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Chico Dantas
from Revista UERN 54 Anos
by UERN Agecom
Nascido em um pequeno município do interior potiguar, o professor Chico Dantas, atual vice-reitor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), teve sua vida transformada pela educação. Este perfil traça sua história pessoal e carreira profissional.
Oprofessor Dr. Chico Dantas é docente da Uern desde 2005, coordenou a implantação e coordenou o Núcleo Avançado de Educação Superior da Uern, na cidade de Santa Cruz. Assumiu a coordenação do PPgCC da Uern/Ufersa. Foi diretor do Campus de Natal (20162021) e atualmente é vice-reitor da Uern.
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Ministrou cursos de capacitação no uso de plataformas tecnológicas para ensino por meio de acesso remoto para as comunidades discente e docente. Tal iniciativa foi estendida para toda rede básica de ensino do Rio Grande do Norte, por meio de projeto de extensão que atendeu mais de 7.000 professores. Foi membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), tendo sido escolhido em processo eleitoral, de âmbito nacional. Foi editor responsável pela Revista Computação Brasil da SBC e atualmente ocupa a suplência do Conselho da SBC.
Nascido na zona rural de Serra Negra do Norte, no Seridó potiguar, o professor Francisco Dantas de Medeiros Neto se orgulha em dizer que a sua vida foi transformada pela educação.
Chico Dantas, como gosta de ser chamado, nasceu em uma família numerosa de nove irmãos. Seu pai, um homem com pouco estudo formal, mas com grande conhecimento do mundo, trabalhou a vida inteira na agricultura. Sua mãe, dona de casa, também não teve oportunidade de estudar, chegando apenas à segunda série primária, dedicou sua vida ao cuidado dos filhos. Os filhos do casal, desde muito cedo, precisaram ajudar o pai, na lida com a roça, ou a mãe, com as atividades domésticas.

Apesar do pouco estudo, Seu Manoel (Nezinho de Cezor) e Dona Ivaná sabiam que somente por meio dos estudos seus filhos poderiam ter uma vida melhor e os incentivaram a persistir no caminho da educação. Naquela época, e naquela localidade, o acesso à escola não era fácil. Era preciso acordar de madrugada, às 3 horas da manhã, percorrer 9 km a pé, em uma estrada de barro, até pegar um caminhão, conhecido como “pau de arara”, para chegar a Serra Negra do Norte, pois essa era a única cidade da região que dispunha de escola pública. Contudo, essa era apenas a primeira parte do trajeto em busca de conhecimento, à tarde, após as aulas, era preciso pegar o mesmo “pau de arara”, andar mais 9 km para só então chegar em casa.

E foi assim que o pequeno Chico iniciou seus estudos. Para uma criança, naquelas condições, era difícil compreender com clareza a dimensão da educação como agente de transformação. No entanto, com o passar dos anos, e muita persistência e muito sacrifício da família, este cenário aos poucos foi mudando. Após alguns anos, Chico foi morar em Serra Negra do Norte e depois em Caicó, onde conseguiu uma bolsa do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Ao mesmo tempo em que avançava na vida escolar, ele enfrentava a culpa e a cobrança em deixar de ajudar a família em seus afazeres para ir estudar. Muitos de seus irmãos continuaram em Serra Negra para não deixar o pai e a mãe sozinhos. Dos nove irmãos, quatro conseguiram concluir o ensino superior, e somente Francisco chegou ao grau máximo da formação acadêmica, o doutorado.
“A minha responsabilidade, ao conseguir, de fato, ter uma melhor condição de vida por meio da educação pública, era, e continua sendo, a de pensar e agir em prol das pessoas que não tiveram, e que não têm, a mesma oportunidade que eu tive, somada, claro, a um traço de resiliência e também de contingência que permeia toda minha existência”.
A experiência no BNB foi um divisor de águas em sua vida. Foi durante este estágio que Chico descobriu a área que queria seguir profissionalmente. Ao estagiar na Unidade de Processamento de Dados do banco, os planos de cursar Direito logo foram substituídos pelo desejo de cursar Computação. Foi também uma fase de muito crescimento pessoal.
Na época, um veículo da prefeitura o levava todos os dias para Caicó. Posteriormente, com a suspensão do serviço de transporte, ele seria obrigado a deixar o estágio. Nessa época difícil, uma funcionária do banco ofereceu uma casa fechada que tinha em Caicó para ele morar. E aos 14, 15 anos, ele passou a assumir a responsabilidade de morar sozinho, em uma cidade maior, longe de sua família.
