Mostra de Extensão 2022 - Unisinos em Extensão: reinvenções em tempos pandêmicos

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CAPÍTULO X

MOSTRA DE EXTENSÃO | 1 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Organizadores

Isamara Della Favera Allegretti

Maura Corcini Lopes

Wesley Heleno de Oliveira

Prefácio

Paula Dal Bó Campagnolo

Revisão linguística

Griffar Serviços Linguísticos

Projeto gráfico e diagramação

Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) da Unisinos

U58 Unisinos em extensão : reinvenções em tempos pandêmicos [recurso eletrônico] / organizadores: Isamara Della Faveva Allegretti, Maura Corcini Lopes, Wesley Heleno de Oliveira – São Leopoldo, RS : Agexcom UNISINOS, 2022

1 recurso online

ISBN 978-65-87983-14-1

1. Ensino superior – Estudo e ensino 2 Educação –Aspectos sociais. 3. Educação inclusiva. 4. Relações étnicas 5 Epidemias I. Título. II. Allegretti, Isamara Della Faveva III. Lopes, Maura Corcini. IV. Oliveira, Wesley Heleno de.

CDU 378

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Bibliotecária: Amanda Schuster – CRB 10/2517)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Bibliotecária: Amanda Schuster – CRB 10/2517)

MOSTRA DE EXTENSÃO | 2 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

O PROGRAMA PRÓ-MAIOR E A PANDEMIA DE COVID-19: contribuições para o envelhecimento bem-sucedido

Douglas Zanella Sbrissa

Silvana Bianchi

Jacinta Sidegum Renner

Geraldine Alves dos Santos

HORTA MÃE-DA-TERRA: educação ambiental e cidadania, um processo de ensino-aprendizagem

Daiani Fraporti dos Santos

Adriani Faria

Lucas Eduardo Fleck

Gelson Luiz Fiorentin

CAPÍTULO 3 ......................................................................

Como chegam às Escolas de Feitoria os incentivos para os jovens afrodecendentes acessarem a universidade?

Raissa Santos da Silva Adevanir Aparecida Pinheiro

CAPÍTULO 4 ......................................................................

Lives do NEABI Unisinos como ferramenta do processo de identidade dos afrodescendentes durante a pandemia

Cristiano Rafael Silveira

William Martins

MOSTRA DE EXTENSÃO | 3 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS PREFÁCIO .......................................................................... 07 APRESENTAÇÃO ............................................................... 08 CAPÍTULO
...................................................................... 11
1
CAPÍTULO
...................................................................... 16
2
21
26
SUMÁRIO

O Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, Educação das Relações Étnico-raciais e Grupo de Cidadania

Adevanir Aparecida Pinheiro

6

Atividade socioassistencial do NEABI em tempos de pandemia

Sueli Angelita da Silva

PROJETO QUARENTENA: descobrindo novas práticas pedagógicas no ensino-aprendizagem de português como língua de acolhimento

Graziela Hoerbe Andrighetti

Márcia Del Corona

Marina Kirsch Ohlweiler

Morgana Therezinha da Silva CAPÍTULO 8

Acolhida a migrantes em São Leopoldo/RS através de aulas de português como língua adicional

Ariadyne Domingues de Oliveira Molina

Giulia Mayumi Rocha Iwano

Graziela Hoerbe Andrighetti

Marina Kirsch Ohlweiler

MOSTRA DE EXTENSÃO | 4 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
37
CAPÍTULO 5 ......................................................................
Equipe colaboradora CAPÍTULO
...................................................................... 45
Adevanir Aparecida
CAPÍTULO
50
Pinheiro
7 ......................................................................
57
......................................................................

CAPÍTULO 9 ......................................................................

A CIDADE (IN)VISÍVEL: Cartografia Social das Ocupações Urbanas de São Leopoldo

Adriane Brill Thum

Marilene Maia

Francisco Manoel Wohnrath Tognoli

Cleber Silva de Avila

Celia Severo

Karen Carcamo

Juliane Camargo de Almeida

Larissa Rizzi Souza de Oliveira

Letícia Silveira Ramos

Natiele Quevedo da Silva

Sabrina Backes

Silvia S. Schmidt

Vanessa Dietrich

CAPÍTULO 10 ....................................................................

SONHOS E SABORES: saúde em rede na pandemia

Marilene Maia

Fernanda Maciel Ferreira

Karen Peres Carcamo

Vanessa Dietrich

CAPÍTULO 11 ....................................................................

A Extensão na ação do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da Unisinos, campus São Leopoldo, EMAU UNIRVERSOS

Débora Becker

Patrícia de Freitas Nerbas

Rodrigo Allgayer

MOSTRA DE EXTENSÃO | 5 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
65
69
72

CAPÍTULO 12 .................................................................... 78

ANIMUS EMAU: práticas extensionistas de ação-reflexão

Débora Becker

Marcelo Arioli Heck

Patricia Zwetsch Gheno

CAPÍTULO 13 ....................................................................

UNITELECUIDADO: Extensão e Ensino lado a lado no teleatendimento de pacientes com Covid-19

Patrícia Cilene Freitas Sant’Anna

Cláudia de Salles Stadtlober

Vânia Schneider

Aline Aparecida Pierotto

Ana Rita Breier

Vanessa Backes

Rosalía Figueiró Borges

MOSTRA DE EXTENSÃO | 6 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
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PREFÁCIO

Aextensão universitária faz parte do DNA das Universidades comunitárias como um modo de entender a educação, e os capítulos desse E-book evidenciam a envergadura do trabalho da Universidade com temáticas atuais no momento em que esta se conecta com as demandas da sociedade. Os programas, projetos e ações apresentados abordam temas como o acolhimento de migrantes e refugiados, monitoramento da COVID-19, questões socioambientais, educação das relações étnico-raciais, segurança alimentar, habitação digna, entre outros. As ações descritas mostram o quão atento e flexível tem sido o olhar da Universidade para essa questão, uma vez que as demandas vêm se modificando conforme o contexto externo.

Em especial, no período da Pandemia da COVID-19, observou-se o agravamento da vulnerabilidade social de muitos grupos populacionais, o que evidencia a relevância da temática da mostra de Extensão UNISINOS – “Unisinos em extensão: reinvenções em tempos pandêmicos”. Nesse cenário, diversas iniciativas e alternativas foram criadas a partir dos desafios colocados pela pandemia, possibilitadas pelas redes criadas e pela diversidade de atores envolvidos na busca de soluções para as necessidades apresentadas. Essas redes foram constituídas nas relações entre prefeituras, cursos de graduação, programas de extensão e a própria comunidade envolvida.

São apresentados nesse E-book projetos sociais já consolidados na Universidade, vinculados ao Centro de Cidadania e Ação Social da UNISINOS, e programas e projetos extensionistas mais recentes, que nascem a partir da criação do Espaço Colaborativo, um espaço criado em 2019 para fomento e articulação entre as demandas sociais das comunidades, os cursos

de graduação e pós-graduação, projetos e programas de extensão já existentes, prefeituras e empresas. Esse movimento tem possibilitado a integração cada vez maior entre as atividades de extensão, de ensino e de pesquisa, o que fortalece o conceito de extensão universitária e oportuniza a todos os alunos da graduação e da pós-graduação essa configuração de espaço de aprendizagem ainda em seu percurso de formação, tão relevante para formação pessoal e profissional.

Desde a perspectiva da formação dos alunos, além de oportunizar contato com temáticas atuais e a formulação de soluções para problemas reais, é possível colocar em prática os princípios da pedagogia inaciana e desenvolver os valores jesuítas, focando no desenvolvimento pessoal em articulação com a formação técnico-científico, estimulando a empatia dos alunos ao se relacionarem diretamente com a comunidade local, além de desenvolver competências relacionadas à colaboração e de relacionamento com alunos e professores de outras áreas, tendo em vista o caráter interdisciplinar de muitos projetos. Ressalta-se que o caráter colaborativo evidenciado nos projetos diz respeito às relações entre todos os envolvidos na construção de soluções e de oportunidades, reforçando o compromisso das universidades comunitárias com o desenvolvimento regional e a construção de relações de parceria e colaboração em prol desse desenvolvimento.

Desejo a todos uma boa leitura e que os resultados apresentados sirvam de inspiração para novos projetos extensionistas e práticas a serem desdobradas em sala de aula.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 7 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
PAULA DAL BÓ CAMPAGNOLO Diretora da Unidade Acadêmica de Graduação – UNISINOS

APRESENTAÇÃO

AUnisinos se define, a partir do seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), como “Universidade em Extensão”, o que faz com que a formação assuma contornos extensionistas. Ser “Universidade em Extensão” pressupõe a ampliação dos espaços clássicos de formação –ensino e pesquisa – o que exige uma ação formativa articulada com práticas sociais, culturais e de mercado comprometidas com a missão e valores da Universidade. A missão da Unisinos visa “Promover a formação integral da pessoa humana e sua capacitação ao exercício profissional, mediante a produção do conhecimento, o aprendizado contínuo e a atuação solidária, para o desenvolvimento da sociedade.” (UNISINOS, 2019, p.18) 1 . Entre outras coisas, está implicado na missão, o entendimento da extensão como um ato inaugural da carreira profissional, ou seja, trata-se de uma integração entre universidade e sociedade na busca da promoção da qualidade de vida em todas as suas dimensões (ética, política, econômica, social, ambiental, cultural, educacional, profissional etc.). Em sintonia com a missão institucional, pode-se perceber os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nos últimos anos, houve um incremento significativo de atividades extensionistas em todas as Escolas da

Unisinos — Escola de Saúde; de Humanidades; de Gestão e Negócios; de Direito; Indústria Criativa e Politécnica —, indicando o avanço de uma cultura formativa construída para que nossos e nossas estudantes possam ter experiências que enriqueçam e complexifiquem suas aprendizagens individuais. Tais atividades foram incrementadas pela Resolução n º 7, de 18 de dezembro de 2018, que estabelece diretrizes para a extensão na educação superior brasileira. A Resolução define “os princípios, os fundamentos e os procedimentos que devem ser observados no planejamento, nas políticas, na gestão e na avaliação das instituições de educação superior de todos os sistemas de ensino no país”. (BRASIL, 2018, p.1) 2 . A partir desse marco, as atividades extensionistas são componentes curriculares que acrescem sentidos à formação profissional. Também, por parte da Unisinos, são experiências por meio das quais se articulam valores institucionais, explicitados no PDI, aos projetos políticos-pedagógicos de cada curso.

Em 2020, o tema da extensão entrou nas atividades do “Conexão Pesquisa”, tradicional evento na Universidade no qual as pesquisas são apresentadas e discutidas pela comunidade acadêmica. Por dentro do Conexão, em 2021, foi realizada a I Mostra de Extensão (MEx). A Mostra de Extensão, evidenciando a responsabilidade formativa e social da

1 UNISINOS. Plano de Desenvolvimento Institucional (2019-2023). Unisinos: São Leopoldo, 2019. Documento disponível no site: http://www.unisinos.br/minha-unisinos/images/conteudo/PDI_2019-2023v.pdf Acesso em: 21 abr 2022.

2 BRASIL, Resolução n 7, de 18 de dezembro de 2018, 2018. Disponível no site: http://portal.mec.gov.br/index. php?option=com_docman&view=download&alias=104251-rces007-18&category_slug=dezembro-2018-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 21 abr 2022.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 8 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Universidade, reuniu trabalhos desenvolvidos por docentes, pesquisadores, técnicos e estudantes da Unisinos. Com a finalidade de provocar a reflexão sobre a importância de estender a formação universitária à sociedade, bem como de ampliar o diálogo com a comunidade convidando-a para estar presente na MEx, provocando um tipo de educação aberta prática-reflexiva, nossa Mostra se constituiu em um espaço importante para fazer circular a produção de conhecimentos construídos em colaboração com distintos atores sociais. Também incentivou, a partir do compartilhamento das práticas, uma ação formativa de mão dupla, ou seja, estudantes e docentes envolvidos em atividades extensionistas, tanto ensinam quanto aprendem com as comunidades e territórios extensionistas nos quais atuam.

O tema da edição MEx 2021 chamou a atenção para os desafios gerados e agravados pela Pandemia da COVID-19: “Unisinos em extensão: reinvenções em tempos pandêmicos”. Tais desafios convocam a criação de novas práticas gestadas em uma ambiência de solidariedade e de colaboração entre todos os envolvidos nas atividades formativas-integrativas a fim de encontrarmos soluções conjuntas para problemas locais. Foram 31 trabalhos inscritos entre ações extensionistas desenvolvidas em sala de aula e ações vinculadas aos PRAEx (Programas de Práticas Extensionistas) e aos projetos mantidos pelo Centro de Cidadania e Ação Social Unisinos (CCIAS), mostrando os desafios e as oportunidades do desenvolvimento de ações extensionistas de modo virtual/remoto.

Neste E-book estão publicados treze artigos fruto da reflexão derivada

das ações extensionistas de alunos e professores das seis Escolas que compõe a Universidade. Três grandes eixos preponderaram nesta primeira MEx: o social em busca de solução inovadoras em áreas de vulnerabilidade social; o da saúde no assessoramento de pacientes face a pandemia da Covid-19; e o da cultura e da inclusificação mostrando a atuação na temática étnico-racial e no ensino de língua portuguesa aos migrantes nas cidades de abrangência da Unisinos.

Entendendo que ações extensionistas devam ser incrementadas na formação de nível superior nos próximos anos, pois há muito o que de fazer e se refletir sobre o presente — o qual ainda sofre os efeitos da pandemia, pois teve agravado as desigualdades e as crises já existentes antes de tal acontecimento mundial —, com este E-book busca-se instigar a pensar no compromisso universitário com o ensino, a pesquisa e a extensão em cenário de crescente precarização da vida. Por meio da extensão, transformada em experiência estratégia formativa-reflexiva, vislumbra-se a integração entre formação profissional e sociedade, bem como a conversão da teoria e da prática em práxis

O foco das ações formativas é a aprendizagem dos e das estudantes, bem como de toda a comunidade envolvida em cada etapa da ação extensionista. Neste contexto profícuo para o desenvolvimento de novas práticas, apresentamos trabalhos que podem ser interessantes para pensar o papel de cada sujeito no meio em que vive. Enfim, estamos vivendo um momento privilegiado para avançarmos na discussão sobre EXTENSÃO no ensino superior. Ao mesmo tempo em que

MOSTRA DE EXTENSÃO | 9 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

somos desafiados por novas normativas legais a Universidade também é instada pela sociedade e seus diversos grupos a repensar as suas formas de operar processos formativos, a constituir outros modos de ensinar e de aprender, promovendo a integração entre ensino, pesquisa e extensão.

Os textos aqui publicados são exemplares do entendimento, em construção, do que significa práticas extensionista curricularizadas. Nosso desafio é o de ganhar escala universitária por meio dos projetos institucionais como aqueles

mobilizados, por exemplo, por dentro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI), o Programa de Apoio à Rede Solidariedade São Léo e do Programa de Atenção a Migrantes e Refugiados – Tarin. Enfim, os textos aqui reunidos estão organizados por temas que permitem a localização mais rápida por aqueles e aquelas que os buscam.

ISAMARA DELLA FAVERA ALLEGRETTI (*)

MAURA CORCINI LOPES

WESLEY HELENO DE OLIVEIRA

(*) ISAMARA DELLA FAVERA ALLEGRETTI: Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, é graduada em Psicologia e mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Docente do Curso de Gestão de RH e da Atividade Acadêmica Desenvolvimento Pessoal e Profissional - DDP Conexões. Participa do projeto de Curricularização da Extensão, vinculado à Unidade Acadêmica de Graduação, e foi uma das idealizadoras do Espaço Colaborativo de fomento à Extensão Universitária. Atua no fomento ao desenvolvimento de programas e projetos de extensão, ações extensionistas vinculadas às disciplinas de graduação e formação de professores para práticas extensionistas; isamara@unisinos.br. MAURA CORCINI LOPES: Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Graduada e Especialista em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria; realizou estágio pós-doutoral na Universidade de Lisboa; Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão e da Rede de Investigação em Inclusão (GEPI/UNISINOS/CNPq), Aprendizagem e Tecnologias em Educação (RIIATE); maura@unisinos.br. WESLEY HELENO DE OLIVEIRA: Professor na Escola de Humanidades / Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Mestre em Filosofia (2021) pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Possui Licenciatura Plena em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção UNIFAI (2013); possui Graduação em Psicologia pela Universidade São Judas Tadeu (2005). Na UNISINOS é Docente da Atividade Acadêmica de Educação das Relações Étnico-Raciais e Culturais nos cursos de Licenciatura; Coordenador Adjunto do NEABI; membro da equipe do Instituto para Inovação em Educação; membro articulador na equipe do Espaço Colaborativo de Fomento à Extensão Universitária; desde junho de 2021, foi nomeado homólogo de Educação da UNISINOS junto a Asociación de Universidades confiadas a la Compañía de Jesús en América Latina (AUSJAL); whosj@unisinos.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 10 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

O PROGRAMA PRÓ-MAIOR E A PANDEMIA DE COVID-19: contribuições para o envelhecimento bem-sucedido

AUTORES(*)

DOUGLAS ZANELLA SBRISSA

SILVANA BIANCHI

JACINTA SIDEGUM RENNER

GERALDINE ALVES DOS SANTOS

RESUMO

Na atualidade, muitos esforços dos estudos gerontológicos estão sendo voltados para a compreensão de formas para envelhecer com qualidade. O Pró-Maior é um programa que vem, desde 1992, contribuíndo para o envelhecimento bem-sucedido no município de São Leopoldo-RS. Com a chegada da pandemia de Covid-19, o programa teve que se reconfigurar para seguir atendendo seus alunos de forma remota. Com isso, o objetivo do presente estudo é identificar se as atividades do Pró-Maior que vêm sendo realizadas de modo online durante a pandemia contribuem de alguma forma no processo de envelhecimento bem-sucedido. Para isso, foi realizada análise de alguns documentos do programa, buscando uma caracterização do mesmo e seis entrevistas realizadas com alunos do programa, de modo online. Os resultados mostraram que o convívio social é o aspecto com maior destaque no programa. Os entrevistados consideram as atividades remotas como importantes, tiveram pouca ou nenhuma dificuldade de acesso, porém argumentam sentirem falta do convívio social.

PALAVRAS CHAVE:

Envelhecimento. Projeto social. Covid-19.

Introdução

Por muito tempo, os estudos na área da gerontologia mantiveram seu foco em como e o que podemos fazer para viver mais. Hoje, segundo IBGE “a expectativa de vida dos brasileiros

aumentou em 3 meses e 4 dias, de 2017 para 2018, alcançando 76,3 anos. Desde 1940, já são 30,8 anos a mais que se espera que a população viva” (CRELIER, 2019). Com isso, boa parte dos esforços dos estudos nesta área, concentram-se em compreender como podemos envelhecer com qualidade. O envelhecimento humano, por muito tempo, foi visto apenas como algo ruim, com perda das capacidades físicas, mentais e sociais. Não podemos negar que esses aspectos tendem a diminuir a qualidade de vida do idoso, no entanto, também trazem pontos positivos, como os possíveis ganhos que podem ser encontrados: na aposentadoria, na reflexão sobre a evolução familiar, na criação de novas atividades recreativas, na sabedoria e experiência adquirida sobre a vida, na representação de um indivíduo que trabalhou bastante, na flexibilidade do tempo entre outros. Mesmo com esses pontos positivos alguns fatores são de suma importância para equilibrarmos a balança e termos um envelhecimento bem-sucedido. Para Baltes e Baltes (1993), existem os seguintes conceitos relaciodados ao envelhecimento: normal, caracterizado pela ausência de patologias biológicas e psicológicas; patológico, dominado pelas síndromes e doenças crônicas; e envelhecimento ótimo, onde há um bem estar pessoal e social. Para alcançarmos esse envelhecimento ótimo, Baltes e Baltes (1993) citam outros fatores que devem ser levados em conta, tais como: histórico e hábitos de vida, os estímulos às capacidades de reserva e os processos de seleção, otimização e compensação. Muitos desses fatores não são dependentes apenas das escolhas do próprio indivíduo, sendo necessários programas, políticas públicas e ações sociais que oportunizem esses estímulos, locais seguros e bem estruturados, profissionais qualificados, suporte familiar e social etc.

(*) DOUGLAS ZANELLA SBRISSA: mestrando no Programa de Pós-graduação Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale – FEEVALE; graduado em Bacharelado em Educação Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; dzsbrissa@hotmail. com. in: SILVANA BIANCHI: especialista em Gerontologia Interventiva pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; graduada em Licenciatura em Educação Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; silvanab@unisinos.br. in: JACINTA SIDEGUM

RENNER: professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale – FEEVALE; doutora e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; especialista em Saúde e Trabalho (UFRGS/CEDOP); graduada em Fisioterapia pela Universidade Feevale; jacinta@feevale.br. in: GERALDINE ALVES DOS SANTOS: professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale – FEEVALE; pós doutora na Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; doutora e mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; especialista em Gerontologia Social – PUCRS; graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; geraldinesantos@feevale.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 11 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
CAPÍTULO 1

No município de São Leopoldo, o Pró-Maior (Programa Maior Idade), um projeto social vinculado à UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), vem contribuindo para que seus alunos tenham um envelhecimento bem sucedido através de diversas atividades, tais como: ginástica para idosos, ginástica coreografada, aulas sobre gerontologia, aula de idiomas, grupo de convivência entre outros. Ao final de 2019 o Pró-Maior atendia aproximandamente 350 alunos com um portifólio de 16 atividades em que cada aluno poderia escolher até 3 atividades distindas para realizar durante o semetre. No entanto, em março de 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, o programa teve que buscar novas formas de realizar suas atividades, as quais sempre foram realizadas de maneira presencial. Sendo o seu público alvo pessoas acima dos 60 anos, as quais vivam em isolamento em função dos riscos proporcionados pela pandemia, o programa teve que se reorganizar e se reinventar realizando as atividades de modo online. Dessa forma, houve uma redução no número de alunos, sendo 156 idosos que, atualmente, participam das atividades. Com isso, o objetivo do presente estudo é identificar se as atividades do Pró-Maior realizadas de modo online contribuem de alguma forma no processo de envelhecimento bem-sucedido em um momento tão delicado.

Referencial teórico

O processo de envelhecimento vem em uma crescente nas últimas décadas devido a vários fatores. Nesse processo, como é ao longo da vida, ocorrem alterações físicas, psicológicas e socias. As alterações físicas causadas pela inatividade em idosos compromete, não só as Atividades da Vida Diária (AVDs), referentes aos cuidados pessoais mais simples, como vestir-se, banhar-se, levantar-se da cama e se sentar numa cadeira, mas também as Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVDs), que seriam as atividades mais complexas do cotidiano, que caracterizam uma vida independente, como fazer compras, cozinhar, limpar, utilizar meios de transportes e usar o telefone (OKUMA, 1998). Com o aumento da população idosa nas últimas décadas, é importante dissertar o quanto a atividade física é fundamental nesse processo. Araujo (2017), apud Krug e Krug (2020) destacam que a atividade física está diretamente relacionada à melhoria da qualidade de vida, podendo auxiliar quanto à força, agilidade equilíbrio, e para as atividades da vida diária, como aptidão cardiorrespiratória, resistência muscular, flexibilidade e composição corporal. Portanto, a prática de atividade física, quando bem desenvolvida, diminue as chances de idosos sofrerem quedas, distensões musculares, rompimento de ligamentos, entre outras lesões ou distúrbios relacionados ao envelhecimento, proporcionando autonomia e independência.

Quanto às questões psicológicas e sociais, Wernher e Lipsky (2015) afirmam que a maior parte das perdas nessa área estão relacionadas à diminuição da inteli-

gência fluída (capacidade lógica e raciocínio rápido). No entanto, as perdas quanto à inteligência cristalizada (conceitos e ensinamentos aprendidos ao longo da vida) são bem menores. Os autores também apontam que, em diversos estudos, adultos mais velhos parecem ser mais felizes que os mais novos. Tal explicação pode estar, segundo os pesquisadores, relacionada à maturidade, à resolução de conflitos internos e à administração de expectativas. Dessa forma, podemos ver novamente que o envelhecimento é um processo com perdas e ganhos. Dentro desse processo, Baltes e Baltes (1993) trazem três componentes fundamentais para o envelhecimento bem-sucedido: seleção, otimização e compensação. A seleção está ligada à escolha em que o indivíduo deve selecionar o que é mais importate para ele no momento. A otimização são estímulos necessários para que essa pessoa se mantenha em desenvolvimento, ou, minimamente, mantenha suas condiçoes de vida. Por fim, a compensação são os mecanismos que busquem compensar, de alguma forma, perdas inerentes ao processo de envelhecimento.

Procedimentos metodológicos

O presente artigo trata de um estudo observacional descritivo que, segundo Prodanov e Freitas (2013), é quando o pesquisador apenas observa, regista, analisa, classifica e interpreta as características de um fenômeno sem interferir ou manipular os fatos observados. Inicialmente, para a caracterização e contextualização do programa, foram analisados documentos referenciando sua trajetória desde o seu início até o presente momento. Para compreendermos melhor a importância do Pró-Maior na promoção do envelhecimento bem-sucedido durante a pandemia, foram realizadas entrevistas semi estruturadas de modo online. Participaram deste estudo 6 alunos do Pró-Maior selecionados por conveniência, acreditando que eles teriam grande contribuição, pois são alunos que sempre estiveram bem engajados ao programa em termos de frequência, atividades que participam e tempo no programa. A análise dos resultados se deu através do paradigma qualitativo, sendo que as entrevistas foram gravadas e ao serem escutadas novamente, tiveram suas falas mais significativas transcritas. Com isso, foram criadas as seguintes categorias: “a importância do programa na sua vida”, “a importância da manutenção das atividades do programa durante a pandemia” e “dificuldades encontradas para manutenção das atividades”. Por fim, foi realizada a triangulação entre a categorização, o referencial teórico e outros estudos que abordassem o envelhecimento bem sucedido. Tanto os processos de categorização quanto triangulação tiveram Minayo (2009) como referência.

Resultados e discussão

Inicialmente, será abordada a contextualização do Pró-Maior, que foi desenvolvida a partir da análise

DOUGLAS
MOSTRA DE EXTENSÃO | 12 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
ZANELLA SBRISSA , SILVANA BIANCHI , JACINTA SIDEGUM RENNER , GERALDINE ALVES DOS SANTOS

dos documentos do programa. O primeiro espaço de reflexão na área do envelhecimento foi denominado de NUTTI: Núcleo Temático da Terceira Idade. A existência do NUTTI foi resultado de uma solicitação oriunda de representantes da Pró-Reitoria de Extensão da UNISINOS que, em 1991, estiveram participando do I Fórum Nacional de Ações de Universidades com Programas para a Terceira Idade, promovido pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Sensibilizados pelos debates e informações recebidas no evento, a equipe solicitou aos diretores de Centros de Ensino da Universidade que refletissem sobre a necessidade de a UNISINOS organizar um projeto que abordasse esse tema. Com isso foi estabelecida a formalização da existência do Núcleo, por meio da aprovação em Conselho de Centro, em 15 de junho de 1992.

As primeiras ações estabelecidas no programa voltaram-se para a compreensão do fenômeno do envelhecimento, no âmbito local e nacional, para a capacitação dos docentes e para a sensibilização institucional (no que tange à temática e à própria existência do NUTTI). A partir de meados de 1994, os professores vinculados ao núcleo iniciaram um diálogo com a população idosa leopoldense por meio da coordenadora da época, professora Suzana Hübner Wolff, lançando um convite aos idosos e à população em geral para um encontro na universidade. O objetivo do encontro era dialogar com a população local, a fim de receber sugestões relativas à construção de um projeto de extensão da UNISINOS dirigido a pessoas com 60 anos ou mais. Como resultado do encontro, foi criado um grupo de convivência, posteriormente denominado de “Maturidade”, no qual se desenvolviam aulas de danças folclóricas alemãs. No ano de 1995, os idosos conquistaram seu espaço através dos muros da instituição, sua participação foi se tornando cada vez mais assídua, totalizando 50 pessoas. Desde então, o Núcleo foi se reconfigurando conforme a demanda dos idosos e a disponibilidade de execução da UNISINOS. Novos grupos foram formados e os idosos se tornaram mais presentes. No ano de 2003, o NUTTI incorporou-se a Diretoria de Ação Social, ficando sob as orientações da Reitoria, como os demais projetos e núcleos da época. No ano de 2004, por determinação do Diretor de Ação Social, Pe. José Ivo Follmann, foram criadas as “Áreas de Ação Social”, sendo uma delas denominada de “Área do Envelhecimento Humano”. Essas e outras definições conceituais impulsionaram a criação do “Programa Maior Idade”, identificado, hoje, como PRÓ-MAIOR. Na ocasião, o Pró-Maior junto aos demais projetos sociais da UNISINOS, congregava-se com a Associação Antônio Vieira – ASAV, compartilhando sua proposta de intervenção, sustentada no Plano Político Institucional da Rede Jesuíta de Cidadania e Ação Social. De 2009 em diante, o Pró-Maior foi se reconfigurando conforme as orientações da Reitoria e da ASAV, passando a atender apenas pessoas com mais de 60 anos.

Conforme já mencionado, a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, em março de 2020, obrigou que o programa se readequace, tendo como única alternativa

o atendimento remoto. Através de uma pesquisa com os alunos do programa, verificou-se que o Facebook e WhatsApp eram as plataformas com maior intimidade por parte dos alunos. Com isso, foram criados grupos dentro do Facebook correspondentes às atividades temáticas existentes antes da pandemia. Grupos no WhatsApp também foram criados para prestar informações e auxiliar no que fosse possível. Nesse novo contexto de Pró-Maior é que seis alunas foram entrevistadas sobre suas percepções em relação a atuação do programa durante a pandemia de Covid-19.

O quadro 1 nos mostra os resultados dos processos de categorização das seis entrevistas em cada uma das categorias pré concebidas.

Os seis alunos entrevistados relataram fazer parte do programa há, aproximadamente, 10 anos. Sempre estiveram inscritos em duas ou mais atividades. Dessa forma, são pessoas com grande vivência dentro do programa, consequentemente, possuem grande propriedade para falar sobre ele. Em suas falas, vários pontos foram similares ao adjetivarem o Pró-Maior. Nenhum deles se referiu ao programa como bom ou algo igualmente simplista. Todos foram enfáticos ao enaltecer o programa com adjetivos como: “melhor coisa que aconteceu na minha vida”, “coisa mais imporante da minha vida”, “é uma dádiva” etc. Quanto às atividades após o início da pandemia, as falas também foram similares. Todos afirmaram ser imporatante que as atividades tenham continuado, porém sentem falta do presencial e trouxeram adjetivos como: “online é bom, mas não é da mesma forma”, “sinto falta da convivência”, “sinto falta do contato com outras pessoas”, porém, em algumas entrevistas, a manutenção das atividades se mostrou de extrema importância no apoio a alguns alunos que tiveram perdas pessoais. No processo de categorização, buscando compreender a importância do Pró-Maior em uma situção anterior à pandemia, foi criada a categoria “importância do programa na sua vida”. Através dessa categoria ficou evidente que, segundo a percepão dos alunos, o mais importante no programa é a oportunização do convívio social. Salminen et al. (2016) realizaram um estudo mostrando os benefícios que a tecnologia e a digitalização de alguns serviços podem trazer para que pessoas idosas tenham a opção de ficarem em suas casas de maneira mais segura, sem dependerem de um cuidador 24 horas ou de irem para um asilo. Os autores afirmam que pessoas mais velhas gostam de ter uma vida significativa em suas próprias casas. Tal afirmação deve ser cuidadosamente interpretada, pois, segundo os relatos dos entrevistados, o convívio social, no caso, oportunizado pelo Pró-Maior, é tido como relevante nas suas vidas. Dessa forma, não podemos confundir a opção de um idoso em manter-se em sua própria casa com o isolamennto do convívio social.

A pandemia do Covid-19 trouxe a todos nós essa situação de isolamento e através de outras duas categorias os objetivos foram indentificar como o programa manteve suas atividades durante a pandemia e compreeder quais suas contribuições para o envelhecimento bem sucedido neste contexto de isolamento social.

O PROGRAMA PRÓ-MAIOR E A PANDEMIA DE COVID-19: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO MOSTRA DE EXTENSÃO | 13 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

entrevistas em cada uma das categorias pré concebidas.

Quadro 1 – Análise das entrevistas de acordo com as categorias

QUADRO 1

Análise das entrevistas de acordo com as categorias

Entrevistado Importância do programa na sua vida

Entrevistado 1 Não se ve sem ele. Contato com as pessoas. Trocar ideias, ouvir e contar histórias. Reencontro de conhecidos do passado.

Entrevistado 2 Um das melhores coisas que aconteceu na sua vida. Seu psicólogo, psiquiátra. Tornou-se voluntária do programa.

Entrevistado 3 Adora o programa. Foi importante para combater o tempo ocioso após a aposentadoria.

Entrevistado 4 Uma dádiva. Reencontro de pessoas. Círculo de amizades. Aprender a lidar com pessoas de mais idade.

Entrevistado 5 Oportunidade de conviver com outras pessoas além do circulo familiar. Atividades são voltadas para os idosos. Gratuito. Gosta de tudo.

Entrevistado 6 Melhor coisa que aconteceu na sua vida. Ama as aulas de dança e os jogos

Importância da manutenção das atividades

Importante para manutenção do convívio. Criação de grupo de whatsapp Estímulo a interação nas redes sociais

Continua como voluntária e acha importante não desistir. Costuma assistir as gravações disponibilizadas.

Imporante para se manter ativa. Sempre que pode participa das aulas ao vivo para rever os colegas.

Perdeu o meu marido e o programa auxiliou. Contato direto de um psicólogo além das atividades do próprio programa.

Ameniza problemas como depressão e a falta de exercício, mas não é tão bom quanto o presencial. Procura participar das aulas ao vivo

Perdeu 3 familiares próximos e o programa esteve presente para auxiliar. Gosta de ver as aulas ao vivo.

FONTE: elaboração própria (2021)

Fonte: elaboração própria (2021)

Logo, a segunda categoria criada foi “importância da manutenção das atividades” e a terceria categoria, “dificuldades para manutenção das atividades”. Quanto à importância da manutenção das atividades, novamente, a questão do convívio social foi repetidamente citada. A importância da atividade física também foi mencionada duas vezes e é algo fundamental. Segundo Okuma (1998, p.16), “a atividade física é evidenciada como um dos elementos decisivos para a aquisição e a manutenção da saúde, da aptidão física e do bem-estar físico – pré-requisitos fundamentais para a qualidade de vida”, logo, fundamental para o envelhecimento bem sucedido. Um caso a parte foi o auxilio prestado pelo Pró-Maior a duas das entrevistadas, as quais relataram terem perdas familiares bastante próximas. Segundo relatado por elas na entrevista, tiveram o apoio do

Dificuldades para manutenção das atividades

Nenhuma, pois sempre lida bem com a tecnologia. Sabe de algumas amigas que tem maiores dificuldades. Tinha resistência quanto as redes sociais.

Não tem muita prática com a tecnologia. Pede ajuda aos filhos. Sente falta do contato com as pessoas.

Tem a ajuda das filhas quando precisa. Teve maiores dificuldades no início apenas. Sente falta do convívio com as pessoas.

Sente falta do contato com as pessoas. Trasmissão via Facebook às vezes cai. Às vezes fica sem áudio.

Não tem dificuldades relacionadas à tecnologia, porém sabe de algumas alunas que tem e outras que não tem nem celular.

Precisa de ajuda para ver as aulas. Não sabe quando é ao vivo ou gravado. Não é tão bom como no presencial.

programa de diversas formas. Durante as atividades que participavam, tiveram mensagens de apoio dos professores e colegas. Elas afirmaram que tiveram apoio direto de alguns profissionais do Pro-Maior que tiveram a sensibilidade de manter relações mais estreitas procurando dar apoio em uma sitaução de tamanha dificuldade.

Quanto às dificuldades encontradas para que esses alunos se mantivessem engajados com o programa, os seis entrevistados foram unânimes ao dizer que, hoje, eles não têm maiores dificuldades. Três deles afirmam não terem dificuldades para lidar com celular e computador. Outros dois passaram por dificuldades no início, necessitando da ajuda dos filhos, mas, hoje, conseguem fazer quase tudo sozinhos e mencionaram gostar de navegar pelas redes sociais. E uma aluna, a

DOUGLAS ZANELLA SBRISSA , SILVANA BIANCHI , JACINTA SIDEGUM RENNER , GERALDINE ALVES DOS SANTOS MOSTRA DE EXTENSÃO | 14 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
quadro processos categorização

mais idosa dos entrevistados, é totalmente dependente da filha para ver as aulas, mas afirmou que, com o auxílio dela, tem visto todas as aulas que quer. Com exceção dos três entrevistados que afirmaram ter conhecimento prévio quanto à prática para utilizarem celular, computador e redes sociais, para os demais foi desafiador encontrar uma maneira de acessar as aulas. Em dois casos, houve o aprendizado do uso de tais tecnologias. Como afirmam Baltes e Baltes (1993), ao falarem sobre a capacidade de reserva, idosos têm uma menor latência dessa capacidade, mas, quando estimulados, podem desenvolver conhecimentos e aprender coisas novas. Nos seis casos entrevistados, podemos ver que foram necessários alguns ajustes na vida dessas pessoas para que as mesmas seguissem engajadas no programa.

Os mecanismos de seleção, otimização e compensação referenciados por Baltes e Baltes (1993) ficam evidentes. O mecanismo de seleção é ressaltado quando nenhum dos entrevistados abriu mão de participar das atividades do programa, evidenciando a importância dessa iniciativa nas suas vidas. A otimização se dá através dos benefícios proporcionados pelo programa, mencionados pelos próprios alunos e mesmo pela necessidade do aprendizado de algo novo, como navegar pelas redes sociais. Por fim, a compensação, quando as atividades remotas, como eles mesmos afirmaram, “não são tão boas quanto no presencial”, mas, ainda assim, têm a adesão e assiduidade dos alunos compensando uma situação de total isolamento imposta pela pandemia. Baltes e Blates (1993) defendem que, em cada caso de envelhecimento bem-sucedido, é provável que exista uma combinação criativa, individualizada e socialmente apropriada de seleção, otimização e compensação. Tais combinações ficaram evidentes na fala dos entrevistados nas quais foi possível identificar os arranjos que foram feitos para que os mesmos seguissem participando das atividades.

Através das falas apresentadas no quadro 1, podemos ver, com frequência, a valorização da convívio social de maneira presencial. Essa valorização foi lembrada como ponto importante antes da chegada da pandemia e sua privação também foi ressaltada como um aspecto negativo das atividades realizadas de maneira remota.

