

Obviamente, como não era possível descartar a existência das cidades da vida americana, ele viveu naquela cidade dentro da cidade chamada Chelsea por mais de 20 anos. Masters continuou escrevendo poesia, mas nunca

mais alcançou o sucesso de Spoon River. Seu trabalho tornou-se mais amargo, mais polêmico, mais ranzinza e menos humano. A Depressão fez isso com muitos americanos; os escritores não ficaram isentos dos sentimentos de raiva e de desespero geral. Masters morreu em 1950 em uma casa de convalescença em Melrose Park, Pensilvânia, mas, em algumas poesias que escreveu sobre o Chelsea, há a sensação de que o hotel serviu como o verdadeiro lar de convalescença de sua arte e de seu espírito ferido.

“Que amores foram vividos aqui, que desesperos suportados”, escreveu ele sobre o hotel. “Que paz e que lamento estes quartos conheceram.” Ele também tinha certeza de que as incorporadoras imobiliárias logo chegariam com seus guindastes gigantes estacionados em fila dupla do lado de fora, preparados para transformar os velhos tijolos em escombros. E acrescenta: “Não haverá lugar para nenhum fantasma”. Entre os fantasmas estava Anita, uma mulher que Masters amou no Chelsea e a quem dedicou mais de seu lirismo. “Quem se lembrará de mim quando a tesoura da demolição cortar como uma folha este quarto de objetivos problemáticos e fizer minha janela abarcar o espaço do céu?”

Depois que O. Henry e Masters estiveram no Chelsea, todos os tipos de escritores, pintores, escultores, músicos e cineastas chegariam a esses quartos de objetivos problemáticos. O estúdio do maravilhoso desenhista e pintor John Sloan era aqui. O poeta John LaTouche morou aqui, assim como Thomas Wolfe e James T. Farrell, Nelson Algren, William Burroughs e, claro, Dylan Thomas e Brendan Behan. A ordem das chegadas e partidas é sempre confusa; pergunte ao gerente Stanley Bard quando Algren esteve aqui e ele não saberá ao certo. Há uma atemporalidade na presença de tantos homens e mulheres famosos; como alguém se lembra de quando um determinado livro foi colocado na prateleira? Quando Jane Fonda morou aqui? Ou Henri Cartier-Bresson? Ou Yevgeny Yevtushenko? Ou Dr. Robert Oppenheimer? Ninguém tem certeza. Eles estiveram

aqui. Ficaram um tempo e depois foram embora. A precisão não importa. Arthur C. Clarke chegou aqui em 1956 e passou mais de 20 anos. Foi aqui que escreveu 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Dizem que Ivan Passer chegou em 1968 fugindo da invasão da Tchecoslováquia pela União Soviética; mudou-se para Hollywood e tornou-se roteirista e diretor. Seu amigo diretor Milos Forman ficou aqui por mais tempo, principalmente durante os anos difíceis antes de sua carreira finalmente decolar nos Estados Unidos com Um Estranho no Ninho. Robert Flaherty, que fez Nanook do Norte e Louisiana Story, morou aqui, assim como Shirley Clarke, que dirigiu The Cool Wind; durante um tempo, John Houseman ocupou a cobertura, onde as árvores ainda florescem toda primavera nos jardins do terraço. De certa forma, não importa quando alguém chegou e onde ficou. Sabemos que o grande cartunista francês André François ficou no 510 nos anos 1960, que Arthur Miller trabalhou no 614 por quase sete anos e que George Kleinsinger, que escreveu Tubby the Tuba, morou por muitos anos em um duplex do último andar, cercado por uma coleção selvagem de animais, peixes e cobras. Ultra Violet, um dos grupos do repertório de Andy Warhol, ficou aqui por um tempo (embora o filme Chelsea Girls de Warhol não tenha muito a ver com a vida no hotel), e Viva está morando aqui agora. The Grateful Dead passou por aqui, e Janis Joplin, Jefferson Airplane, the Mamas and the Papas e Jimi Hendrix também moraram aqui, assim como, por um longo tempo, Bob Dylan. Virgil Thomson, uma das principais figuras da música clássica americana, mora aqui há mais de 40 anos; tanto Larry Rivers quanto Willem de Kooning pintaram aqui; e a namorada do astro punk britânico Sid Vicious morreu aqui. Na memória coletiva dos veteranos, uma era funde-se à próxima: radicais nos anos 1930, marinheiros britânicos nos anos 1940, beats nos anos 1950, hippies nos anos 1960, pedantes decadentes nos anos 1970 e 1980 . . . ninguém sabe. No Chelsea, ninguém nunca sabe.