Anos mais tarde, ao ser aprovado no vestibular para Ciência da Computação, na UFRN, mais um desafio se apresentava em sua vida. Era a hora de sair de Caicó e ir para a capital. Morou na casa de uma tia e depois foi viver com uma irmã, que já residia em Natal. Ao ingressar na universidade, sonhava, como muitos colegas, em trabalhar em grandes empresas, como a Microsoft. No entanto, o contato com alguns professores o fez ver o poder transformador de uma universidade, e seus planos mudaram: agora, ele queria ser pesquisador.

“Um dia eu entrei na sala de um professor, ele olhou para mim e perguntou: Chico, você sabe porque hoje nós temos este copo, com este material? Por que alguém, em uma universidade, conduziu uma pesquisa que teve como resultado a fórmula de fabricação deste material. Este copo é resultado de uma pesquisa que alguém fez no passado. A universidade tem esse poder transformador, capaz de fazer com que as coisas avancem”.
A pesquisa o colocou na academia de forma definitiva. Uma experiência profissional fora do ambiente acadêmico, em uma empresa no Rio de Janeiro, quase o fez desistir da docência, principalmente pelos atrativos financeiros, no entanto, a pesquisa o trouxe de volta para sua base. Quando decidiu pela vida acadêmica, um amigo chegou a apostar 100 dólares como ele não conseguiria permanecer na academia e que logo iria voltar a trabalhar em uma empresa. Passados alguns anos, o amigo, que atualmente trabalha na Google, desistiu e pagou a aposta.
Em 2004, após ter concluído o mestrado, foi aprovado com bolsa para fazer doutorado na Austrália, mas meses antes sua mãe foi diagnosticada com câncer em estágio muito avançado. Chico abriu mão do doutorado para dedicar-se em tempo integral aos cuidados com sua mãe, passando a trabalhar em sua área de formação e se afastando da academia por aproximadamente dois anos. Dona Ivaná faleceu em 2004. No ano seguinte, a Uern abriu concurso para professor do curso de Ciência da Computação, no qual ele foi aprovado e iniciou a carreira docente, no Campus de Natal.
“A vida de professor é muito prazerosa. Minha maior felicidade é ver meus e minhas estudantes se dando bem, bem colocados no mercado de trabalho. Eu tenho um ex-aluno que hoje trabalha no Facebook, muitos em outras empresas e também em instituições de ensino. O segredo para ser feliz é estar bem, fazendo o que gosta”.
Logo depois, foi coordenador do curso de Ciência da Computação do Núcleo Avançado de Santa Cruz. Lá passou por uma experiência que marcou para sempre a sua vida pessoal e profissional. Ao realizar a matrícula de um aluno (na época as matrículas eram realizadas manualmente), chegou um estudante acompanhado por seu pai, que emocionado, chorava ao ver o filho matriculado em uma universidade. Aquilo, para Chico, foi como um tapa na cara, pois até então, não concordava com a forma como os núcleos avançados da Uern funcionavam e até mesmo com a sua existência. O rapaz morava em Japi, um povoado próximo a Santa Cruz, e as palavras daquele pai foram como um recado que a vida lhe mandava e, implicitamente, diziam: olha de onde tu veio. Você tá aqui chateado porque esse prédio, ou essa escola, que foi o prédio que a prefeitura nos cedeu, não está adequado neste momento, mas veja o que isso causa na vida de quem chega aqui. Hoje o rapaz tem graduação, mestrado e é professor do IFRN.
Passado o estágio probatório, voltou a tentar uma vaga no doutorado, tendo sido selecionado com bolsa para a PUC-Rio. Passou dois anos, foi para a Inglaterra, conheceu 19 países durante sua pesquisa e depois retornou para a defesa na PUC-Rio. De volta à Uern, reassumiu as atividades no Campus de Natal e três anos depois, em 2016, estava diante de um novo desafio: além de professor, agora também seria gestor, havia sido eleito diretor do Campus de Natal, cargo para o qual foi reconduzido em 2020.