Considerações finais

Não há dúvidas de que as atividades voltadas para o exercício físico, as com maior enfoque no aspecto cognitivo, a fisioterapia, as aulas de gerontologia, entre outras atividades oferecidas pelo Pró-Maior, foram e continuam a ser fundamentais para o envelhecimento bem sucedido dos seus alunos. No entanto, a falta do convívio social parece ser um aspecto crítico em relação às atividades realizadas de maneira remota pelos idosos entrevistados, assim como o convívio social foi um

dos aspectos mais ressaltados positivamente ao questionarmos as atividades do programa pré pandemia. Por fim, é importante reforçar a necessidade de realizar mais estudos sociológicos sobre o processo de envelhecimento. Settersten Jr. e Angel (2011) enfatizam a evolução do estudo da sociologia do envelhecimento ao longo dos últimos 30 anos. Falam da importância de se publicar estudos menores com mais frequência sobre o tema, não apenas grandes descobertas ou estudos revolucionários. Dessa forma, estudos que busquem compreender a importância do convívio social para pessoas idosas são recomendados.

REFERÊNCIAS

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O PROGRAMA PRÓ-MAIOR E A PANDEMIA DE COVID-19: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO MOSTRA DE EXTENSÃO | 15 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

HORTA MÃE-DA-TERRA: educação ambiental e cidadania, um processo de ensino-aprendizagem

AUTORES(*)

DAIANI FRAPORTI DOS SANTOS

ADRIANI FARIA

LUCAS EDUARDO FLECK

GELSON LUIZ FIORENTIN

RESUMO

O projeto Horta Mãe-da-Terra é desenvolvido pelo Programa de Ação Socioeducativa na Comunidade (PASEC), vinculado ao Centro de Cidadania e Ação Social da UNISINOS (CCIAS). Trata-se de uma ferramenta socioambiental cujo um dos principais objetivos é produzir hortigranjeiros orgânicos. As atividades são realizadas em parceria com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta, localizada em São Leopoldo, RS. A equipe é constituída por profissionais e estagiários da Biologia e do Serviço Social. São efetuadas oficinas temáticas com crianças e adolescentes de 6 a 17 anos de idade, no contraturno escolar, envolvendo questões socioambientais, como cuidado com o consumo de água potável, coleta e armazenamento de água da chuva para irrigação, compostagem e produção de hortaliças orgânicas. São plantadas mudas de diversas variedades de alface, repolho, pimentão, couve, beterraba, cenoura, berinjela, couve-flor, espinafre, salsa, moranga, cebolinha e banana. Também são cultivadas plantas medicinais e plantas alimentícias não convencionais (PANC), tais como capuchinha, ora-pro-nóbis e serralha. Os grupos de, aproximadamente, 30 participantes são atendidos três vezes por semana, pela manhã e tarde. Os integrantes participam do plantio, manutenção dos canteiros e colheita dos produtos, os quais são consumidos pelos participantes e seus familiares. Em 2020, em função da pandemia de COVID-19, as atividades foram remotas, o que dificultou o contato com os participantes, já que nem todos possuíam um aparelho de celular. Apesar disso, foi possível manter um certo vínculo com os participantes, além de colher e distribuir um bom número de morangas, graças à ação dos técnicos. Conclui-se que essas atividades são necessárias, especialmente de forma presencial, uma vez que

o projeto ocorre em área de acentuada vulnerabilidade social e contribui para a defesa e garantia dos direitos das crianças e adolescentes, mediante a propagação de uma cultura de proteção, de sustentabilidade e de justiça socioambiental.

PALAVRAS CHAVE:

Hortigranjeiros. Produção orgânica. Programa de Ação Socioeducativa na Comunidade. Projeto Horta Mãe-da-Terra.

Introdução

As palavras ecologia, meio ambiente, educação ambiental, crise ecológica, sustentabilidade e tantas outras relacionadas à natureza encontram-se presentes em conversas informais no local de trabalho, em jornais e revistas, em comercias de televisão, em telejornais e na educação formal e não formal. A ausência ou o mau planejamento de políticas socioambientais fez com que o avanço tecnológico acelerado e voraz, adquirido nas últimas décadas, criasse uma lógica econômica insustentável e caótica, do ponto de vista humanitário e ambiental. Diante disso, a sociedade vem buscando novas alternativas que diminuam essas desigualdades e possibilitem a integração entre preservação, desenvolvimento e qualidade de vida. Logo, o surgimento de práticas econômicas, educativas e sociais voltadas ao ambiente têm mobilizado governos e sociedade civil.

Nas últimas décadas, a busca por práticas alternativas tem contribuído para o aparecimento de uma nova visão socioambiental. As concepções hegemônicas relacionadas ao meio ambiente têm sido criticadas, debatidas e percebidas como híbridas de natureza e cultura, da mesma forma que os saberes e produções

(*) DAIANI FRAPORTI DOS SANTOS: Analista de Ação Social Júnior, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; especialização em Educação, Diversidade e Culturas Indígenas pela Escola Superior de Teologia – EST (2014); graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2010); daianifraporti@unisinos.br. ADRIANI FARIA: Assistente Social Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; pós-graduanda em Especialização em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2020 – 2022); Graduação em Serviço Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2011); adrianif@unisinos.br. LUCAS EDUARDO FLECK: Estagiário do PASEC (Programa de Ação Socioeducativa na Comunidade), Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; estudante de Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; fleck98@ edu.unisinos.br. GELSON LUIZ FIORENTIN: Professor do Curso de Ciências Biológicas e coordenador do Programa de ação Socioeducativa na Comunidade-PASEC, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; mestre em Biociências pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (1989); graduado em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (1985); gfiorentin@unisinos.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 16 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
2
CAPÍTULO

de sociedades que utilizam outras formas de leitura da realidade são reconhecidas como diferentes maneiras de percepção, compreensão e ação sobre a natureza. A socialização dessas diversas visões, de modo a aproveitar elementos dos diferentes pontos de vista, é o processo educativo proposto pela Educação Ambiental (EA). Nesse sentido, a EA, por ser uma ação educativa transversal e multidisciplinar que visa articular um conjunto de saberes, formar atitudes e sensibilizar para o cuidado com a vida, vem sendo incorporada aos espaços de educação formal e não formal. Essa busca promover a educação integral dos educandos a partir de reflexões e experiências que contribuem na construção do sujeito ecológico. O projeto Horta Mãe-da-Terra, do Programa de Ação Socioeducativa na Comunidade (PASEC), vinculado ao Centro de Cidadania e Ação Social (CCIAS) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), é uma dessas práticas pedagógicas socioambientais cujo um dos principais objetivos é produzir hortaliças orgânicas, o que promove a construção do sujeito ecológico. Entende-se por sujeito ecológico aquele “[...] capaz de compreender o mundo e agir nele de forma crítica.”

(CARVALHO, 2011, p. 75)1

A Horta Mãe-da-Terra é uma ferramenta pedagógica que serve como instrumento da EA, na qual o meio ambiente é compreendido em um todo dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e agente das transformações do mundo em que vive. Segundo Gadotti (2003, p. 62),

Um pequeno jardim, uma horta, um pedaço de terra, é um microcosmos de todo o mundo natural. Nele encontramos formas de vida, recursos de vida, processos de vida. Ao construí-lo e cultivá-lo podemos aprender muitas coisas. As crianças o encaram como fonte de tantos mistérios! Ele nos ensina os valores da emocionalidade com a Terra: a vida, a morte, a sobrevivência, os valores da paciência, da perseverança, da criatividade, da adaptação, da transformação, da renovação. Todas as nossas escolas podem transformar-se em jardins e professores-alunos, educadores-educandos, em jardineiros. O jardim nos ensina ideais democráticos: conexão, escolha, responsabilidade, decisão, iniciativa, igualdade, biodiversidade, cores, classes, etnicidade e gênero2

Assim, o espaço da horta se torna um laboratório vivo que possibilita abordar e articular diferentes conhecimentos de forma significativa e contextualizada, promovendo vivências que resgatem valores.

O presente trabalho tem por objetivo apresentar o Projeto Horta Mãe-da-Terra: Educação Ambiental e

Cidadania como uma ferramenta pedagógica transversal e multidisciplinar que promove a educação integral dos participantes a partir de reflexões e experiências que contribuam para a formação e emancipação de um sujeito ecológico.

Material e Metodologia

O Projeto Horta Mãe-da-Terra: Educação Ambiental e Cidadania, que possui uma perspectiva didática integradora, transversal e interdisciplinar, tem como matriz o espaço da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Santa Marta. A escola está localizada na Vila Santa Marta, no Bairro Arroio da Manteiga, do município de São Leopoldo, no Estado do Rio Grande do Sul, nas coordenadas geográficas definidas por 29° 76’ 28’’ S e 51° 14’ 72’’ W, tendo uma área de 102,738 km² e uma altitude de 26 m acima do nível do mar (Figura 1). A população total do município, no ano de 2021, foi estimada em 240.378 habitantes (IBGE Cidades, 2021)3. Sua economia é baseada na indústria, principalmente a coureiro-calçadista.

Segundo a classificação climática de Köppen, o clima regional é do tipo Cfa, subtropical úmido (temperatura média do mês mais frio inferior a 18ºC e superior a -3ºC, ao menos um mês com média igual ou acima de 10ºC), caracterizado por ser sempre úmido (mês menos chuvoso com precipitação superior a 60 mm) e com verões quentes (mês mais quente com média igual ou superior a 22ºC) (AYOADE, 1986)4. Os índices pluviométricos da região apresentam uma média anual de 1.538,0 mm.

A cidade de São Leopoldo situa-se na região da Encosta Inferior do Nordeste do Rio Grande do Sul. A litologia dominante é o basalto em relevo ondulado a montanhoso, onde predominam Neossolos Litólicos ou Regolíticos Eutróficos (U. Charrua), Chernossolos Argilúvicos Férricos (U. Ciríaco), Cambissolos Háplicos Eutróficos (U. Ciríaco degradada), e situado em relevo suave ondulado Nitossolos Vermelhos Distroférricos (U. Estação). Nas porções mais baixas, situadas nos vales em U dos rios, são encontrados Chernossolos Háplicos Órticos típicos (U. Vila) e inclusões de Cambissolos Háplicos Eutróficos gleissólicos, Neossolos Flúvicos e Gleissolos Háplicos (STRECK et al, 2008)5.

O Arroio da Manteiga é um dos bairros mais pobres da cidade de São Leopoldo e o terceiro mais populoso, com 21.627 habitantes. A comunidade é composta por pessoas que vieram do interior, e mais de 27% de seus moradores estão entre a faixa etária de 14 e 28 anos de idade. Não possui áreas de lazer, nem espaços de cultura para a juventude, além de não contar

1 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

2 GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2003.

3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: IBGE Cidades. Rio Grande do Sul: São Leopoldo. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov. br/brasil/rs/sao-leopoldo/panorama>. Acesso em: 18 outubro 2021.

4 AYOADE, Johnson Olaniyi. Introdução à climatologia para os trópicos. São Paulo: DIFEL, 1986.

5 STRECK, Edemar Valdir et al. Solos do Rio Grande do Sul. 2. ed. Porto Alegre: Emater/RS – Ascar, 2008.

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FIGURA 1

Localização da área do projeto

FONTE: Google Maps

com nenhuma escola de Ensino Médio (IBGE Censo, 2010)6. Em parte, é uma área de ocupação irregular onde moradores ainda se encontram em situação de vulnerabilidade social com elevada taxa de insegurança alimentar, problemas de saúde e questões ambientais tais como esgoto a céu aberto.

O projeto Horta Mãe-da-Terra, do Programa de Ação Socioeducativa na Comunidade (PASEC), vinculado ao Centro de Cidadania e Ação Social (CCIAS), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), desenvolve suas atividades em parceira com a EMEF Santa Marta, onde são realizadas oficinas temáticas com crianças e adolescentes de 6 a 17 anos de idade, no contraturno escolar. A modalidade de acesso ao projeto ocorre por adesão espontânea dos participantes, mediante interesse e curiosidade. A equipe é constituída por profissionais e estagiários da Biologia e do Serviço Social.

As atividades da Horta Mãe-da-Terra envolvem questões socioambientais como cuidado com o consumo de água potável, coleta e armazenamento de água da chuva para irrigação, compostagem e produção de hortaliças orgânicas, cuidado com a alimentação, direitos e deveres da criança e do adolescente. Os grupos de, aproximadamente, 30 participantes são atendidos três vezes por semana, pela manhã e tarde. Os integrantes participam no plantio, manutenção dos canteiros e colheita dos produtos. É importante salientar que os produtos da horta são levados pelos participantes, o que colabora com a qualidade da dieta familiar e com a redução de gastos com a alimentação das famílias.

Resultados e Discussões

Durante o desenvolvimento das atividades pedagógicas propostas pelo projeto, são plantadas em torno de 10.000 mudas de hortaliças por ano. Os produtos são consumidos pelos participantes e seus familiares e, também, utilizados na merenda escolar, o que está de acordo com Muniz e Carvalho (2007, p. 294), segundo os quais “as diferentes atividades desenvolvidas na horta se constituem num instrumento pedagógico que possibilita um aumento no consumo de frutas e hortaliças, o resgate dos hábitos regionais e locais, além da diminuição dos custos com a compra desses produtos”7. Além disso, em cada semestre, realiza-se um mutirão ecológico envolvendo acadêmicos, principalmente, do Curso de Ciências Biológicas, diversos setores do Poder Público Municipal e comunidade escolar. Nessas ações, são efetuados plantios de mudas de árvores nativas em áreas de nascentes e manutenção. Bai Filho et al (2014, p. 2) afirmam que essas ações “para os acadêmicos do ensino superior servem também para consolidar os conteúdos ministrados em sala de aula desenvolvendo-lhes a consciência da aplicabilidade de disciplinas, muitas vezes, consideradas de pouca importância por eles”8.

Para Morgano (2008, p. 9),

A horta inserida no ambiente escolar torna-se um laboratório vivo que possibilita o desenvolvimento

6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: IBGE Censo, 2010. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html>. Acesso em: 18 de outubro 2021.

7 MUNIZ, Vanessa Messias; CARVALHO, Alice Teles de. O Programa Nacional de Alimentação Escolar em município do estado da Paraíba: um estudo sob o olhar dos beneficiários do Programa. Revista de Nutrição, Campinas, v. 20, n. 3, p. 285-296, maio/jun., 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/readcube/epdf.php?doi=10.1590/S1415-52732007000300007&pid=S1415-52732007000300007&pdf_path=rn/ v20n3/07.pdf>. Acesso em: 18 out. 2021.

8 BAI FILHO, Paulo et al. Horta Escolar Agroecológica: um instrumento para a educação ambiental. Revista Brasileira de Agroecologia/ Cadernos de Agroecologia, Cruz Alta, v. 9, n. 4, p. 02, nov. 2014. Disponível em: <http://www.aba-agroecologia.org.br/revistas/index.php/ cad/article/view/16320/10695>. Acesso em: 10 out. 2021.

ADRIANI FARIA , DAIANI FRAPORTI DOS SANTOS , GELSON LUIZ FIORENTIN , LUCAS EDUARDO FLECK MOSTRA DE EXTENSÃO | 18 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

de diversas atividades pedagógicas em educação ambiental e alimentar, unindo teoria e prática de forma contextualizada, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem e estreitando relações através da promoção do trabalho coletivo e cooperado entre os agentes sociais envolvidos9

Nesse sentido, a Horta Mãe-da-Terra vem promovendo a educação integral dos participantes a partir das reflexões e experiências que propicia a esses integrantes. A educação integral dos participantes tem acontecido através do desenvolvimento das dimensões da pessoa. Essas dimensões abrangem a esfera social, política, afetiva, cultural, mística e ambiental. Na dimensão ambiental, o sujeito ecológico é formado por meio do [...] encontro social dos indivíduos e grupos com um mundo que os desafia, inquieta-os e despoja-os de suas maneiras habituais de ver e agir. Assim, esse sujeito sintetiza as virtudes de uma existência ecologicamente orientada, que busca responder os dilemas sociais, éticos e estéticos configurados pela crise socioambiental, apontando para a possibilidade de um mundo socialmente justo e ambientalmente sustentável. (CARVALHO, 2006, p. 26).

O espaço escolar fica mais alegre com as formas, cores e aromas oportunizados pela horta. Por meio de experimentações e análises, os participantes tornam-se protagonistas e construtores de seu conhecimento quando auxiliam na construção dos canteiros, seleção das plantas, planejamento, preparo da terra, obtenção de mudas e sementes, plantio, transplante de mudas, manutenção da horta e colheita. Além disso, a horta promove um resgate da trajetória das famílias dos participantes e dos moradores do local, favorecendo o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. No ano de 2020, entretanto, o projeto sofreu algumas alterações por causa da pandemia de COVID-19. As atividades foram remotas, o que dificultou o contato com os participantes, pois nem todos possuíam um aparelho de celular. Apesar disso, foi possível manter um certo vínculo com os participantes, assim como colher e distribuir um bom número de hortaliças, em função da ação dos técnicos de manutenção da horta.

Conclusão

Uma horta em espaços educativos se torna um dispositivo desencadeador de atividades didático-pedagógicas integradas, em uma perspectiva de um currículo “ecoalfabetizador”. Nesse sentido, o projeto Horta Mãe-da-Terra é um instrumento que propicia vivências e transformações múltiplas entre os atores envolvidos e o ambiente do seu entorno, bem como

permite a abordagem de diferentes conteúdos curriculares de maneira significativa e contextualizada, na perspectiva da integração das diversas áreas do conhecimento e da afirmação de uma cultura de proteção, de sustentabilidade e de justiça socioambiental.

Em outras palavras, trata-se de uma perspectiva própria do “pensamento sistêmico”, no qual os participantes integram os conhecimentos curriculares com o cotidiano, vivenciando, na prática, temas e assuntos, como medidas de área, grandezas e medidas, espaço e forma, recursos naturais, água e solo, constituição e nutrientes do solo, espécies vegetais e desenvolvimento das plantas, luminosidade, temperatura, fotossíntese, insetos, nutrição e alimentação.

A partir das reflexões apresentadas, é possível pensar a horta como sendo um caminho de uma prática social transformadora comprometida com a justiça ambiental e com respeito às diferenças culturais e biológicas que promove um futuro sustentável. Essa, por sua vez, fomenta o surgimento de novas atitudes nos sujeitos sociais, que, orientados pelos princípios de sustentabilidade ecológica e cultural, contradizem o desenvolvimento econômico atual, implicando em um educar que forma cidadãos com um pensamento crítico, emancipatório, político, transformador, social e propositivo, capaz de analisar e de agir nas complexas relações existentes entre processos naturais e sociais.

Portanto, o desafio do projeto Horta Mãe-da-Terra torna-se cada vez mais uma ferramenta pedagógica dinâmica integrativa, transformadora, participativa, abrangente, globalizadora, permanente, contextualizada e transversal.

REFERÊNCIAS

AYOADE, Johnson Olaniyi. Introdução à climatologia para os trópicos. São Paulo: DIFEL, 1986.

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MOSTRA DE EXTENSÃO | 20 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
ADRIANI FARIA , DAIANI FRAPORTI DOS SANTOS , GELSON LUIZ FIORENTIN , LUCAS EDUARDO FLECK

Como chegam às Escolas de Feitoria os incentivos para os jovens afrodescendentes acessarem a universidade?

AUTORES(*)

RAISSA SANTOS DA SILVA

ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO (Orientadora)

RESUMO

Vivemos em tempos de pandemia da Covid-19 e observamos o acirramento de processos sociais e raciais cada vez mais excludentes. Práticas de racismos se acentuam, tornando-se sempre mais visíveis. É igualmente restrita a participação de sujeitos negros nas oportunidades de emancipação, seja acadêmica ou escolar, causando ainda mais o enfraquecimento de suas lutas e seus processos históricos e identitários. Em virtude da política de branqueamento a partir do século XIX, a população negra teve suas lutas enfraquecidas pela perda de sua história e identidade, ficando excluída de espaços sociais, econômicos e culturais. O sujeito negro foi julgado e tratado com olhares estereotipados, viu-se alijado de seu próprio protagonismo dentro da dinâmica social. No cotidiano, é possível observar que a população negra não tem tido forças para ocupar espaços de legitimação de seus lugares e seus saberes civilizatórios, o que reflete o que Djamila Ribeiro trabalha amplamente em usa obra Lugar de Fala (2017). Diante disso, a presente pesquisa de iniciação científica focou nas oportunidades e estímulos que chegam até a escola e como eles são percebidos pelos/as alunos/as, inclusive com relação às perspectivas da educação superior. Os aprendizados proporcionados a partir das entrevistas com os/as alunos/as da EMEF Professora Dilza Flores Albrecht, no bairro Feitoria, fornecem ampla referência para rever a forma como a universidade se comunica nesses espaços externos.

PALAVRAS CHAVE

Afrodescendentes. Extensão. Comunicação Institucional.

ABSTRACT

We live in times of the Covid-19 pandemic and we are witnessing the intensification of social and racial processes that are increasingly excluding. Racism practices are accentuated, becoming ever more visible. The participation of black subjects in opportunities for emancipation, whether academic or

academic, is also restricted, further weakening their struggles and their historical and identity processes. Due to the whitening policy in the 19th century, the black population had its struggles weakened by the loss of its history and identity and being excluded from social, economic and cultural spaces. The black subject was judged and treated with stereotyped looks. He found himself jettisoned of his own protagonism within the social dynamics. It is observed in everyday life that the black population has not had the strength to occupy spaces to legitimize their places and their civilizational knowledge. It is something that reflects well what Djamila Ribeiro works extensively in his work Lugar de Fala (2017). This research was focused on opportunities and stimuli that reach the school and how they are perceived by students, including in relation to the perspectives of higher education. We see the importance of this scientific initiation research, produced in the space of our university’s extension. The lessons learned from interviews with students at the EMEF Professora Dilza Flores Albrecht, in the Feitoria neighborhood, provide ample reference to review how the University should communicate in these external spaces.

KEYWORDS

Afro-descendants. Extension. Institutional Communication.

Introdução

Este artigo tem como objetivo dar conta de apresentar o resultado de uma pesquisa que foca em perceber a ausência de estudantes negros na universidade e como alguns desses jovens conseguem chegar até esse ambiente. A experiência foi a de realizar um diagnóstico no sentido de descobrir como as propagandas de vestibulares da universidade UNISINOS chegam até a escola pesquisada, localizada no bairro Feitoria, onde se concentra um elevado índice de juventude negra. Constata-se que, em tempos de pandemia, os processos de exclusão pesam sempre

(*) ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO: professora doutora do PPG de Ciência Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; coordenadora geral do Núcleo de estudos Afro-brasileiro e Indígena – NEABI UNISINOS. RAISSA SANTOS DA SILVA: aluna do curso de Engenharia Ambiental, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, atuou como pesquisadora no Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena – NEABI UNISINOS.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 21 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 3

mais para os que, historicamente, ficaram para trás no processo educacional. A partir dessa reflexão, podemos apontar para diversos relatos que foram registrados no cotidiano da experiência vivida pelos bolsistas que fazem parte da presente pesquisa. Um deles pode ser ilustrativo da nossa reflexão quando diz:

“Eu nem tinha ideia do que era ser bolsista, agora já tenho, mais precisa ser muito focado nas leituras e nós pouco viemos destas oportunidades, olha agora a gente nem sabe como fazer é uma experiência exigente, mas faz bem a gente se sentir incluído neste trabalhodepesquisa.Hojejátenhomaisconhecimento, aidaparaJaguarãonoCongressodospesquisadores negros e negras, foi o que mais me marcou vendo tantas pensadoras negras e homens negros com pesquisaetemasmesentiorgulhosoemperceberque nós podemos aprender muito, nós viemos [de uma condição com] muitas dificuldades para estudar, eu mesmo, minha mãe é diarista. Já pensou como ela vai pagar minha faculdade? Isso aqui já é um ganho muito grande para mim” (Depoimento do bolsista S.)

Com os trabalhos realizados no NEABI ao longo destes anos, fomos percebendo diversas dificuldades com foco na vulnerabilidade da população negra em geral e, sobretudo, com mais atenção nas dificuldades encontradas junto aos estudantes negros. As realizações de trabalhos no Projeto Cidadania, com a participação de alunos e diversos estudantes não negros, evidenciaram a importância de voltarmos para essa verificação da situação de estudantes negros e negras nos cursos da universidade. Nas atividades do NEABI e na Inclusão Digital Afrodescendente, por mais que sejam divulgadas e reverberadas as informações sobre a importância dos vestibulares, isso gera pouco efeito, porque é notório que os participantes necessitam de orientações mais concretas do que as fornecidas. Além de estimular e debater sobre essa importância, deve-se também proporcionar formas práticas de inclusão para buscar o acesso ao mundo acadêmico.

O Programa de Inclusão Educacional e Acadêmica (PIEA UNISINOS), em parceria com o NEABI-UNISINOS, sempre que acolheu jovens afrodescendentes, propiciou-nos a oportunidade de acompanhar a necessidade de informações sobre os procedimentos que antecedem os passos para solicitação de bolsas, sobremaneira, a busca de documentação que muitas vezes são difíceis de encontrar. É notável como diversos jovens desanimam, deixam de procurar bolsas e, por fim, acabam por perder a oportunidade de receber bolsa do programa ProUni. Nos atendimentos realizados pelo PIEA, as profissionais também nos informaram a maneira como os estudantes afrodescendentes sofrem uma grande lacuna de desconhecimento dos setores de atendimentos. Outra percepção é que, realmente, as propagandas e outros esclarecimentos informativos não

chegam com objetividade nas escolas, ou, se chegam, os estudantes não têm uma compreensão maior dos detalhes dos dados informados.

Nossa percepção foi a de que muitos desses alunos advinham de famílias negras com pouco conhecimento de sua condição de ignorância quanto a sua própria história e identidade. Nesse sentido, foi necessário nos ancorarmos em alguns conceitos para entendermos os processos de formação de identidade e política de branqueamento no Brasil. Os autores estudados foram Bento (2002) e Follmann (2012), os quais contribuíram nas discussões e debates com os bolsistas em suas atividades de pesquisa e formação.

Durante as orientações prestadas, percebemos a importância de refletir com os bolsistas a necessidade de rever, também, os conceitos de branquitude e branquidade para ampará-los nas descobertas sobre os estudos de raças e suas contribuições. Pinheiro apresenta os conceitos de branquitude e branquidade salientando que “a ideia de branquidade, como distinta de branquitude, está associada ao modo como se dá a reação à importância do conceito de raça como um conceito político” (PINHEIRO, 2020, p.85).

Os estudos realizados propiciaram a descoberta, por parte dos bolsistas, de autores que vêm desbravando novas visões conceituais ligadas à temática da Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER), envolvendo as mais diversas reflexões sobre o contexto das políticas de branqueamento ainda muito presentes na sociedade e nos meios educacionais. O depoimento de um bolsista, ao estudar Guerreiro Ramos1, é o seguinte: Olha,eunãoconheciaesteautor,maséumsociólogo quetodosdeveriamler,eleestáfalandodaatualidade emquevivemos,vejasó,esteautorestáfalandohoje, damesmapatologiasocialdobrancodaquelaocasião e que está aí presente no nosso meio acadêmico.” (Depoimento registrado em outubro de 2019, bolsista do Curso de História).

Essas experiências vividas no NEABI também foram socializadas pelos gestores e chegaram até ao âmbito da reitoria. A abertura para a atuação de Adevanir Pinheiro (coordenadora do NEABI)2, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, foi um caminho para a primeira experiência de solicitar bolsas de iniciação científica para estudantes negros e negras. Com a apresentação de projeto voltado para essa problemática, buscou-se apresentar oportunidade para que estudantes negros pudessem vivenciar a experiência de fazer parte de uma pesquisa como bolsistas. Esse foi o primeiro projeto que visou problematizar a ausência e as dificuldades dos estudantes negros na universidade e pesquisar como as propagandas de vestibulares ou o ingresso na universidade chegam até a escola. Em uma parte do texto extraído do relatório final, uma bolsista narra:

RAISSA SANTOS DA SILVA , ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO MOSTRA DE EXTENSÃO | 22 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
1 BARIANI JUNIOR, Edilson. Guerreiro Ramos e a redenção sociológica: capitalismo e sociologia no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2011. 2 Integrante do corpo docente como colaboradora.

“Apartirdasrespostasfoipossíveltraçarumperfildos estudantes afrodescendentes. Muitos têm vontade de acessaroEnsinoSuperior.Entretanto,ocorrequeesta motivaçãoseperdeporresidirememáreasperiféricas da cidade, criando assim um estereótipo na mente desses jovens de que a Universidade é apenas para “brancos” e “ricos”. Muitos alunos negros desistem também por outras questões como ter que trabalhar, um grande fator para a perda de vontade de almejar o Ensino Superior” (Relatório final da pesquisa, 2020).

O projeto foi aplicado na EMEF Professora Dilza Flores Albrecht, localizado no bairro Feitoria, no município de São Leopoldo. Além do objetivo principal do projeto, também se buscou perceber como os estudantes negros dessa escola possuem consciência de sua história e identidade. Um aspecto importante é que a escola estudada se localiza próximo ao território onde se situa a “Casa do Imigrante”, antiga “Casa da Feitoria”. O desconhecimento da história dessa casa e seu significado histórico para os negros da região explicitou, de modo patente, a grande falta de informação e consciência crítica por parte desses estudantes.

Estudos já realizados no NEABI têm facilitado a constatação de processos de alienação e desconhecimento da realidade acerca da presença histórica negra nesse bairro, embora haja um número expressivo de famílias negras no local. Dados revelados em pesquisa realizada no NEABI pelos professores pesquisadores, em artigo publicado por Elizabeth Natel, podem contribuir com essa reflexão. Segundo Natel (2014, p. 48), “os alemães aportaram em São Leopoldo, no ano de 1824. [Mas] (...) é pouco conhecido, entre a população [atual], o trabalho dos escravos, na Feitoria do Linho Cânhamo, antes da chegada dos imigrantes alemães”. Uma das preocupações dentro das atuações do NEABI sempre foi a de trabalhar na produç ão e publicaç ão de trabalhos acadêmicos visando contribuir para a formação de conhecimento histórico da região, auxiliando os afrodescendentes em seu fortalecimento da consciência a respeito do processo de apagamento de sua história e identidade. Outra preocupação está relacionada à necessidade de formação de professores nas academias, pois serão esses profissionais que irão atuar em salas de aula nas escolas p ú blicas. Para atuar nesse projeto, selecionou-se estudantes de diversos cursos da universidade, como História, Educação Física, Filosofia, Pedagogia entre outros. No NEABI, os estudantes foram acolhidos no sentido de trabalhar a sua autoestima e apresentar os estudos realizados no Município de São Leopoldo, objetivando uma formação voltada para a Educação das Relações Étnico-Raciais com foco nos conceitos de branquitude e branquidade e a história dos afrodescendentes. Por meio da formação no projeto Cidadania e Cultura Religiosa Afrodescendente, os bolsistas também tiveram a oportunidade de expressar as inquietações e dificuldades em poder se manter nos cursos e apresentaram isso em suas

pesquisas. A partir do depoimento de um dos estudantes, registramos a seguinte colocaç ão :

“Eu não tinha noção de estar morando num bairro onde eu nasci e não conhecia minha história de afrodescendente. Entrei na Universidade por ver que um amigo estava falando que ia estudar na Unisinos e eu ouvindo também busquei por mim mesmo ver como eu poderia entrar também, entendeu. Mas eu pensava que era fácil de se manter, mas não... sabe!?Agora estou na Unisinos, mas minha mãe é diarista e tenho mais um irmão. Como que eu vou viver dentro da Universidade sem um auxílio para ajudar, entendeu?”.

Esse depoimento emergiu de uma atividade de oficina na formação em que foi apresentada a importância de conhecer a própria história e o processo de conhecimento e reconhecimento de sua realidade. Essa narrativa nos faz avaliar a importância da bolsa de iniciação científica, mas, também, considerar as urgências de políticas afirmativas que possam atender os processos de “acesso, permanência e finalização do curso”. No Brasil e nas universidades, tem se constatado avanços na implementação de políticas de “cotas”, mas isso não tem sido o suficiente para ampliar o acesso, devido aos critérios que ainda requerem serem avaliados para contemplar jovens negros na sua essência de vulnerabilidade na família e todas as dificuldades envolvidas nesse processo de inclusão.

Na pesquisa do NEABI, foi realizada a experiência com seis jovens estudantes na pesquisa de iniciação científica pelo primeiro edital especial de bolsa afirmativa aprovado pelo então reitor da UNISINOS, Pe. Marcelo Fernandes de Aquino. A experiência com os estudantes apontou para um grande avanço, acolhendo jovens estudantes negros no processo de inclusão afro. Percebemos que, no entanto, ainda necessitamos de muitos avanços no sentido de ampliarmos a eficiência no combate à desigualdade no ensino superior, além da óbvia constatação de dificuldades persistentes no enfrentamento ao racismo estruturalizado nas práticas pedagógicas institucionais.

Os estudantes afrodescendentes reverberaram vivências de racismo às quais não souberam como reagir, uma vez que se sentiram sem ação e forças para argumentar e se defender, além de serem isolados e tratados como incapazes por alguns colegas e, até, por profissionais. Almeida (2019, p. 62) assevera que “mesmo que hoje as teorias racistas estejam sendo desmoralizadas nos meios acadêmicos e nos círculos intelectuais que as gestaram, na cultura popular ainda é possível ouvir sobre a inaptidão dos negros para certas tarefas”.

Para o NEABI, foi muito importante conviver de perto com esses estudantes negros e negras no sentido de confirmar as práticas de racismo e os bloqueios causados no enfraquecimento na realização de suas tarefas e na produção de conhecimento. Por meio da pesquisa, foram percebidas dificuldades e desânimos em levar adiante apresentações e elaboração de textos autorais e, sobretudo, o medo de falar em público, muito embora os alunos tivessem êxito na partici -

COMO CHEGAM ÀS ESCOLAS DE FEITORIA OS INCENTIVOS PARA OS JOVENS AFRODESCENDENTES ACESSAREM A UNIVERSIDADE? MOSTRA DE EXTENSÃO | 23 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

pação no X COPENE (X Congresso de Pesquisadores Negros e Negras do Brasil) 3 realizado em Jaguarão, na região dos Pampas, quando alguns dos estudantes afrodescendentes da universidade tiveram a oportunidade de apresentar suas pesquisa através de posters, tendo sido avaliados por professores pesquisadores da comissão responsável.

O depoimento de uma das estudantes pode ilustrar essa reflexão ao ponderar que se sentiu muito bem em meio a tantos outros e outras estudantes negros e negras apresentando suas pesquisas. A bolsista revela:

“Eu estava tão insegura para apresentar o Pôster no meio de tantos outros bolsistas, mas depois que vi eles apresentando e falando dos conhecimentos eu também me animei e fui lá e apresentei nosso Pôster da pesquisa na Unisinos também e como me senti realizada”. (Depoimento da bolsista J, depois de retornar do Congresso de Jaguarão, na região dos Pampas, em julho de 2018).

Outro bolsista também afirma em seu depoimento:

“Ter feito esta experiência para mim foi muito bom, penaqueeunãopudeaproveitartantodevidoaminha faltadeconhecimentoepornuncaterfeitoessaexperiência, mas o resultado desta pesquisa me ensinou muito”. (Resultado das falas dos bolsistas registrado no Neabi-Unisinos pelo estudante A.).

Um dos resultados mais valiosos da experiência dessa pesquisa foi o de oportunizar a sistemática de aprendizado por meio de atividades que foram desenvolvidas no sentido de complementar o desenvolvimento da pesquisa, quando em conjunto com os participantes do Cidadania, objetivando o retorno para alunos e alunas que participaram nas oficinas sobre as histórias de vida e identidades. Além de ter propiciado momentos de aprendizagens, em específico, as atividades realizadas no período foram: a) leitura das teorias de autores, avaliando as referências bibliográficas que foram referenciais para os estudos e a realização da pesquisa do tema trabalhado; b) elaboração de resumos e fichamentos sistemáticos sobre leituras; c) discussão no Grupo de Pesquisa do NEABI, com os demais bolsistas e colaboradores do Núcleo; d) construção de formulários de perguntas aos estudantes; e) ida às escolas para aplicação de questionário; f) compilação e sistematização de resultados; g) participação nas atividades diárias do NEABI, com vivência sobre a cultura afrodescendente, e participação nas realizações dos eventos na universidade como complementação de saberes.

Como já foi destacado, a participação dos estudantes no X COPENE foi de suma importância, porque possibilitou a ampliação de conhecimentos científicos dos

estudantes e a relação com os diversos saberes apresentados por outros estudantes negros e não negros, fortalecendo e ampliando os seus horizontes.

Algumas considerações finais

Neste artigo, relatamos experiências vividas pelos(as) bolsistas que fizeram parte da pesquisa como iniciantes no conhecimento científico. Embora as dificuldades fossem diversas, sobremaneira em relação às vulnerabilidades muito acentuadas de cada uma e cada um dos/as bolsistas, tivemos a oportunidade de acompanhar e propiciar momentos de acolhida e interação para conhecer situações sobre as quais ainda não havíamos refletido. A preocupação do tema da pesquisa foi a de responder às inquietações e questionamentos sobre como as informações e a propaganda de vestibulares chegam até as escolas.

Os alunos afrodescendentes tiveram a oportunidade de participarem da experiência de aprendizagens e de conhecer as dificuldades identitárias e históricas de outros colegas estudantes que ingressam na universidade e se depararam com um mundo acadêmico desconhecido. Uma das considerações importantes é a de perceber a relevância de ampliar os meios de informação e propagandas da universidade para que cheguem com maior visibilidade aos estudantes das escolas públicas e suas famílias. Outro fator ainda é que, neste trabalho, ficaram expl ícitas as situações de vulnerabilidade dos estudantes afrodescendentes que vêm de famílias muito pobres e desabastecidas de conhecimentos educacionais, ficando apenas com a realidade básica de onde residem. Internamente, em diversos cursos da universidade, a ausência de alunos afrodescendentes ainda é notória.

Esses estudantes, muitas vezes, também se isolam e ficam invisíveis na sala de aula, o que os torna cada vez mais fragilizados, sem sua autoestima e bloqueados nas suas produções de conhecimentos acadêmicos. Diversos alunos afrodescendentes acabam caindo em depressão ou desânimo por não se sentirem pertencentes ao meio acadêmico. Mesmo que a universidade já tenha seu setor específico de atendimento aos estudantes, ainda assim os alunos afrodescendentes necessitam de acolhida que os façam de sentirem pertencentes a esse local. A oportunidade de acompanhar os desempenhos nas leituras e conhecimentos de autores e autoras também nos apontou que os estudantes, quando acolhidos, demonstram suas capacidades e seus sonhos de estudar e se formar na universidade.

A Política Afirmativa já tem demonstrado mudanças significativas nas universidades, mas percebemos que, devido ao aprofundamento de vulnerabilidade, os estudantes afrodescendentes advêm das escolas públicas já esmagados e debilitados pelo peso de diversas faltas em suas trajetórias escolares, tais como: a) falta

do evento na recepção e distribuição de mesas.