“Certos artistas são conhecidos não só pelo que criaram mas pela maneira como viveram ou morreram. São os que moram em casas de vidro e atiram pedras de dentro. Seus nomes são sinais, e sabemos onde colocá-los, mas os conhecemos melhor como mitos. É um conceito católico – faz parte da tradição que viu Dante descer pelos nove círculos, fez de François Villon um anti-herói e chamou Hollywood de Babilônia, Monroe de mártir, Jagger de Lúcifer. É o Romance do Artista no Oeste, e o Hotel Chelsea pode muito bem ser o Último Romântico”.

– Lisa Liebmann, The Village Voice, 1980 IV.

Para muitos americanos, nada é mais romântico do que a morte. A morte é um elemento básico da nossa imprensa marrom; milhões de pessoas observam sem pudor fotos de cadáveres de famosos como Elvis Presley ou Grace Kelly e consomem horas de programação com conteúdo sobre morte. A morte também faz parte do mito romântico do Chelsea.

Quando Brendan Behan chegou ao Chelsea em 1968, seu talento já estava morto. Ele adernava pelo saguão e pelos corredores bebendo e cantando músicas de protesto; passava horas no bar Oasis (hoje extinto) e no El Quijote (ainda funcionando). Mas não escrevia uma linha sequer. Ele estava devendo um livro ao editor Bernard Geis, que foi forçado a enviar um de seus revisores ao Chelsea para seguir Behan com um gravador. Esses monólogos errantes e esses relatos e comentários irrefletidos foram posteriormente transcritos e publicados em Confissões de um Rebelde Irlandês. Lembro-me de uma noite terrível em que Behan não parava de balbuciar frases sem sentido no 10º andar. Ele estava tentando dar sua opinião sobre um assunto, mas nós estávamos preocupados apenas em evitar que ele caísse sobre o guarda-corpo e mergulhasse 10 andares pelo vão da escada até o saguão. Mas Behan não morreu no Chelsea.

Sua morte ocorreu mais tarde, aos 41 anos, quando estava em Dublin, mas continua sendo parte do mito romântico do Chelsea, corroborado por uma placa em sua homenagem ao lado da porta de entrada.

O mito também foi incorporado a Dylan Thomas, o cáustico poeta que chegou em 1952 cheio de fogo e luxúria celta. Seu mau exemplo deveria ter assustado Brendan Behan. Mas não assustou. O próprio Thomas havia quase aniquilado seu talento brilhante quando chegou ao Chelsea: nos cinco anos anteriores havia escrito apenas seis poemas e sobrevivia com a renda de leituras que fazia em faculdades americanas. Em uma noite de outono em 1953, ele chegou ao Chelsea anunciando que tinha acabado de tomar 18 doses de uísque e que esse deveria ser o recorde – e imediatamente desmaiou. Thomas morreu de alcoolismo agudo no Hospital St. Vincent em 5 de novembro de 1953. Ele também é homenageado com uma placa.

Mas não há placas para as pessoas que ainda chegam, cheias de esperança ou desespero, para fazer do Chelsea seu lar. Anos atrás, Marshall Smith, escritor da revista Life, descreveu o Chelsea como “o hotel de quinta categoria mais tolerante e indispensável do mundo”. Essa descrição continua verdadeira hoje, 100 anos depois de ter sido erguido sobre a Rua 23. Apesar do mito dos mortos, dentro do Chelsea as pessoas vivem. Quando passo pelo hotel em um dia de verão, muitas vezes penso nas centenas de pessoas que podem estar escrevendo, pintando, esculpindo e sonhando lá dentro, e quero que os vivos sejam celebrados. Que se dane o desperdício da morte prematura. Aqui a vida é vivida. E espero que no decorrer de mais um século a vida ainda seja vivida aqui, em diversidades tão esplêndidas quanto foram no passado. A velha dama conhece tantas histórias, guarda tantos segredos. É impossível pensar em Nova York sem sua presença exuberante, seu romantismo sombrio, sua sobrevivência na cidade perdida.