Mesmo que a princípio não tivesse a intenção de assumir um cargo de gestão, ele sentiu um desejo de atuar além do ensino e da pesquisa, pois percebeu que as tomadas de decisões institucionais impactavam todas as áreas da universidade. Muitas vezes, sentiu-se angustiado por desejar ações e mudanças que considerava serem necessárias ao desenvolvimento da instituição, e não poder construir formas para que fossem implantadas, por esse motivo, passou a ver a gestão como uma forma de buscar melhorias dentro do ambiente institucional. Sempre avaliando seu desempenho junto à comunidade acadêmica do campus, sua gestão foi marcada pelo diálogo, pela melhoria na qualidade de vida e do ambiente do próprio campus, e da comunidade ao entorno. Também buscou meios de aproximar a classe política da Uern, em uma época em que a Universidade enfrentava uma violenta campanha difamatória por parte de alguns representantes da classe política da capital, apresentando as atividades nas áreas de ensino, pesquisa e extensão realizadas no Campus.
Em 2021, afastou-se do cargo para assumir a vice-reitoria ao lado da professora Cicilia Maia, atual reitora da Uern. Os dois foram escolhidos pelas três categorias da Universidade, em uma eleição histórica.
Assumir a vice-reitoria foi mais uma guinada em sua vida. Desta vez, fazendo o caminho inverso, Chico deixou a capital e foi morar no interior, em Mossoró, onde está localizada a sede da Uern. A cidade o recebeu de forma muito acolhedora e hoje se diz totalmente ambientado em Mossoró.
Em menos de um ano à frente da instituição, a dupla de gestores conseguiu alcançar importantes conquistas, como a autonomia financeira, o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) dos servidores e o fim da lista tríplice para os cargos de reitor e vice-reitor. A autonomia financeira era uma pauta histórica da comunidade acadêmica, que durante décadas foi perseguida pela instituição. Com a conquista da autonomia, foi possível conquistar também os PCCRs dos servidores docentes e técnicos administrativos. O fim da lista tríplice era uma pauta mais recente, mas não menos importante. Decorrente da luta pela democracia, a pauta garante que a partir de agora, a decisão da comunidade acadêmica, em escolher as pessoas que irão conduzir a universidade, seja respeitada. Para o vicereitor, essas conquistas são resultados de muitas mãos ao longo da história, no entanto, não se pode negar o papel decisivo da atual gestão para que esses objetivos fossem atingidos.
“Essas conquistas têm muitas mãos. Cada um, à sua maneira, colocou um tijolinho lá, mas foi graças à nossa dedicação, ao nosso empenho ao assumir, a nossa boa relação com o governo, que essa conquista foi acelerada e alcançada. Existe um mérito muito grande da nossa gestão e eu não tenho vergonha nenhuma em dizer isso. Obviamente a gente pegou muita coisa pronta, mas o pé no acelerador quem colocou fomos nós”.
Além da área de atuação, a Ciência da Computação, Chico e Cicília têm em comum o perfil de cada vez mais buscar incansavelmente trabalhar pela instituição e construir caminhos através do diálogo em defesa da universidade e, principalmente, o amor pela instituição. Para os próximos três anos, alguns desafios se apresentam, como a adequação da estrutura física, da estrutura tecnológica, a recomposição do quadro de pessoal, o fortalecimento da pesquisa, do ensino e da extensão, da internacionalização, da universidade como uma instituição inclusiva e includente, para tornar a Uern cada vez mais competitiva no cenário nacional. Para esses e outros desafios, Chico diz: “Estou pronto!”
“A educação me colocou de pé, é por ela que eu tenho que lutar. É esse o meu objetivo: lutar e trabalhar cada vez mais em prol de uma educação pública e gratuita ainda mais transformadora e de investimentos, essenciais para manutenção de sua qualidade. Desta forma, aqueles e aquelas que ainda estão por vir, talvez seguindo um caminho parecido com o meu, terão as mesmas oportunidades”.
Olhando para sua trajetória, para o pequeno Chico que percorria todos os dias 18km a pé para estudar, o professor, doutor, pesquisador, gestor Chico Dantas tem algumas palavras que podem servir de inspiração para muitas pessoas: “O Chico lá de trás, por muitas vezes, teve vontade de desistir. Sempre que eu saía de casa, mamãe ficava na porta. É uma imagem muito viva e, por vezes, querendo o aconchego do lar e da família, pensei em desistir. Hoje, eu diria a ele que seguisse sem medo, que no final as coisas dariam certo”.

por ROSALBA MOREIRA