RAISSA SANTOS DA SILVA , ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO MOSTRA DE EXTENSÃO | 24 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
3 Congresso dos Pesquisadores Negros e Negras do Brasil, realizado em 2018. Da UNISINOS, participaram quatro estudantes que atuaram na pesquisa. Eles apresentaram seus trabalhos, além de atuarem como monitores

de uma inclusão que os reconheça enquanto sujeitos; b) falta de uma alfabetização que os anime a avançar em suas leituras e escritas; c) falta de acessibilidade a recursos tecnológicos e emprego; d) falta de meios para transportes etc. Temos, assim, um contexto de racismo estrutural perverso que ronda nas realidades escolares, colocando-os cada vez mais à margem do mundo do ensino superior.

A experiência com a bolsa de iniciação científica propiciou um olhar mais amplo diante de políticas federais educacionais dentro desse contexto de desvalorização da escola e dos profissionais da educação. As leituras voltadas para a educação das Relações Étnico-Raciais e de pensadores dessa temática foram essenciais para que os bolsistas pudessem se reencontrar enquanto sujeitos.

Por fim, ao mesmo tempo em que consideramos de extrema importância e necessidade a facilitação de bolsas de iniciação científica, consideramos a necessidade de ampliar a formação de profissionais que possam ir para as escolas com uma formação mais aprofundada e condizente com a temática da Educação das Relações Étnico-Raciais.

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COMO CHEGAM ÀS ESCOLAS DE FEITORIA OS INCENTIVOS PARA OS JOVENS AFRODESCENDENTES ACESSAREM A UNIVERSIDADE? MOSTRA DE EXTENSÃO | 25 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Lives do NEABI Unisinos como ferramenta do processo de identidade dos afrodescendentes durante a pandemia

AUTORES(*)

CRISTIANO RAFAEL SILVEIRA WILLIAM MARTINS

Introdução

Historicamente, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) é protagonista de um trabalho de fortalecimento da identidade dos sujeitos afrodescendentes da região metropolitana de Porto Alegre, mais especificamente dos negros e negras habitantes da cidade de São Leopoldo. Além de atuar como um projeto social, o NEABI também realiza ações importantes de conscientização da branquitude dentro da universidade a partir da produção de conhecimento científico. Um exemplo é a Coleção Neabi: Refazendo laços e desatando nós, que reúne uma coletânea de publicações que abordam problematizações que vão desde a realidade do negro no Rio Grande do Sul ao tensionamento da branquitude para que os indivíduos brancos se revejam enquanto sujeitos racializados.

Entendemos que o processo de construção da identidade do sujeito afrodescendente tem um caminho longo e, na maioria das vezes, doloroso. Esse processo passa pela descolonização das mentes, bem como pelo exercício de retirada do sujeito negro da alienação da sua própria ancestralidade.

De acordo com Follmann:

Sempre que se fala em identidades ou, melhor, em processos de identidade, vêm à mente, em primeiro plano, ideias de singularidades diferentes, de alteridades e de processos alternativos ou, mesmo, de processos de oposição. Muitas vezes isto desvia a nossa atenção de uma questão chave que são os processos de alienação. Trata-se de algo fundamental termos presente que estes processos são, a rigor, a negação (ou esvaziamento) dos processos de identi-

dade. O exercício de reflexão para construir o conceito de processo de identidade nos ajuda a não deixarmos este aspecto de lado. (2012, p. 83)

Nesse sentido, operando para fortalecer a autoestima dos afrodescendentes, o NEABI mantinha, todas as sextas-feiras, às 19h, um espaço de conversação, acolhimento, troca de experiência e construção de conhecimento sobre os temas que compõem a questão afro. O Grupo Cidadania e Cultura Religiosa Afrodescendente, projeto que está inscrito na arquitetura institucional do Núcleo, era aberto para a comunidade acadêmica e, principalmente, à comunidade externa à universidade. Com a pandemia da Covid-19, o trabalho que era feito presencialmente, por força maior, precisou ser ressignificado na perspectiva da tecnologia. A primeira pergunta que a equipe do NEABI fez foi: de que maneira prosseguir com o trabalho de fortalecimento do processo de identidade dos sujeitos negros em um contexto pandêmico, visto que a população negra é a primeira a ser atingida e a sofrer com as mazelas sociais? Um dos caminhos de solução para isso se deu em forma de uma série de lives ao decorrer dos anos de 2020 e 2021, que vamos descrever no decorrer deste artigo.

O processo de embranquecimento como modelo colonial

Ainda problematizando a questão da identidade dos sujeitos, compreendemos que o processo de alienação se deu a partir de um projeto de embranquecimento social, que coloca as culturas negra e indígena à margem da sociedade. “O Brasil teve assim o seu processo histórico enquadrado desde o início dentro do modelo colonial europeu e português. A sua memória veio sendo enquadrada” (FOLLMANN, 2017, p. 40).

Durante esse processo de embranquecimento, muitas foram as estratégias de alienação utilizadas contra a população negra. A violência, além de física e psico-

MOSTRA DE EXTENSÃO | 26 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 4
(*) CRISTIANO RAFAEL SILVEIRA: licenciado em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; atua como Educador Social no NEABI UNISINOS. WILLIAM GONÇALVES LIMA MARTINS: acadêmico do curso de Jornalismo e Bolsista da Iniciação Científica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

lógica, também é simbólica. “A violência a que o negro no Brasil sempre esteve submetido não é apenas a da força bruta” (PINHEIRO, 2014, p. 47). Para Follmann, historicamente, essas populações foram invisibilizadas, no intuito de serem apagadas:

Além de invisibilizadas e excluídas de narrativas oficiais, sofreram com inúmeras tentativas de intervenção ao serem proibidas, por exemplo, de falar sua língua materna ou vivenciar a sua cultura plenamente por serem julgadas como inferiores pelos europeus. Entre muitos outros aspectos, foi-lhes negado o acesso à cultura letrada e, por conta disso, muito de sua história oral não foi documentada. (2017, p. 43)

A ideia de superioridade branca surge como ideologia. Pinheiro (2014) afirma que estamos em uma sociedade de dissimulação, o que para a autora, é a branquidade. E essa impetuosidade de exercer o poder sobre o outro e tudo aquilo que este representa vem da não aceitação dessa identidade, do desejo de que o negro se submeta à cultura hegemônica.

Para Pinheiro (2014, p. 47),

A história mostra-nos, através do racismo, do preconceito e da indiferença face aos diferentes, a facilidade com que se silencia e vai se desumanizando o “diferente” ou “inferior” sem que haja uma percepção dos mesmos e do alargamento da desresponsabilidade da hegemonia branca. Mesmo com a presença visível do sujeito diferente, a hegemonia branca tende sempre a acreditar que este não é sujeito moral como “eles”, e assim toda crueldade pode ser cometida.

O processo de identidade dos sujeitos, indivíduos ou coletivos tem como base a relação entre o futuro e o passado (FOLLMANN, 2012). Ou seja, a identidade não tem como referência apenas o passado, a ancestralidade, mas também como essa identidade evolui e se apresenta tanto no presente, como no futuro. Mas, para isso, é necessário reeducar, tanto negros, como brancos, numa perspectiva racial. “Pode-se definir processo de identidade como a busca constante de estabelecer coerência lógica entre as experiências vividas e aquilo que se tem como objetivo” (FOLLMANN, 2012, p.85).

Para colaborar com esse processo de identidade dos sujeitos negros, é necessária uma reeducação das relações étnico-raciais. Por isso, é preciso que negros e brancos se revejam numa perspectiva crítica de existência na sociedade. Uma das formas que se encontrou pelo Estado para oficializar essa estrutura foi a implementação da Lei 10639/2003, que institui o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos do sistema de ensino. Contudo, é importante ressaltar que, na perspectiva dessa legislação, os negros não seriam objetos de estudo, como sempre foram, e brancos protagonistas centrais da história. A ideia é colocar negros como sujeitos da sua própria narrativa, como atores da sua história e da história do Brasil.

Nesse sentido, para compreendermos melhor os impactos do racismo e como ele se perpetua na socie-

dade, é preciso abordar o conceito de branquitude e os acordos que as pessoas brancas estabelecem entre si, a partir dessa ideia. Segundo Bento (2014, p. 5), a branquitude é “traços da identidade racial do branco brasileiro a partir das ideias sobre branqueamento”. A autora ainda afirma que o conceito é um dos aspectos que potencializam a reprodução do racismo nas relações raciais.

A ideia de branqueamento no Brasil, estimulada principalmente no início do século XX, colocou na cultura a convicção de que ser negro era ruim. Com isso, os afro-brasileiros internalizaram esse discurso que silenciou e abafou a identidade afro dos sujeitos. “O branqueamento é frequentemente considerado como um problema do negro que, descontente e desconfortável com sua condição de negro, procura identificar-se como branco, miscigenar-se com ele para diluir suas características raciais” (BENTO, 2014, p.5). Mas, na construção dessa realidade no imaginário dos sujeitos negros e na representação desses indivíduos racializados, o branco não é responsabilizado, tampouco assume a culpa pela formação dessa estrutura de pensamento e das práticas de racismo no Brasil.

Na descrição desse processo o branco pouco aparece, exceto como modelo universal de humanidade, alvo da inveja e do desejo dos outros grupos raciais não-brancos e, portanto, encarados como não tão humanos. Na verdade, quando se estuda o branqueamento constata-se que foi um processo inventado e mantido pela elite branca brasileira, embora apontado por essa mesma elite como um problema do negro brasileiro. Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de toda uma espécie, a elite fez uma apropriação simbólica crucial que vem fortalecendo a autoestima e o autoconceito do grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social. (BENTO, 2014, p.5).

Quando o negro, inconscientemente, absorve e normaliza essa ideia de demonização e silenciamento da cultura afro. Não há pensamento crítico-reflexivo sobre seu lugar na sociedade. Além disso, o que impera é a construção de uma identidade alienada, que nega as suas raízes históricas. A morte cultural da negritude, atualmente, é traduzida também pelo discurso de negação das desigualdades raciais no país, com a crença de que somos todos iguais, de que o racismo no Brasil é uma invenção de quem quer dividir a população, quando, na verdade, é ao contrário: quem assume esse discurso, indiretamente, está tracionando a violência simbólica e física contra pessoas negras.

O rompimento com esse silêncio punitivo para os negros impõe uma mudança de estrutura dos grupos hegemônicos que se mantêm no poder das instituições, bem como a alteração na lógica de dominação das relações raciais. Porém, nessa mesma perspectiva, Pinheiro (2014) questiona a pouca abordagem da temática da branquitude como objeto de análise, em relação a outros grupos étnicos, como negros e indígenas.

LIVES DO NEABI UNISINOS COMO FERRAMENTA DO PROCESSO DE IDENTIDADE DOS AFRODESCENDENTES DURANTE A PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 27 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

A estigmatização dos negros faz parte dessa manutenção de poder e de desigualdade racial. A violência racial em forma de piadas, brincadeiras e discursos racistas colaboram para normalizar a ideia de que discriminar é permitido, perpetuando discursos e estereótipos sobre a população negra. E, entre outras práticas e privilégios, que brancos silenciam e se eximem das suas responsabilidades, culpabilizando a população negra sobre as suas condições.

Essa lógica de reeducação das relações étnico-raciais, necessariamente, precisar ser feita, como já foi dito, pelas duas partes: negros e brancos. Indo nessa perspectiva, Follmann nos questiona:

A euro-referência dominante, refletida na superioridade e hegemonia eurocêntrica da cultura de nossa sociedade nos leva a refletir sobre as chances de afirmação das outras duas matrizes culturais e de seus sujeitos. Quais os melhores caminhos para que se instaurem

Programação de Live do NEABI em 2020

autênticos processos de identidade que favoreçam o resgate do tríplice matriz cultural de nossa história e sociedade? (2017, p.42).

Tencionados por essa questão, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da UNISINOS, que sempre teve como objetivo auxiliar na construção da consciência de identidade dos sujeitos negros, precisou rever a sua estratégia de atuação com o avanço da pandemia. Por isso, surgiu a proposta de uma série de lives por meio do Facebook, com os mais diversos temas que permeiam o universo da questão afro. A proposta central desse projeto – que iniciou em 2020, mas que segue durante o ano de 2021 – era a de dar visibilidade às temáticas invisibilizadas na sociedade, que abordassem discussões sobre racismo, religiosidade, educação das relações étnico-raciais e a realidade social das pessoas negras durante a pandemia. No quadro abaixo é possível visualizar todas as lives realizadas pelo NEABI durante 2020/2021:

TABELA 1

Programação de Live do NEABI em 2020

Data Tema Participantes

12/05/2020

População Negra em tempos de Covid: Educação das Relações Étnico- Raciais: novos modelos de educação à distância

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e William Martins (Graduando em Jornalismo)

19/05/2020

A (Im)possibilidade da pós graduação no EAD em tempos de isolamentos sociais

Camila Botelho (Doutoranda Ciência Sociais) e William Martins (Graduando em Jornalismo)

26/05/2020

Pedagogia, Mulheres negras e pandemia pedagoga

Elisabeth Santos Natel (Mestre em Ciências Sociais)

09/06/2020

Pandemia e vulnerabilidade social

Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais) e William Martins (Graduando em Jornalismo)

19/06/2020

A Coisa tá preta: uma conversa com juventude, vida religiosa e coronavírus

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e convidados jesuítas negros

Educação das relações étnico-raciais: branquitude e branquidade na escola em

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e

CRISTIANO RAFAEL SILVEIRA , WILLIAM MARTINS MOSTRA DE EXTENSÃO | 28 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
03/07/2020

19/06/2020

conversa com juventude, vida religiosa e coronavírus

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e convidados jesuítas negros

03/07/2020

Educação das relações étnico-raciais: branquitude e branquidade na escola em tempo de pandemia

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e convidadas do Coletivo

Profes Pretas: Fernanda Oliveira (Pedagoga) e Rose Domingues (Pedagoga)

23/07/2020

Homenagem ao Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Elisabeth Santos Natel (Mestre em Ciências Sociais), Sueli

Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais), Camila Botelho (Doutoranda Ciências Sociais), Marines Campos (Graduanda em Pedagogia), Fernanda Oliveira (Pedagoga) e Rose Domingues (Pedagoga)

Adevanir Aparecida

31/07/2020

Prosa Preta

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e Pe. Jean Fábio (Mestre em Ciências Sociais)

Adevanir Aparecida

07/08/2020

Saúde da população negra da cidade de São Leopoldo

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Tiago Silveira (Fisioterapeuta) e Simone Beatriz Brum (Assistente Social)

Adevanir Aparecida

14/08/2020

Educação da Relações étnico-raciais e importância das mulheres negras

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Nadir de Jesus (Vereadora) e Sueli

Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais) e William Martins (Graduando em Jornalismo)

Adevanir Aparecida

28/08/2020

A intolerância racial em tempos de pandemia

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Inácio Spohr (Mestre em Desenvolvimento Social e Direitos Humanos) e Pai Dejair de Ogum

LIVES DO NEABI UNISINOS COMO FERRAMENTA DO PROCESSO DE IDENTIDADE DOS AFRODESCENDENTES DURANTE A PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 29 | UNISINOS EM EXTENSÃO:
EM TEMPOS PANDÊMICOS
REINVENÇÕES

28/08/2020 A intolerância racial em tempos de pandemia

(Mestranda em Ciências Sociais) e William Martins (Graduando em Jornalismo)

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Inácio Spohr (Mestre em Desenvolvimento Social e Direitos Humanos) e Pai Dejair de Ogum (Dirigente Espiritual e Historiador)

02/10/2020

Vidas indígenas importam: (r)existência em tempos de pandemia

Walmir Pereira (Doutor em História), Joel Pereira (Coordenador adjunto do Conselho Indígena), Angélica Domingues (Mestranda em Serviço Social) e Wole Patte (Articulador dos Povos Indígenas do Brasil)

09/10/2021 Religião e Meio Ambiente

Inácio Spohr (Mestre em Desenvolvimento Social e Direitos Humanos), Pai Ricardo de Ogum (Historiador) e Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais)

16/10/2020

Feitoria do Linho Cânhamo: cultura do pertencimento

Elisabeth Santos Natel (Mestre em Ciências Sociais), Lauri Bernardes (Historiador), Maria Noeli Evangellio (Movimento Cultural Darci Ribeiro)

30/10/2020

Processos Afirmativos em tempo de Pandemia

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Pietra Gomes (Advogada), José Antônio Dos Santos (Militante do Movimento Negro) e Guilherme

Azevedo Professor (Professor do Curso de Direito da UNISINOS)

06/11/2020

Afroempreendedorismo em Sueli Angelita da Silva

CRISTIANO RAFAEL SILVEIRA , WILLIAM MARTINS MOSTRA DE EXTENSÃO | 30 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

cultura do pertencimento Sociais), Lauri Bernardes (Historiador), Maria Noeli Evangellio (Movimento Cultural Darci Ribeiro)

(Militante do Movimento Negro) e Guilherme Azevedo Professor (Professor do Curso de Direito da UNISINOS)

30/10/2020

06/11/2020

Processos Afirmativos em tempo de Pandemia

Afroempreendedorismo em tempos de Pandemia

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Pietra Gomes (Advogada), José Antônio Dos Santos (Militante do Movimento Negro) e Guilherme Azevedo Professor (Professor do Curso de Direito da UNISINOS)

Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais), Gilciane Neves (Coordenadora da rede UMBUNTU), Cristina Terra (Afroempreendedora) e Flávio Wilmar da Silva (Afroempreendedor)

06/11/2020

13/11/2020

20/11/2020

13/11/2020

20/11/2020

Afroempreendedorismo em tempos de Pandemia

Novembro Negro, Afrodescendente e América

Latina: Política de branqueamento

Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e Bruna Reis (Graduanda em Psicologia) e Renata Brito (Graduanda em Psicologia)

Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais), Gilciane Neves (Coordenadora da rede UMBUNTU), Cristina Terra (Afroempreendedora) e Flávio Wilmar da Silva (Afroempreendedor)

Caminhos de Zumbi: Educação das Relações Étnico-Raciais e as Práticas Antirracistas na Educação

Novembro Negro, Afrodescendente e América

Latina: Política de branqueamento

Caminhos de Zumbi: Educação das Relações Étnico-Raciais e as Práticas Antirracistas na Educação

FONTE: Autores, 2021.

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais) e Bruna Reis (Graduanda em Psicologia) e Renata Brito (Graduanda em Psicologia)

Rosane Falcão (Funcionária da UNISINOS), Fernanda Oliveira (Pedagoga), Rose Domingues (Pedagoga), Nelia do Nascimento (Coordenadora do Grupo Afro Brasil-SJ), Pe. Jean Fábio (Coordenador do Grupo Afro Brasil-SJ e coordenador do MAGIS-SJ), Pe. Marcelo Fernandes de Aquino (Então reitor da UNISINOS) e Pe. Prof. Dr. José Ivo Follmann (Assessor do NEABI/UNISINOS, Secretário para a justiça socioambiental da Província dos Jesuítas no Brasil do OLMA)

Rosane Falcão (Funcionária da UNISINOS), Fernanda Oliveira (Pedagoga), Rose Domingues (Pedagoga), Nelia do Nascimento (Coordenadora do Grupo Afro Brasil-SJ), Pe. Jean Fábio (Coordenador do Grupo Afro Brasil-SJ e coordenador do MAGIS-SJ), Pe. Marcelo Fernandes de Aquino (Então reitor da UNISINOS) e Pe. Prof. Dr. José Ivo Follmann (Assessor do NEABI/UNISINOS, Secretário para a justiça socioambiental da Província dos Jesuítas no Brasil do OLMA)

Fonte: Autores, 2021.

LIVES DO NEABI UNISINOS COMO FERRAMENTA DO PROCESSO DE IDENTIDADE DOS AFRODESCENDENTES DURANTE A PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 31 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
Dos
Antônio
Santos

Programação de Lives do NEABI em 2021

TABELA 2

Programação de Lives do NEABI em 2021

Data Tema Participantes

12/03/2021

Dialogando sobre a campanha da fraternidade 2021: “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”

Pe. Prof. Dr. José Ivo Follmann (Assessor do NEABI/UNISINOS, Secretário para a justiça socioambiental da Província dos Jesuítas no Brasil do OLMA), Ismael Mendonça (Ex-Conselheiro Tutelar, Educador Social e Gestor Público) e Cristiano Silveira (Educador Social no NEABI/UNISINOS)

19/03/2021

Roda de conversa sobre o mês da mulher e as contribuições da mulher negra em nossa sociedade

Adevanir Aparecida

Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais), Maria Noeli da Silva Evangellio (Associação de Empreendimentos de Economia Solidária de São Leopoldo), Yalorixá Adriangela d'Oxalá (Bacharel em direito) e Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais)

26/03/2021

Centro de Umbanda Xangô da Mata Virgem e Trabalho Social

Carmem Rosane dos Santos (Coordenadora do Projeto Gbala), Carmem Regina da Silva (Educadora Social), Ana Carolina da Silva Almeida (Profa. Educação Física) e Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais)

16/04/2021

Educação nas séries iniciais em tempos de pandemia

Leocádia Inês Schoffen (Professora da rede municipal de São Leopoldo), Elaine Follmann (Professora da rede municipal de Sapucaia do Sul) e Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais)

CRISTIANO RAFAEL SILVEIRA , WILLIAM MARTINS MOSTRA DE EXTENSÃO | 32 | UNISINOS EM EXTENSÃO:
EM TEMPOS PANDÊMICOS
REINVENÇÕES

16/04/2021

Educação nas séries iniciais em tempos de pandemia

Física) e Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais)

Leocádia Inês Schoffen (Professora da rede municipal de São Leopoldo), Elaine Follmann (Professora da rede municipal de Sapucaia do Sul) e Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais)

23/04/2021

Abril indígena e retomadas territoriais no Rio Grande do Sul

Cacica Kullung Veitxa Teie (Retomada Xokleng Kongui), Sueli Khey Tomás (Técnica de enfermagem e artesã. Indígena Kaingang) e Walmir Pereira (Doutor em História)

30/04/2021

Educação Infantil em tempos de Pandemia

Alexsandra da Luz Oliveira (Professora da Rede Municipal de Campo Bom), Chaiane Francine Leites (Professora da Rede Municipal de São Leopoldo) e Cristiano Rafael Silveira (Educador Social do NEABI/UNISINOS)

07/05/2021

A importância da implementação da lei 10639/03 nos projetos políticos pedagógicos das escolas

Adriana Santos (Coordenadora de Direito e Políticas Públicas de Igualdade Racial do Município de Porto Alegre), Margarete Pereira (Coordenadora Grupo de Danças Nossas Raízes) e Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais)

LIVES DO NEABI UNISINOS COMO FERRAMENTA DO PROCESSO DE IDENTIDADE DOS AFRODESCENDENTES DURANTE A PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 33 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

28/05/2021

Os desafios da assistência social em tempos de pandemia

Carolina Cerveira (diretora de Proteção Social Básica na Secretaria de Desenvolvimento Social de São Leopoldo), Fábio Bernardo da Silva (Secretário Municipal de Desenvolvimento Social de São Leopoldo) e Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais)

11/06/2021

Mulheres negras e os desafios do afroempreendedorismo em tempos de pandemia

Onilia Araújo (Odabá –Associação de Afroempreendedorismo), Alyne Jobim (Odabá –Associação de Afroempreendedorismo) e Sueli Angelita da Silva (Mestranda em Ciências Sociais)

13/08/2021

Vivências femininas em tempos de pandemia

Mãe Bete de Iemanjá (Dirigente espiritual e Conselheira do Conselho dos Povos Tradicionais de Matriz Africana), Mãe Janaína de Iemanjá (Dirigente espiritual e Conselheira do Conselho dos Povos Tradicionais de Matriz Africana) e Cristiano Rafael Silveira (Educador Social do NEABI/UNISINOS)

27/08/2021

Os desafios trazidos pela pandemia e um novo olhar para os sujeitos em vulnerabilidades sociais e raciais

Nadir de Jesus (Vereadora no Município de São Leopoldo), Tiago Silveira (Vereadora no Município de São Leopoldo) e Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais)

Relato de vivência com integrantes do Pró-Maior pelo olhar do grupo Origens

Silvana Bianchi (Coordenadora do Serviço de Convivência e Fortalecimento de vínculos

CRISTIANO RAFAEL SILVEIRA , WILLIAM MARTINS MOSTRA DE EXTENSÃO | 34 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

17/09/2021

raciais

São Leopoldo) e Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais)

Relato de vivência com integrantes do Pró-Maior pelo olhar do grupo Origens

Silvana Bianchi (Coordenadora do Serviço de Convivência e Fortalecimento de vínculos para Pessoa Idosa-PróMaior), Marindia da Trindade Goulart (Assistente Social), Anselmo da Silva Accurso (Professor de Educação Física) e Cristiano Rafael Silveira (Educador Social do NEABI/UNISINOS)

Você sabe o que é racismo ambiental? Não? Então vamos descobrir juntos

Maurício Ricardo Vieira

Flores (Major da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul), Dagoberto Albuquerque da Costa (Tenente-coronel da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul) e Cristiano Rafael Silveira (Educador Social do NEABI/UNISINOS)

08/10/2021

A Sacralização nas religiões de matriz africana

Mãe Bete de Iemanjá Elisabete (Dirigente espiritual e Conselheira do Conselho dos Povos Tradicionais de Matriz Africana), Mãe Janaína de Iemanjá (Dirigente espiritual e Conselheira do Conselho dos Povos Tradicionais de Matriz Africana) e Inácio Spohr (Mestre em Desenvolvimento Social e Direitos Humanos)

LIVES DO NEABI UNISINOS COMO FERRAMENTA DO PROCESSO DE IDENTIDADE DOS AFRODESCENDENTES DURANTE A PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 35 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

29/10/2021 Articulação Afro Brasil SJ: surgimento e perspectivas Jerfferson Amorim de Souza, SJ (Mestre em Filosofia e Ciências Sociais) e Adevanir Aparecida Pinheiro (Doutora em Ciências Sociais)

FONTE: Autores, 2021.

Conclusão

Nos quadros acima, apresentamos as datas, os temas e os participantes das lives realizadas pelo NEABI durante 2020 e 2021. Foram 33 lives que contemplaram os mais diversos tipos de assuntos no âmbito da questão racial, com convidados qualificados para cada temática, sendo, também, a própria equipe do Núcleo protagonista neste processo. De acordo com a ideia de Follmann (2012) sobre a identidade dos sujeitos, o NEABI seguiu atuando fortemente, durante a pandemia, para jogar luz às questões importantes e fortalecer o processo de desalienação dos sujeitos negros.

REFERÊNCIAS

BENTO, Maria Aparecida Silva. Branqueamento e Branquitude no Brasil Racismo Institucional: fórum de debates - educação e saúde. Belo Horizonte, 2014.

Fonte: Autores, 2021.

FOLLMANN, José Ivo (Coord.). Processos de identidade, relações étnico-raciais e relações religiosas São Leopoldo: Casa Leiria, 2017.

FOLLMANN, José Ivo. Processos de identidade versus processos de alienação: algumas interrogações identidade!. São Leopoldo, v.17, n.1, p.83-90, jan-jun. 2012. Disponível em: http://periodicos.est.edu.br/index. php/identidade/article/view/325/384. Acesso em: 29 out. 2021.

PINHEIRO, Adevanir Aparecida. O espelho quebrado da branquidade. Aspectos de um debate intelectual, acadêmico e militante. São Leopoldo: Casa Leiria, 2014.

CRISTIANO RAFAEL SILVEIRA , WILLIAM MARTINS MOSTRA DE EXTENSÃO | 36 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, Educação das Relações Étnico-Raciais e Grupo de Cidadania

AUTORES(*)

ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO

EQUIPE COLABORADORA

RESUMO

No município de São Leopoldo, não havia disponibilidade de um espaço de debate e trocas de experiências e vivências onde os afrodescendentes pudessem se sentir acolhidos na sua identidade e discutir a Educação das Relações Étnico-Raciais e suas práticas históricas e identitárias. Por ser uma população majoritariamente branca, em uma cidade considerada como berço da colonização alemã, negou-se a história pregressa da contribuição do negro na construção da cidade. O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI), depois de longo processo de amadurecimento, foi oficialmente instituído na UNISINOS, ligado ao Centro de Cidadania e Ação Social (CCIAS), que é Órgão Suplementar da Reitoria, com função de ação social e extensão universitária. O NEABI constitui-se num espaço acadêmico e de ação social de interface da universidade com a comunidade no que se refere especialmente aos afrodescendentes, sem perder de vista, também, os necessários apoios às comunidades indígenas. Nesse núcleo, realizam-se atividades de vivências, estudos, pesquisas, debates, formação sobre a cultura africana, afro-brasileira, indígena e religiosa, sobre o conhecimento e reconhecimento dos processos de identidade religiosa, cultural e racial e sobre a questão das oportunidades sociais. O espaço principal dessas atividades é o Grupo de Cidadania e Cultura Religiosa Afrodescendente. O NEABI se coloca em consonância com o PlanoApostólicodaProvíncia

dos Jesuítas do Brasil, o Marco Orientador da Promoção da Justiça Socioambiental na Província dos Jesuítas do Brasil, juntamente com as legislações civis que regem a Educação das Relações Étnico-Raciais. Dentro da universidade, transformou-se em um espaço testemunhal disso, estando sempre, de forma criativa, focado em iniciativas que possam proporcionar o protagonismo dos sujeitos.

PALAVRAS CHAVE:

NEABI-UNISINOS. Universidade em Extensão. ERER

ABSTRACT

In the municipality of São Leopoldo there was no availability of a space for debate and exchange of experiences and experiences, where afro-descendants could feel welcomed in their identity and Education of Ethnic-Racial Relations and historical practices of identity. Because it is a mostly white population, in a city considered the Cradle of German Colonization, the past history of the contribution of black people in the construction of the city was denied. The Nucleus of Afro-Brazilian and Indigenous Studies - NEABI, after a long process of maturation, was officially instituted at UNISINOS, linked to the Center of Citizenship and Social Action (CCIAS), which is a supplementary organ of the Rector’s Office, with the function of social action and university extension. NEABI constitutes an academic and social action space, an interface between the university and the community, especially regarding Afro-Brazilians, without losing sight of the necessary support to the indigenous communities. This Center carries

(*) ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO: Possui Graduação em Serviço Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (1998); especialização na área de Famílias, criança e adolescente pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2002); mestrado em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2003); coordenadora do núcleo de estudos Afrobrasileiros e Indígenas-NEABI/UNISINOS; em 2011, concluiu o doutorado em Ciências Sociais na área de concentração: Políticas e Práticas Sociais com o título: Identidade Étnico-Racial e Universidade; trabalhou com a dinâmica da visibilidade da temática afrodescendente e as implicações eurodescendentes, em três instituições de Ensino Superior no Sul do País; em 2011, no segundo semestre, passou a ministrar a disciplina com o título: Afrodescendentes na América Latina, no Curso de Ciências Sociais e Educação das Relações Étnico-Raciais e Afrodescendentes na América Latina; passou a ministrar, também, a disciplina de Religiões e Religiosidade Contemporânea no Curso de Ciências Sociais; em 2017 e 2018, concluiu o pós-doutorado na Universidade estadual de Londrina no Paraná; em 2018/02, integrou a Associação Brasileira dos Pesquisadores como conselheira; desde 2014, administra a área de pesquisadores do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas; em 2019, foi eleita titular dos trabalhos afrodescendentes junto a CEPAL SJ e junto ao Afro Brasil SJ; em 2018, foi conduzida, oficialmente, pelo Reitor Pe. Marcelo Fernandes de Aquinos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, como professora e doutora docente no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais; em 2016, passou a atuar como conselheira do OLMA – Observatório Luciano de Almeida; atualmente, faz parte da coordenação Afro Brasil SJ da Companhia de Jesus e é professora pesquisadora na Pós-Graduação em Ciências Sociais também na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. EQUIPE COLABORADORA: O NEABI-UNISINOS conta com colaboradores contratados e voluntários. Agradecemos a participação de todos: Prof. Dr. José Ivo Follmann, assessor e fundador do NEABI-UNISINOS; Cristiano Rafael Silveira, educador e executivo do projeto de Inclusão Digital Afrodescendente; Prof. Inácio José Spohr fundador do NEABI-UNISINOS e do Grupo de Diálogo Inter-Religioso. Sueli Angelita da Silva, Assistente Social do NEABI-UNISINOS; Prof. Me. Wesley Heleno Oliveira, membro do NEABI-UNISINOS.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 37 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO
5

out activities of experiences, studies, research, debates, and training about African, Afro-Brazilian, indigenous, and religious culture, about knowledge and recognition of religious, cultural, and racial identity processes, and about the issue of social opportunities. The main space for these activities is the Afro-Brazilian Citizenship and Religious Culture Group. NEABIs in line with the Apostolic Plan of the Jesuit Province of Brazil, the Guiding Framework for the Promotion of Social and Environmental Justice in the Jesuit Province of Brazil, together with the public legislations that govern the Education of Ethnic-Racial Relations. Inside the University it has become a witness space of this, being always, in a creative way, focused on initiatives that can provide the protagonism of the subjects.

KEYWORDS

NEAB-UNISINOS. University in Extension. ERER.

Introdução

Para se discorrer sobre o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI-UNISINOS), faz-se necessário apresentar o modo como esse trabalho vem sendo gestado e organizado dentro da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Pode-se dizer que há diversos conhecimentos e formas de tecer e organizar algum trabalho e que, com o passar dos anos, vamos olhando para trás e percebendo o quanto ainda necessitamos ampliar nossos horizontes e ideias bem como a modalidade de sistematização e produção de conhecimento.

Para escrever este breve artigo, buscamos revisitar alguns pensadores afrodescendentes que nos mostram esse caminho com muita maestria e argúcia intelectual. Um deles é Abdias do Nascimento, comentado por Tshombe Miles (2017). Esse autor é, para os pensadores afrodescendentes e os eurodescendentes simpatizantes do movimento, um exemplo de criação de caminhos, de idas e vindas na história e de abertura para o presente e o futuro. Neste breve texto, vamos iniciar com a metodologia que o autor lembra, a chamada “Sankofa”, um método que está profundamente banhado e baseado na pedagogia africana. Conforme o Nascimento (2015),

Sankofa, um dos adinkra mais conhecidos, significa a sabedoria de aprender com o passado para construir o presente e o futuro. Seu símbolo é o pássaro que olha para trás. Essa representação ganhou estilização gráfica na forma de dois símbolos que transmitem a ideia expressa no provérbio “nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás” (NASCIMENTO, 2015, p. 22).

Nesse sentido e refletindo a perspectiva de “olhar para trás” apontada pelo autor, nós vamos buscar a referência no passado histórico no sentido de retomarmos a memória em que foi possível a organização, ou seja, a gestação de um trabalho que possibilitasse a inclusão ou participação da população negra. O pas-

sado significa recordar os passos dados e o lugar de onde se deram passos lentos para uma inclusão séria e muito concreta, considerando o contexto da “real realidade”. A pergunta que surge é, analisando todo contexto da região de São Leopoldo, que se vê como berço da colonização alemã, como foi possível gestar a organização das diversas religiões e como foi possível incluir os líderes religiosos, sobretudo os de matrizes africanas, dentro da instituição com essa forte história de colonização alemã? Essa é nossa primeira dimensão de pensar esta concepção metodológica apontada por Abdias do Nascimento, publicado por Miles (2017), quando aponta para a volta ao passado, constituindo o movimento simbólico da “sabedoria de retornar ao passado, como maneira de melhorar o presente e construir o futuro” (p. 22).

Outra pesquisadora que muito mobilizou as nossas práticas e as nossas produções foi Eliane Cavalleiro (2003), em sua obra Silêncio do lar para o Silêncio escolar, mostra-se uma das autoras que aborda com maestria a questão do quanto devemos estar atentos aos sutis silêncios e abafamentos dos quais a população afrodescendente, em geral, é vítima atroz. Ela serviu, em muitos momentos, de referência. Nas rodas de conversas, os participantes afrodescendentes narram suas dificuldades em compreender o presente, devido ao silenciamento vivido no passado em suas próprias famílias. Um depoimento registrado na roda de conversa em atividade do “Grupo Cidadania”, que é a atenção especial em um subtítulo deste artigo, pode contribuir para esse entendimento da realidade vivida pelos afrodescendentes nascidos e criados nesse berço da colonização alemã. O relato diz:

“Eu não tive a oportunidade de conhecer minha história do passado, sei que sofria muito, era vaiado, visto como a burra, não sabia nada, tudo que eu ia falar a professora já ria e dizia que eu ia falar bobagem. Hoje entendoqueeraracismo,discriminação,tipopreconceito, agora que eu estou conseguindo entender alguma coisadoracismo,vejonatelevisãocomoesculacham com uma mulher negra, uma menina negra, prendem emaltratamosjovensnegros,nãosãobem-vistosem lugar nenhum, só hoje que eu consigo entender mais eu não tinha essa visão, este conhecimento, aqui que estou enxergando mais essas coisas”. (Depoimento registrado no seminário realizado na atividade do Cidadania voltada para o debate sobre a “Saúde mental da população negra”). (18/02/2020).

Cavalleiro (2003) contribui para compreender o apagamento da história do sujeito que faz um encontro com um presente desconhecido, um presente que não contribui com o entendimento de suas dificuldades racializadas e discriminatórias no cotidiano. São aprendizados que, ainda hoje, fazem com que diversos sujeitos aprendam a se sentirem pertencentes no espaço do NEABI e das atividades realizadas no “Cidadania”. A problematização levantada nos leva a pensar: será que a organização do NEABI, dentro de uma instituição pensada para brancos(as) no berço da colonização alemã, consegue, de fato,

ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO , EQUIPE COLABORADORA MOSTRA DE EXTENSÃO | 38 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

contribuir para a “cidadania dos afrodescendentes”? Os caminhos trilhados pelo NEABI e suas produções têm sido efetivamente para fortalecer seus protagonismos ou, simplesmente, para manter e fortalecer os controles que os brancos(as) buscam perpetuar em seus espaços, seus lugares e seus próprios privilégios?

O artigo revisita alguns aspectos relacionados aos movimentos iniciais de constituição do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI), destacando o importante papel de líderes religiosos locais em sua própria busca de maior compreensão da realidade sofrida e excluída da população afrodescendente. O município de São Leopoldo sempre foi muito carente de bons espaços e oportunidades para trazer à luz as questões étnico-raciais. Com uma população majoritariamente branca, a cidade considerada como berço da colonização alemã facilmente criou mecanismos de quase total invisibilidade da população negra. O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígena nasceu como uma resposta a essa tendência e tornou-se um canal de interlocução entre a comunidade afro e a universidade. Tornou-se referência de organização e interlocução com o movimento e organização afro tanto em âmbito local, como em âmbitos mais amplos. Teve uma história longa e sofrida de amadurecimento, tendo sido oficialmente instituído na universidade após longos anos de construção. Exerceu, desde a sua origem, destacada função de extensão universitária.