Sobre o Fotógrafo

Nascido no Rio de Janeiro em 1952, Claudio Edinger começou a fotografar no início dos anos 1970. Formou-se em Economia pela Universidade Mackenzie em São Paulo em 1974 e, no ano seguinte, documentou a vida no famoso Edifício Martinelli no centro de São Paulo, um dos primeiros arranha-céus da América Latina, que aos poucos se transformou em um cortiço escuro e perigoso. Esse trabalho tornou-se o tema de sua primeira exposição individual, realizada no Museu de Arte de São Paulo. Em 1976, Edinger mudou-se para Nova York, onde passou os 20 anos seguintes trabalhando para as principais revistas americanas, inclusive Time, Newsweek, Forbes, Rolling Stone, Vanity Fair e New York Times Magazine. Depois de fotografar os judeus hassídicos do Brooklyn por dois anos, ele foi convidado por Cornell Capa para expor o resultado desse trabalho no International Center of Photography (ICP). Edinger atuou como professor no programa de fotografia da Parsons School of Design de 1979 a 1994, e também deu aulas no ICP de 1992 a 1994. Durante a época em que morou nos EUA, publicou três livros: Chelsea Hotel (Abbeville, 1983), Venice Beach (Abbeville, 1985) e The Making of Ironweed (Viking/Penguin, 1987). Em 1989 e 1990, Edinger fotografou os pacientes do Juqueri em São Paulo, o maior hospital psiquiátrico da América Latina. Em 1995, ele tinha sete livros prontos para publicação; em 1996, retornou ao Brasil e publicou todos eles ao longo dos sete anos seguintes. Em 2000, Edinger passou a usar uma câmera de grande formato (4 × 5) e a trabalhar com foco seletivo; em 2015, deu início à sua série de fotos aéreas. Sua obra foi exibida em mais de 80 exposições na América Latina, Europa, Estados Unidos e Ásia.

Livros de Claudio Edinger

Chelsea Hotel, Abbeville Press (New York), 1983

Venice Beach , Abbeville Press (New York), 1985

The Making of Ironweed, Viking/Penguin (New York), 1987

Carnaval, DBA (São Paulo), Dewi Lewis (London), 1996

Habana Vieja | Old Havana, DBA (São Paulo), Stemmle (Zurich), Dewi Lewis (London), 1997

Loucura | Madness, DBA (São Paulo), Dewi Lewis (London), 1997

São Paulo em construção, ABooks (São Paulo), 1998

Portraits, DBA (São Paulo), ABooks (São Paulo). 1999

Vitória, ABooks (São Paulo), 2000

Cityscapes, DBA (São Paulo), 2001

Rio, DBA (São Paulo), 2003

Flesh and Spirit, Umbrage (New York), 2006

Isso é que é, DBA (São Paulo), 2006

Um Swami no Rio (novel), Annablume (São Paulo), 2009

São Paulo, minha estranha cidade linda, DBA (São Paulo), 2006

De Bom Jesus a Milagres | From Good Jesus to Miracles, BEI (São Paulo), 2012

O Paradoxo do Olhar | The Paradox of Seeing, Estúdio Madalena (São Paulo), 2014

Machina Mundi, Bazar do Tempo (Paris), 2017

História da Fotografia Autoral | History of Fine Art Photograph, Editora Ipsis (São Paulo), 2019

Machina Mundi 2, Editora Vento Leste (São Paulo), 2021

From Good Jesus to Miracles, Editions Bessard (Paris), 2021

Quarentena, Editora Vento Leste (São Paulo), 2022

Álbum da Cidade do Rio de Janeiro, Editora Aprazível (Rio de Janeiro), 2022

Machina Mundi 3, Editora Vento Leste (São Paulo), 2023

Coisas que eu vi, Editora Vento Leste (São Paulo) 2024

Chelsea Hotel – 2nd edition, Abbeville Press (New York), 2024

Prêmios

Medalha Leica de Excelência, 1983: Chelsea Hotel

Medalha Leica de Excelência, 1985: Venice Beach

Prêmio da Revista Life, como um dos finalistas à Bolsa

W. Eugene Smith Grant de 1989: Madness

Prêmio Ernst Haas, oferecido por Maine Photographic Workshop, 1990: Madness

Bolsa da Vitae Foundation, 1993: Carnaval

Bolsa da Japan Foundation, 1997: fotografia de Hong

Kong

Melhor Foto em uma Revista, Newsweek Pictures of the Year, 1996

Prêmio Higashikawa (Japão), Melhor Fotógrafo Estran-

geiro do Ano, 1999: Carnaval

Prêmio J. P. Morgan (Brasil), 1999: Loucura

Prêmio Porto Seguro, 2007: fotografia de São Paulo

Melhor Livro Fotográfico do Ano, 2007, Revista Clix, São

Paulo

Prêmio Porto Seguro, 2011: fotografia do Sertão da Bahia

Hasselblad, 2011: fotografia de Downtown Los Angeles

Coleções

AT&T Photo Collection

Adriana Seabra

Alfredo Egydio Setubal

Ana Helena e Eduardo Pires

Centro Cultural Banco do Brasil

Bernardo Parnes

Bianca e Richard Rainer

Bibliothèque Nationale de France

Brasil Golden Arts Fund

Belinda e Carlos Brito

Carol Paiffer

Centro de la Imagen, Mexico

Celina Siqueira

Celinha e Joey Kalil

Charlô Whately

Claudia e João Nercessian

Credit Suisse Bank

David Dreyfuss

Daniel Feffer

David Feffer

Denise Goldfarb Terpins

Deutsche Bank

Eduardo Vassimon

Eleazar de Carvalho Filho

Equity International Photo Collection

Esther Giobbi

Fabio Schvartsman

Felipe Hegg e William Heuseler

Fernanda e Fernando Iunes

Fernando Spnola

Flavia e Binho Feffer

Flavio Bitelman

Guilherme Deucher / Casual Móveis

Higashikawa Photofest

Instituto Figueiredo Ferraz

Itaú Cultural

Jean Pierre Zarouk

José Roberto Marinho

João Paulo Diniz

João Farkas

Livia Colucci

Ligia Maura Costa

Leonel Kaz

Los Angeles County Museum of Art

Lourdinha Siqueira

Luiz Müssnich

Maison Européene de la Photographie

Mara e Dudu Linhares

Marcelo Lyrio

Marcelo Sá Earp

Marcos Amaro

Maribel e Luiz Fernando Neves

Martha e André De Vivo

Morris Safdié

Museo Metrònom, Barcelona

Museu da Fotografia de Fortaleza

Museu da Imagem e do Som, São Paulo

Museu Oscar Niemeyer, Curitiba

Museu de Arte Contemporânea, São Paulo

Museu de Arte Contemporânea de Curitiba

Museu de Arte de São Paulo Maxime Perignon

Museu de Arte Moderna, São Paulo

Oswaldo Pepe

Pirelli Collection

Ricardo Moraes

Ricardo Britto

Silvio Bentes

Sonia e Hamilton Dias de Souza

Visa pour l’Image, Perpignan

Zeca Etrusco Vieira

Meu quarto era meu templo. Eu tinha um altar com fotos dos meus gurus da Índia, meu lugar de meditação diária. Entoava mantras em voz alta, mas ninguém nunca ligou reclamando.

A câmara escura onde revelei e imprimi todas as fotos deste livro ficava dentro de um armário. Não havia ventilador nem ar condicionado e fazia muito calor no verão – mas é claro que meu aluguel era barato. Trabalhava a noite toda de cueca, suando em bicas.

Durante o último ano em que fiz as fotos para este livro (1982), eu não tinha nem um centavo. Fotografava o hotel em tempo integral. Fui falar com Stanley Bard, que aceitou minha estada em troca de um conjunto de impressões. Ele percebeu que o livro também seria bom para seu negócio.

Szabo (ver pp. 100–101) tirou minha foto em sua cama/estúdio, a mesma que ele usava para fazer fotos pornográficas.

Durante os anos 1970, um artista italiano desconhecido mudou-se para o hotel com esposa e filho. Ele experimentou LSD e até deu a droga a alguns ratos que havia capturado. Depois de um tempo ele surtou, raspou a cabeça (e também da esposa e do filho), abriu a gaiola e soltou todos os ratos, que entraram na estrutura interna do hotel pela lareira e se multiplicaram. Mudei-me para o hotel em 1978, e os ratos vinham sempre me visitar. Quando reclamei com a gerência, disseram-me para arranjar uma ratoeira. Eu capturei este, mas não sabia o que fazer. (Matá-lo? Sem chance.)

Eu o soltei. Depois de algum tempo, consegui uma ratoeira e capturei uma família inteira de uma vez: pai, mãe, dois bebês. Liguei para o porteiro, que os levou embora, e nunca mais ouvi falar dos ratos.

Agradecimentos

Sou muito grato ao meu brilhante agente, Chris Flannery, por orquestrar esta segunda edição. Obrigado a David Fabricant, da Abbeville Press, por tornar este livro possível. Muito obrigado ao meu gerente de estúdio, Gabriel Guarany, e seu assistente Cauê Cardoso, por encontrarem e digitalizarem todos os meus negativos antigos, possibilitando a descoberta de tantos tesouros ocultos.