O artigo informa alguns aspectos de como o NEABI se constituiu nesse ambiente e em que sentido pode ser considerado espaço que contribui tanto para a extensão universitária, como tal para o ensino, a pesquisa e, inclusive, para a chamada “curricularização da extensão”. Inúmeras vivências, estudos, pesquisas, debates, formação sobre a cultura africana, afro-brasileira, indígena e religiosa, sobre o conhecimento e reconhecimento dos processos de identidade religiosa, cultural e racial e sobre a questão das oportunidades sociais, formam o dia a dia deste espaço, muitas vezes em um formato pouco ostensivo, mas muito consistente nas pequenas interlocuções com as pessoas que transitavam nesse contexto.

O artigo também quer apontar como o NEABI está em consonância com o Plano Apostólico da Província dos Jesuítas do Brasil, o Marco Orientador da Promoção da Justiça Socioambiental na Província dos Jesuítas do Brasil, juntamente com as legislações civis que regem a Educação das Relações Étnico-Raciais.

Nesta revisita à história do NEABI, ganha-se, sobretudo, relevo o “Grupo de Cidadania e Cultura Religiosa Afrodescendente”. Como um projeto que, de certa forma, precedeu o NEABI, mas também permaneceu ao longo de toda esta rica história enquanto o projeto de referência principal no cultivo de toda a vida no mesmo NEABI.

Por fim, para concluir, o artigo aponta duas reflexões:

1) Como agir para que o NEABI nunca perca a característica de ser espaço testemunhal, estando sempre, de forma criativa, focado em iniciativas que possam proporcionar o protagonismo dos sujeitos;

2) Como retomar de forma consistente a importante e fecunda interlocução com os líderes religiosos que estão, na verdade, na origem do próprio NEABI.

Alguns registros contextuais oportunos

Sabemos que, em termos de História, São Leopoldo tem origem muito anterior a 1824, ano em que desembarcaram os imigrantes alemães nessa cidade. Existe uma longa história que precede, inclusive marcada pelo processo de escravid ão que se desenvolveu na mesma cidade. Um processo que continua, de certa forma, através das desigualdades de salários e graus de instrução, que revelam a população negra em uma situação muito inferior à população branca. Isso, obviamente não é novidade, pois reflete a própria História do Brasil, não apenas a do Rio Grande do Sul.

Alguns dados colhidos do diagnóstico socio-territorial da política de assistência social de São Leopoldo, com registros de 2016, apresentam-nos indicativos suficientes para comprovar o que aqui estamos refletindo.

A população leopoldense compõe-se de 86% de brancos, 5% de pretos e 9% de pardos, de acordo com fonte do IBGE, Censo Demográfico 2010. É conhecido e as estatísticas o demonstram que a pobreza incide, proporcionalmente, sobre a população negra e parda, que, em São Leopoldo, representavam juntos 14% de afrodescendentes. Hoje, houve um aumento dessa população devido à migração de senegaleses e haitianos que vem para o RS e, sobremaneira, para a cidade de São Leopoldo, em condições precárias. Alguns angolanos possuem condições melhores, mas, ainda assim, reitera-se o preconceito sofrido por esses africanos e os afrodescendentes da região.

Porém, quando observamos a mesma variável (cor ou raça) entre as pessoas com renda familiar mensal per capita até meio salário-mínimo com cadastro atualizado, o número sobe para 18%. Se o problema racial não tivesse relação com a desigualdade e a pobreza, os percentuais seriam iguais. Tal disparidade se confirma se considerarmos o Censo Demográfico de 2010, conforme tabela 1.1

Uma pesquisa realizada a partir do Centro de Documentação e Pesquisa (Cedope), sobretudo ao longo dos anos de 19902, revelou um número surpreendentemente elevado de locais de culto de religiões de matrizes

1 Disponível em: http://unisinos.br/cidadania/wp-content/uploads/2016/07/diagnostico-socioterritorial-da-politica-de-assistencia-social-sao-leopoldo-2016.pdf. Acesso em: 11 dez. 2016.

2 A pesquisa sobre “Locais de Culto e Templos na Região Metropolitana de Porto Alegre”, sob a coordenação de José Ivo Follmann.Foram publicados nos Cadernos do Cedope e, depois, também, Cadernos do IHU, relatando os resultados por município, como no caso de São Leopoldo (FOLLMANN, 2001).

O NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS E INDÍGENAS, EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E GRUPO DE CIDADANIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 39 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

atualizado, o número sobe para 18%. Se o problema racial não tivesse relação com a desigualdade e a pobreza, os percentuais seriam iguais. Tal disparidade se confirma se considerarmos o Censo Demográfico de 2010, conforme tabela abaixo. 3

TABELA 1

Valor médio do recebimento mensal total nominal, por cor ou raça em R$, em São Leopoldo, 2010

africanas ao lado também de um grande crescimento de igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, conforme está detalhado em diversos cadernos que foram publicados na época.

3Disponível em: http://unisinos.br/cidadania/wp-content/uploads/2016/07/diagnostico-socioterritorial-dapolitica-de-assistencia-social-sao-leopoldo-2016.pdf. Acesso em: 11 dez 2016.

Os primeiros passos do NEABI

No final da década de 1990, foram dados os passos institucionais mais efetivos para o início da articulação de um programa de ações que, posteriormente, foi denominado “Gestando o Diálogo Interreligioso e o Ecumenismo – Gdirec”. Em abril de 1999, a UNISINOS contratou a Assistente Social Adevanir Aparecida Pinheiro, a qual trazia ampla experiência nos movimentos e nas organizações da população negra, além das religiões de matrizes africanas e em outras expressões religiosas de caráter popular como Comunidades Eclesiais de Base – Cebs, Direitos Humanos – DDHH e Pastorais Sociais, como a chamada “Pastoral do Menor” com meninos e meninos de rua. As atividades do Gdirec eram realizadas no espaço institucional da Pastoral Universitária, ligada à Pro-Reitoria Comunitária e de Extensão. Em 2000, foi criado, sob a liderança da mesma assistente social, que estava organizando o Gdire, um outro espaço para acolher um grupo de universitários negros denominado Estudantes e Comunidade Afro na UNISINOS (ECAU).

Em setembro de 2001, o Centro de Ciências Humanas extinguiu o Cedope e criou o Instituto Humanitas UNISINOS – IHU. Assim, o Gdirec e o ECAU passaram a integrar a Área de Teologia Pública do novo instituto. Em abril de 2002, com as experiências vivenciadas no cotidiano da universidade, por meio das atividades inter-religiosa, constituiu-se, definitivamente, o Grupo de Diálogo.

As experiências foram contribuindo para as novas atualizações voltadas para as dinâmicas de novos aprendizados. O que havia sido amadurecido ao longo dos anos 1999 a 2001, em termos de Programa Gdirec, passou a ser denominado de Grupo Inter-Religioso de Diálogo, mantendo a sigla do programa Gdirec.

O Gdirec desenvolveu um conjunto de projetos, de atividades e de serviços tendo como objetivo proporcionar condições e espaços de crescimento, de

reconhecimento e de diálogo entre as múltiplas crenças religiosas presentes na região do Vale do Rio dos Sinos, além de proporcionar a convivência de trocas de saberes teológicos entre os diversos líderes religiosos. Os membros desse grupo eram: Brahma Kumaris, Catolicismo, Espiritismo, Luteranismo, Santo Daime, religiões de matrizes africanas e Zen Budismo, Assembleismo, Anglicanismo, Janaismo, Judaísmo, entre outras.

Chegou-se a realizar interessante pesquisa sobre “Diversidade, Religiões, Imagens e Identidades”, publicado em Cadernos do IHU e, também, constituiu um capítulo em livro organizado sobre a temática das imagens religiosas.

Em meados de 2003, no contexto do Gdirec, surgiu um novo grupo “Grupo Permanente de Aprendizagem Coletiva” (GPAC). Esse fez um trabalho de apoio e acompanhamento na organização das práticas sociais na casa de religião de matriz africana Nossa Senhora da Conceição, localizada em Canoas, RS. O grupo Gpac tinha como objetivo possibilitar acolhimento para os participantes de diversas etnias, com programações específicas e articuladas ao Gdirec. O trabalho feito junto à casa de religião de Canoas, que era coordenada por uma das participantes do Gdire, teve a contribuição de diversos voluntários e foi bastante bem-sucedido, mas, também, foi verificado que a equipe interna que coordenava as atividades e os próprios voluntários careciam de muitos conhecimentos. Em 2005, o GPAC encerrou seus trabalhos e o espaço de referência passou a ser o “Grupo de Cidadania e Cultura religiosa Afrodescendente” (Grupo Cidadania). O Grupo Cidadania, em sua origem, decorreu da fragilidade do conhecimento da história do negro pelos participantes.3

No início de 2004, com a extinção da Pró-Reitoria Comunitária e de Extensão, bem como dos centros de ensino, pesquisa e extensão e com a criação da Diretoria de Ação Social – UNISINOS, houve um remanejo na alocação dos Projetos da Pró-Reitoria extinta. O Gdirec, com todos seus projetos passou então, a partir de março de 2004, a integrar a Ação Social, dentro de uma área ampla denominada “Área do Pluralismo Cultural e das Relações Étnico-Raciais”. Desse modo, buscava-se, com essas mudanças, dar mais visibilidade às temáticas do diálogo inter-religioso e dos afrodescendentes, junto aos

3 O “Grupo Cidadania” é sinteticamente referido em um dos subtítulos finais deste artigo.

ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO , EQUIPE COLABORADORA MOSTRA DE EXTENSÃO | 40 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
6 per capita
Cor ou raça Valor médio (R$) Branca 1374 Preta 921 Parda 879 Amarela 3959

demais projetos sociais em execução, na universidade.

Em 2008, com o aumento das demandas em torno da temática afrodescendente e educação das relações étnico-raciais, dentro da programação do Gdirec, entendeu-se a importância de criar um programa específico para atender novas solicitações. Nesse momento, foi decidido: a) o Gdirec se ocuparia das atividades das temáticas relativas ao pluralismo religioso e do diálogo;

b) o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) assumiria as questões do pluralismo cultural e das relações étnico-raciais.

Apesar dessa divisão funcional, permaneceu uma profunda e permanente articulação e complementação entre Gdirec e NEABI. Isso se expressou em diversas iniciativas. Foi notável o apoio de diversos líderes religiosos nos momentos mais difíceis enfrentados pelo NEABI. Foi também fundamental a participação dos líderes religiosos na criação de atividades específicas dentro do projeto “Grupo de Cidadania”, como está apontado em outra seção nesta publicação.

Avançando na política da “educação das relações étnico-raciais”

De acordo com o Plano Nacional da Implementação de Diretrizes Curriculares, em que se destaca a importância da aplicabilidade da Lei 10639/03, nas instituições acadêmicas,

osNúcleosdeEstudosAfro-Brasileiros(NEAB’s)e/ou NúcleosdeEstudosAfro-BrasileiroseIndígenas(NEABI’s)eosgruposcorrelatos,instituídosemInstituições deEnsinoSuperior,representamumimportantebraço de pesquisa, de elaboração de material e de formatação de cursos dentro das temáticas abordadas por este Plano. (Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares, 2013, p. 44).

Os NEABI’s funcionam como grupos que monitoram, auxiliam, propõem, estudam e pesquisam os reais objetos de trabalho constantes no Plano Nacional de Diretrizes Curriculares.

Nesse sentido, o NEABI passou a focar na participação nas revisões dos currículos dos Cursos de Licenciaturas, Bacharelados e Tecnológicos e, inclusive, assumiu o desafio de elaborar os programas de disciplinas, como Educação das Relações Étnico-raciais e Culturais na Escola de Educação Básica, para alunos das Licenciaturas e Pedagogia e Afrodescendentes na América Latina e Povos Indígenas e Sociedade Contemporânea , como opção de oferta, dentro da formação no Humanismo Social Cristão, no que diz respeito ao eixo de América Latina, para todos os Cursos de Graduação da UNISINOS. Essas disciplinas, gestadas no terreno fértil e promissor do NEABI, tive-

ram a sua coordenação até inícios de 2020, quando os efeitos da pandemia sobre a instituição fizeram com que, também, essa coordenação ficasse centralizada diretamente na instância responsável na Unidade Acadêmica de Graduação.

Independentemente desse reordenamento, é importante que anotemos o grande legado que permanece na gestação e repercussão interna e externa dessas atividades acadêmicas: 1) Essas disciplinas nasceram profundamente imbuídas de demandas presentes no próprio “Grupo Cidadania”, demandas essas cultivadas nessa instância, com a participação de professoras e professores da Rede de Educação Básica do município e arredores e, também, participação de lideranças do movimento negro, bem como, esporadicamente, de grupos indígenas; 2) As atividades desenvolvidas pelos líderes religiosos do Gdirec, dentro do próprio espaço do “Cidadania”, e, também, as muitas participações de líderes religiosos convidados em sala de aula, destacando-se nisso a disciplina Religiões e religiosidades na sociedade contemporânea; 3) As fortes interlocuções externas, tanto em nível de organização dos NEAB’s em âmbito regional e nacional, como em âmbito de presença orientadora da promoção da justiça (social e ambiental) da Companhia de Jesus (jesuítas); 4) Um número significativo de publicações também deve ser registrado, indo desde uma Coleção de Livros de quatro volumes, denominada “Refazendo Laços e Desatando Nós ”,4 até um livro programático de EaD para disciplina de ERER (PINHEIRO, 2015) e diversas publicações avulsas em formato de livros e artigos científicos e de divulgação. O registro que deve ser feito é relativo à interlocução imediata dessas publicações dentro das atividades concretas extensionistas do NEABI.

Articulações interinstitucionais

O NEABI sempre teve, também, ampla ligação e acompanhamento junto ao Consórcio Nacional dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Grupos Correlatos – ConNeab’s, que é formado pelos NEABI’s Nacionais e Grupos Correlatos do ConNeab’s, que se cultivam nos Congressos de Pesquisadores Negros (Copene), a nível nacional. Também deve ser ressaltada a articulação a nível internacional, através da Associação de Investigadores (Pesquisadores) Negros e Negras da América Latina e do Caribe (AINALC), que é um grupo de pesquisadores negros a nível internacional, que trata das questões étnico-raciais da América Latina e do Caribe. O NEABI UNISINOS teve participação e reconhecimento através de profissionais negros e negras que contribuíram nessa trajetória de construção social e racial dentro da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

4 Títulos da Coleção: O Espelho Quebrado da Branquidade, de autoria de Adevanir Aparecida Pinheiro (PINHEIRO, 2014); África e Afrodescendentes no Sul do Brasil: História, Religião e Educação (PINHEIRO [org.], 2015); Memórias Reversas e Educação das Relações Étnico-raciais (PINHEIRO; ASSUMPÇÃO; FOLLMANN, 2016); Processos de Identidade, relações étnico-raciais e relações religiosas (FOLLMANN [coord.], 2017).

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Em outro plano, acontecem as articulações em nível de interlocução com outras instituições da Companhia de Jesus, ou seja, toda a Rede de Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil. Junto com o NEABI da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), mediante articulação o Observatório Nacional Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), o NEABI protagoniza a dinamização da frente estratégica “reconhecimento da dignidade da pessoa humana”, que é uma das dimensões do conceito operacional de justiça socioambiental praticado na rede. Essa frente estratégica atua mediante atualização do diálogo sobre Educação das Relações Étnico-raciais e o próprio diálogo inter-religioso, e outras frentes necessárias de diálogo que se fazem urgentes. Essa articulação vem contribuindo muito decisivamente na dinamização do já consolidado grupo “AfroBrasil SJ”, que vem a ser a articulação dos afrodescendentes que atuam em instituições jesuítas em todo o território nacional.

A importância da Comissão da Década Internacional

Em 2014, uma portaria do reitor da universidade instituía a Comissão da Década Internacional dos Afrodescendentes, nomeando diversos profissionais das mais distintas áreas de conhecimentos e atuação na instituição, no sentido de serem apoio e disseminadores da temática afrodescendente no interno da instituição e a valorização dos trabalhos e atividades da cultura negra e a efetivação da lei 10639/03. A Comissão é coordenada pelo NEABI.

A Década Internacional dos afrodescendentes foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ao longo do período de 2014 à 2024. Sugere trabalhar com três conceitos voltados para a valorização dos afrodescendentes como: o reconhecimento, a justiça e o desenvolvimento dos afrodescendentes no mundo todo. O fato da criação da Comissão da Década mobilizou vários setores estratégicos dentro da universidade para desenvolver esse trabalho junto do NEABI, ampliando-se e qualificando-se, assim, a compreensão e o sentido de um acolhimento mais efetivo da população afrodescendente, que vem sendo acompanhada pelo NEABI. Trata-se de uma população que provém, sobretudo, dos recantos mais escondidos das vilas, ocupações e bairros da cidade.

A Comissão é, sobretudo, um mecanismo importante para fazer repercutir essa frente de nossa educação para dentro dos currículos e, também, das áreas administrativas da instituição.

Infelizmente, um dos efeitos perversos de todas as intervenções necessárias com a eclosão da pandemia foi a impossibilidade de dar sequência a essa comissão, ao menos temporariamente.

O Grupo de Cidadania e Cultura Religiosa Afrodescendente (Grupo Cidadania)

O Projeto “Cidadania e Cultura Religiosa Afrodescendente” – ou, em sua forma abreviada, “Grupo Cidadania” ou, simplesmente, “Cidadania” – tornou-se o grande carro chefe do NEABI, a partir da constituição oficial desse Núcleo. Quando o NEABI foi oficializado, o “Grupo Cidadania” já tinha vários anos de caminhada. É a partir dele e por dentro dele que se desenvolveu grande parte da vida do NEABI. Hoje, na memória que fazemos, o “Grupo Cidadania” se apresenta como um espaço de extensão universitária no sentido mais completo dessa expressão. Trata-se de um espaço que vem sendo cultivado, semanalmente, todas as sextas-feiras, à noite, em uma sala no campus de São Leopoldo, favorecendo a reunião e trabalho em conjunto da comunidade afrodescendente de São Leopoldo e arredores, junto com integrantes da equipe do NEABI, profissionais voluntários, professores e, com muita frequência, estudantes do meio acadêmico, tanto da graduação quanto da Pós-graduação.

Com uma média de participaç ão semanal entre 30 a 70 pessoas, em grande parte afrodescendentes, o “Grupo Cidadania” foi sempre palco de atividades variadas, fruto de muita criatividade, ao longo de cada ano, em reuniões semanais, sempre às sextas-feiras à noite. Como verdadeiro espaço onde acontecia a “Universidade em Extensão”, também, foi um palco de transdisciplinaridade e de diálogo inter-religioso, no qual momentos culturais de arte se misturavam circularmente com as sequências de ciclos de diálogo, cursos de extensão, seminários, palestras e muita vivência pessoal e comunitária. Nesse espaço, misturavam-se, com frequência, acadêmicas(os), professoras(es) de todos os níveis, como já mencionado, membros da equipe do NEABI e pessoas de todas as idades da comunidade afro de São Leopoldo e arredores. Foi o espaço que estimulou a criação das disciplinas de Educação das Relações Étnico-raciais, Afrodescendentes e América Latina e Povos Indígenas e Sociedades Contemporâneas, sobretudo devido à frequente participação de professoras e professoras da rede de educação pública local.

Os processos de aprendizagens sempre se deram de forma coletiva, ou seja, foram diversas as formas metodológicas aplicadas nas atividades desenvolvidas. Uma das metodologias mais usuais foi a de “roda de conversa” envolvendo, diretamente, todo grupo, em que se oportunizava aos participantes interagir livremente de forma dialogada. Sempre que possível, eram oportunizados momentos de expressões culturais e artísticas espontâneas. Em uma pesquisa realizada sobre história e identidade afro em São Leopoldo, proporcionou-se momentos de “hermenêutica coletiva” com um grupo mais restrito de participantes do “Cidadania”.5 Sempre se considerou a oralidade através dos contos de

5 Pesquisa sobre memória e identidades de afrodescendentes em São Leopoldo, parcialmente publicada na Revista Ciências Sociais Unisinos (FOLLMANN & PINHEIRO, 2011).

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histórias de vida e trocas de experiências que envolveram alunos(as), professores, e os participantes da comunidade. Um aprendizado coletivo que acontecia, circularmente, também em momentos mais celebrativos, como eram os das “formaturas dos concluintes do curso de Inclusão Digital Afro”, oportunizando a participação ampla dos pais e amigos das formandas e dos formandos.

Algumas perspectivas, para concluir

A volta ao passado nos faz perceber melhor o presente. Examinando o passado, de como se deu a sua construção nas origens, dá melhores elementos de percepção do presente e sua “real realidade”. Os tempos de pandemia e, até mesmo, já antes desses tempos, o NEABI e seus profissionais vieram avaliando as possíveis oportunidades de, ao menos, “estar” nesse espaço, possibilitando a participação junto a outros setores da universidade. Percebeu-se que o “estar” não é o mesmo que “pertencer” efetivamente. Ao longo dos anos de trabalho com os afrodescendentes no território leopoldense, foram diversas as vezes em que se ouviu esse anseio de parte dos afrodescendentes, no sentido da pertença.

Para diversos sujeitos afrodescendentes, embora gostem e participem, e outros mesmo sendo contratados, isso não significa imediatamente que acreditem no pertencimento, mesmo sendo acolhidos de forma mais subjetiva. Talvez, ainda se necessite, nesse trabalho, de um aprofundamento interno na instituição que trate das práticas pedagógicas antirracistas, que permanecem ainda veladas e inibem o sentido de pertencimentos institucionais e acadêmicos dos sujeitos afrodescendentes. São processos de alienação que envolvem, de forma sutil, as práticas de racismo velado, que parece ainda se encontrar muito presente no cotidiano da instituição universitária. As experiências vividas nesse trabalho têm sido desafiadoras para todos os envolvidos, tanto para os negros quanto para os brancos que são maioria, uma vez que todos vivem os dilemas raciais e identitários. As atividades sempre foram construídas de forma coletiva e rodas de conversas com foco nas metodologias e práticas pedagógicas de cunho afro-centrado, ou seja, cada sujeito reverbera a sua história de vida em intersecção com a realidade vivida e enfrentada no cotidiano silenciado em sua cultura.

A partir do rápido sobrevoo histórico feito, mas, sobretudo retorno “sankófico” ao passado e às origens, é importante nos colocarmos algumas questões que, ao mesmo tempo, transformam-se em perspectivas de futuro: 1) apesar de a lei 10639/2003 e 11645/2008 já ter uma longa história, muito ainda temos para fazer para que efetivamente a “Educação das Relações Étnico-Raciais” cumpra a sua finalidade em nossa sociedade, que é a de reaver os verdadeiros processos de identidade do Brasil; 2) depois de alguns anos de NEABI, em que, um número anual aproximado de 250 pessoas acompanhou regularmente atividades do

“Grupo de Cidadania” e, também, do Projeto de “Inclusão Digital para Afrodescendentes”, qual a efetiva repercussão em termos de afirmação e inclusão desta população nos processos da Instituição? Como e com que perspectivas, redinamizar esses espaços? Como fazer para registrar, da melhor forma, a memória de toda essa construção?; 3) sobre o Grupo de líderes religiosos, que sempre acompanhou de uma forma ou outra as atividades e promoções do NEABI: como reaver a originalidade dessa contribuição histórica, sobretudo a partir daqueles que estiveram na própria origem do NEABI? Como fazer para não perder essa importante contribuição, sobretudo, no sentido de apontar novos/velhos caminhos de “curricularização da extensão”?

Em suma, a história do NEABI continua abrindo para um número infindo de perguntas e perspectivas. O bom é que todas apontam para a maior qualificação do NEABI no sentido de contribuir sempre mais para que a instituição erradique de vez o “racismo institucional” e a reprodução do “racismo estrutural” e passe, sempre mais, a ser um ambiente suficiente humanizado para que participantes afrodescendentes se sintam totalmente acolhidos. Isso envolverá elevação de autoestima, ocupação real dos espaços de aprendizado e produção do conhecimento, sobretudo do conhecimento de sua própria história e dos seus processos de identidade. O NEABI sonha com uma universidade propiciadora de real cidadania e um lugar para todos e todas, considerando, sobretudo, a salvaguarda do protagonismo de todos aqueles que ficaram para trás.

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PINHEIRO, Adevanir Aparecida(org.). Memórias Reversas e Educação das Relações Étnico-raciais. São Leopoldo: Casa Leiria, 2016. (Coleção NEABI: Refazendo Laços e Desatando Nós - 3).

NASCIMENTO, Abdias do. Ideograma Adinkra. Instituto de Pesquisas e Estudos Afrobrasileiros (IPEAFRO). Disponível em: https://ipeafro.org.br/acoes/pesquisa/ adinkra/ Acesso em: 19 jan. 2022.

TSHOMBE, Miles. Abdias Nascimento e a Tradição Intelectual Afrodiaspórica: no Combate ao Racismo. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v.48, n. 2, p.106136, jul./dez. 2017.

ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO , EQUIPE COLABORADORA MOSTRA DE EXTENSÃO | 44 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Atividade socioassistencial do NEABI em tempos de pandemia

AUTORES(*)

SUELI ANGELITA DA SILVA

ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO

RESUMO

O NEABI, em seu trabalho de extensão, sempre esteve voltado para acompanhamentos de famílias afrodescendentes na comunidade, sempre em um processo de escuta. No tempo de pandemia, isso se tornou mais urgente e emergencial. As famílias nos trouxeram que houve uma perda de recursos por dois motivos: desemprego (para aqueles que eram considerados em situação de risco por fazerem parte de grupos de risco) e instabilidade (para aqueles que tiveram sempre o seu sustento trabalhando de forma informal). Para além da perda de recurso financeiro com perda de emprego e fragilização do trabalho informal, estava aí desenhada a angústia da incerteza do futuro. Nosso diagnostico social é que a pandemia agravou a vulnerabilidade social dessa população. Nesse contexto, garantir a segurança alimentar era de suma importância. Para tanto, cadastramos as famílias para receberem cestas básicas. Fizemos uma pesquisa sobre a importância dessa ação e os beneficiados afirmaram que os recursos vieram em um momento de necessidade. Cadastramos mais 22 famílias além da 11 que já atendidas pelo NEABI antes da pandemia. Um dado de grande relevância diz respeito à grande preocupação existente com relação ao mercado de trabalho e a angústia vivenciada, sobretudo pelos jovens com relação às condições de emprego e de trabalho para sobreviver. Nesse sentido, fizemos dois registros: 1) Um levantamento junto aos jovens ligados ao projeto Inclusão Digital Afro apontou-nos que existe grande inquietação mercado de trabalho pós pandemia. Chamou-nos atenção, ainda, que quase todos estão preocupados com o ano letivo, principalmente, os que estão nas séries finais do Ensino Médio; 2) Um caso específico de acompanhamento com a família de um jovem acadêmico negro, do curso de Educação Física, que, na pandemia, ficara em uma situação muito difícil. Nesse movimento, trabalhamos com conjunto com PIEA, NAE e coordenação da Educação Física para que, neste ano, ele tenha mais facilidade para dar continuidade aos estudos.

PALAVRAS-CHAVE:

Pandemia. Famílias afrodescendentes. Vulnerabilidade dos estudantes afrodescendentes.

ABSTRACT

O NEABI in its extension work has always been focused on accompanying Afro-Brazilian families in the community. It has always been a process of listening. At the time of the pandemic, this became more urgent and emergent. The families brought us that there was a loss of resource for two reasons: unemployment for those who were considered at risk of older age with morbidities that could worsen with the pandemic, and the aggravated situation of those who had always had their livelihood working in an informal way. Besides the loss of financial resources with the loss of jobs and the weakening of informal work, the anguish of the uncertainty of the future was also present. Our social diagnosis is that the pandemic aggravated the social vulnerability of this population. Food security was of paramount importance. In this sense, we registered the families to receive the basic food baskets. We did a research about the importance of the baskets of groceries at this moment and they consider that the baskets donated come at a very good time. We have registered 22 families in addition to the 11 that NEABI was already assisting before the pandemic. A very relevant piece of data concerns the great concern about the job market and the anguish experienced, especially by young people, about the conditions of employment and work in order to survive. In this sense we make two records: 1) A survey with young people connected to the Afro Digital Inclusion Project showed us that there is great concern about the job market after the pandemic. 2) A specific case of accompaniment was with the family of a young black student, in Physical Education, who was in a very difficult situation during the pandemic. They worked together with PIEA, NAE and Physical Education coordinators so that this year he will find it easier to continue his studies.

KEYWORDS:

Pandemic. Afro-descendant families. Vulnerability of Afro-descendant students.

(*) ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO: Professora Doutora do PPG de Ciência Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Coordenadora Geral do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (NEABI) UNISINOS. SUELI ANGELITA DA SILVA: Mestranda do curso de Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Bacharela em Serviço Social; Atua como assistente social do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (NEABI) UNISINOS.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 45 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 6

Introdução

Este artigo visa descrever como as famílias afrodescendentes atendidas pelo NEABI vivenciaram o processo de pandemia e o aumento da vulnerabilidade social. No primeiro momento, em março de 2020, quando o mundo se deu conta que estávamos em uma pandemia, o nosso trabalho presencial precisou ser interrompido. Nos primeiros quinze dias, em home office, analisamos como iríamos efetuar nosso trabalho. A coordenadora do NEABI pediu que utilizássemos o aplicativo WhatsApp. Assim foi realizada a primeira reunião remota. Pelo mesmo meio, foram enviadas mensagens aos grupos atendidos informando-lhes que atenderíamos de forma remota.

Essa foi nossa primeira tarefa: ligar para todas as famílias referenciadas colocando-nos disponíveis para ajudar no que fosse possível. Esses primeiros atendimentos foram marcantes. A maioria das famílias não tinha uma necessidade específica, mas todos estavam com muito medo da pandemia e do que aconteceria após esse período. Ouvimos suas aflições com bastante atenção medos com bastante atenção. Nós mesmos não sabíamos o que iria acontecer, mas nos colocamos à disposição para auxiliar dentro de nossas possibilidades.

Passados alguns dias, alguns problemas começaram a aparecer: alguns problemas começaram a aparecer como desemprego e perda de familiares para a Covid-19. Uma das maiores dificuldades foi o fato de as crianças e jovens estarem fora da escola e sem acompanhamento escolar, por conta da falta de acesso à internet. Quando à saúde mental, quadros de depressão em pessoas que já tinham este diagnóstico se agravaram com a pandemia.

Outra situação que nos impactou foi constatar que famílias, que já viviam em vulnerabilidade social, acabaram decaindo abaixo da linha da pobreza. Era desesperador, pois as pessoas começaram a passar fome. Um exemplo dessa situação delicada foi quando uma mãe nos procurou chorando por não ter alimento para dar ao filho. Nesse caso, nosso atendimento esteve atento a toda problemática dessa mãe que estava desesperada e deprimida diante da situação de pobreza. Os dados psicossociais desse caso devem ser observados. No primeiro momento, atendemos às necessidades da segurança alimentar da família. Conseguimos cesta básica de alimentos, cadastramos a família para receber a cesta da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SDS) e do Comitê Solidariedade e procuramos fazer um atendimento específico para essa mãe.

Foi preciso uma grande adaptação para realizar nosso trabalho no período da pandemia. O atendimento de forma remota propiciou que os horários de atendimentos fossem feitos de acordo com a necessidade dos participantes. A flexibilização do horário foi importante porque, muitas vezes, as necessidades eram urgentes.1

Iremos relatar aqui um caso específico. Certa vez uma participante entrou em contato comigo expressando estar no último grau da depressão. Havia se afastado de um relacionamento abusivo, mas a filha mais nova queria ficar com o pai, ideia a qual não podia suportar. Para completar, uma das idosas que cuidava faleceu de Covid-19. A seguir, foi afastada do Lar de Idosos, onde trabalhava, por suspeita de haver contraído a Covid-19. A participante, chorando, alegou que não suportava mais a depressão que se agravava. Conversei com ela, que acabou se acalmando. Ponderei que tinha mais filhos que precisavam dela. Com isso, saiu da crise e, hoje, está fazendo o curso de Técnico em Enfermagem. Trabalha em uma Casa de Acolhimento para Crianças e voltou a se relacionar com aquela filha caçula. Agora, sua filha mais velha se tornou mãe, o que lhe permitiu realizar o sonho de ser avó.

Essa foi apenas uma das situações em que prestamos assistência neste período de pandemia. Dessa forma, nosso trabalho sempre foi o de mediação de conflitos por meio de uma escuta empática. Porém percebemos que, na pandemia, aumentou drasticamente o número de situações de vulnerabilidade social e de conflitos familiares entre pessoas de baixa renda, ou, sem renda, isto é, abaixo da linha da pobreza. Nesse sentido, nossa análise é a de que as desigualdades sociais, além de se ampliarem, tornaram-se mais visíveis, como se as mazelas da sociedade, sobretudo nas classes mais desfavorecidas, fossem ampliadas por uma lente de aumento.

Todavia, um dado surpreendente foi constatar a solidariedade entre aqueles que não têm ou que têm muito pouco. Neste período pandêmico, no qual a dor e sofrimento assolam o mundo, as pessoas tendem a compreender o verdadeiro sentido de se doar, seja o seu tempo pessoal, seja o alimento. Vimos pessoas que tinham seu emprego, alguma renda, voluntariando-se para ajudar os mais necessitados. Somente nas periferias da cidade de São Leopoldo, foram muitas as iniciativas de pessoas fazendo “quentinhas” para entregar às pessoas que não tinham gás de cozinha para preparar a própria refeição.

Dentre as famílias que atendemos, várias se voluntariaram para ajudar, por compreender que estavam sendo agraciadas por receberem as cestas e terem ainda como cozinhar o próprio alimento. Essas pessoas, mesmo em situação de certa vulnerabilidade, entenderam que deveriam fazer a sua parte e foram até as cozinhas comunitárias para ajudar. Segundo reportagem de BÔAS, Bruno Villas, em entrevista ao jornal Valor do grupo Globo, o documento do PNAD vide comentário a seguir:

Em complemento, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) revelou que a grande maioria dos voluntários atuam através de Organizações Não Governamentais (ONGs) ou empresas: 79,9% são

SUELI ANGELITA DA SILVA , ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO MOSTRA DE EXTENSÃO | 46 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
1 A Equipe do NEABI é composta pela Coordenadora Geral Profa. Dra. Adevanir Aparecida Pinheiro, o assessor Prof. Dr. Pe. José Ivo Follmann, coordenador de apoio Prof. Me. Wesley Heleno de Oliveira, Prof. Me. Inácio José Spohr, a Assistente Social, mestranda, Sueli Angelita da Silva, e o Educador Social Cristiano Rafael Silveira.

congregações religiosas, sindicatos, condomínios, partidos políticos, escolas, hospitais ou asilos; 13% dos voluntários cumpriram atividades em associação de moradores, associação esportiva, ou outra organização (BÔAS apud PNAD, 2021). 2

Nesse sentido, entendemos que o voluntariado colaborou, e muito, para minimizar os efeitos imediatos das desigualdades sociais no Brasil. Contudo, com a perda de renda da considerada classe m édia, existe uma conta que não fecha. Mais pessoas com baixo poder aquisitivo e um aumento de voluntariados e doações. Nossa análise mostra que as pessoas mais pobres não perderam a vontade de ajudar. Mesmo tendo muito pouco, continuaram atuando numa de rede de solidariedade interagindo com outras ainda mais necessitadas, auxiliando estas que têm ainda menos. Espraiando solidariedade como forma de resistência diante da adversidade que a pandemia impôs. Um exemplo, destacado na mídia, foi a favela Paraisópolis, em São Paulo. Segundo pesquisa publicada em 20 de setembro de 2021, na revista eletrônica Glamurama do site UOL, pelo jornalista Aloi André:

O trabalho voluntário dos Presidentes de Rua (são 658 ao todo) constitui no apoio e atendimento às 32 mil famílias que moram na comunidade, segunda maior favela de São Paulo. Eles passam de casa em casa, oferecendo ajuda – em especial mães solteiras, desempregados e idosos e cada uma atende 50 famílias, incluindo a sua. A iniciativa leva não só cestas básicas e kits de higiene, mas também palavras de apoio e auxílio na condução de marcações de consultas, com agendamento na rede pública. (ALOI ANDRÉ, 2021).

São moradores do mesmo bairro, com realidades muito parecidas, que acabam canalizando seu capital social para ajudar seus pares entendendo que, somente fortalecendo seu território, a desigualdade social diminuirá para todos. Trazendo para realidade do município de São Leopoldo, várias instituições da periferia, como a Central Única das Favelas (CUFA-RS) distribui 1.000 cestas básicas às famílias necessitadas, com o apoio de articulação da associação de moradores, casas de religião de matriz africana, Igrejas cristãs, que auxiliaram a mapear as famílias em vulnerabilidade social.

A importância do trabalho em rede em tempo de pandemia

enquanto NEABI, que não bastava fazer a nossa parte com as famílias referenciadas por nós. Fazia-se necessário ampliar os horizontes para conseguir com que várias famílias em vulnerabilidade social fossem efetivamente atendidas e, auxiliando os parceiros, conseguíssemos unir forças para atuar em tempos de pandemia. Para tanto, trabalhamos em colaboração com as casas de religião de matriz africana - como a casa da mãe Elisabete da Silva (mãe Bete de Iemanjá) – que atuam conosco no Grupo Inter-religioso de Diálogo (GDIREC). Assim, foram-nos encaminhadas famílias para cadastramento, as quais repassamos para a AESOL. Em nosso cadastro, foi possível colocar famílias indicadas por afros-empreendedores que são parceiros nossos e, igualmente, pelo coletivo Mulheres de Baobá. Tínhamos uma cota de inscritos. Quando alcançamos a meta determinada pela SDS, encaminhamos para AESOL e para Escola de Samba Leões da Feitoria, todos irmanados para minimizar as vulnerabilidades de famílias periféricas. Entre as famílias cadastradas pelo NEABI, AESOL, Escola de Samba Leões da Feitoria, 70% eram negras. Nossa observação é a de que, em tempos de pandemia, a população negra foi a que mais sofreu vulnerabilidades. Conforme o jornalista Vitor Nuzzi, da revista Rede Brasil Atual (RBA) citando Daniel Teixeira:

Daniel aponta a presença do “racismo estrutural” no Brasil: de cada três desempregados, dois são pretos ou pardos (classificação usada pelo IBGE), que em média recebem 53% do que ganham os brancos. No Brasil, a gente tem um caso muito específico, onde a nossa matriz de desigualdade tem o começo pelo racismo”, diz. Essa situação deve também se retratar no Coronavírus. Ele lembra que a organização Coalizão Negra por Direitos tenta obter dados que mostrem um “recorte” da doença pela cor (TEIXEIRA apud NUZZI, 2020)

Retomando nossas atividades com famílias referenciadas pelo NEABI, nossos atendimentos remotos tiveram outros contornos quando percebemos que, além da carência de meios de subsistência, tínhamos ainda outros fatores a ser avaliados. Foi percebido o medo da morte e a perda de entes queridos, o que muito influenciou no emocional das pessoas. Além disto o agravamento da situação financeira das famílias diante do falecimento de familiar idoso aposentado que compunha a renda familiar, uma vez que o recurso advindo da aposentadoria era muitas vezes a única renda da família.