Obrigado a Alex Auder, que conheci ainda menina no hotel, e ao meu amigo e gênio Fred Ritchin, por abrilhantarem este livro com seus textos.

Gostaria de agradecer a Monica Schalka, da Vento Leste Editora, que, com Heloisa Vasconcellos, organizou a edição brasileira deste livro. Sou grato a Bernardo Parnes, David Feffer, Guilherme Deucher, David Dreyfuss e Lauren Tarshis, Paula Trabulsi, Silvio Bentes, Ricardo Britto, Ricardo Britto, Andre De Vivo, Carol Paiffer, Andrea Tchalian, Martial Genthon, Alfredo Egydio Setubal, Luiz Müssnich, Morris Safdié e Sandi Adamiu, por sempre apoiarem meus projetos com sua generosidade e gentileza.

Obrigado à minha querida esposa e musa, Betina Samaia; minha mãe, Dascha Edinger; e Ana Edinger, minha adorável filha e artista residente, por seu amor e apoio sempre.

Este livro não teria sido possível sem os conselhos e amizade de Maíra Shakti, Jack Manning, Bonnie Leigh, Lauren Yankus, Marcia Grostein, Nessia Pope, Pamela Duffy, Kay Reese, Yvonne e Philippe Halsman, Quincy Howe, Jr., Les Fincher, Ben Fernandez, Alex Webb, Gilles Peress, João Farkas e Ken Heyman.

Gostaria de agradecer especialmente à ajuda de David Markus com as legendas e meu prefácio, e a Len Zabala por fazer a diagramação, trabalhos sobretudo por amor. Agradeço também a Bob Abrams, Walton Rawls, Misha Beletsky, Louise Kurtz e ao pessoal da Abbeville Press pela liberdade e ajuda que me deram na primeira edição e novamente nesta.

Gostaria de expressar minha gratidão a Stanley Bard, o gerente do Hotel Chelsea, e às pessoas que moraram e trabalharam lá.

Finalmente, gostaria de agradecer a Paramahansa Yogananda, que está sempre comigo, por seu maravilhoso amor e sabedoria e pela força que advém disso.

Sobre os Colaboradores

Alexandra Auder é escritora e atriz. Nascida na cidade de Nova York, filha de Viva, a grande estrela de Warhol, e do cineasta Michael Auder, Alex cresceu no Hotel Chelsea – experiência que é tema de seu aclamado livro de memórias Don’t Call Me Home. Ela mora na Filadélfia com o marido e dois filhos.

Fred Ritchin é reitor emérito da International Center of Photography School. Renomado escritor especializado em fotografia, lançou seu livro mais recente, The Synthetic Eye: Photography Transformed in the Age of AI. Também é editor e curador e dedica-se a projetos que abordam temas relativos a justiça social e direitos humanos.

Pete Hamill (1935–2020) foi descrito em seu obituário no New York Times como a “quintessência do jornalismo de Nova York”.

Apoio

Alfredo Egydio Setubal | Carol Paiffer | Paula Trabulsi

David Dreyfuss e Lauren Tarshis | Gui Deucher

Andrea Tchalian | Fernanda e Martial Genthon

Bernardo Parnes | Martha e André de Vivo

Morris e Dany Safdié | Silvio Bentes

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o eminente fotógrafo brasileiro Claudio Edinger morou e trabalhou no icônico Hotel Chelsea de Nova York. Neste clássico livro de fotografias, Edinger retrata os moradores excêntricos e boêmios do hotel – tanto celebridades quanto anônimos – em seus ambientes cotidianos. Um ensaio escrito pelo consagrado jornalista nova-iorquino Pete Hamill e textos de moradores do Chelsea, como William S. Burroughs, Arthur C. Clarke e Viva, a grande estrela de Warhol, complementam e enriquecem os retratos memoráveis de Edinger.

Agora, este volume tão desejado – vencedor da prestigiada Medalha Leica de Excelência – retorna ao mercado pela primeira vez em décadas, trazendo novas fotos dos arquivos de Edinger, prefácio inédito da escritora e atriz Alexandra Auder, que cresceu no hotel, e novo agradecimento especial de Fred Ritchin, renomado escritor especializado em fotografia.

EDITORA VENTO LESTE

São Paulo, Brasil Visite nosso site ventoleste.com

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.