Na pandemia, houve um aumento de casos de violência doméstica. Ao trabalhar em rede, o NEABI entende ser necessário juntar forças para dar conta de atender esta vulnerabilidade social. Mulheres vítimas de violência que, diante de situações extremas, viam-se obrigadas a sair de suas casas, cidades, e buscar abrigo em casa de parentes acabavam por aumentar a aglomeração de pessoas nessas residências. Nesses casos, ficava impossibilitado manter isolamento doméstico

O NEABI, em parceria com a Associação de Empreendimentos de São Leopoldo (AESOL), ajudou a fazer o cadastramento de famílias atendidas pela AESOL, auxiliando na parte burocrática de registros. Assim como nós também realizamos o cadastro de famílias referenciadas pelo NEABI. Neste sentido, entendemos, 2 https://www.google.com/search?q=O+trabalho+volunt%C3%A1rio+dos+Presidentes+de+Rua+

ATIVIDADE SOCIOASSISTENCIAL DO NEABI EM TEMPOS DE PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 47 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

quando ocorria o contágio por Covid-19. Além disso, com o número maior de pessoas, consequentemente, aumentava a insegurança alimentar dessas famílias.

Nossos atendimentos não tinham hora determina porque precisávamos manter contato, sobretudo nas situações de violência que se multiplicaram. Fazia-se necessário estarmos atentos às pessoas vitimizadas. Nesse sentido, não podemos deixar de exaltar a importância das parcerias, seja externa ou interna. Um exemplo interno que podemos destacar foram os atendimentos realizados pelo PRASJUR (Serviço de Assistência Jurídica gratuita e qualificada) às pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica pelos alunos do curso de Direito da UNISINOS, que auxiliaram em todas as demandas por nós encaminhadas. Um exemplo externo foi o CAPS a que encaminhamos casos de violência doméstica, situação de depressão causada por essa violência e vulnerabilidade social.

Outra situação que tentamos ajudar foi o atendimento aos alunos vinculados ao curso de Inclusão Digital. Esses estudantes tiveram dificuldade de acesso à internet ou de para impressão das tarefas escolares. Realizamos as impressões de trabalhos enviados pelas escolas para aqueles que não tinham impressora. Também foi providencial a realização de inscrição de ex-alunos para o programa Jovem Aprendiz da UNISINOS. A contratação desses jovens propiciou ajudar as suas famílias com o salário recebido. Outra situação foi a elevação da autoestima desses jovens negros que acabaram se tornando exemplos de vitória para seus colegas. Esses, hoje, procuram-nos para ingressar no curso de Inclusão Digital. Atualmente, temos a pré-inscrição de 15 jovens para próxima edição do programa. Nosso processo de atendimento às necessidades das famílias cadastradas no programa nos propiciou não perder o vínculo que, no momento da pandemia, sem atendimento presencial, poderia ter sido perdido.

Nos atendimentos à saúde, tivemos a colaboração do Comitê Técnico de Saúde da População Negra que nos ajudou com intervenções realizadas junto às Unidades Básica de Saúde e encaminhamentos de exames para Secretaria da Saúde. Outro parceiro foi o CREAS que foi fundamental no atendimento de uma família específica, a família C. que apresentava vários tipos de vulnerabilidade social agravadas com a pandemia. Trata-se de uma família cujo pai tinha sido um antigo atleta maratonista e professor de Educação Física, mas que, em 2018, sofreu um AVC. A mãe tem uma doença que lhe dificulta a locomoção. O filho do casal é um acadêmico da universidade e apresenta um quadro de transtorno do espectro autista leve. A família, após o AVC do pai, passou a ser atendida por vários amigos que se reuniram para ajuda-lo, uma vez que é uma pessoa bem conhecida na região e que se deparou com várias situações que necessitavam de apoios solidários para se encontrarem soluções. Contudo, com a pandemia, ocorreu que todos tiveram que se afastar e restou somente nós do NEABI. Em equipe, percebemos que, sozinhos, não conseguiríamos dar conta, e, diante disto, entramos em articulação com a rede socioassistencial do CREAS. Esse órgão municipal de assistência cola-

borou com agendamento de médicos, de fisioterapias para o casal, e atendimento psicossocial ao filho que precisou assumir todas as responsabilidades dos pais.

Dentro da nossa universidade, também houve a construção de redes de apoio para ajudar o acadêmico do curso de Educação Física em suas necessidades. Foi feita a construção, por parte do Gerente da Ação Social, de um grupo de trabalho entre o Núcleo de Atenção ao Estudante (NAE), e o Programa de Inclusão Educacional e Acadêmica (PIEA), a Coordenação do curso Educação Física e a Coordenação de Tecnologia UNISINOS que foi de grande ajuda para o atendimento ao acadêmico, o qual, assim, nessas circunstâncias difíceis, apesar do espectro autista, conseguiu ser aprovado nas atividades acadêmicas.

É interessante que ampliemos um pouco a narrativa sobre como as coisas ocorreram, no caso específico. Com a pandemia, restou ainda mais dificultado o acesso dele à universidade, porque não tinha computador nem internet, e assistia as aulas pelo celular do pai, o que dificultava o acompanhamento das disciplinas. Levamos toda essa demanda ao coletivo e, juntos, construímos um atendimento específico. Iniciamos uma conversa junto ao acadêmico para ele receber o coordenador pedagógico do NAE que auxiliaria nas disciplinas. E o PIEA conseguiu emprestado um notebook para o estudante. Dialogamos com a pessoa responsável pelo recurso da família e organizamos para que instalassem um provedor de internet fixa na residência. Um colega buscou o notebook emprestado na universidade e realizou a instalação na residência do acadêmico. Fixamos nosso atendimento socioassistencial à família em parceria com o CREAS, conseguimos atendimentos médicos e contatamos grupos de amigos que conseguiram os fisioterapeutas para o casal. A Escola de Medicina UNISINOS iniciou atendimentos e ampliou a rede de acolhimento. Trouxemos essa experiência enquanto exemplo de como um trabalho socioassistencial em rede pode ser feito de forma que o atendimento social gere aprendizado tanto para quem executa o trabalho, quanto para quem é atendido. Projetos e programas sociais são celeiros de aprendizagem para que os alunos possam se tornar profissionais mais integrados à sociedade, buscando contribuir com solução de problemas por meio de conhecimentos e consciência cidadã.

Outra frente de ação foi a própria participação direta dentro da equipe do NEABI. O núcleo de estudos do NEABI, além do atendimento social ao longo deste tempo de pandemia, buscou realizar debates importantes em lives, fomentando reflexão em pessoas que acompanham nosso trabalho.

Construímos seminários e conferências, adequando-nos à modalidade remota com objetivo de levar conhecimento segundo as noções que definem as atribuições do NEABI, articular conforme publicado em seu site por Adevanir Pinheiro:

O Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e IndígenasNEABI - é uma das duas frentes de trabalho da Ação Social na Área do Pluralismo Cultural e das Relações Étnico-Raciais, vinculada ao Centro de Cidadania e Ação

SUELI ANGELITA DA SILVA , ADEVANIR APARECIDA PINHEIRO MOSTRA DE EXTENSÃO | 48 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Social. O NEABI constitui-se em um espaço acadêmico e de interface com a comunidade no qual se realizam atividades programadas como estudos e pesquisas, documentação e produção de textos. Além disso, também produz materiais, cursos, seminários, conferências e divulgação de ações afirmativas, diretas ou por meio de assessoria e apoio, dentro da temática da educação das relações étnico-raciais. (PINHEIRO, 2010)

Nossa meta, com as adequações exigidas pela pandemia, foi atingida porque operam3os na perspectiva coletiva e garantimos a continuidade ao nosso trabalho porque a comunidade está conosco. As parcerias com movimentos sociais, nossa participação no Conselho Municipal de Igualdade Racial (CMPIR) e no Conselho Municipal de Povos Tradicionais de Matriz Africana (COMPOTMA), Comitê Técnico de Saúde da População Negra, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SDS), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SEDHU) e o Departamento de Igualdade Racial, os Gabinetes dos vereadores Tiago Silveira e Nadir Maria de Jesus, a Central Única de Favelas (CUFA-RS), a Escola de Samba Leões da Feitoria, a Associação de Empreendimentos de Economia Solidária de São Leopoldo (AESOL).

O trabalho socioassistencial do NEABI, em tempos de pandemia, foi difícil e tivemos que nos adaptar. Mas, por meio de parcerias, tanto internas da universidade como externas com parceiros, realizou-se uma atuação em rede, o que nos possibilitou atender famílias em grande vulnerabilidade social.

Conclusão

O trabalho socioassistencial do NEABI realizado durante o tempo da pandemia do coronavírus constitui-se em um processo de criação de vínculos com a comunidade afrodescendente da região Leopoldense. O NEABI cumpre seu papel ao dar visibilidade à cultura afro-brasileira, colaborar com a elevação da autoestima de afrodescendentes que, no contexto histórico da região, sofreram o apagamento histórico de sua participação na cultura. Não podemos nos furtar de relatar que as desigualdades sociais têm sua estrutura no racismo estrutural, ou seja, nas dificuldades de a população negra participar plenamente da sociedade. Segundo Adevanir Pinheiro:

No mundo da violência simbólica, as próprias estatísticas, repetidas com muita voracidade nos meios de comunicação, acabam reforçando preconceitos e discriminações. Até esse momento, ainda não achamos um ponto mais focado para se falar em dados estatísticos, dos órgãos responsáveis pelos dados numéricos que estão sempre na mídia e na sociedade como um todo, mostrando os índices de rebaixamento da população afrodescendentes em todos os níveis

como: escolas, ensino superior, mercado de trabalho, participação nos grupos de pensadores e formadores de opinião (PINHEIRO, 2014, p. 27).

Neste sentido, nosso trabalho indicou que a universidade tem um papel fundamental de levar conhecimentos tecno-científicos de uma maneira dialogada e que valorize os saberes e vivências das comunidades tradicionais. Entendemos que o conhecimento científico deve propiciar qualidade de vida para todos e respeitar os saberes populares de modo a contribuir efetivamente para elevar autoestima da população. Em tempos de pandemia, a crise sanitária da Covid-19 atingiu a todos, mas o vírus da desigualdade social atinge, sobretudo, a população negra. Na pandemia, a debilidade socioeconômica dos negros se agravou ainda mais. Compreender essas vulnerabilidades sociais e trabalhar para superá-las exige que façamos o nosso trabalho com compromisso social, eficácia e eficiência.

REFERÊNCIAS

BÔAS, Bruno Villas. IBGE: Antes da pandemia, trabalho voluntário estava em tendência baixa. In: VALOR ECONÔMICO. Rio de Janeiro, 4 jun. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/06/04/ ibge-antes-da-pandemia-trabalho-voluntario-estava-em-tendencia-de-baixa.ghtml. Acesso em: 26 out. 2021

https://www.google.com/search?q=O+N%C3%BAcleo+de+Estudos+Afro-brasileiros+e+Ind%C3%ADgenas+-+NEABI Acesso em 20 out 2021

https://www.google.com/search?q=O+trabalho+volunt%C3%A1rio+dos+Presidentes+de+Rua+

NUZZI, Vitor. Pandemia ressalta a desigualdade brasileira e ameaça os empregos. In: RBA. São Paulo, 10 abr. 2020. Disponível em: https://www.redebrasilatual. com.br/economia/2020/04/pandemia-ressalta-desigualdade-brasileira-ameaca-emprego. Acesso em: 20 out. 2021.

PINHEIRO, Adevanir Aparecida. O Espelho Quebrado da Branquidade: aspecto de um debate intelectual, acadêmico e militante. São Leopoldo: Editora Casa Leiria, 2014.

SÃO Paulo: nos 100 anos de Paraisópolis, conheça o trabalho das Presidentes da Rua no Atendimento de 32 mil famílias. In: GLAMURAMA. [S. I.], 20 set. 2021. Disponível em:

https://glamurama.uol.com.br/modo-de-vida/sao-paulo-nos-100-anos-de-paraisopolis-conheca-o-trabalho-das-presidentes-da-rua-no-atendimento-de-32-mil-familias/. Acesso em: 20 out. 2021.

3 https://www.google.com/search?q=O+N%C3%BAcleo+de+Estudos+Afro-brasileiros+e+Ind%C3%ADgenas+-+NEABI

ATIVIDADE SOCIOASSISTENCIAL DO NEABI EM TEMPOS DE PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 49 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

PROJETO QUARENTENA: descobrindo novas práticas pedagógicas no ensinoaprendizagem de português como língua de acolhimento

AUTORES(*)

GRAZIELA HOERBE ANDRIGHETTI

RESUMO

Apresentamos, neste trabalho, o Projeto Quarentena – um projeto de ensino de PLAc realizado em parceria entre o Programa TARIN da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), o curso de Letras da UNISINOS e a Prefeitura Municipal de Esteio – Rio Grande do Sul – e discutimos a relevância da continuidade de ações extensionistas envolvendo a comunidade acadêmica e a sociedade. A partir de uma perspectiva de uso social da linguagem, relatamos práticas pedagógicas de ensino de português como língua de acolhimento realizadas no período da pandemia de COVID-19 em 2021 e compartilhamos desafios e soluções pensadas pelo grupo de professores e graduandos do curso de Letras envolvidos com as aulas PLAc.

Introdução

Apandemia de Coronavírus (COVID-19) tem afetado a humanidade de uma forma integral. A sociedade tem sido desafiada a se reinventar em todos os sentidos e campos de sua existência. O presente trabalho tem como objetivo relatar práticas pedagógicas pensadas para um contexto de ensino de português como língua de acolhimento, doravante PLAc, no período da pandemia de COVID-191. As práticas relatadas

fazem parte de um projeto de ensino de PLAc realizado em parceria entre o Programa Tarin da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS)2, o curso de Letras da UNISINOS e a Prefeitura Municipal de Esteio - Rio Grande do Sul. A partir deste relato, busca-se descrever como se deu a migração de aulas presenciais, que aconteciam semanalmente a um grupo de alunos venezuelanos, para ambientes de aprendizagem remotos, e que estratégias pedagógicas foram pensadas para dar continuidade ao ensino de PLAc a partir do momento em que nos deparamos com a pandemia de COVID-19, em março de 2020, até o primeiro semestre de 2021.

Na seção seguinte, apresentamos o Programa Tarin da Unisinos, o projeto de ensino de PLAc relatado neste trabalho e, em específico, uma das ações desenvolvidas pelo grupo de professoras e bolsistas de PLAc, intitulado de Projeto Quarentena. Em seguida, descrevemos as escolhas pedagógicas feitas pelo grupo para dar continuidade às aulas para os alunos venezuelanos e os desafios postos no decorrer das implementações feitas nas aulas. Por fim, compartilhamos nossas impressões sobre as mudanças realizadas com vistas a pensar sobre oportunidades proporcionadas aos alunos.

O Programa TARIN e uma de suas ações: o ensino de PLAc

O TARIN é um Programa de Educação e Atenção Humanitária a migrantes e refugiados que estão no Bra-

1 A pandemia de COVID-19 teve início no segundo semestre de 2019. No Brasil, em meados de março de 2020, foram suspensas, em muitas localidades, as aulas presenciais, devido a medidas de distanciamento social impostas para o controle da pandemia. Essas medidas também vigoraram no contexto de aulas de PLAc relatadas nesta pesquisa.

2 https://www.unisinos.br/tarin

(*) MARINA KIRSCH OHLWEILER: mestranda em Linguística Aplicada e graduanda no curso de Letras na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; marinako@edu.unisinos.br. GRAZIELA HOERBE ANDRIGHETTI: doutora em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS e mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Professora do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; grazielaandrighetti@unisinos.br. MORGANA THEREZINHA DA SILVA: graduada em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; morganadasilva95@gmail.com. MARCIA DEL CORONA: doutora em Linguística Aplicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Professora do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; corona@unisinos.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 50 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 7
MÁRCIA DEL
MARINA KIRSCH OHLWEILER MORGANA THEREZINHA DA SILVA
CORONA

sil, mais especificamente, na região de abrangência da UNISINOS. Trata-se de um programa que fomenta iniciativas que buscam acolhimento humanitário dos grupos de refugiados alocados no Rio Grande do Sul através de ações de ensino, pesquisa e extensão. Em suas ações, o programa valoriza a formação humana e profissional ao acolher propostas que proporcionem oportunidades de ensino e aprendizagem para alunos e professores da UNISINOS, comunidade local, parceiros e demais profissionais envolvidos com o intuito de estreitar laços e criar pontes entre a sociedade e a Universidade.

Dentre as ações voltadas à migração e ao refúgio desenvolvidas na UNISINOS, está o ensino de PLAc, realizado por um coletivo de professoras e aluna(o)s bolsistas e voluntária(o)s do curso de Licenciatura em Letras desta Universidade3. As aulas de PLAc são pensadas de forma a propiciar maior familiarização à língua e aos aspectos culturais no contexto brasileiro, propiciando o uso da língua para (inter)agir em situações específicas de comunicação que estejam relacionadas a necessidades básicas dos alunos em contexto de migração.

O projeto de ensino de PLAc desenvolvido por este grupo da UNISINOS em parceria com a Prefeitura de São Leopoldo teve início no segundo semestre de 2018. Em 2019, as aulas ocorriam semanalmente, em encontros presenciais realizados nas terças-feiras à noite em uma sala da Prefeitura de Esteio, e tinham duas horas de duração. No primeiro semestre de 2020, período em que se deu a transição da presencialidade para os ambientes remotos, as aulas seguiram acontecendo uma vez por semana, às terças-feiras à noite, com a mesma duração de duas horas cada encontro.

Ao todo, nesse projeto, tínhamos cerca de 30 estudantes venezuelanos com diferentes níveis de escolarização e que estavam no Brasil por períodos também variados – uns recém-chegados ao Brasil e outros já residindo no país há um período mais longo, tendo, inclusive, deslocado-se para outras cidades antes de chegar ao município de Esteio. Porém, devido a condições limitantes, muitos acabavam não fixando residência na cidade, conseguiam trabalhos esporádicos no horário das aulas, ou, ainda, não dispunham de recursos para comparecerem a todos os encontros. Dessa forma, embora o número de alunos pareça alto, os alunos que, de fato, frequentavam as aulas não eram necessariamente os mesmos, havendo bastante rotatividade entre os encontros.

Em nossas aulas, usávamos materiais autênticos elaborados pelo grupo de professoras, bolsistas e voluntários do curso de Letras, desenvolvidos a partir da escolha de tópicos relevantes que emergiam em interações da sala de aula e que surgiam diante de dúvidas e sugestões trazidas pelos próprios alunos. Buscando abordar o ensino de língua por uma perspectiva de uso como prática social, e considerando que o objetivo de aprendizagem de português como língua adicional para migrantes está relacionado “a necessidades contextuais, ligadas muitas vezes à resolução de questões de sobrevivência urgen-

tes, em que a língua de acolhimento tem de ser o elo de interação afetivo como forma de integração para uma plena cidadania” (GROSSO, 2010, pg. 74), os materiais eram compostos por tarefas pedagógicas desenvolvidas a partir de textos que circulavam nas esferas cotidianas dos alunos, envolvendo diferentes gêneros discursivos.

O contexto de ensino de PLAc durante o período da pandemia

Em março de 2020, foram suspensas as atividades presenciais na UNISINOS e na Prefeitura de Esteio em decorrência das medidas de controle da pandemia de COVID-19. Assim, muitas instituições de ensino iniciaram um processo de migração para o sistema remoto, buscando possibilidades de realização de encontros síncronos por meio de plataformas de ensino e aplicativos, assim como a realização de atividades assíncronas, incluindo compartilhamento e postagens de materiais e tarefas disponibilizadas aos alunos para acesso assíncrono.

Para que pudéssemos dar continuidade às nossas atividades de ensino de PLAc realizadas em Esteio, optamos por buscar alternativas de trabalho remoto que nos possibilitassem dar prosseguimento às aulas e aos vínculos já estabelecidos com o grupo.

No caso específico de nossos alunos, constatamos que muitos tinham acesso à rede móvel de dados, porém, com pacote restrito. Também verificamos que grande parte dos acessos se dava a partir de aparelhos celulares, e que aplicativos como o WhatsApp eram comumente utilizados por eles como meio de comunicação. Esse aplicativo já era utilizado, inclusive, pelos alunos e professores para trocarem informações relacionadas às aulas de PLAc que aconteciam todas as terças à noite na Prefeitura de Esteio. Dessa forma, optou-se por fazer uso desse grupo de WhatsApp para seguir em contato com os alunos.

Os relatos de práticas pedagógicas pensadas para o contexto de ensino de PLAc trazidos neste trabalho estão organizados em dois momentos: práticas pedagógicas pensadas para 2020/1 e práticas pedagógicas pensadas para 2020/1 em diante.

Práticas pedagógicas pensadas para 2020/1

Em um primeiro momento, optamos pelo compartilhamento de pequenos vídeos elaborados e gravados pelas professoras bolsistas e voluntárias que conduziam os encontros com o grupo desde o período de aulas presenciais. Os vídeos iniciais tinham o intuito de manter esse canal de contato aberto entre alunos e professoras, possibilitando, também, o compartilhamento de informações essenciais relacionadas a esse período da pandemia.

Muitas das temáticas iniciais abordadas nos vídeos surgiram de conversas entre as professoras e funcionários

3 Para mais informações sobre os projetos de PLAc já desenvolvidos pelo grupo, ver: SILVA (2019); ANDRIGHETTI; DEL CORONA; OHLWEILER; SILVA (2020); IWANO (2020).

PROJETO QUARENTENA: DESCOBRINDO NOVAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO MOSTRA DE EXTENSÃO | 51 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Tabela 1 – Produções audiovisuais iniciais

TABELA 1

Produções audiovisuais iniciais

Vídeo Descrição/resumo do vídeo Ícone Visualização

Recados aos alunos sobre a situação do Covid-19 e mensagem de motivação

No vídeo, explicamos que haveria suspensão temporária das nossas aulas presenciais e incentivamos os cuidados com a prevenção ao vírus, evitando aglomerações. Compartilhamos mensagens de conforto, encorajando-os nesse momento delicado. Além disso, a partir desse vídeo, colocamo-nos à disposição para uma escuta ativa e interação no grupo de WhatsApp.

Explicação da ficha cadastral para recebimento de uma cesta básica da cidade de Esteio

Compartilhamos explicações sobre a ação da prefeitura de Esteio para distribuição de cestas básicas e orientamos os alunos com os passos para o preenchimento de ficha cadastral via Google Forms

Dicas para se proteger da Covid-19 e o que fazer no caso de sintomas na cidade de Esteio

Explicamos, a partir de material de divulgação oficial da Prefeitura de Esteio sobre o Coronavírus, formas de transmissão e contágio, formas de prevenção e cuidados necessários e em quais momentos procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBS)

FONTE: elaborada pelas autoras

Fonte: elaborada pelas autoras.

da Prefeitura de Esteio, responsáveis pelo acolhimento a migrantes e refugiados. Assim, buscou-se mapear demandas específicas que surgiam nesse período pandêmico inicial, bem como ações locais realizadas pela Prefeitura para poder auxiliar em questões de acesso à saúde e à alimentação, conforme indicam os primeiros três vídeos compartilhados com os alunos (Tabela 1). De maneira geral, o desenvolvimento desses vídeos explicativos tinha o intuito de compartilhar informações básicas sobre a pandemia e sobre os procedimentos necessários para evitar o contágio com o Coronavírus.

Devido às contingências impostas pela pandemia de COVID-19, uma das ações sociais da Prefeitura foi a distribuição de cestas básicas de alimentos para quem estava desempregado ou para quem possuía um rendimento mensal per capita de até quinhentos reais. A Prefeitura solicitou aos alunos que fizessem o preenchimento de uma ficha cadastral via Google Forms a partir de um link enviado. Diante das diversas dúvidas e questionamentos

que os alunos nos traziam, percebemos a necessidade de explorarmos esse gênero discursivo – ficha cadastral. Por meio do vídeo elaborado sobre esse assunto, buscamos proporcionar familiarização a alguns termos específicos com os quais os alunos teriam que lidar para o preenchimento da ficha, como o significado de “cesta básica”. Além disso, abordamos informações necessárias para preencher os campos da ficha (nome completo, endereço completo, número de telefone com código da área, Cadastro de Pessoa Física (CPF), se recebiam algum benefício do governo, como Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada (BPC) e seus significados4 e, em caso de recebimento de algum benefício, em qual campo da ficha deveriam especificar o valor mensal recebido). Nesse vídeo em específico, passos sobre como acessar ao site, realizar o preenchimento, submeter a ficha, receber a mensagem de confirmação de recebimento do cadastro pela Prefeitura e de aviso sobre como se daria a resposta posterior a essa submissão envolviam aspectos relacionados a letramentos

4 Para maiores informações, acessar o site do Ministério da Cidadania: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/assistencia-social/beneficios-assistenciais-1/beneficio-assistencial-ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc. Acesso em 30/11/2021.

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digitais, pois, sem essa compreensão, não havia como, de fato, cadastrarem-se e acessarem a esse benefício.

Essa ficha cadastral foi divulgada não só aos alunos, mas também à comunidade residente de Esteio. Esse vídeo, em especial, repercutiu para além da “sala de aula”. Ao consultarmos o local onde ele está hospedado, no YouTube, observamos que há mais de 547 visualizações desde a sua data de publicação, em 7 de abril de 2020 (Figura 1). A partir disso, percebemos o alcance de nossas aulas, não apenas para nossos alunos, mas também para a comunidade socioeconomicamente vulnerável de Esteio, que precisava preencher a ficha para usufruir do benefício e que não tinha o letramento necessário.

O trabalho realizado no primeiro semestre de 2020 seguiu se desenvolvendo a partir do compartilhamento de vídeos curtos, que abordavam assuntos diversos relacionados ao período pandêmico que estávamos vivendo. Além dos três vídeos mencionados anteriormente, foram produzidos também mais seis vídeos (Tabela 2). Esses nove vídeos totais foram divulgados entre abril e julho de 2020. Como já mencionamos, as temáticas abordadas em cada vídeo eram pensadas com base em conversas estabelecidas com os alunos via grupo de WhatsApp, em conversas estabelecidas com funcionários da Prefeitura de Esteio, responsáveis pelo atendimento a migrantes e refugiados no município, e em assuntos considerados sensíveis também pelas professoras que ministravam as aulas.

Os vídeos foram idealizados e realizados, especificamente, com o objetivo de atender ao nosso público de alunos, propositando atingi-los com temáticas sensíveis a suas realidades em uma linguagem de fácil compreensão e assimilação. Importante salientar, como se percebe na descrição dos vídeos (Tabela 2), que essas produções foram realizadas em rede de co-

laboração, através de múltiplas parcerias. Os vídeos foram editados e postados na plataforma YouTube, para que os alunos pudessem acessá-los, através de seus respectivos hiperlinks.

Em nossa compreensão inicial, o acesso seria mais fácil de atingir a todos através do YouTube. Porém, percebemos que, ao compartilharmos o hiperlink no grupo de WhatsApp da turma, não havia interação sobre eles. Além disso, o número de acessos e visualizações era baixo, se comparado ao número de alunos do grupo. Assim, não tínhamos uma resposta sobre o conteúdo que estava sendo disponibilizado e como (re)agir para gerar, de fato, a interação.

Ao longo do semestre, notamos, em muitos momentos, que não havia comentários realizados no grupo após as postagens dos vídeos, o que nos levou a pensar sobre os aspectos relacionados a esse baixo engajamento dos alunos. Em resposta a isso, realizamos contato com eles via Google Forms, de forma individualizada, para verificar quais eram as suas demandas e formas de acesso ao conteúdo online digital. No total, vinte e três alunos interagiram com o Forms (n=23). Foi a partir de então que percebemos que nem todos conseguiam acessar os conteúdos postados no YouTube (29,2%). Porém, o que nos chamou a atenção foi que todos sinalizaram que conseguiam acessar pelo WhatsApp (Figura 2).

WhatsApp como múltiplas possibilidades pedagógicas

Ao final do primeiro semestre de 2020, refletindo sobre as interações realizadas no semestre anterior, bem como sobre os acessos dos alunos, apontamos que eles deveriam ser os protagonistas do processo

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FIGURA 1 Captura do vídeo Explicação Ficha Cadastral para Cesta Básica Cidade de Esteio FONTE: retirada do YouTube

TABELA 2

Produções audiovisuais do Projeto Quarentena

Vídeo Descrição/resumo do vídeo Ícone Visualização

Fake News – Cuidado para não disseminar notícias falsas em tempo de Coronavírus

Informamos sobre o que são as fake news, como reconhecê-las e não compartilhá-las. Demanda observada em função do grande número de notícias falsas sendo espalhadas (era da desinformação), inclusive em nosso grupo de WhatsApp. Trouxemos exemplos reais compartilhados pelos próprios alunos e, também, recebidos de outras fontes, para realizarmos a identificação das características das fake news

Aprenda a preparar sua própria solução de limpeza!

Compartilhamos soluções práticas, rápidas e acessíveis para limpar a casa, alimentos, sapatos, bolsas com água sanitária e água com o objetivo de descontaminação.

Orientações para higiene, armazenamento e manutenção de alimentos para alunos da Turma de Português

Compartilhamos dicas para limpeza, armazenamento e manutenção de alimentos, principalmente alimentos orgânicos (frutas, verduras, legumes, carnes, comidas, leite e derivados, frios etc.). Para esse vídeo, contamos com a parceria de nutricionistas da Prefeitura de Esteio.

Aprenda como usar e lavar sua máscara de proteção durante a Pandemia de Covid19

Compartilhamos dicas sobre como usar e lavar a máscara para que evitem o contágio.

Aprenda a maneira correta e segura de lavar as mãos

Abordamos cuidados com a situação de vulnerabilidade em que já se encontravam antes da pandemia e que se agravou com as medidas de distanciamento e com as questões de saúde trazidas pelo vírus. Parceria realizada com nutricionistas da Prefeitura de Esteio.

COVID-19 no Rio Grande do Sul – Explicação sobre as bandeiras

Apresentamos uma atualização sobre a Covid-19, abordando sobre como funciona a classificação das bandeiras por região do estado, de acordo com o avanço da doença. A finalidade foi buscar a conscientização dos alunos.

FONTE: elaborada pelas autoras

Fonte: elaborada pelas autoras.

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Tabela 2
Produções audiovisuais do Projeto Quarentena

TABELA 2

Produções audiovisuais do Projeto Quarentena

FONTE: elaborada pelas autoras

de aprendizagem, não apenas espectadores. Optamos, então, por buscar metodologias mais ativas e que possibilitassem maior interação para que eles pudessem exercer esse papel de forma holística e orgânica. Além disso, percebemos que, pela perspectiva dos multiletramentos (ROJO, 2012; ROJO e MOURA, 2019), os alunos poderiam ser os criadores de sentidos através das diversas práticas situadas que estavam acompanhando-os nesse período de pandemia. Considerando esses aspectos, optamos por implementar novas abordagens pedagógicas para dar continuidade às aulas em 2020/2. Essas abordagens utilizaram o próprio grupo de WhatsApp como ferramenta de interação social plena para trabalharmos com gêneros do discurso da esfera digital e cotidiana das múltiplas realidades. O WhatsApp torna-se uma ferramenta relevante para o ensino-aprendizagem no período pandêmico. Sobre o percurso, podemos destacar diversos benefícios como acesso fácil à tecnologia e a múltiplos recursos semióticos, pouco uso de dados (se comparado a outras tecnologias), opção por videochamadas e utilidades como envio de vídeos, gravação de áudio, envio de arquivos e imagens, compartilhamento de links, texto com formatação, emojis e uso do status para compartilhar informações etc. Além disso, é

importante destacar que essa ferramenta é fornecida de forma gratuita e ilimitada para quem adquire uma linha de forma pré-paga.

Ao consultar nossos alunos sobre o uso que faziam da ferramenta, pudemos perceber uma grande quantidade de práticas sociais desempenhadas em suas rotinas. Um exemplo disso é o fato de explorarem o recurso status do WhatsApp com fotos de produtos comercializados por eles ou serviços prestados. Em nossas interações sobre o assunto, também pudemos perceber o uso do aplicativo para contatos profissionais, o que expande a rede de oportunidades de trabalho.

Com isso, percebendo a importância de abordar o uso do WhatsApp como prática social e situada de linguagem nos mais diversos meios e esferas da vida privada e pública, cotidiana e institucional, decidimos trazer essa plataforma para nossas aulas de PLAc, explorando-a por uma perspectiva de outros desenhos pedagógicos. Passamos, então, a elaborar nossas aulas no semestre de 2020/2 a partir da proposição de tarefas a serem desenvolvidas pelos alunos, com retornos (orais e escritos) a serem feitos pelo WhatsApp. Para isso, buscamos estabelecer alguns parâmetros de referência:

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• postagem de vídeos curtos e/ou pequenos textos com instruções sobre a tarefa a ser desenvolvida pelos alunos;

• postagem de vídeos ou textos modelo, com exemplos de possíveis respostas às tarefas propostas que tinham o propósito de oferecer suporte aos alunos;

• pequenos textos multimodais voltados a compartilhar recursos linguístico-discursivos para auxiliar os alunos nas tarefas a serem desenvolvidas por eles.

Dentre os temas abordados nessa etapa de ensino remoto de PLAc, elegemos três tópicos norteadores. A primeira temática abordava experiências e histórias com aprendizagem de línguas adicionais, nas quais dávamos espaço ao compartilhamento de situações significativas que marcaram os percursos dos alunos enquanto falantes/usuários/aprendizes de línguas (adicionais). A segunda temática abordada tratava de rotinas. Por último, a terceira abordava a temática sobre o uso do WhatsApp em situações do dia a dia. Nas tarefas pedagógicas propostas para essa última temática, buscou-se explorar com os alunos meios de comunicação usados para interagir principalmente no período da pandemia. Dentre as possibilidades exploradas nessa temática, estavam práticas de uso do WhatsApp para apresentar-se e contextualizar motivos de se fazer um contato (seja para ofertar uma vaga de emprego, para se candidatar a uma vaga de emprego ou para contatar a escola na qual os filhos estudavam) e como ferramenta de comunicação para prestação de serviços e venda de produtos. Além disso, o aplicativo se tornou uma ferramenta útil para darmos continuidade às nossas aulas de português e como meio de seguirmos aprendendo e refletindo sobre o uso da língua de forma situada.

Ao longo do semestre de 2020/2, percebemos um maior engajamento dos alunos, retornando as nossas propostas de tarefas pedagógicas, seja pela postagem de produções textuais (orais e escritas) ou pelo compartilhamento de comentários, dúvidas e sugestões.

Considerações finais

O Projeto Quarentena demonstra, na prática, a importância da continuidade de ações extensionistas da instituição envolvendo a comunidade acadêmica

em prol de buscas de soluções transformadoras para a sociedade que estreitem vínculos para além dos muros da universidade, em um período tão desolador quanto à pandemia, e que fortaleçam vínculos com alunos/ as, muitas vezes, negligenciados/as pela sociedade. Como principais desafios, gostaríamos de mencionar o controle do acesso a todos e do acesso de todos, devido ao fato de não compartilharmos o mesmo tempo e espaço com os alunos, pela assincronicidade do momento. Além disso, a complexidade de usar ferramentas para fins pedagógicos exigiu, inclusive, letramento por parte das professoras para que o seu trabalho fosse mais fácil e dinâmico. Os multimodos de fazer a interação também foram um desafio, pois precisávamos adicionar texto escrito, vídeos, fotos e áudios, do mesmo conteúdo e do mesmo tópico, para que os alunos pudessem acessar as suas competências de leitura, oralidade, audição e escrita. Por fim, a manutenção da interação pelo WhatsApp também foi um fator dificultador, pois percebemos que precisávamos interagir nas mais variadas formas, para que o processo não se tornasse monótono e sem a interação almejada. Finalmente, mas não menos importante, como benefícios e oportunidades, essa atuação tem nos possibilitado o desenvolvimento de pesquisas na área de PLAc, a partir da publicação de artigos e, também, do fortalecimento da área através da participação em eventos, congressos e da ampla divulgação de nosso trabalho. Esperamos que, ao compartilhar as experiências desse projeto, possamos estabelecer diálogos com outros professores/as e pesquisadores/as da área de Português como Língua Adicional (PLA), e, em específico, de Português como Língua de Acolhimento (PLAc).

REFERÊNCIAS

GROSSO, M. J. D. R. Língua de acolhimento, língua de integração. Revista Horizontes de Linguística Aplicada, 9(2), 61. 2010. Disponível em: https://doi.org/10.26512/ rhla.v9i2.886. Acesso em: 20 jan. 2022.

ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012, p. 11-31.

ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. Letramentos, mídias, linguagens. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2019.

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Acolhida a migrantes em São Leopoldo/RS através de aulas de português como língua adicional

AUTORES(*)

ARIADYNE DOMINGUES DE OLIVEIRA MOLINA

GIULIA MAYUMI ROCHA IWANO

GRAZIELA HOERBE ANDRIGHETTI

MARINA KIRSCH OHLWEILER

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar um projeto de ensino-aprendizagem de Português como Língua de Acolhimento desenvolvido por um grupo de professoras e alunas bolsistas do curso de Letras da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), em parceria com o Programa TARIN, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI), a Prefeitura Municipal de São Leopoldo e o SENAC-SL. Alinhadas a uma visão social de uso da linguagem, buscamos, em nosso relato, apresentar o projeto de ensino de PLAc e seus objetivos norteadores, o contexto no qual ocorreu e público envolvido nas aulas, assim como algumas decisões teórico-metodológicas que embasaram o design de práticas pedagógicas propostas ao longo do período de realização desse projeto em 2021. Ao relatar esta experiência, ressaltamos a relevância do trabalho em rede de colaboração envolvendo universidade e sociedade, possibilitando aprendizagens amplas para todos os envolvidos no que diz respeito a dimensões de ensino, pesquisa e extensão.

Introdução

No presente trabalho, relatamos um projeto de ensino de Português como Língua de Acolhimento (PLAc) realizado em um contexto de ensino envolvendo migrantes haitianos e senegaleses residentes em São Leopoldo (município localizado no Rio Grande do Sul, Brasil) e apresentamos algumas reflexões possibilitadas ao longo do desenvolvimento de nossas práticas pedagógicas. O projeto

1 https://www.unisinos.br/tarin

relatado nesse trabalho envolve a oferta de aulas de PLAc realizadas entre os meses de julho a dezembro de 2021, durante o período da pandemia de COVID-19, e é fruto de uma parceria entre o Programa TARIN1; o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) e o curso de Letras da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), a Prefeitura Municipal de São Leopoldo e o SENAC-SL.

Em nosso relato, apresentamos o projeto de ensino de PLAc e seus objetivos norteadores, o contexto no qual ocorreu e público envolvido nas aulas, assim como algumas decisões teórico-metodológicas que embasaram o design de práticas pedagógicas propostas ao longo do período de realização desse projeto em 2021.

Uma breve contextualização do projeto de ensino de Português como Língua de Acolhimento em SL

O projeto de aulas de Português como Língua de Acolhimento (PLAc) relatado neste estudo desenvolveu-se no segundo semestre de 2021, fruto de uma parceria entre a UNISINOS (Programa TARIN, curso de Letras e NEABI), a Prefeitura de São Leopoldo e o SENAC-SL. A ideia de ofertar aulas de PLAc a uma comunidade específica de migrantes em São Leopoldo teve seu início em 2019, também em uma parceria entre o curso de Letras – na época, estavam envolvidas as profas. Márcia Del Corona e Graziela Andrighetti, do curso de Letras/UNISINOS –, o Programa TARIN e o NEABI (UNISINOS), quando buscávamos ofertar aulas de PLAc a serem realizadas entre outubro e dezembro

(*) ARIADYNE DOMINGUES DE OLIVEIRA MOLINA: graduanda no curso de Letras – Habilitação Inglês na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; dyne_molina@hotmail.com. GIULIA MAYUMI ROCHA IWANO: graduanda no curso de Letras –Habilitação Inglês na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; giuliamisouza@gmail.com. GRAZIELA HOERBE ANDRIGHETTI: doutora em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; Professora do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; grazielaandrighetti@unisinos.br. MARINA KIRSCH OHLWEILER: mestranda em Linguística Aplicada e graduanda no curso de Letras na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; marinako@edu.unisinos.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 57 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 8

daquele ano. No entanto, a realização do curso não foi viabilizada em função da falta de transporte, que garantiria a mobilidade dos alunos até o local das aulas. No primeiro semestre de 2021, revisitamos o projeto na expectativa de poder atender a uma demanda de aulas de português apontada pelo NEABI relacionada a um grupo de haitianos localizados nos bairros Arroio da Manteiga, Campina e Rio dos Sinos.

Após um trabalho em rede, e de muitos momentos de escuta e conversas entre a universidade, o poder público, instituições parceiras e a comunidade – para que fossem garantidos não apenas o local das aulas e o corpo docente responsável por elas, mas também transporte aos alunos, materiais escolares e alimentação –, o projeto de aulas de PLAc foi realizado, organizando-se em duas etapas. Na primeira etapa, foi ofertado o Curso de Extensão de Ensino de Português como Língua de Acolhimento para Migrantes Afrodescendentes. Na segunda etapa, foram ofertados dois cursos: Curso de Extensão de Ensino de Portugu ês como Língua de Acolhimento para Migrantes – Básico e Curso de Extensão de Ensino de Portugu ês como Língua de Acolhimento para Migrantes –Intermediário.

O curso de extensão de Ensino de Português como Língua de Acolhimento para Migrantes Afrodescendentes teve como objetivo promover oportunidades de aprendizagem da língua portuguesa e de aspectos culturais brasileiros a migrantes haitianos residentes no Município de São Leopoldo, com vistas a promover oportunidades de uma maior participação dos migrantes nas práticas sociais diárias de cidadania em solo brasileiro. O curso também objetivou a integração entre a comunidade acadêmica, a comunidade de migração e a sociedade em geral, assim como a formação docente de estudantes do curso de Letras que atuaram no planejamento pedagógico, na elaboração de materiais didáticos e na execução das aulas.

A etapa 1 foi realizada de 09/07 a 24/09/2021, em um total de 24 horas de curso, com a oferta do Curso de Extensão de Ensino de Português como Língua de Acolhimento para Migrantes Afrodescendentes. Devido às medidas de segurança pensadas para o controle da pandemia de COVID-19, os alunos matriculados no curso foram organizados em duas turmas, ambas pensadas para alunos com conhecimentos básicos em língua portuguesa. As aulas das duas turmas, intituladas Turmas 1 e Turma 2, ocorriam uma vez por semana, às sextas-feiras, das 19h às 21h, no SENAC SL, totalizando 12 encontros. Nessa primeira etapa, tivemos a participação de 32 alunos haitianos afrodescendentes participando de nossas aulas.

As aulas buscavam proporcionar aos migrantes haitianos residentes em São Leopoldo oportunidades de aprendizagem da língua portuguesa e de aspectos culturais brasileiros, visando a ampliação da partici-

pação dos migrantes nas práticas sociais do contexto em que vivem aqui no Brasil, o desenvolvimento de habilidades linguístico-discursivas desses alunos e de letramentos em diferentes práticas sociais cotidianas. Nossas aulas também visavam a promover oportunidades de trocas e de sensibilização cultural envolvendo os dois países e seus ricos repertórios, auxiliando os migrantes em suas demandas diárias com a língua portuguesa, possibilitando maior independência e autoestima.

A Etapa 2 realizou-se de 01/10 a 17/12/2021. Nessa etapa, foram ofertadas, novamente, duas turmas de PLAc. Isso se deu às medidas de controle à pandemia, como já mencionamos anteriormente, e também ao fato de termos muitos dos alunos que cursaram a etapa 1 interessados em dar continuidade aos estudos de português. Para tanto, procedemos com a seguinte organização dos alunos: Turma 1 (Curso de Extensão de Ensino de Português como Língua de Acolhimento para Migrantes – Básico) e Turma 2 (Curso de Extensão de Ensino de Português como Língua de Acolhimento para Migrantes – Intermediário). Somadas as duas turmas, tivemos um total de 40 alunos, contando não apenas com a presença da nacionalidade haitiana (como aconteceu na etapa 1), mas também com alunos senegaleses.

A Turma 1 foi ofertada a novos alunos matriculados no período de outubro a dezembro e, como trabalharíamos com materiais já desenvolvidos por nós na etapa 1 prevendo alunos com conhecimentos de português em nível básico, intitulamos esse curso de extensão de Ensino de Português como Língua de Acolhimento para Migrantes – Básico. Essa turma teve um total de 12 alunos matriculados, sendo 3 deles senegaleses e o restante haitianos. Já a Turma 2 foi pensada para alunos com conhecimentos intermediários de português, formada por alunos que já haviam cursado as aulas da etapa 1 e que desejavam dar seguimento a seus estudos em português. Dessa forma, esse curso de extensão foi nominado de Ensino de Português como Língua de Acolhimento para Migrantes – Intermediário, e contou com um total de 28 alunos haitianos inscritos.

Os dois cursos ofertados na etapa 2 também faziam parte da parceria entre a UNISINOS, representada pelo Programa TARIN, pelo curso de Letras e pelo NEABI. Visando a fomentar ainda mais ações formativas, essa etapa 2 contou com voluntários que atuavam junto a um outro projeto do Programa TARIN: o Projeto Integrar2. Dessa forma, além dos estudantes do curso de Letras, que atuaram nas etapas 1 e 2, também colaboraram voluntárias dos cursos de Psicologia, Enfermagem, Relações Internacionais e Ciências Econômicas, desenvolvendo ações conjuntas para planejamentos pedagógicos, elaboração de materiais didáticos e momentos relacionados à docência.

2 O Projeto Integrar é um projeto de ensino interdisciplinar, relacionado ao Programa TARIN, no qual estudantes de várias áreas do conhecimento podem participar, integrando-se no desenvolvimento de projetos conjuntos voltados a migrantes e refugiados. A atuação do grupo multidisciplinar de ações voltadas a migração e refúgio se dá nos municípios de São Leopoldo e arredores e também no munícipio de Porto Alegre, em parcerias da Universidade com o Serviço Jesuíta à Migração e Refúgio, prefeituras e organizações da sociedade civil com finalidades similares.

ARIADYNE
OLIVEIRA
MOSTRA DE EXTENSÃO | 58 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
DOMINGUES DE
MOLINA , GIULIA MAYUMI ROCHA IWANO , GRAZIELA HOERBE ANDRIGHETTI , MARINA KIRSCH OHLWEILER

Nossos alunos

Durante o projeto de ensino de PLAc, participaram de nossas aulas alunos de nacionalidade haitiana e senegalesa. Em nossas interações, pudemos perceber um domínio variado do português. Alguns já estavam no Brasil há um período maior de tempo (3 a 4 anos), outros estavam chegando recentemente (3 a 7 meses). Poucos já haviam estudado português em aulas ou cursos regulares. Nossos alunos demonstravam ter um grau de escolarização também variado e contávamos com alguns alunos que estavam matriculados na rede de ensino básico do município de São Leopoldo, frequentando ensino fundamental ou ensino médio Entre eles, percebemos também uma pluralidade linguística muito rica. Na etapa 1, as interações entre os alunos costumavam se dar por meio do uso de crioulo haitiano. O português era usado como língua de comunicação nas aulas, mas os alunos também lançavam mão de seus repertórios linguísticos, trazendo o francês e o inglês para momentos em que precisavam/queriam abordar diversos assuntos e estabelecer comparativos para analisar estruturas da língua e seus usos em contextos específicos. Em nossas aulas da etapa 2, tivemos o ingresso de alunos senegaleses, também enriquecendo nossas percepções sobre a pluralidade linguística presente nesses espaços de ensino/aprendizagem ao trazerem seus conhecimentos de uolofe e árabe.

Como professoras, pudemos perceber, então, que muitos momentos de interação entre eles na sala de aula aconteciam em crioulo haitiano e uolofe, línguas faladas no Haiti e no Senegal, respectivamente, fato que nos trouxe alguns desafios em levar o conteúdo a fazer sentido para os alunos com conhecimentos mais básicos em português, uma vez que não conhec íamos/éramos falantes de tais línguas e não tínhamos muita variedade de materiais disponíveis nos quais pudéssemos nos apoiar nos momentos de dúvidas e resolução de problemas que aconteciam nas aulas3. Como grande parte de nossos alunos demonstravam ter algum conhecimento de francês, também estávamos buscando aprender o idioma para que pudéssemos ter mais facilidade para explicar conteúdos e atividades propostas em momentos em que percebíamos que algum aluno(a) tinha dificuldade em entendê-los. O inglês também foi utilizado como língua de comunicação para alguns desses momentos de dúvidas e ações em sala de aula, visto que alguns alunos/as falam inglês, o que tornou a comunicação mais facilitada por termos conhecimento da língua inglesa.

Essa riqueza de repertórios (não apenas suas línguas de origem – crioulo haitiano e uolofe, línguas

faladas, respectivamente, no Haiti e no Senegal –, mas também francês, árabe e inglês) que vimos circular em muitos momentos de conversa durante as aulas, e nas produções escritas, somada às suas vivências por meio da língua portuguesa, trouxe um olhar sensível para nossos encontros e para a construção de aspectos culturais que permeiam nossos fazeres.

As práticas pedagógicas desenhadas para as aulas de PLAc

Nossas aulas foram realizadas de forma presencial, entretanto, enfrentávamos ainda medidas de distanciamento social e etiqueta respiratória necessárias em função da pandemia de COVID-19. Em decorrência dessas medidas, tivemos um número reduzido de vagas oferecidas em cada sala, visando respeitar o distanciamento entre os alunos. Além disso, era obrigatório o uso de máscaras durante o tempo de permanência nas aulas. Salientamos aqui que esses protocolos também refletiram no desenho das atividades desenvolvidas em nossas aulas, interferindo nas dinâmicas de trabalho em pares ou em grupos e na própria circulação nossa e dos alunos na sala. Também pudemos perceber, em alguns momentos, o reflexo do uso de máscaras na percepção de expressões faciais e gestos e na clareza do som nas falas durante as explicações de conteúdos e demais atividades desenvolvidas. Além disso, sentimos falta de poder ter um maior contato com os alunos, apoiando-os de forma mais individualizada e, também, através de atividades em grupo. Todavia, procuramos oferecer aulas interativas e acolhedoras, apesar das restrições.

Nossas aulas de PLAc têm como pressuposto o uso da língua para (inter)agir em situações específicas de comunicação cotidiana e partem de temáticas relacionadas a necessidades básicas dos alunos em contexto de migração, geralmente relacionadas à integração na comunidade local na qual estão inseridos e/ou da qual querem/precisam fazer parte. Isso envolve inserção no mercado de trabalho, acesso aos sistemas de saúde, transporte, moradia, segurança etc.

As práticas pedagógicas e os materiais didáticos desenvolvidos para as aulas foram planejados e elaborados por alunos e professores do curso de Letras4 e contou também, em alguns momentos, com a parceria de voluntários de outros cursos que faziam parte do Projeto Integrar, assim como visitantes convidados a participarem de alguns encontros. Os temas e tópicos trabalhados foram delimitados a partir das necessi-

3 Mencionamos aqui um material que encontramos disponível na rede intitulado Ann Palé Potigè – Apostila Crioulo Haitiano – Português, elaborada, em sua primeira edição, pela Pastoral da Mobilidade Humana da Diocese do Alto Solimões (Tabatinga, Brasil – 2011) e em sua segunda edição pelo Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil e Instituto de Migrações e Direitos Humanos (Brasília - 2012).

4 Para as aulas dos Módulo I e II, participaram da elaboração dos materiais utilizados nas aulas a professora Dra. Graziela Hoerbe Andrighetti e as graduandas do curso de Letras da UNISINOS Ariadyne Molina, Giulia Iwano e Marina Ohweiler. Para as aulas ofertadas na Turma 2 deste Módulo 2, também contamos com o auxílio de algumas graduandas/pós-graduandas dos cursos de Enfermagem, Psicologia, Relações Internacionais e Ciências Econômicas da UNISINOS.

ACOLHIDA A MIGRANTES EM SÃO LEOPOLDO/RS ATRAVÉS DE AULAS DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL MOSTRA DE EXTENSÃO | 59 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

dades e sugestões dos alunos e do grupo elaborador dos materiais.

Durante nossas aulas, busc áva mos trabalhar a língua portuguesa pela perspectiva de práticas sociais a partir de uma apostila que elaboramos com o intuito de dar ênfase ao uso do português que se faz necessário aos migrantes para participarem de situações cotidianas. A seguir, apresentamos a capa

de nossa apostila, intitulada (amar)elos, bem como um quadro que busca sistematizar temáticas, gêneros discursivo, textos selecionados e atividades de produção oral e escrita propostas nos 12 encontros que tivemos tanto nas turmas da etapa 1 quanto da Turma 1 da etapa 2. O material dessa apostila foi desenvolvido tendo como público-alvo aprendizes de português em nível básico.

Unidade 1|

Cumprimentos e saudações

GÊNERO DISCURSIVO

Apresentação pessoal

TEXTOS SELECIONADOS

Textos com informações biográficas

PRODUÇÕES DOS ALUNOS ILUSTRAÇÃO

Produção de textos curtos com informações pessoais

Unidade 2 |

Falando sobre Você

Entrevista de Emprego; Conversa telefônica.

Simulações de interações de entrevistas de emprego desenvolvidos para fins do material didático

Simulações de conversas telefônicas e presenciais envolvendo entrevistas de emprego

Unidade 3 | Esta é a minha

Cidade

Vídeos informativos Vídeo informativo sobre a cidade de São Leopoldo: https://www.youtub e.com/watch?v=sbO

WxbXFrIo

Produção oral com compartilhamento de impressões sobre o Brasil, o país de origem do aluno e aspectos culturais.

ARIADYNE DOMINGUES DE OLIVEIRA
MOSTRA DE EXTENSÃO | 60 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
MOLINA , GIULIA MAYUMI ROCHA IWANO , GRAZIELA HOERBE ANDRIGHETTI , MARINA KIRSCH OHLWEILER
FIGURA 1 Capa da apostila (amar)elos | Básico FIGURA 2 Apostila (amar)elos | Básico
1
FONTE: material desenvolvido pelo grupo de professoras de ensino de PLAc
TEMÁTICA
Figura 2 - APOSTILA (amar)elos | Básico

desenvolvidos para fins do material didático

entrevistas de emprego

Unidade 3 | Esta é a minha

Cidade

Vídeos informativos Vídeo informativo sobre a cidade de São Leopoldo: https://www.youtub e.com/watch?v=sbO WxbXFrIo

Produção oral com compartilhamento de impressões sobre o Brasil, o país de origem do aluno e aspectos culturais.

Unidade | Minha Rotina, meu Cotidiano, meu Dia a dia

Descrição/ Exposição

Textos criados pelas autoras sobre rotinas domésticas e do emprego.

Alunos escrevem pequenos textos sobre suas rotinas domésticas e no emprego.

Unidade 5 | Trabalho e Profissão

Currículo Currículo Produção de currículos

Para a Turma 2 da etapa 2, composta por alunos que já haviam realizado a etapa 1 e que apresentavam conhecimentos em português em nível intermediário, desenvolvemos um material baseado em duas temáticas: saúde e trabalho. As temáticas foram definidas a partir

de nossas percepções com relação às demandas dos alunos. Apresentamos, a seguir, as temáticas, gêneros discursivo, textos trabalhados e atividades de produção (oral e escrita) propostas nos 12 encontros síncronos realizados com os alunos.

FONTE: material desenvolvido pelo grupo de professoras de ensino de PLAc

ACOLHIDA A MIGRANTES EM SÃO LEOPOLDO/RS ATRAVÉS DE AULAS DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL MOSTRA DE EXTENSÃO | 61 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
FIGURA 3 Apostila (amar)elos | Intermediário

APOSTILA (amar)elos | Intermediário

FIGURA 4

APOSTILA (amar)elos | Intermediário

TEMÁTICA GÊNERO DISCURSIVO

Unidade 1| Saúde: Sistema Único de Saúde

Páginas da internet com localizações de postos de atendimento;

Cartão SUS;

Caderneta de Vacinação

TEXTOS SELECIONADOS PRODUÇÕES DOS ALUNOS

Páginas do Google Maps com a localizações de postos de atendimento em São Leopoldo;

Cartão SUS;

Caderneta de Vacinação da Criança e Caderneta de Vacinação para adultos

Alunos escrevem pequenos textos sobre o que aprenderam sobre o Sistema Único de Saúde e Cartão do SUS

Unidade 2 | Saúde: Consultas Médicas (interações médicopaciente), prescrições e sintomas

Diálogos simulados; Receita médica

Diálogo entre médico-paciente simulando interações em consultas médicas elaboradas para fins do material didático;

Receitas médicas.

Simulação da dinâmica médico paciente;

Cartaz com desenho do corpo humano;

Alunos escrevem pequeno relato sobre consulta médica.

Unidade 3 | Saúde: Receitas Médicas (prescrições, dosagens, formas de uso, quantidades e tipos de medicação)

Unidade 4 | Saúde: Campanha de Vacinação

Receita Médica Receita médica da Secretaria da Saúde de São Leopoldo.

Simulação de Consulta médica com preenchimento de receita.

Folder (impresso e digital) informativo

Folder informativo Campanha de Vacinação Infantil do Governo Federal “Vacinou – é gol”;

Folder informativo de Campanha Nacional contra a poliomielite e multivacinação;

Folder de Campanha de Nacional de Vacinação da Prefeitura de Santa Luzia

Discussão sobre Campanha de Vacinação e sobre conteúdo da Carteira de Vacinação;

Pequeno texto sobre importância da vacinação.

Unidade 5| Saúde: Saúde Mental e Apoio Psicológico

Vídeo informativo Vídeo informativo produzido pelas graduandas Patrícia e Giovana (Psicilogia/ UNISINOS) e integrante do Projeto Integrar sobre o sistema público de saúde mental.

Pequenos textos sobre emoções e bem-estar.

Unidade 6 | Saúde: Serviços de Saúde

Vídeo informativo; Jogos.

Vídeo informativo produzido pela pós-graduanda Janaína (Enfermagem / UNISINOS) e integrante do Projeto Integrar sobre o sistema vacinal brasileiro, acessos e funcionamento;

Participação em gincana com produções orais e interativas em jogos

ARIADYNE DOMINGUES DE OLIVEIRA MOLINA ,
MAYUMI
IWANO ,
ANDRIGHETTI
OHLWEILER MOSTRA DE EXTENSÃO | 62 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
GIULIA
ROCHA
GRAZIELA HOERBE
, MARINA KIRSCH
2

Unidade 6 | Saúde: Serviços de Saúde Vídeo informativo; Jogos

sobre o sistema público de saúde mental.

Vídeo informativo produzido pela pós-graduanda Janaína (Enfermagem / UNISINOS) e integrante do Projeto Integrar sobre o sistema vacinal brasileiro, acessos e funcionamento;

Jogos digitais e atividades interativas por ferramenta digital.

Participação em gincana com produções orais e interativas em jogos.

Unidade 7| Mundo do Trabalho: Narrativas

Biodata; Apresentação oral

Biodata do jornalista Edelberto Behs, visitante convidado a compartilhar experiências profissionais e narrativas com momentos que marcaram sua trajetória;

Apresentação oral realizada pelo jornalista com narrativas e fatos que marcaram sua carreira.

Interação oral com o convidado.

Unidade 8 | Mundo do Trabalho:

Narrativas 2

Crônicas; Narrativas curtas; Entrevista.

Minha experiência com a Língua Inglesa – Vera Menezes

Entrevista - Simone Fiorito

A vida com legendas – Martha Medeiros

Texto narrativo a ser compartilhado com colegas e professoras no qual os alunos deveriam compartilhar momentos marcantes em suas vidas

Unidade 9 | Mundo do Trabalho: sistemas trabalhistas

Vídeo informativo; Recibo de pagamento/prestação de serviços.

Vídeo informativo elaborado por Isabelle, graduanda de Economia (UNISINOS) e voluntária do Integrar, sobre trabalho formal, informal e exploratório;

Recibo de pagamento

Simulação de venda com preenchimento de recibos de pagamento.

Unidade 10 | Mundo do Trabalho: Direitos e Vivências

Apresentação oral Apresentação oral realizada pelas visitantes convidadas Amanda e Rafaela, graduandas de Relações Internacionais (UNISINOS) para uma conversa informativa sobre direitos do migrante e refugiado e documentação no Brasil

Interação oral com convidadas;

Perguntas para abordar dúvidas

Unidade 11 | Avaliando aprendizagens

Narrativa

Produção textual individual na qual os alunos deveriam relatar suas percepções sobre as aulas de PLAc e aprendizagens possibilitadas para ser compartilhado com professoras e colegas.

ACOLHIDA A MIGRANTES EM SÃO LEOPOLDO/RS ATRAVÉS DE AULAS DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL MOSTRA DE EXTENSÃO | 63 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Como os quadros apresentados nesta seção buscam apresentar ao leitor deste artigo um panorama geral dos cursos, não se encontram detalhados nele conhecimentos e conteúdos específicos abordados em cada aula. Porém, mencionamos que, em cada unidade, também trabalhamos aspectos linguístico-discursivos necessários para compreender e produzir textos relacionados ao contexto de discussão. Assim, em cada unidade, os alunos também eram convidados a trabalhar com vocabulário e expressões ligados à temática norteadora, assim como uso de verbos, preposições, artigos etc.

A última aula das duas turmas da etapa 2 foi realizada de forma conjunta, no dia 17 de dezembro de 2021, e contou com um momento inicial de compartilhamento de perspectivas sobre as aulas de PLAc e suas vivências com a língua portuguesa, seguidas da entrega de certificados de participação dos cursos de extensão de PLAc e da confraternização de encerramento dos cursos e das atividades de ensino do projeto no ano de 2021.

Considerações finais

A realização destes cursos só foi possível graças a uma grande rede de apoio que, nesse caso, envolveu a UNISINOS, representada pelo Programa TARIN, pelo NEABI e pelo curso de Letras; a Prefeitura de São Leopoldo e o Senac-RS. Acreditamos que essas ações são responsáveis também por uma rede de aprendizagens ampla para todos os envolvidos. Enquanto comunidade social, todos saem fortalecidos ao terem contato com outras línguas adicionais e formas de ser a agir, desenvolvendo competências interculturais.

O contato pessoal com outras culturas leva o ser humano a experiências únicas, experiências que apenas

esse contato com os alunos e alunas migrantes têm nos trazido. Dar aula para migrantes nos torna, além de professoras melhores, pessoas mais humanas, mais acolhedoras e mais cientes do quanto temos a aprender como cidadãs de um mundo tão plural, permeado por tantas culturas diversas.

Além, disso, ressaltamos também que esse projeto de ensino de PLAc oportunizou um alinhamento entre o conhecimento teórico inovador desenvolvido nos cursos de graduação (no caso deste projeto, o curso de Letras e, em alguns momentos, outros cursos que também foram representados pelas voluntárias do Projeto Integrar que colaboraram com a elaboração de materiais para as aulas) e a prática, a partir das interações em sala de aula e da elaboração das práticas pedagógicas desenvolvidas. Com os alunos, todo o conhecimento teórico adquire muito mais significado.

REFERÊNCIAS

GROSSO, M. J. D. R. Língua de acolhimento, língua de integração. Revista Horizontes de Linguística Aplicada, 9(2), 61. 2010. Disponível em: https://doi.org/10.26512/ rhla.v9i2.886. Acesso em: 20 jan. 2022.

ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012, p. 11-31.

ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. Letramentos, mídias, linguagens. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2019.

ARIADYNE DOMINGUES DE OLIVEIRA
MOSTRA DE EXTENSÃO | 64 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
MOLINA , GIULIA MAYUMI ROCHA IWANO , GRAZIELA HOERBE ANDRIGHETTI , MARINA KIRSCH OHLWEILER

A CIDADE (IN)VISÍVEL: Cartografia Social das Ocupações Urbanas de São Leopoldo

AUTORES(*)

ADRIANE BRILL THUM

MARILENE MAIA

FRANCISCO MANOEL WOHNRATH TOGNOLI

CLEBER SILVA DE AVILA

CELIA SEVERO

KAREN CARCAMO

JULIANE CAMARGO DE ALMEIDA

LARISSA RIZZI SOUZA DE OLIVEIRA

LETÍCIA SILVEIRA RAMOS

NATIELE QUEVEDO DA SILVA

SABRINA BACKES

SILVIA S. SCHMIDT

VANESSA DIETRICH

RESUMO

O projeto da cartografia social das ocupações urbanas de São Leopoldo constituiu-se a partir das demandas das comunidades que participam da Rede Solidária São Leo. Essa rede foi criada em março de 2020 para articular ações de solidariedade e de proteção social junto às comunidades moradoras de ocupações do município, levando em conta o acirramento das vulnerabilidades determinadas pelas crises sanitária, econômica, social e política no cenário de pandemia. O envolvimento deu-se por um coletivo de pessoas e

organizações comprometido com a defesa de mais de 10 mil famílias moradoras em territórios com moradias precárias, sem acesso à água, luz, internet e invisibilizados pelos serviços públicos. Desse coletivo participam o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), juntamente com as lideranças de 17 comunidades de São Leopoldo, as Missionárias do Cristo Ressuscitado (MCR) e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), por meio de professores, estudantes e funcionários que atuam na Rede de forma voluntária. Uma estratégia de articulação da Rede foi a realização de encontros semanais para o diálogo avaliativo das realidades e definição das ações necessárias para a comunidade. A cada tema de aprofundamento apresentava-se a questão: quantos e quem somos? Essas mesmas perguntas são feitas pela gestão municipal, já que os dados são limitados e desencontrados pelas diferentes secretarias. Junto à importância do acesso aos dados, foi lembrada a necessidade de sua atualização, já que há uma grande mobilidade nesses territórios. Diante desses desafios e, ao mesmo tempo, possibilidades, a Rede foi fortalecida por apoiadores para a realização do cadastramento das famílias. A formação do Grupo de Trabalho de Cadastramento permitiu operacionalizar as ações da Cartografia Social e a estruturação de um Sistema de Informação Geográfica (SIG). O projeto reúne professores e acadêmicos

(*) ADRIANE BRILL THUM: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; coordenadora de curso de graduação e pós-graduação; membra do Núcleo de Inovação, Avaliação e Formação – NIAF; articuladora junto ao Portal de Inovação; integra a Rede Solidária São Leo; doutora em Sensoriamento Remoto pela UFRGS; adrianebt@unisinos.br. MARILENE MAIA: professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; articuladora da Rede Solidária São Leo; coordenadora do Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – IHU; assistente social; doutora em Serviço Social; marilene@unisinos.br. FRANCISCO MANOEL WOHNRATH

TOGNOLI: professor e pesquisador do PPGEO – UNISINOS; coordenador do Laboratório VizGEO; doutor em Geologia Regional; desenvolve pesquisas nas áreas de Modelagem Geológica e Quantificação em Geociências; integra a Rede Solidária São Leo; ftognoli@unisinos.br.

CLEBER SILVA DE AVILA: servidor municipal de São Leopoldo há 21 anos; graduado em Sistemas para Internet – Tecnologia da Informação pela Ulbra; chefe do Observatório de Segurança Urbana da Secretaria Municipal de Segurança de São Leopoldo; observatorio@saoleopoldo. rs.gov.br. CÉLIA MARIA TEIXEIRA SEVERO: atua na Secretaria Municipal de Assistência Social (CRAS Nordeste – Prefeitura Municipal de São Leopoldo); especialista em Gestão do Social e Especialista em Cooperativismo – UNISINOS; celiasevero@terra.com.br.

JULIANE CAMARGO DE ALMEIDA: servidora pública na prefeitura de São Leopoldo no Departamento de Assessoria Comunitária; militante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos – MTD; graduanda em Serviço Social na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; Julianecamargogs@yahoo.com. KAREN PERES CARCAMO: acadêmica de Serviço Social na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; militante na Rede Solidária São Leo; karenpcarcamo@gmail.com.

LARISSA RIZZI SOUZA DE OLIVEIRA: enfermeira graduada pela Universidade do Planalto Catarinense; especialista em saúde da família pela Universidade Federal de Santa Catarina; residente em saúde mental pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; larissarizzi13@gmail.com. LETÍCIA SILVEIRA RAMOS: servidora estatutária da Secretaria de Assistência Social (SAS) na Prefeitura Municipal de São Leopoldo; psicóloga e coordenadora; especialista em Psicologia Clínica (IPSI); leticia.ramos@saoleopoldo.rs.gov.br.

NATIELE QUEVEDO DA SILVA: graduanda de Serviço Social pela Universidade do Vale do Rio Dos Sinos – UNISINOS; militante Rede Solidária São Leo; atuante na Ocupação Renascer; nquevedo70@gmail.com. SABRINA BACKES: atua na Secretaria Municipal de Habitação (Prefeitura de São Leopoldo); especialista em Dinâmica dos Grupos (Conclusão em 2016 pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos – SBDG – Porto Alegre/RS), Faculdade Monteiro Lobato (FATO); especialização em Gestão da Responsabilidade Social (2014) e em Gestão do Social (2011) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; as.sabrinabackes@ gmail.com. SILVIA SANTANA SCHMIDT: estudante de Serviço Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; militante da Rede Solidária São Leo; silvia-schmidt@hotmail.com. VANESSA DIETRICH: assistente social na Educação do Munícipio de Pareci Novo; militante na Rede Solidária São Leo; graduada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; nessavd89@gmail.com.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 65 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 9

de cursos de graduação e pós-graduação, assim como técnicos e gestores das secretarias municipais de Habitação, Assistência Social, Segurança Pública e, especialmente, as lideranças das comunidades. O projeto é transdisciplinar, intersetorial e participativo, denominado A Cidade (In)Visível: cartografia social das ocupações urbanas de São Leopoldo, e objetiva promover o levantamento de dados e de informações das realidades vividas pelas comunidades e territórios das ocupações urbanas de São Leopoldo. Os dados coletados serão úteis para subsidiar os processos de planejamento, monitoramento e avaliação das ações, projetos, programas e políticas de proteção das famílias, dos territórios e do desenvolvimento local. A experiência piloto foi realizada junto à Ocupação Renascer, com cerca de 50 famílias. Atualmente, o Grupo de Cadastro atua junto à Ocupação Steigleder, uma das maiores de São Leopoldo, com cerca de 200 famílias.

PALAVRAS CHAVE:

Cartografia social. Ocupações urbanas. Rede de solidariedade.

Introdução

Afalta de moradia é uma realidade que vem se agravando nos últimos anos em diferentes países, principalmente no Brasil, e se tornou um problema ainda maior após o início da pandemia. As demandas por políticas públicas e direitos básicos como acesso à habitação, alimentação, vestuário, água e luz têm se intensificado em decorrência da Covid-19, como consequência dos impactos na cadeia produtiva mundial, com aumento do desemprego, diminuição da renda e aumento da inflação.

A elevação dos custos em geral e a falta de oportunidade de trabalho, associadas aos problemas sociais, ambientais, urbanísticos e de saúde pública, fazem surgir as cidades com as disparidades e as comunidades invisíveis para o acesso a itens essenciais de sobrevivência (BORGES,2013; COSTA, 2013; DIAS, 2017; FREITAS, 2020; LASTORIA, 2021). O reconhecimento dos espaços e do povo necessitado através da cartografia com o mapeamento de dados reais é inevitável na busca de solução para as barreiras enfrentadas com relação a pobreza (ACSELRAD, H. et al., 2013; ARAUJO JUNIOR, 2020).

Tendo em vista o atual cenário com tantas demandas, surge a necessidade de um trabalho coletivo e participativo do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) juntamente com as lideranças de 17 comunidades de São Leopoldo, as Missionárias do Cristo Ressuscitado (MCR) e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), por meio de professores, estudantes e funcionários, que se dedicam à Rede. Além da parceria da UNISINOS com as secretarias municipais do Meio Ambiente, da Educação, do Desenvolvimento Social, da Habitação e da Saúde do município de São Leopoldo (RS), o grupo realiza reuniões semanais nas segundas-feiras das 18h às 19h30min para estabelecer as estratégias e ações.

O objetivo deste trabalho é realizar o levantamento

de dados e de informações das realidades vividas pelas comunidades e territórios das ocupações urbanas de São Leopoldo.

Materiais e métodos

Reuniões semanais, durante o ano de 2020, foram realizadas com as lideranças comunitárias e os envolvidos para entender as demandas e definir prioridades. Ficou decidido qual a comunidade que seria a pioneira para receber as visitas e a aplicação do questionário. Realizada a definição da ordem das comunidades que vão receber o questionário, o grupo continuou se reunindo, semanalmente, para estabelecer as estratégias e as ações. De forma colaborativa, elaborou-se um questionário, com questões que foram previamente discutidas no grupo e definidas com base em diferentes fontes de pesquisa, como por exemplo o IBGE (2010). A aplicação do questionário iniciou em 2021, com a ajuda do app AppSheet. A ação teve o foco nos líderes e, na sequência, in loco, foi aplicado a todos os moradores. A visita a cada residência possibilita a observação, o diálogo com cada família, além de registros fotográficos e a obtenção das informações que serão analisadas.

Resultados e discussão

Como resultados da realização dos encontros sistemáticos para o diálogo e aprofundamentos de temas, surgiam muitas questões com destaque para as perguntas: Quantos e quem somos? Quais as necessidades das famílias que vivem em áreas ocupadas? As respostas para a questão, a gestão municipal não tem, pois os dados são limitados e desencontrados pelas diferentes secretarias.

As visitas in loco e as respostas ao questionário permitem conhecer a comunidade e a estrutura familiar. Essas informações servem para buscar e lutar pelos direitos humanos a partir do perfil social, educacional e econômico dos moradores. Esses dados serão utilizados como subsídio das políticas públicas e no processo de regularização fundiária, visto que os dados oficiais estão desatualizados e, na maioria das vezes, não condizem com a realidade encontrada no local.

A área aproximada da “Renascer” é de mil metros quadrados, onde residem 141 moradores, em 42 famílias com 60 crianças com menos de 12 anos de idade. As famílias vieram de São Leopoldo ou da região metropolitana. Seus dirigentes têm, em média, 36 anos de idade, sendo 44% beneficiários de Programas de Assistência Social. Apenas 17% dos responsáveis pelos lares possuem carteira assinada, 49% estão desempregados e 34% com trabalho informal. A reciclagem corresponde a 22% do trabalho informal. A renda de 15% é de até meio salário mínimo, 49% até um, 26% até dois e 10% recebem mais de dois salários mínimos Dos 88% que usam posto de saúde ou UPA, 27% apresentam doenças crônicas como hipertensão, epi-

ADRIANE BRILL THUM & ET AL MOSTRA DE EXTENSÃO | 66 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

lepsia, trombose, depressão e problemas respiratórios. A presença de animais perigosos como ratos, aranhas e carrapatos é relatada por 54% das pessoas que ali morram. Grande parte da comunidade não tem acesso à rede de esgoto. Na figura 1, é possível verificar a situação que a maioria das moradias se encontram, com o esgoto se acumulando em frente às suas casas.

Quando questionados do que poderia melhorar na comunidade, obtivemos respostas como: “gostaria de ter um pátio seco, sem esgoto escorrendo em frente à casa”; “ter posto de saúde para não precisar pernoitar para ter atendimento à saúde”; “ter um espaço apropriado para as crianças como creche e pracinha”.

Em decorrência dos relatos e dos momentos em que permanecemos nas ocupações irregulares, é perceptível a demanda por uma política inclusiva. Estamos, ainda, analisando as informações coletadas, porém, as verificações e os dados obtidos já estão servindo de subsídio para projetos, programas e políticas de proteção das famílias, dos territórios e do desenvolvimento local. Algumas ações já estão sendo implementadas, como espaço de lazer para as crianças da comunidade “Renascer” e “Steigleder”, o acesso a atendimentos de saúde, projeto de banheiro e esgoto e luta pelos direitos junto a órgãos públicos.

Considerações finais

Os resultados permitem as seguintes considerações finais: Mais de um terço das pessoas que residem na

área analisada são crianças com menos de 12 anos; a remuneração de 64 % dos responsáveis pelas famílias é de até um salário-mínimo; são necessárias ações imediatas para resolver as demandas de saúde, educação e saneamento; e conhecer a realidade das comunidades auxilia na lutar por políticas públicas de proteção de forma mais assertiva.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, H. (org.); VIÉGAS, R.N. et al. Cartografia social, terra e território. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2013. 318 p. (Coleção território, ambiente e conflitos sociais; n. 3).

ARAUJO JUNIOR, E. M. Cartografia Social nas Narrativas dos Territórios: O caso das populações Ribeirinhas na Amazônia Legal. International Journal of Professional Business Review, vol. 5, n.2. p. 153-162. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.26668/businessreview/2020. v5i1.173 Acesso em: 19 set. 2021.

BORGES, J. M. Políticas habitacionais, condições de moradia, identidade e subjetividade no Programa Minha casa, Minha vida em águas Lindas de Goiás. 133f. 2013. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Geografia. Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGGEA. Universidade de Brasília, Brasília, 2013.

A CIDADE (IN)VISÍVEL: CARTOGRAFIA SOCIAL DAS OCUPAÇÕES URBANAS DE SÃO LEOPOLDO MOSTRA DE EXTENSÃO | 67 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
FIGURA 1 Esgoto e lixo misturados e expostos a céu aberto

COSTA, A. B. (org.). Tecnologia social e políticas públicas. São Paulo: Instituto Pólis; Brasília: Fundação Banco do Brasil. São Paulo, 2013. Disponível em : http://www.bibliotecadigital.abong.org.br/bitstream/ handle/11465/385/POLIS_tecnologia_social_politicas_publicas.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em: 18 jul. 2021.

DIAS, R.M. Diagnóstico da Saúde Ambiental no Assentamento do Glória em Uberlândia: um Retrato das Ocupações Irregulares. 2017. Trabalho de conclusão do curso de Gestão em Saúde Ambiental (TCC). Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2017.

FREITAS, Gilberto Passos de. Papel da Universidade na regularização fundiária urbana. In: CONSULTOR JURÍDICO. [S. I.], 21 ago. 2017. Disponível em: https:// www.conjur.com.br/2017-ago-21/gilberto-freitas-papel-universidade-regularizacao-fundiaria. Acesso em: 16 set. 2021.

FREITAS, G. P. de. Direito à moradia, ocupações irregulares, regularização fundiária e segurança pública. Revista do Advogado , São Paulo, n.145, p. 89-100. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/ arquivos/2020/5/F9CB02726DACC8_moradia.pdf. Acesso em: 20 set. 2021.

LASTORIA, Edmar Ricardo. Desigualdade: Pessoas sem casa, casas sem pessoas. In: CISION PR NEWS WIRE. Florianópolis, 5 fev. 2021 Disponível em: https:// prnewswire.com.br/releases/desigualdade-pessoas-sem-casa-casas-sem-pessoas-por-edmar-lastoria/. Acesso em: 12 nov. 2021.

ADRIANE BRILL THUM & ET AL MOSTRA DE EXTENSÃO | 68 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

SONHOS E SABORES: saúde em rede na pandemia

AUTORES(*)

MARILENE MAIA

FERNANDA MACIEL FERREIRA KAREN PERES CARCAMO VANESSA DIETRICH

Apartir dos cenários postos pela pandemia do coronavírus no ano de 2020, percebe-se que as realidades de vulnerabilidades e desigualdades sociais vivenciadas nos territórios brasileiros se ampliam. Constata-se, a partir de dados do site Olhe para a fome e a pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), que, em meio à pandemia, o Brasil alcançou 19 milhões de pessoas com fome em dezembro de 2020. Além disso, 116,8 milhões de pessoas não têm acesso pleno e permanente à alimentação.

Ainda, há milhões de pessoas e famílias em situações de desemprego ou empregos informais, com nenhum direito trabalhista, vivenciando vulnerabilidades advindas da falta de acesso à renda, tais como condições precárias de moradia, de alimentação, falta de acesso a atendimentos e medicamentos (saúde), exclusão digital entre outras. Dados publicizados pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) em 09 de julho de 2020 referem que, no primeiro trimestre de 2020, a taxa de desemprego no Brasil era de 12,2%, que equivale a aproximadamente 13 milhões de brasileiros, e, ainda, a taxa de empregos informais alcançou 37 milhões de brasileiros (41,4%) (LANZARA, 2020).

Ao mesmo tempo, as estratégias de resistência e enfrentamento se multiplicam pelos grupos em situação de vulnerabilidade. Exemplos disso estão nas ocupações urbanas de São Leopoldo (SL). Nesse tempo e cenários, constituiu-se a Rede Solidária São Léo com a participação das comunidades, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Movimento Nacional da Luta pela Moradia (MNLM), Missionárias do Cristo Ressuscitado, pessoas e organizações comprometidas com a proteção social e solidariedade e com a afirmação de uma outra lógica de desenvolvimento. A Rede

articula experiências de solidariedade e de proteção social, em vista da construção da democracia e da vida com dignidade para todos/as. Reúne, para isso, diferentes coletivos em debates e experiências intersetoriais e transdisciplinares, com o protagonismo das comunidades e lideranças. Esses movimentos exigem a formação de uma outra cultura e organização política, que é individual e, também, coletiva.

Para tanto, inúmeras ações foram e estão sendo realizadas: hortas urbanas com o plantio de hortaliças e temperos para levar variedades de alimentos até a casa das famílias; grupos de crianças e adolescentes, estimulando os processos de aprendizagem de cada geração; ações solidárias com o fornecimento de cestas básicas com diversidades de alimentos; parcerias junto aos movimentos sociais do campo, economia solidária, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da região metropolitana de Porto Alegre. Destaca-se o grupo de mulheres, que tem como objetivo promover o convívio, a renda e a autonomia. É nesse grupo que este trabalho se dedica no aprofundamento.

O grupo de mulheres, nomeado Sonhos e Sabores, foi criado no contexto na ocupação Steigleder/SL, com o incentivo e o acompanhamento da Rede por meio de recursos financeiros, materiais e humanos.

Esse grupo iniciou sua organização desde a primeira conversa em maio de 2020, quando as mulheres passaram a se reunir e apresentar um sonho comum da formação de um grupo para fazerem algo juntas. Essa ideia seguiu sendo discutida e, a partir da inspiração da Cooperativa de Mulheres Vida Saudável de Canoas, em agosto do mesmo ano, assumiram o compromisso de conviver e produzir pães para o consumo. Em setembro, foi ampliado com a comercialização para a geração de renda. Desde lá, o grupo – que, inicialmente, era de 11 mulheres e, atualmente, conta com 9 participantes –segue com uma produção semanal média de 100 pães.

Os encontros são realizados duas vezes na semana com os objetivos de conviver, produzir e comercializar os pães/lanches e gerar renda para o grupo e cada uma das mulheres. Sonhos e Sabores, com o apoio de parcerias, iniciou a comercializar lanches para um grupo

(*) MARILENE MAIA: professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; articuladora da Rede Solidária São Léo; coordenadora do Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – IHU; assistente social doutora em Serviço Social.

FERNANDA MACIEL FERREIRA: residente multiprofissional em Saúde Mental da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; assistente social especialista em Saúde Comunitária. KAREN PERES CARCAMO: acadêmica de Serviço Social – UNISINOS; militante na Rede Solidária São Léo. VANESSA DIETRICH: assistente social na Educação do Município de Pareci Novo; militante na Rede Solidária São Léo

MOSTRA DE EXTENSÃO | 69 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 10

de estudantes migrantes em agosto deste ano, e desde outubro participa da Feira do Alimento Saudável em São Leopoldo que acontece semanalmente aos sábados pela manhã. Também fazem parte do caminhar desse grupo as filhas e filhos das mulheres, assim, a partir do convívio, surgem outros projetos simultaneamente voltados para crianças e adolescentes, que entrelaçam com as vivências cotidianas na comunidade.

A partir dessa perspectiva, o grupo Sonhos e Sabores envolve as suas famílias em sua totalidade, que são múltiplas em diversas contextualizações. Segundo a Política Nacional de Assistência Social PNAS (BRASIL, 2004, p.41), é necessário considerar que as configurações familiares “[...] estão intrínseca e dialeticamente condicionadas às transformações societárias contemporâneas, ou seja, às transformações econômicas e sociais, de hábitos e costumes e ao avanço da ciência e da tecnologia.” É necessário compreender e valorizar as heterogeneidades e particularidades de cada grupo familiar, dentre a diversidade de culturas e modos de viver.

A partir do processo grupal, as mulheres se organizam de forma que consigam atender as demandas que estão surgindo e continuar com as atividades que já exerciam na família e comunidade. Como, por exemplo, levar seus filhos para o galpão da ocupação Steigleder, que foi construído no início da pandemia como um espaço de convivência e fortalecimento de vínculos. No início, elas se estabeleciam, semanalmente, do seguinte modo: uma ou duas ficavam cuidando e atendendo as crianças, enquanto as demais participavam da feitura dos pães, e, assim, iam revezando. Aos poucos, os estudantes, residentes, estagiários e militantes da Rede Solidária São Léo participavam desse cuidado para que todas pudessem desfrutar daquele momento de aprendizados.

A partir de maio de 2021, a Rede Solidária, juntamente com as Missionárias do Cristo Ressuscitado, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SMED), disponibilizaram, para essas crianças no galpão, atividades com professoras da Escola de Artes Pequeno Príncipe de SL, na modalidade online, oficinas de músicas e artes, e, presencialmente, estavam os estudantes e residentes da Rede para proporcionar o espaço da acolhida presencial e a mediação das atividades remotas. Mesmo após o retorno das aulas presenciais e na modalidade híbrida, tem o acompanhamento das crianças no galpão. Atualmente, a parceria se dá com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Chico Xavier, na modalidade presencial, por meio do convívio e atividades presenciais com professoras.

Com as novas demandas sendo apresentadas/ ofertadas a essas mulheres, algumas disputas internas começaram a surgir. Elas tiveram uma importante evolução nesse processo. Algumas delas participam das oficinas de Língua Portuguesa, disponibilizada pela Rede Solidária em parceria com alunos do curso de Pedagogia da UNISINOS.

O processo de crescimento individual e grupal fez com que elas começassem a refletir, criticar, empoderar-se sobre o andamento do grupo bem como das

atividades desenvolvidas atualmente. Assim, Souza (2011) aponta que um grupo será constituído quando houver algum dos seguintes traços: interação continuada dos membros; vivência de acordo com as normas do grupo; consideração pelas pessoas de fora de que os seus integrantes formam um grupo; existência de uma fronteira social entre membros e não membros; um sentido de identificação do membro para com o grupo; laços motivacionais entre os membros, bem como objetivos comuns; gratificações pessoais; identidade de valores; dentre outros. Porém, essas características dependem da ocorrência de diversos fatores subjetivos, além de materiais, para se constituírem.

Como parte do processo grupal, isso está sendo trabalhado pelas profissionais que as acompanham, mostrando os benefícios e crescimento diante dos conflitos e desafios que, quando bem administrados, podem trazer novas potencialidades e aprendizados para o coletivo.

Conflito é uma realidade muito latente no grupo Sonhos e Sabores. As relações construídas entre os diferentes grupos sociais e desses com o poder estatal e com a sociedade vislumbram processos de negociação e afirmação de projetos de enfrentamento aos determinantes das desigualdades e das vulnerabilidades. Com isso, a partir das vivências e experiências na ocupação Steigleder, percebe-se que todas as relações na equipe, na Rede, com os moradores e entre outros agentes, são construídas através da comunicação, e da informação. Ambas fundamentais para potencializar a cidadania e as acolhidas no cotidiano, desmistificar e enfrentar as conexões necessárias para o enfrentamento das vulnerabilidades sociais e a afirmação das garantias de proteção com participação efetiva da população. As ações do Sonho e Sabores perpassam a organização e a formação. Para tanto, foram e são necessários planejamento estratégico, traçado no curto, médio e longo prazos, estruturando a divisão de tarefas entre as mulheres participantes conforme suas potencialidades e buscando garantir ações conectadas. Contudo, os desafios são constantes quando se trata de um grupo de diferentes histórias de vida. Vidas essas que, em muitos momentos, tiveram incontáveis direitos sociais violados. Direitos desde a infância, quando essas mulheres não foram acolhidas e nem ouvidas pelas suas famílias, tampouco pela sociedade e Estado. Essas histórias de vida transparecem nas atuais relações, nas suas comunicações com seus filhos, familiares e grupos.

As mulheres do Sonhos e Sabores também fazem parte ativamente do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, sendo representantes e líderes comunitárias. Mulheres potentes na articulação com os outros moradores da Ocupação Steigleder. Estando à frente na organização de almoços para a comunidade e atividades para todas as crianças como a preparação de lanches. Elas representam a luta coletiva para alcançar o avanço de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.

Compreende-se que o diferencial se encontra na transdisciplinaridade de conhecimentos e experiências, que incluem debates em roda – conversas horizontais com os líderes e moradores, movimentos sociais, di-

MARILENE MAIA , FERNANDA MACIEL FERREIRA , KAREN PERES CARCAMO , VANESSA DIETRICH MOSTRA DE EXTENSÃO | 70 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

ferentes representações do Estado (município), professores e estudantes. Os atores estão compactuados com a construção de debates políticos e pertinentes aos territórios. São coletivos constituídos por diversos agentes. Eles divergem em alguns momentos, devido a diversidade de compreensão da conjuntura, diferentes costumes, culturas e opiniões, jogo de forças e entre outros, sendo fundamental o debate constante e metodologias para melhor encaminhar as demandas.

Avalia-se a necessidade das Políticas de Assistência Social, Educação, Saúde e de outras que possam consolidar formas de intervenção em articulação com a comunidade em seus diferentes territórios, para que, a partir das suas realidades, possam contribuir com o fortalecimento das famílias junto aos serviços.

A partir das análises e vivências, compreendemos o funcionamento da vida dos sujeitos no território. É imprescindível pensar no coletivo que abrange o cuidado, as relações sociais e a luta pela garantia de direitos.

É necessária avaliação constante das diferentes formas de construção de alianças que caminham em vista da soberania popular, tanto em relação ao acesso aos direitos e garantias de vida digna, como em relação à sua participação em processos decisórios da vida societária.

Aproximações e pequenas revoluções junto às comunidades podem ser uma trilha para esse processo, que exige problematização de diferentes atores e lugares. Ser propositivo, a partir de projetos coletivos de comunidades e grupos identitários, potencializando o poder dos grupos populares nas negociações políticas, econômicas, sociais, é um horizonte para o trabalho dos/as assistentes sociais.

A equipe multiprofissional da Rede segue acompanhando, convivendo e valorizando o espaço de en-

sinagens de saúde em rede: pães, alimentos, corpos, relações protagonizadas pelas mulheres, estudantes, profissionais e residentes em Saúde Mental.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2004. Disponível em: https://www.mds.gov.br/ webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/ PNAS2004.pdf. Acesso em: 21 out. 2021.

LANZARA, Arnaldo Provasi. Mudanças tecnológicas, exclusão digital e os desafios da proteção social. In: IHU. São Leopoldo, 9 jul. 2020. Disponível em: http://www. ihu.unisinos.br/600780-mudancas-tecnologicas-exclusao=-digital-e-os-desafios-da-protecao-social?fbclidIwAR0Ee1LXEu28vQrU3gu_e_EA-OB7cCqbGHgsRvvYAp9zUTqndVUrZNJCvNQ. Acesso em: 18 ago. 2020.

REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA

E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (Rede PENSSAN). Olhe para a fome: o desafio é de todas e todos nós. Disponível em: <http://olheparaafome.com. br/#action>. Acesso em: 26 abr. 2021.

SOUZA, F. C. Procesos grupales e identidades colectivas. São Carlos: UFSCar, 2011. Aula ministrada aos alunos da disciplina Economia Solidária, Ciência e Tecnologia oferecida ao curso de Pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP.

SONHOS E SABORES:
EM REDE NA PANDEMIA MOSTRA DE EXTENSÃO | 71 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
SAÚDE

A Extensão na ação do Escritório

Modelo de Arquitetura e Urbanismo da Unisinos, campus

São Leopoldo,

EMAU UNIRVERSOS

AUTORES(*)

DÉBORA BECKER

PATRÍCIA DE FREITAS NERBAS RODRIGO ALLGAYER

RESUMO

Os projetos do EMAU UNIVERSOS nasce a partir da formação e construção colaborativa do grupo de trabalho e das comunidades vulneráveis de São Leopoldo, RS. Diante de novos cenários eclodidos pela pandemia do coronavírus, o grupo direcionou sua atenção às demandas emergenciais das ocupações informais de São Leopoldo, conforme ações conjuntas realizadas com a Rede Solidária/SL, IHU (Instituto Humanitas da UNISINOS) e Rede Urbanismo Contra o Corona (IAB/RS).

A atuação foi desdobrada em ações de apoio à busca por soluções emergenciais para os espaços físicos das ocupações e à elaboração de uma cartilha que sistematiza as técnicas, processos e resultados desenvolvidos pelo escritório modelo. A metodologia de atuação do grupo é focada em processos de projeto colaborativos, com abordagem na regeneração de culturas, incorporando estratégias de sustentabilidade, em ali-

nhamento aos objetivos da Agenda 2030 proposta pela ONU. O desenvolvimento dos diferentes projetos de atuação demanda por observações técnicas e éticas pautadas nos significados socioculturais e no contexto ambiental e econômico no qual cada projeto se insere. A metodologia de atuação do grupo é focada em processos de projeto colaborativos, com abordagem na regeneração de culturas, incorporando estratégias de sustentabilidade, em alinhamento aos objetivos da Agenda 2030 proposta pela ONU. O desenvolvimento dos diferentes projetos de atuação demanda por observações técnicas e éticas pautadas nos significados socioculturais e no contexto ambiental e econômico no qual cada projeto se insere. Para tanto, faz-se uso de um processo de diálogo entre todos os envolvidos nas dinâmicas, que usualmente incluem alunos e professores da graduação em arquitetura e urbanismo, atores e agentes sociais das comunidades envolvidas, assim como operadores dos setores públicos afinados com as demandas que procuramos atender. Alguns resultados já demonstram que o grupo de beneficiários das ações acaba se multiplicando, a partir de uma dinâmica natural de processos que iniciam ações de transformação nos territórios. As atividades realizadas em

(*) DÉBORA BECKER: doutoranda (início 2019) e mestre em Planejamento Urbano e Regional (2005) pelo PROPUR/UFRGS; e graduada em Arquitetura e Urbanismo também pela UFRGS (1999); Professora da Escola Politécnica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –UNISINOS há 13 anos; atua na graduação como professora e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo, Campus Porto Alegre, na extensão universitária como supervisora dos Escritórios Modelos de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS, Campus Porto Alegre (EMAU ANIMUS) e Campus São Leopoldo (EMAU UNIRVERSOS), e na pós-graduação como professora nos cursos de Especialização em Arquitetura Comercial e em Cidades: Gestão Estratégica do Território Urbano; possui experiência na área de arquitetura, com ênfase em projetos de edificações públicas, pois atua como arquiteta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – TRT-4, e na área de planejamento urbanos, com elaboração de planos setoriais e avaliações de impacto urbano e pós-ocupação, desenvolvidos quando da atuação na Pixel Planejamento Espacial; debecker@unisinos.br. PATRÍCIA DE FREITAS NERBAS: doutora pelo PROPAR (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – UFRGS/2021); mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, em Sustentabilidade, no NORIE/ UFRGS (2006); especialista em Geoprocessamento, UNISINOS (2004); graduada em Arquitetura e Urbanismo- UNISINOS (2000); Professora do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo e da Especialização Cidades: Gestão Estratégica do Território Urbano na UNISINOS/ RS; orientadora do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS, Campus São Leopoldo, EMAU UNIRVERSOS; participou de concursos de projeto de arquitetura nacional e internacional; temas de interesse de pesquisa aplicada: ensino de projeto de arquitetura e urbanismo, projeto de arquitetura e urbanismo e a sustentabilidade, desenvolvimento e design regenerativo; coordenadora de projetos e consultora na SOLSS – Arquitetura e Urbanismo + sustentável e saudável; pnerbas@unisinos.br. RODRIGO ALLGAYER: arquiteto e urbanista; graduado pela UFRGS em 1998; possui Pós-Graduação em Design e Tecnologia pela mesma Instituição em 2010; sua dissertação de mestrado concentrou-se na área da Arquitetura, Engenharia e Design, explorando os padrões naturais como componentes estruturadores da superfície arquitetônica; atualmente, é doutorando do PROPAR-UFRGS, e Professor nas áreas de Projeto de Arquitetura, Design, Geometria e Representação Gráfica Digital, nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS e ULBRA; atua ainda como orientador do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS, Campus São Leopoldo, EMAU UNIRVERSOS; acumula experiência docente desde 2007, quando iniciou como professor convidado na FAU – UFRGS, e entre 2010 e 2017 ministrou várias disciplinas na UNIVATES, IPA, UNISC e UNIRITTER; atua profissionalmente em seu próprio estúdio - N2A, desenvolvendo projetos residenciais, comerciais, institucionais, interiores e design de mobiliário; possui premiações em concursos públicos de arquitetura, com destaque para o Anexo II da UFCSPA, inaugurado em 2011, e a Biblioteca da FFFCMPA [2003]; foi ainda sócio fundador da Espaço Sideral, onde atuou no período de 1998 a 2002, e da Concepção Arquitetura (2003 a 2010), desenvolvendo projetos e concursos de arquitetura; rodrigoallgayer@unisinos.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 72 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 11

conjunto com a Rede Urbanismo Contra o Corona resultaram em um workshop sobre geoprocessamento, que mapeou o avanço das contaminações do coronavírus e sua respectiva distribuição no território de municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre. A produção do mapeamento promoveu análises dos dados da pandemia e das infraestruturas urbanas. Esses mapeamentos são bases para o desdobramento de outras pesquisas e iniciativas de organizações. A partir das ações da Rede Solidária/SL, os esforços foram direcionados à identificação de tecnologias sociais para a construção de hortas comunitárias e de centros comunitários para geração de renda. Esse trabalho está sendo sistematizado em uma cartilha, cuja finalidade será servir como fonte de consulta e referencial para escritórios modelo de arquitetura e urbanismo do país, assim como para uso direto por outros profissionais e pessoas envolvidas com as comunidades em situação de vulnerabilidade social.

PALAVRAS CHAVE:

Escritório Modelo de Arquitetura; Projetos Colaborativos e Regenerativos; Comunidades em Situação de Vulnerabilidade Social

UNIRVERSOS – Práticas para além da sala de aula

OEscritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS, Campus São Leopoldo –EMAU UNIRVERSOS, está institucionalizado como um Programa de Extensão Universitária – PRAEX desde o segundo semestre de 2018, mas nasceu de modo independente ainda em 2016. Configura-se como um espaço experimental dos estudantes, que opera no formato de estúdio de desenvolvimento de estudos e diretrizes arquitetônicas, paisagísticas e urbanísticas, além de consultorias à população local em estado de vulnerabilidade social que não possui condições de acesso a esse tipo de serviço. Visa à complementação da formação profissional do estudante, a partir da participação no desenvolvimento de projetos de cunho social, aproximando os futuros arquitetos e urbanistas da problemática de nossas cidades e estimulando ações que têm como foco a universalização da arquitetura e urbanismo para promoção da saúde social, ambiental e econômica.

É uma iniciativa estudantil que, sob a orientação e supervisão de professores do curso, procura contribuir com o desenvolvimento da sociedade através da identificação de problemas e necessidades das comunidades locais e, a partir da interação e diálogo com essas comunidades, compreende a problemática imposta e propõe soluções. Com isso, pretende-se potencializar, além da reflexão-ação, “o pensar o que fazer enquanto se está fazendo” (SCHON, 2001), sobretudo o protagonismo estudantil, com o desenvolvimento da autonomia e autogestão do conhecimento.

“...o que queremos ressaltar é exatamente o lugar preciso do sujeito nesse processo, enfatizando a maneiracomoeleassimilou,durantediferentesprocessos

de socialização, determinados princípios e valores e como isto faz com que ele se posicione diante do mundo,emfunçãodeumaracionalidadequepartede dentro dele, que se inspira no que ele vivenciou e que dáespaço,pois,àsubjetividade”. (SILVA, 2001, p. 203).

A interação entre sociedade e academia possibilita tanto aos alunos quanto aos professores uma experiência de troca, na qual se leva às comunidades o conhecimento da arquitetura e urbanismo e se retorna à academia com uma grande aprendizagem adquirida através dessa aproximação, obtendo-se, assim, a produção de um novo conhecimento. Como apontado por Lago (2019, p. 35), uma das funções da extensão universitária é: “acionar a troca dos saberes acadêmico e popular num processo dialógico e dialético produtor de um novo conhecimento. Não se trata, portanto, de transmissão do conhecimento apenas, como as práticas de assistência técnica, por exemplo, mas de colocá-lo em xeque frente a outras formas de compreensão da realidade e de atuar nela.” Definido pelos estudantes, o nome UNIRVERSOS surgiu do termo “universo compartilhado”, utilizado para definir a criação de uma obra quando feita por mais de um artista. “Compartilhamos nossos versos para que juntos possamos criar, trocar saber e vivências” (expressão sempre utilizada pelo UNIRVERSOS). Dessa forma, faz parte de uma concepção universitária que é produtora de uma interpretação crítica da realidade social das nossas cidades e de sua transformação, visando desenvolver nas comunidades locais, a partir dessas trocas de experiências, autonomia para seu desenvolvimento social e econômico.

“UmadasfunçõesdasatividadesdeExtensãoéchecar aserventiadoconhecimentoacadêmicoparaareproduçãodeformaplenadavidasocial.Umconhecimento que responda às necessidades humanas definidas e redefinidas socialmente e que amplie as alternativas de respostas a essas necessidades, multiplicando os caminhos para a transformação social. E a educação universitáriacumpreumpapelessencialnaconstrução desses caminhos. Caminhos para o desenvolvimento social, entendido como processo democrático e permanente de elevação do nível de bem-estar comum segundo os interesses da sociedade, e não do capital (LAGO, 2019, p. 37).

O UNIRVERSOS segue as diretrizes para os escritórios modelos, instituídas pelas entidades de classe nacionais da Arquitetura e Urbanismo, principalmente a FENEA (Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo) e o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo). Dessa forma, não se objetiva a produção de projetos finalísticos, mas sim a proposição de vivenciar a arquitetura como um processo participativo, zelando pela realidade social específica.

Particularmente no que tange à FENEA, que organizou o POEMA (Projeto de Orientação à Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo), destaca-se que as práticas extensionistas dos EMAUs (Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo) estão relacionadas a

A EXTENSÃO NA AÇÃO DO ESCRITÓRIO MODELO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNISINOS, CAMPUS SÃO LEOPOLDO, EMAU UNIRVERSOS MOSTRA DE EXTENSÃO | 73 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

quatro postulados da Unesco e da União Internacional de Arquitetos para a educação em Arquitetura e Urbanismo, quais sejam:

a) Garantir qualidade de vida digna para todos os habitantes dos assentamentos humanos;

b) Uso tecnológico que respeite as necessidades sociais, culturais e estéticas dos povos;

c) Equilíbrio ecológico e desenvolvimento sustentável do ambiente construído;

d) Arquitetura valorizada como patrimônio e responsabilidade de todos (FENEA, 2006).

Dessa forma, no escritório modelo, os projetos são desenvolvidos a partir de processos colaborativos, apoiados em diferentes metodologias e técnicas, conforme o problema de projeto e as características específicas de cada comunidade. Usualmente, o processo de projeto e construção colaborativa de soluções é pautado em:

- Pesquisas bibliográficas sobre os temas abordados em cada projeto para as comunidades em situação de vulnerabilidade social, considerando a escala de atuação do arquiteto e urbanista e das ações realizadas (urbanístico, paisagismo, equipamentos comunitários, habitação e mobiliário urbano);

- Pesquisas bibliográficas sobre as metodologias (técnicas, instrumentos...) que fundamentam as práticas de projeto no contexto de comunidades em vulnerabilidade social;

- Observações técnicas e éticas pautadas nos significados socioculturais e no contexto ambiental e econômico no qual cada projeto se insere;

- Sistematização das técnicas, abordagens e resultados encontrados, traçando um paralelo entre todas as ações;

- Estudo, proposição e aplicação de metodologias participativas para o desenvolvimento das ações previstas, que estimulem o trabalho em grupo, a interdisciplinaridade e a horizontalidade, além da autonomia estudantil;

- Formulação de estratégias de sustentabilidade social, econômica e ambiental, conforme os objetivos da Agenda 2030 proposta pela ONU.

Neste artigo, serão descritas as últimas ações vivenciadas pelo UNIRVERSOS, a partir de 2020, as quais estão relacionadas à adaptação metodológica frente à singularidade deste momento histórico, que é o enfrentamento da pandemia COVID-19.

A experiência de projeto na ação da Rede Urbanismo Contra o Corona

A pesquisa na ação do UNIRVERSOS com a Rede Urbanismo Contra o Corona iniciou logo no primeiro semestre de 2020. A rede Urbanismo x Corona Vírus 1 Disponíveis em: https://urbanismocontraocorona.blogspot.com/

é uma rede nacional, constituída desde o início da pandemia, que possui núcleos estaduais atuando em grande parte do território brasileiro, sendo um deles o núcleo do Rio Grande do Sul. Formada por diversos profissionais da área da Arquitetura e Urbanismo, assim como Ciências Sociais entre outros, tanto professores, quanto alunos, o objetivo geral do grupo é atuar de forma crítica e em rede em resposta à pandemia da SARS-Cov2 (coronavírus) no nosso estado, promovendo: em um primeiro momento, a identificação e a visibilização de ações em andamento e das demandas das comunidades; a comunicação e a distribuição de recursos, especialmente para os territórios sem apoio; a articulação de amplos setores da sociedade civil, com foco especial na comunidade dos trabalhadores, pesquisadores e profissionais sobre a cidade; o planejamento de ações de médio e longo prazo para ampliar a capacidade de resposta da sociedade contra o Coronavírus, outras epidemias e sua resiliência em geral; e, em um segundo momento, o mapeamento e espacialização dos dados epidemiológicos.1

A atuação do EMAU desdobrou-se em ações emergenciais na busca por estratégias para o combate da Covid-19 em conjunto com agentes de diferentes instituições, dentre elas o Instituto dos Arquitetos e Urbanistas do RS (IAB/RS), o Conselho dos Arquitetos e Urbanistas do RS (CAU/RS), coletivos como o Interventura, além de universidades do RS (Feevale, UFRGS). As ações emergenciais foram subdividas em grupos de trabalho para a definição de estratégias relacionadas a cada lugar, buscando aumentar o engajamento nas ações de cada região.

Inicialmente, voltando-se aos propósitos da rede nacional no âmbito local, o EMAU UNIRVERSOS integrou-se ao grupo regional do Vale dos Sinos da Rede Urbanismo Contra o Corona, incluindo representantes do CALAU, o coletivo Interventura, estudantes e professores da FEEVALE, bem como outros estudantes da Arquitetura e Urbanismo da própria UNISINOS.

Em um primeiro momento, as ações buscaram contribuir com o objetivo de identificar, visibilizar e ampliar as ações do Vale do Sinos que já estavam em andamento, assim como atender às demandas das comunidades, no que tangia à comunicação e à distribuição de recursos, especialmente para os territórios sem apoio. Todavia, logo após as primeiras reuniões, que ocorriam quinzenalmente, o grupo optou por concentrar o potencial das ações de professores e alunos no mapeamento dos dados epidemiológicos.

Nesse contexto, os alunos e professores do EMAU UNIRVERSOS ficaram responsáveis pela sistematização de dados sobre o avanço de casos da região do Vale dos Sinos. Para isso, foi realizado um workshop online de mapeamento temático voltado à produção e discussão de um olhar urbanístico para a pandemia, além da capacitação dos estudantes, integrantes da rede, no uso do software de sistema de informação georreferenciada. O workshop temático A Cidade e

DÉBORA BECKER , PATRÍCIA DE FREITAS NERBAS , RODRIGO ALLGAYER MOSTRA DE EXTENSÃO | 74 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

a Pandemia foi promovido pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS, contando com apoio o patrocínio do CAU/RS, através de Edital 02/2020 para fomento às ações de combate à pandemia.

Esses levantamentos já vinham sendo realizados no âmbito da Rede Urbanismo Contra o Corona (núcleo RS), através do trabalho voluntário de profissionais que trabalham com cidades que têm contribuído na construção e divulgação de mapas temáticos para o município de Porto Alegre, integrando dados de casos por bairro divulgados pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre com dados do IBGE. Esse material foi divulgado pela Rede Urbanismo Contra o Corona nas redes sociais, na imprensa e em eventos, como o próprio workshop realizado na UNISINOS, palestras realizadas em outras IES e lives, fomentando o debate na sociedade. O principal objetivo desses mapeamentos foi instigar a percepção das relações entre a distribuição espacial dos casos de COVID-19 e a estrutura das cidades, especialmente no que se refere aos seus aspectos socioeconômicos, localização de equipamentos de saúde e outras infraestruturas, sendo utilizados, para isso, dados disponíveis nos sites da FEE e do IBGE, além das Prefeituras Municipais locais.

O workshop foi dirigido para a sistematização de dados de dois municípios da região do Vale do Sinos, São Leopoldo e Sapucaia do Sul, acrescidos dos municípios de Canoas, Novo Hamburgo e Campo Bom, em ambiente SIG2, com uso do software livre QGIS3, análise e produção de mapas, envolvendo as seguintes atividades:

a) levantamento e espacialização de dados da pandemia sobre essas cidades, preferencialmente agregados por bairro ou CEP, de acordo com a disponibilidade nos sites das Prefeituras e os dados obtidos junto a técnicos da Prefeitura;

b) levantamento de outras informações relevantes à compreensão da pandemia, por exemplo, dados socioeconômicos, equipamentos de saúde, infraestrutura, transporte coletivo, localização dos assentamentos precários (ocupações irregulares) e áreas de habitação de interesse social, e/ou outros, obtidos nos sites oficiais das prefeituras dos municípios trabalhados, além da FEE e IBGE;

c) sistematização dos dados levantados sob a forma de bases de dados georreferenciados;

d) análise dos dados e produção de mapeamentos temáticos sobre a(s) cidade(s) estudada(s), cruzando dados da pandemia com as outras informações coletadas e espacializadas;

e) apresentação e divulgação do material produzido, tanto na forma de mapas e figuras, quanto na forma de bases de dados disponibilizados em formato aberto.

Ao final do workshop , cada equipe apresentou um conjunto de pranchas-síntese, contendo mapas (figura1), gráficos e comentários sobre a distribuição dos casos de COVID-19 nos municípios pesquisados. Além disso, foram feitos cruzamentos e análises com dados socioeconômicos, de equipamentos de saúde, infraestrutura urbana, distribuição dos assentamentos precários etc. A sistematização desses dados foi apresentado publicamente no evento online.

A base de dados utilizada para a elaboração das análises também foi disponibilizada à Rede Urbanismo Contra o Corona e está disponível ao público. Os dados sobre a pandemia têm sido divulgados de forma precária pelo poder público, de modo que ações como a realizada contribuem para complementar e aprofundar o conhecimento sobre a pandemia.

O workshop possibilitou que estudantes da UNISINOS replicassem a metodologia proposta pelo grupo de trabalho da Rede, espacializando dados locais para fomentar o debate sobre estruturas urbanas versus avanços da pandemia nas cidades de São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Canoas, Novo Hamburgo e Campo Bom. Os estudantes de arquitetura e urbanismo tiveram a oportunidade de analisar um processo emergencial e criar estratégias para a resiliência urbana regional, visando à inserção e à valorização do trabalho do arquiteto e urbanista com as questões sociais das nossas cidades, ampliando e potencializando a atuação da rede.

A experiência de projeto na ação com comunidades vulneráveis de São Leopoldo/RS

As experiências nas comunidades vulneráveis de São Leopoldo, desde o ano de 2018, apontaram para características próprias de cada lugar e grupos familiares, assim como colocaram em pauta demandas comuns para soluções físicas espaciais em diferentes escalas de abrangência do arquiteto e urbanista: habitação, espaços livres públicos e equipamentos comunitários. Esses últimos, voltados ao lazer, tomam por finalidade didática incentivar o aprendizado e geração de renda. Nessa linha, os projetos para as comunidades observam singularidades relacionadas ao lugar, ao programa de necessidades, à materialidade e aos requisitos de sustentabilidade.

Para atender a dinâmica de cada comunidade, nasceu a proposta da Cartilha UNIRVERSOS, a fim de sistematizar o método e as técnicas de abordagem em cada projetos, identificando princípios gerais para as estratégias de sistemas e tecnologias sociais que

2 SIG são Sistemas de Informação Geográfica, baseados no processamento de dados gráficos e não gráficos (alfanuméricos), voltados a análises espaciais e modelagens de superfícies. (Disponível em http://www.dpi.inpe.br/spring/portugues/tutorial/introducao_geo.html).

3 QGIS (abreviatura para Quantum GIS) é um software livre, cujo Código Fonte é aberto, atuando como uma plataforma de visualização, edição e análise de dados provenientes do sistema SIG. (Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/QGIS).

A EXTENSÃO NA AÇÃO DO ESCRITÓRIO MODELO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNISINOS, CAMPUS SÃO LEOPOLDO, EMAU UNIRVERSOS MOSTRA DE EXTENSÃO | 75 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

poderiam ser aplicados.

A fonte de dados resulta da análise espacial e temporal das ações realizadas pelo EMAU UNIRVERSOS, de pesquisas bibliográficas sobre tecnologias sociais e soluções de sustentabilidade, além do subsídio gerado pela análise de estudos de casos em projetos regenerativos (WAHL, 2020), diante a escassez de recursos (SAUER, 2019), realizados na América Latina e África.

A formulação da cartilha tem como principal objetivo sistematizar reflexões das ações já realizadas pelo Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo de São Leopoldo – EMAU UNIRVERSOS, a fim de colocar em perspectiva as atividades realizadas, considerando todas as interfaces e desdobramentos do problema de projeto. Ao estruturar os métodos e as técnicas aplicados em cada projeto, promove um meio de divulgação

dialogada das ações do EMAU UNIRVERSOS até 2021, tanto para comunidade externa à Universidade, quanto para os estudantes.

Como a intenção é criar um meio de diálogo entre técnicos, agentes e atores sociais, as ações e suas facetas serão descritas a partir de dispositivos visuais, diagramas e esquemas explicativos, para facilitar apreensão dos leitores, bem como exercitar o pensamento e as habilidades para a síntese projetual.

A elaboração da cartilha, sobretudo, lançou um olhar introspectivo sobre o trabalho até então realizado com as comunidades, permitindo ao escritório modelo refletir sobre os processos e dinâmicas exercidos no grupo, exercitando um dos propósitos basilares do EMAU que é constantemente colocar seu processo de trabalho em perspectiva crítica. Além disso, o lançamento do

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FIGURA 1 Exemplos mapeamentos realizados para São Leopoldo/RS

documento, que está em revisão final, servirá para divulgar o trabalho do EMAU UNIRVERSOS junto à comunidade acadêmica como um convite aos futuros integrantes a ingressar na atividade de extensão.

Considerações finais

As experiências do escritório modelo de arquitetura e urbanismo durante o período da pandemia demonstram a capacidade de resiliência de alunos e professores perante aos novos cenários. Isso evidencia habilidades e competências essenciais ao futuro arquiteto e urbanista que atua no contexto das cidades e que precisa pensar em soluções que atendam a requisitos globais e regionais, sem perder de vista os aspectos locais e especificidades de cada lugar e comunidade envolvida.

Na experiência com a Rede Urbanismo Contra o Corona, os produtos gerados pelo workshop permitiram o início de um debate mais informado sobre a expansão territorial da COVID-19 dentro dos municípios trabalhados, levando informação à população. Mostrar a localização geográfica da concentração de casos e suas dispersões, cruzando com informações sobre a renda, a idade, o acesso à infraestrutura e as condições de mobilidade da população faz parte da expertise dos urbanistas e é fundamental para o planejamento de curto, médio e longo prazo das cidades daqui para frente.

Questões de saúde têm forte correlação com outros aspectos da cidade e das ações profissionais do arquiteto e urbanista. Nesse sentido, os mapas temáticos produzidos no workshop e divulgados à população informam e empoderam os agentes e atores urbanos, para demandas de atuação dos arquitetos e urbanistas.

Além disso, é importante destacar que os mapas temáticos estão disponíveis na UNISINOS e na Rede Urbanismo Contra o Corona a quem solicitar, em formato aberto, beneficiando a sociedade como um todo, em especial, a comunidade científica, que poderá aprofundar estudos sobre a pandemia a as cidades. Por fim, a realização da atividade, certamente, teve impacto na formação profissional dos participantes, uma vez que os capacitou na elaboração de mapas em ambiente SIG, algo que normalmente está direcionado aos programas de pós-graduação ou formações em cursos específicos.

A produção da Cartilha EMAU UNIRVERSOS está em processo de revisão final e diagramação. A inten-

ção é publicar a Cartilha produzida pelos estudantes no formato de E-book, de modo que esse material se torne fonte de consulta e referencial para escritórios modelo de arquitetura e urbanismo (EMAUs) do país, bem como sirva de base para a formulação de projetos de arquitetura para comunidades em situação de vulnerabilidade social da região sul.

Os resultados obtidos com o trabalho desenvolvido pelo EMAU UNIRVERSOS demonstraram que as dinâmicas inclusivas exercidas pelo grupo atuam como um catalisador de esforços junto às comunidades onde o grupo atua, desencadeando um processo de agregação de novos atores, à medida em que se desenrolam as ações de transformação nos territórios. Tais reflexos cristalizam o propósito da extensão que é atar o braço acadêmico ao amparo comunitário envolvendo sua participação ativa e proativa.

REFERÊNCIAS

LAGO, Luciana Corrêa do. Extensão Universitária como ação educadora para uma outra cidade. In: D’OTTAVIANO, Camila e ROVATI, João (org.). Além dos muros da universidade: planejamento urbano e regional e extensão universitária. 1. ed. São Paulo: FAU-USP e ANPUR, 2019.

SAUER, Cássio Orlandi. Arquitetura x escassez 2019. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Programa de Pós-Graduação de Arquitetura, Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2019. Disponível em: http://hdl.handle. net/10183/202152

SCHÖN, Donald A. Educando o Profissional Reflexivo: um Novo Design para o Ensino e a Aprendizagem. 1. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

SILVA, Waldeck Carneiro da. O Lugar do Sujeito no Processo de Produção do conhecimento em Sociologia da Educação – uma Reflexão Baseada na Teoria de Pierre Bourdieu. In: TRINDADE, Vitor; FAZENDA, Ivani e; LINHARES, Célia (org.). Os Lugares dos Sujeitos na Pesquisa Educacional. Campo Grande: Ed. UFMS, 2001.

WAHL, Daniel Christian.  Design de culturas regenerativas. Rio de Janeiro. Bambual Editora LTDA, 2020.

A EXTENSÃO NA AÇÃO DO ESCRITÓRIO MODELO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNISINOS, CAMPUS SÃO LEOPOLDO, EMAU UNIRVERSOS MOSTRA DE EXTENSÃO | 77 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

ANIMUS EMAU: práticas extensionistas de ação-reflexão

AUTORES(*)

DÉBORA BECKER

MARCELO ARIOLI HECK

PATRICIA ZWETSCH GHENO

RESUMO

O presente artigo traz uma reflexão sobre o programa extensionista ANIMUS EMAU, Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS, Campus Porto Alegre, que objetiva oportunizar acesso à Arquitetura e Urbanismo àqueles que não têm. Inicialmente, o ANIMUS é apresentado no contexto da extensão universitária, no qual o agente central da interação entre academia e comunidade é o estudante, supervisionado e orientado por professores, em consonância com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo e a Federação Nacional das Entidades Estudantis de Arquitetura. Então, são demonstradas algumas ações extensionistas realizadas pelo escritório, seu breve escopo e os resultados. Por fim, o artigo reflete acerca dos desafios impostos pela pandemia da Covid-19 e os impactos nas atividades do projeto extensionista. Esses impactos foram tanto organizacionais, como a transferência das atividades para o ambiente online e reestruturação de cronogramas, quanto conceituais, já que a pandemia oportunizou um tempo/espaço para reflexão da atuação do ANIMUS enquanto escritório, refletindo sobre princípios, valores e objetivos, missão e continuidade.

O ANIMUS

OANIMUS EMAU é um programa de extensão universitária vinculado ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Campus

Porto Alegre da Universidade do Vale

do Rio dos Sinos (UNISINOS). Trata-se de um Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo (EMAU) que busca atuar em comunidades organizadas por meio de ações extensionistas de modo que, em todo o processo, o agente central da interação entre academia e comunidade seja o estudante, supervisionado e orientado por professores, em consonância com as diretrizes propostas pela Federação Nacional das Entidades Estudantis de Arquitetura (FENEA) e pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).

É um espaço experimental, que opera no formato de estúdio de desenvolvimento de consultorias e estudos arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos, objetivando levar arquitetura e urbanismo àqueles que não têm condições de acesso a esses serviços. Instituído como programa de extensão da UNISINOS em 2018, é uma iniciativa estudantil que atua, desde 2017, trabalhando com projetos que envolvem instituições, organizações ou comunidades organizadas, como a Escola Municipal de Educação Infantil Santo Expedito, a Vila Kédi, a Fundação Pão Dos Pobres e o Espaço UNISINOS-Unitec, esses dois últimos como foco principal das ações extensionistas de 2020 e 2021.

Diante desse cenário, este artigo pretende, após uma apresentação inicial do Escritório Modelo, relacionando preceitos teóricos com as atividades desenvolvidas no projeto de extensão, aprofundar-se nas ações desenvolvidas ao longo dos dois últimos anos, enfatizando as mudanças de metodologias impostas pelo cenário de pandemia.

(*) DÉBORA BECKER: Professora da Escola Politécnica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS há 13 anos; atua na graduação como professora e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo, Campus Porto Alegre, na extensão universitária como professora supervisora dos Escritórios Modelos de Arquitetura e Urbanismo, Campus Porto Alegre (ANIMUS EMAU) e Campus São Leopoldo (UNIRVERSOS EMAU), e na pós-graduação como professora nos cursos de Especialização Arquitetura Comercial e Cidades – Gestão Estratégica do Território Urbano; é doutoranda (início 2019) e mestre em Planejamento Urbano e Regional (2005) pelo PROPUR/UFRGS e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFRGS (1999); possui experiência nas áreas de arquitetura, com ênfase em projetos de edificações públicas, pois atua como arquiteta no TRT-4, e na área de planejamento urbanos, com elaboração de planos setoriais e avaliações de impacto urbano e pós-ocupação, desenvolvidos quando da atuação na Pixel Planejamento Espacial; debecker@unisinos.br.

MARCELO ARIOLI HECK: Professor da Escola Politécnica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, atuando na graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo, na extensão universitária como professor orientador do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo do curso de Porto Alegre (ANIMUS EMAU) e na pós-graduação como professor e coordenador do Curso de Especialização Cidades – Gestão Estratégica do Território; mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PROPUR/UFRGS (2015) e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2012); marceloah@unisinos.br. PATRICIA ZWETSCH GHENO: Professora da Escola Politécnica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS há 11 anos; atua na graduação como professora dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Civil, na extensão universitária como professora orientadora do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo, Campus Porto Alegre, ANIMUS EMAU; é doutora (2015) e mestre (2009) em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS e graduada em Arquitetura e Urbanismo também pela UFRGS (2006); pzgheno@unisinos.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 78 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 12

O

EMAU no contexto da extensão universitária

Os Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo (EMAUs) da UNISINOS buscam a complementação da formação do estudante a partir da participação no desenvolvimento de projetos de cunho social por meio da aproximação da problemática de nossas cidades. A proposta é que o estudante tenha uma vivência social e experiência prática que desenvolvam a responsabilidade social e o senso crítico-reflexivo por trabalhar, majoritariamente, com população em estado de risco e vulnerabilidade social. Além disso, as ações propostas buscam contribuir com o desenvolvimento da sociedade por meio da identificação de problemas e necessidades das comunidades locais, propondo soluções que têm como foco a universalização da arquitetura e urbanismo para promoção da saúde social, ambiental e econômica das comunidades.

Dessa forma, o ANIMUS EMAU finda por sublinhar a proposta de profissionais arquitetos e urbanistas como agentes interlocutores, oportunizando conexões em diferentes esferas da sociedade por meio da articulação de distintos agentes da cidade – comunidade, poder público e instituições.

A proposta de Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo foi articulada nacionalmente pelo movimento estudantil, articulado por meio da FENEA (Federação Nacional de Entidades Estudantis de Arquitetura). Em seus documentos, a entidade relaciona esse projeto de extensão com os 4 postulados da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) para a educação em Arquitetura e Urbanismo: a) garantir qualidade de vida digna para todos os habitantes dos assentamentos humanos;

b) uso tecnológico que respeite as necessidades sociais, culturais e estéticas dos povos; c) equilíbrio ecológico e desenvolvimento sustentável do ambiente construído;

e d) arquitetura valorizada como patrimônio e responsabilidade de todos (POEMA, 2007).

As dinâmicas metodológicas adotadas no ANIMUS EMAU estimulam o trabalho em equipe e, ao mesmo tempo, a autonomia, a interdisciplinaridade e a horizontalidade na tomada de decisões, assim como treina o olhar ao próximo (Figura 1). Essas diretrizes também foram estruturadas no sentido de atender aos preceitos apresentados pela FENEA, que orientam que os EMAUS devem se estruturar com: autonomia na gestão estudantil, horizontalidade na tomada de decisões, multidisciplinaridade e independência de qualquer tipo de fins lucrativos, direcionando sua atuação para comunidades organizadas sem acesso ao mercado formal de arquitetura, e sem finalidade assistencialista.

Pretende-se que os estudantes desenvolvam solidariedade, colaboração e responsabilidade social, conforme os princípios jesuítas de formação integral da pessoa humana, além da universalização da Arquitetura e Urbanismo para promoção da saúde social, ambiental e econômica das comunidades, incluindo estratégias de sustentabilidade, conforme objetivos da Agenda 2030 da ONU, expressas por meio de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável. Desses, as ações realizadas pelo ANIMUS colaboram com a Erradicação da Pobreza, Educação de Qualidade, Redução das desigualdades, Cidades e Comunidades Sustentáveis e Paz, Justiça e Instituições Fortes (ONU, 2021). Tais ações também fortalecem a responsabilidade formativa e social da UNISINOS, que define a extensão universitária por meio da integração da universidade com a sociedade, tendo como objetivos “Promover a prática criativa da integração, através de educação continuada, difusão cultural e desenvolvimento social e comunitário” e estruturando sua atuação por meio da “prospecção e da avaliação crítica das demandas sociais, internas e externas (...) alinhada aos valores institucionais, incentivando também o aprendizado

ANIMUS EMAU: PRÁTICAS EXTENSIONISTAS DE AÇÃO-REFLEXÃO MOSTRA DE EXTENSÃO | 79 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
FIGURA 1 O Animus e o trabalho em equipe FONTE: arquivo interno ANIMUS EMAU

contínuo e a atuação solidária” (EXTENSÃO, 2021).

Nas discussões oportunizadas pela universidade, seja por meio do Espaço Colaborativo (articulado para promover a integração de atividades extensionistas e de inovação social), seja nas ações de formação docente, entende-se que a extensão na UNISINOS está alinhada ao conceito de Responsabilidade Socioambiental e ação direta junto à sociedade. Dessa forma, “a sala de aula assume contornos expansivos, não limitados aos espaços tradicionais, o que exige uma ação formativa articulada com práticas sociais, culturais e de mercado” (BUENO; ALLEGRETTI, 2019, p. 5).

A prática realizada segue os preceitos de Paulo Freire, que considera a extensão universitária como um processo dialógico entre universidade e comunidade, compreendida, portanto, por meio da comunicação de distintos saberes, por meio do diálogo e da reflexão a partir de uma realidade concreta, tendo como objetivo a “é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível reação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendêla, explicá-la, transformá-la.” (1983, p. 34). Trata-se, assim, da inter-relação dialética e não hierarquizada entre universidade e comunidade, alinhando-se às diretrizes apresentadas sumariamente pela FENEA, que também segue os preceitos de Freire.

A extensão não deve ser entendida como uma simples transmissão do conhecimento, como nas práticas de assistência técnica, mas de colocar o conhecimento formulado academicamente em xeque mediante distintas formas de compreensão e de atuação na realidade, embasada na troca de saberes, de experiências, de visões, de sentimentos.

Desse modo, no caso do ANIMUS EMAU, a atuação se baseia na troca com a comunidade. A metodologia envolve, inicialmente, a definição da demanda/problema para proceder ao estabelecimento do relacionamento com a comunidade, através de estratégias de participação, visando um projeto colaborativo e vinculado a realidade local, com a participação ativa dos usuários e demais envolvidos. Para tanto, acontecem reuniões, visitas ao local, atividades integrativas, a fim de conhecer e viver a realidade e estabelecer o rumo dos estudos. Posteriormente, os alunos exercitam sua autonomia e trabalho em equipe para a resolução de problemas e elaboram diretrizes e estratégias de intervenção, que levam a estudos preliminares de arquitetura e urbanismo.

Por se tratar de um processo participativo, ao mesmo tempo em que as práticas são mais debatidas, tornando os preceitos e diretrizes internas mais sólidas, também se verifica um tempo maior para a definição de ações e de práticas. Com isso, entende-se que essas metodologias ainda estão em processo de formação no ANIMUS. Talvez a discussão e a definição de metodologias para interação com comunidades seja um processo de apropriação eternamente inacabado, tendo em vista que cada comunidade e cada grupo de estudantes remete a novas reflexões sobre os modos de ser e de fazer extensão.

Nesse processo de amadurecimento coletivo sobre

as ações de extensão realizadas pelo grupo, impõe-se uma situação externa: a pandemia do coronavírus que chegou ao país no primeiro trimestre de 2020, redefinindo metodologias, ações e práticas na sociedade e em todas as suas estruturas, logo, impactando diretamente a universidade. Assim, nas seções seguintes, serão aprofundadas as práticas realizadas pelo ANIMUS EMAU, dando maior enfoque para as ações realizadas nos anos de 2020 e 2021, a fim de apresentar as alternativas encontradas para a continuidade dos projetos em desenvolvimento.

Ações extensionistas

Um dos primeiros projetos extensionistas em que o ANIMUS esteve envolvido foi o de readequação dos espaços internos e externos da EMEI Santo Expedito. Localizada no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre (RS), a escola necessitava de estudos para os ambientes de uso coletivo internos, como área esportiva, de lazer e refeitório, e para os espaços abertos, como pátios e praças. Além das crianças e funcionários, os estudos foram pensados para a comunidade como um todo, visto que a escola deve ser entendida mais do que por sua função educadora e pedagógica, sendo um espaço de exercício do papel social, atuando como um agente integrador comunitário (NOBRE ; SULZART, 2018). Essa compreensão foi percebida logo nas primeiras reuniões realizadas, a partir do relato da diretora da escola. Diante disso, foram realizadas visitas de campo e levantamentos físico e fotográfico, assim como entrevista com as diretoras e uma dinâmica participativa com as crianças a fim de compreender suas percepções acerca dos espaços (Figura 2). Como resultado preliminar, foi desenvolvido um estudo de paisagismo sensorial, já apresentado à direção da escola. Outra ação extensionista do ANIMUS foi o Projeto Vila Kédi, uma ocupação habitacional informal, situada na Avenida Nilo Peçanha, em Porto Alegre, nas imediações do Campus da UNISINOS, onde moram, aproximadamente, 100 famílias instaladas em casas de baixo padrão construtivo e em área desprovida de infraestrutura. Juntamente com outros projetos de extensão da UNISINOS que já trabalham com a comunidade, a proposta do ANIMUS foi uma melhoria dos espaços abertos e coletivos. A partir de questionários realizados pela atividade acadêmica de Atelier de Projeto VI, do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNISINOS, além de visitas e conversas com a comunidade, realizou-se a identificação e reconhecimento desses espaços pela população residente e elaboração do programa de necessidades preliminar. Por meio de uma ação conjunta com outras atividades acadêmicas do curso de Administração da UNISINOS, como a atividade de Gestão para Inovação e Liderança (GIL), alguns espaços foram qualificados.

Em decorrência da pandemia, e a partir da identificação que a comunidade estava passando por alguns problemas de organização interna, as ações de melhoria dos

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espaços comunitários foram, temporariamente, interrompidas. Todavia, nos primeiros meses da pandemia, em ação articulada juntamente com a Rede Urbanismo contra o Corona/RS (@urbanismoxcoronars) e o Comitê de Solidariedade da Unisinos, o ANIMUS realizou uma campanha de arrecadação para a doação de alimentos e itens de higiene e limpeza à Vila Kédi. Ao todo, foram doados cerca de 50 conjuntos com uma cesta básica, água sanitária, materiais de higiene e limpeza, além de roupas, livros e mais alguns mantimentos para as famílias da comunidade, tendo em vista a circunstância da pandemia que resultou em muitas pessoas perderem a renda. Mesmo com a compreensão de que se trata de uma ação assistencialista, o entendimento foi que essa ação era necessária para auxiliar de forma direta as famílias, colaborando no combate à fome e a questões relevantes para o enfrentamento da pandemia. A ação extensionista do Espaço UNISINOS-Unitec foi abraçada pelo ANIMUS por ser uma demanda interna da universidade onde o escritório está instalado. Os responsáveis pela manutenção dos espaços da universidade buscaram o escritório solicitando estudos para soluções de problemas de conforto no Espaço UNISINOS-Unitec, a fim de incentivar a permanência dos usuários, devido a importância do lugar como integrador da comunidade acadêmica com o bairro. Após levantamentos do local, pesquisa de percepção com a comunidade e análises de insolação, definiu-se que o foco seria nos estudos arquitetônicos e de paisagismo visando melhoria do conforto ambiental dos espaços abertos e das lojas e sala, ao norte da edificação. Assim, como resultado parcial, foi apresentada uma proposta com elementos de proteção solar e mobiliários efêmeros para as áreas de convivência. Grande parte dos trabalhos referentes a essa ação ocorreram de forma virtual (Figura 3), assim como a apresentação aos responsáveis por parte da universidade. A maior dificuldade durante a pandemia foi manter a equipe engajada, em função do trabalho no modelo online, que é considerado atípico

para o fazer arquitetônico.

Por fim, apresenta-se o primeiro projeto extensionista do ANIMUS: uma parceria com a Fundação o Pão dos Pobres, localizada no bairro Cidade Baixa de Porto Alegre (RS). A Fundação, criada em 1895, atende 1,4 mil crianças e adolescentes, a maioria em situação de risco e vulnerabilidade social, pobreza ou violação de direitos. O complexo edificado possui caráter histórico, o que agrega maior conhecimento ao aprendizado do aluno. Nesse projeto, já foram realizados levantamento técnico, reuniões, entrevistas com a comunidade (professores e estudantes), oficinas e atividades integradoras.

No período de aproximação e criação de vínculos, foi identificado que a Fundação não possuía um levantamento de suas edificações. A partir dessa constatação, identificou-se a demanda de realizar o levantamento de medidas de um dos prédios que abriga os cursos de capacitação e formação técnica. Foi uma forma bastante interessante de se aproximar da comunidade, participando, em alguns dias, do dia a dia dos estudantes e professores da Fundação. Foi nesse momento que se constatou a necessidade de ambientes de estar e integração, em especial para os momentos de intervalo entre as aulas. Inicialmente, pensou-se em um ambiente interno (em especial para os dias frios ou com chuva) e um externo. Após a coleta dos primeiros materiais para a execução, o projeto foi apresentado para a direção, que fez algumas considerações e sugestões de melhoria.

Foi no momento da aproximação com as turmas de estudantes que iniciou a pandemia, fazendo com que mudanças metodológicas tivessem que ser realizadas. Houve um período inicial de distanciamento até que as duas instituições se organizassem com as novas dinâmicas de aulas. Após, o projeto foi apresentado para duas turmas de estudantes do curso de Marcenaria para que esses, junto com os professores educadores, participassem de modo colaborativo com a proposta, contribuin-

ANIMUS EMAU: PRÁTICAS EXTENSIONISTAS DE AÇÃO-REFLEXÃO MOSTRA DE EXTENSÃO | 81 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
FIGURA 2 Atividade com crianças da escola FONTE: arquivo interno ANIMUS EMAU

do com melhorias na realização do projeto executivo e, por fim, na elaboração do material. Em reuniões com o professor responsável pelo curso, identificou-se qual seria o melhor momento para que o projeto fosse incorporado às atividades da turma, que ainda estava no início das aulas. Assim, para promover uma maior aproximação com a turma e já ir antecipando alguns temas que seriam necessários no projeto dos espaços abertos (em especial dos bancos), foram estruturadas oficinas virtuais com os estudantes com elementos de ergonomia, cores, maquete, desenho entre outros.

O grupo do ANIMUS EMAU participou de algumas aulas de marcenaria e apresentou a proposta. No início das oficinas, surgiram contratempos que impossibilitaram a sua realização, levando a um processo de afastamento temporário por parte do grupo. Com isso, os estudantes se questionaram sobre a possibilidade de continuidade do projeto, aprofundando em questões estruturais do próprio EMAU como identidade, forma de realização das atividades, contato com as instituições e comunidades, comprometimento etc. Esse momento da pandemia, caracterizado pelo distanciamento social e grande sensibilidade, foi um período importante de reflexão, debate e amadurecimento.

Reflexões

Os desafios impostos pela pandemia impactaram a dinâmica das atividades e os cronogramas. No projeto Pão dos Pobres, por exemplo, a instituição parceira teve que se reestruturar e, visto tratar-se de cursos técnicos e atividades práticas, viabilizou-se a interlocução remota somente após alguns meses. A partir de então, foram realizadas oficinas virtuais entre os estudantes da UNISINOS e da instituição, oportunizando espaços ricos de troca por meio da participação em atividades da turma de marcenaria. Em um segundo momento, após uma nova estruturação para um retorno parcial

da turma, o EMAU esteve diante de distintas realidades e dificuldades sociais, possibilitando uma reflexão que vai além dos projetos arquitetônicos.

A pandemia oportunizou um tempo/espaço para reflexão dos integrantes do ANIMUS em relação a metodologia junto às comunidades e enquanto escritório, refletindo sobre princípios, valores e objetivos, missão e continuidade. Assim, a partir de um momento de afastamento da instituição em um dos projetos, inicia-se um processo reflexivo sobre as práticas extensionistas, oportunizando uma atividade prolongada de imersão (Figura 4), repercutindo em maior integração e maior consciência do papel dos integrantes do EMAU na comunidade acadêmica e na sociedade.

Assim, a compreensão realizada após os acontecimentos permite uma melhor compreensão da ação-reflexão. A pandemia alterou não só a forma das pessoas se relacionarem, mas também a organização das instituições, dificultando algumas atividades e possibilitando outras (como reuniões e oficinas virtuais). Em um cenário global no qual manter-se bem e saudável tem sido um desafio, o entendimento é que a própria continuidade das ações do ANIMUS EMAU já se apresenta como um grande avanço para um contexto pandêmico, propiciando momentos de troca, interação e respiro das grandes indefinições, perdas e angústias. Mantém-se acesa a chama da extensão, da inovação social e os processos colaborativos, tanto no presente, quanto na perspectiva de futuro da universidade, que tende a valorizar cada vez mais as práticas extensionista em sua inter-relação com ensino e pesquisa, configurando seu tripé fundamental, e também enquanto resposta e retorno à sociedade, buscando avanços nas práticas redistributivas e colaborativas. Como afirma Boaventura Souza Santos,

a área de extensão vai ter no futuro próximo um significado muito especial. No momento em que o capitalismo global pretende funcionalizar a Universi-

DÉBORA BECKER , MARCELO ARIOLI HECK , PATRICIA ZWETSCH GHENO MOSTRA DE EXTENSÃO | 82 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
FIGURA 3 Reuniões online FONTE: arquivo interno ANIMUS EMAU

dade e, de facto, transformá-la numa vasta agência de extensão ao seu serviço, a reforma da Universidade deve conferir uma nova centralidade às atividades de extensão (com implicações no curriculum e nas carreiras dos docentes) e concebê-las de modo alternativo ao capitalismo global, atribuindo às Universidades uma participação ativa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social e a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural (2017, p. 53-54).

REFERÊNCIAS

BUENO, Aline; ALLEGRETTI, Isamara Della Favera. Espaço Colaborativo: Inovação Social Como Fomento à Extensão Universitária.  In: XXVI Encontro Nacional e XXI Assembleia Nacional do Forext. 2019. Disponível em: https://www.academia.edu/42231215/Espa%C3%A7o_Colaborativo_Inova%C3%A7%C3%A3o_social_como_fomento_%C3%A0_Extens%C3%A3o_Universit%C3%A1ria. Acesso em: 22 out. 2021.

EXTENSÃO. In: UNISINOS. [São Leopoldo], [2021]. Disponível em: http://www.unisinos.br/extensao. Acesso em: 18 out. 2021.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

NOBRE, Francisco Edileudo; SULZART, Silvano. O papel social da escola. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, ano 3, ed. 8, v. 3, p. 103-115. ago. São Paulo, 2018. ISSN:2448-0959. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/wp-content/uploads/kalins-pdf/singles/o-papel-social-da-escola.pdf. Acesso em: 15 out. 2021

ONU – Organização das Nações Unidas.  Plataforma Agenda 2030 . Disponível em: https://brasil.un.org/ pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel. Acesso em: 15 out. 2021.

POEMA. In: Federação Nacional de Entidades Estudantis de Arquitetura. [S. l.], [2007]. Disponível em: http:// www.fenea.org/poema. Acesso em: 15 out. 2021.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2017. ISBN-10‏: 8524916060.

ANIMUS EMAU: PRÁTICAS EXTENSIONISTAS DE AÇÃO-REFLEXÃO MOSTRA DE EXTENSÃO | 83 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
FIGURA 4 Imersão de reflexão sobre o ANIMUS FONTE: arquivo interno ANIMUS EMAU

UNITELECUIDADO: Extensão e Ensino lado a lado no teleatendimento de pacientes com Covid-19

AUTORES(*)

PATRÍCIA CILENE FREITAS SANT’ANNA

CLÁUDIA DE SALLES STADTLOBER2

VÂNIA SCHNEIDER3

ALINE APARECIDA PIEROTTO4

ANA RITA BREIER5

VANESSA BACKES6

ROSALÍA FIGUEIRÓ BORGES

Introdução

Ocoronavírus (COVID-19) foi reconhecido em dezembro de 2019 na China, apresentando um elevado contágio além de alta mortalidade. Para diminuir as taxas de infecção do vírus, em todo o mundo, foram adotadas políticas de distanciamento e isolamento social, mudando significativamente a rotina de toda população (ATTI; SILVA; LAZZARESCHI; FILONI, 2020). Mesmo com todas medidas tomadas, com uso obrigatório de equipamentos de proteção individual (EPI) como máscaras e recomendação do uso de álcool gel e lavar seguidamente as mãos, o avanço do contágio de forma mundial foi inevitável. Com isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou esse momento como uma pandemia no dia 11 de março de 2020. (FALVEY; KRAFFT; KORNETTI, 2020).

Nesse cenário, a palavra resiliência teve que ser aplicada em toda sua plenitude. Na área da saúde, os serviços não relacionados à pandemia foram suspensos e isso afetou tanto os estabelecimentos de saúde, quanto os de ensino e os próprios usu ários. Dessa forma, observou-se a necessidade de

estratégias que possibilitassem o menor agravo possível causado inevitavelmente pelo isolamento social. Por exemplo, profissões como a fisioterapia, que antes no Brasil não tinham autorização para realizar atendimento virtual, foram liberadas pelo seu conselho, com intuito de manter os pacientes assistidos (SENNA et al, 2020).

Porém, o temor da população de procurar a unidades de saúde diminuiu o acesso e o cuidado ao longo do tempo. No início da pandemia, os portadores de doenças crônicas eram considerados grupo de risco para apresentarem formas mais graves da COVID-19, o que reforçou o objetivo de manter esses pacientes com suas comorbidades com controle adequado, assim como disponibilizar acesso facilitado e ágil a informações e ao sistema de saúde. Em uma outra ponta, nas universidades, as atividades práticas na área de saúde foram suspensas.

Além disso, com o agravamento da pandemia, necessidades foram surgindo e apoios foram sendo criados para auxiliar indivíduos com a doença, sendo o telemonitoramento uma opção bem favorável naquele momento (SILVA, 2014). Com isso, em S ão Leopoldo, RS, em abril de 2020, foi iniciado o planejamento e implementação de um projeto de teleatendimento pela Escola de Saúde da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, localizada no mesmo município.

Diante do exposto, este artigo tem como objetivo apresentar o projeto extensionista Unitelecuidado da UNISINOS, abordando aspectos relacionados a implementação e impacto nos acadêmicos e na população de São Leopoldo.

(*) PATRÍCIA CILENE FREITAS SANT’ANNA: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; doutora em Saúde Coletiva; mestre em Engenharia de Produção; licenciada plena em Educação Física; bacharel em Fisioterapia; psantanna@unisinos.br.

CLÁUDIA DE SALLES STADTLOBER: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; doutora em Educação; mestre em Ciências Sociais; especialista em Gestão em Saúde Pública por Evidências; especialista em Administração; bacharel em Administração; cstadtlober@ unisinos.br. VÂNIA SCHNEIDER: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; mestre em Saúde Coletiva; especialista em Enfermagem Obstétrica; bacharel em Enfermagem; vanias@unisinos.br. ALINE APARECIDA DA SILVA PIEROTTO: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; mestre em Saúde da Criança; especialista em Enfermagem; bacharel em Enfermagem; apierotto@unisinos.br. ANA RITA BREIER: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; doutora em Ciências Farmacêuticas; bacharel em Farmácia e Farmácia Industrial; arbreier@unisinos.br. VANESSA BACKES: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; doutora em Saúde Coletiva; mestre em Saúde Coletiva; bacharel em Nutrição; vbackes@unisinos.br. ROSALÍA

FIGUEIRÓ BORGES: professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; doutora em Educação; mestre em Saúde Coletiva; especialista em Administração Hospitalar; bacharel em Enfermagem; rosaliafb@unisinos.br.

MOSTRA DE EXTENSÃO | 84 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS CAPÍTULO 13

O Projeto

Em abril de 2020, foi iniciado o planejamento e implementação de um projeto de teleatendimento pela Escola de Saúde da UNISINOS, que tem como objetivo implementar uma unidade de tecnologia de comunicação em saúde na universidade. O Projeto Unitelecuidado surgiu como uma estratégia de promoção, de educação e de cuidado em saúde, sendo uma parceria entre Escola de Saúde – UNISINOS e Secretaria Municipal de Saúde de São Leopoldo, estabelecendo uma rede colaborativa de atenção à saúde.

Por semestre, um total de 10 monitores remunerados, monitores voluntários e 5 professores supervisores participam in loco dos teleatendimentos, que são distribuídos em 20 horas semanais. Uma sala de informática na universidade foi equipada com centrais telefônicas.

Fase 1 – Telemonitoramento pacientes crônicos

Entre abril e julho de 2020, alunos, supervisionados pelos professores, acompanhavam pacientes crônicos encaminhados através de uma lista fornecida pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Município. Esses usuários respondiam por telefone um questionário estruturado sobre sua condição de saúde. A equipe do Unitelecuidado realizava os encaminhamentos necessários para acolher as necessidades vigentes, como contato com a equipe da UBS responsável, consulta com psicólogo da rede, instruções sobre uso e/ou retirada de medicamentos e, principalmente, orientações sobre como se prevenir da COVID-19.

Nessa etapa, 422 usuários foram contatados, em sua maioria idosos. Nos relatos, observou-se muito medo da situação vigente, desinformação e gratidão pelo acolhimento do projeto.

Em agosto de 2020, diante do avanço implacável da pandemia, a Prefeitura de São Leopoldo solicitou que o projeto mudasse seu olhar para o monitoramento dos pacientes positivados de COVID-19. Desta forma, estabeleceu-se uma rede colaborativa de atenção à saúde para o acompanhamento de pacientes da COVID-19.

Fase 2 – Telemonitoramento pacientes positivados COVID-19

Os alunos, capacitados e sob a supervisão e apoio do professor, realizavam ligações para os pacientes positivados, acompanhando durante o período de 14 dias, observando cumprimento do isolamento, evolução clínica, para a identificação de casos críticos e encaminhamento para atendimento especializado. Essas informações eram compartilhadas pela Vigilância Epidemiológica do Município em drive eletrônico e, nesse espaço, os alunos evoluíam o atendimento.

Os alunos eram orientados a realizar as seguintes abordagens:

• Identificação do aluno e do projeto;

• Acolhimento (às vezes primeiro contato) ;

• Monitoramento de 14 dias da evolução;

• Cumprimento e orientação do isolamento;

• Verificação dos sintomas;

• Orientações básicas;

• Encaminhamentos, se necessário;

• Evolução em drive compartilhado.

Nessa fase, aproximadamente 510 usuários foram acompanhados por 14 dias. No auge da pandemia, março/abril de 2021, muitas vezes, não era possível ligar para todos os positivados, e nos deparamos com algumas situações de gravidade do quadro e óbito. Es sa situação era bem trabalhada pelo supervisor tanto com o aluno, como com a pessoa que estava no outro lado da linha, muitas vezes necessitando de um acolhimento mais afável.

Como esperado, com o avanço da vacinação, o número de positivados diminuiu drasticamente, assim como casos graves. As maiores informações nessa fase eram sobre a vacina, principalmente quando se iniciou a terceira dose. Em todo momento, a equipe era orientada a manter as informações atualizadas.

Até novembro de 2021, foram, aproximadamente, 8000 ligações, entre pacientes crônicos e positivados, realizadas por 20 monitores e, aproximadamente, 300 alunos da Escola de Saúde da UNISINOS.

Unitelecuidado como momento de desenvolvimento de competências

Em todos os encontros, os alunos discutiam com o professor, e muitas vezes em equipe, sobre os casos do dia. Esse momento se tornava ainda mais válido pelo fato da interdisciplinalidade do projeto, visto que um dia poderia ser um professor do curso de enfermagem, com alunos da farmácia, medicina, fisioterapia e nutrição, por exemplo. Todos traziam sua expertise para colaborar ainda mais com o usuário e com os encaminhamentos devidos.

Com intuito de que o projeto fosse mais reconhecido pelos alunos, outro ponto forte implementado, foi a elaboração de cards com temas envolvendo o foco do projeto, os quais eram distribuídos pelos Instagrams dos cursos envolvidos. Um exemplo pode ser observado na Figura 1

Futuro Projeto Unitelecuidado

Como já abordado, a vacinação proporcionou um maior controle da pandemia, mas temos que manter os cuidados devido as variantes deste vírus. Desta forma, nosso objetivo é manter o telemonitoramento dos positivados enquanto necessário, iniciar a “fase 3” com monitoramento dos pacientes pós-covid, assim como retornar aos cuidados dos pacientes crônicos.

UNITELECUIDADO: EXTENSÃO E ENSINO LADO A LADO NO TELEATENDIMENTO DE PACIENTES COM COVID-19 MOSTRA DE EXTENSÃO | 85 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS

Sendo a UNISINOS uma instituição de ensino reconhecida pelo seu tripé ensino, pesquisa e extensão, parcerias com programas de pós-graduação, elaboração de projetos e trabalhos de conclusão de curso, não só da área da saúde, também estão nos planos desse projeto longitudinal. Com isso, poderemos colaborar com a ciência e a população do município.

No horizonte, objetivamos ser um ponto da rede de saúde do município, com cadastro nacional de estabelecimento de saúde (CNES) próprio, assim como termos acesso em nosso laboratório do e-sus, e implementar a “fase 4”, que seria a teleconsulta. Dessa forma, buscamos gerar mais indicadores de saúde, a partir da implementação e avaliação dos atendimentos realizados pelo projeto.

Considerações finais

O impacto na comunidade foi observado em várias situações. Em que diante do quadro de desamparo, vulnerabilidade social e/ou desinformação pelos usuários, fizemos um esforço conjunto para ajudar estas pessoas. Casos em que solicitamos a ação da SAMU, entramos em contato com a UBS ou ajudamos, literalmente, a acalmar pessoas com medo de morrer devido à COVID-19 (principalmente quando éramos os primeiros a informar sobre o resultado do teste) fizeram com que, muitas vezes, a equipe tivesse que ter mais empatia do que profissionalismo.

O projeto extensionista Unitelecuidado oportunizou um campo de prática em saúde inovador e interprofissional para estudantes da Escola de Saúde centrado

no usuário, no serviço e no contexto de saúde local. O projeto segue em funcionamento apoiando e auxiliando o município nesse momento tão desafiador da pandemia. Com seu segundo ano, ele está cada vez mais consolidado. Neste momento, observa-se a demanda maior para o acompanhamento dos pacientes com síndrome pós-covid, sendo esse nosso próximo desafio.

REFERÊNCIAS

ATTI, GP; SILVA, AP; LAZZARESCHI, L; FILONI, E. Prospects and Risks of Injuries in the Resumption of High-performance Sports Activities After Social Isolation due to COVID-19 Pandemic. Brazilian Journal Of Health Review, v. 3, n. 4, p. 10319-10330, 2020.

FALVEY JR, KRAFFT C, KORNETTI D. The essential role of home- and community-based physical therapists during the COVID-19 pandemic. Physical therapy, v. 100, n. 7, p. 1058-1061, 2020.

SENNA, ACM et al. Desafios de um atendimento acadêmico online em fisioterapia : relato de experiência. In: RIVERO, Nelson Eduardo Estamado et. al. (org.). Retratos da Pandemia: Conexões, desconexões e reconexões. São Leopoldo: Casa Leiria, 2020. p. 113- 126. (Série Cadernos do PAAS 7). (E-book). Disponível em: http:// www.casaleiria.com.br/acervo/servicosocial/cadernosdopaas/vol7/2/index.html. Acesso em: 10 dez. 2021.

SILVA, Angélica B. Telessaúde no Brasil: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: DOC, 2014.

PATRÍCIA
MOSTRA DE EXTENSÃO | 86 | UNISINOS EM EXTENSÃO: REINVENÇÕES EM TEMPOS PANDÊMICOS
CILENE FREITAS SANT’ANNA , CLÁUDIA DE SALLES STADTLOBER , VÂNIA SCHNEIDER , ALINE APARECIDA PIEROTTO , ANA RITA BREIER , VANESSA BACKES , ROSALÍA FIGUEIRÓ BORGES
FIGURA 1 Cards colaborativos

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

+55 (51) 3591 1122 www.unisinos.br

Campus São Leopoldo Av. Unisinos, 950 - Cristo Rei

Campus Porto Alegre Av. Dr. Nilo Peçanha, 1600, Boa Vista

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