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AS MENINAS DE ANA DESCOBREM O UNIVERSO DAS PALAVRAS
from Revista UERN 54 Anos
by UERN Agecom
Senhoras com idades entre 46 e 74 anos e histórias de superação aprenderam a ler e a escrever graças ao Uern Ação, um dos 273 projetos de Extensão institucionalizados na Universidade, que vêm transformando vidas
Juntas as letras formam sílabas, palavras, frases inteiras, poesia, uma narrativa e dão sentido a tudo, ou quase tudo. É comum tropeçar nas palavras, mas não poder entender o que elas significam é uma ferida aberta que atinge quase 12 milhões de brasileiros analfabetos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de 2021. Ler e escrever, ações que parecem ser tão básicas, ainda são inacessíveis a muitas pessoas.
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Graças ao projeto Uern Ação, da Pró-Reitoria de Extensão (Proex) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), Raimunda, Maria Luzia, Jozineide e mais outras 18 mulheres, moradoras de bairros periféricos de Mossoró, deixaram para trás essa dificuldade e passaram a ter intimidade com a leitura e escrita, que lhes foram negadas, por uma série de razões, ao longo das suas vidas.
Conhecidas como “as meninas de Ana”, uma referência carinhosa à professora Anairam de Medeiros e Silva, um nome incomum e de difícil pronúncia, as alunas com idades variando entre 46 e 74 anos dividiram uma vez por semana, na Oficina de Leitura e Escrita, uma sala de aula na Fundação Casa do Caminho, no bairro Barrocas, que é, desde março de 2022, um novo polo de realização das atividades do Uern Ação.
Aos sete anos de idade, dois anos depois de perder a mãe, Raimunda Freire de Paiva teve que ajudar o pai e seus nove irmãos na roça para tirar o sustento da família. A escola, longe e de difícil acesso, foi ficando para depois. A oportunidade de ler e escrever só veio agora aos 71 anos.
“Depois de grande, aqui e acolá, a gente ia à escola, passava um mês, parava, nunca dava pra aprender muito. O que aprendi foi na base da curiosidade, de pegar um papel, ficar olhando, conhecendo as letras, mas não conseguia entender direito. Escrever, só sabia com até duas sílabas. Mas sempre tive o desejo de aprender e aí veio essa oportunidade, estou gostando muito, aprendendo a completar as palavras, a saber ler e escrever. Não sei de tudo ainda, mas estou aprendendo”, disse orgulhosa.
Ao mesmo tempo em que quer compreender melhor o que diz a Bíblia, sua fonte de leitura preferida, Raimunda já sabe o que vai fazer depois de ter criado familiaridade com as palavras. “Vou tirar meu dinheiro no caixa ou no banco sozinha, sem precisar de ninguém”, disse aos risos. Ensinar os netos com o dever de casa é o seu outro objetivo. “Com as oportunidades que estou tendo, vou conseguir. Nunca é tarde pra gente aprender”, completou.
Empregada doméstica desde os oito anos, Jozineide Feliciano da Silva Alves demorou quase 42 anos para aprender a ler e a escrever. Com 50 anos e ainda exercendo a mesma profissão, com muito orgulho, salienta, a moradora do bairro Barrocas está muito feliz com o sonho realizado.
“Já cheguei até chorar por não saber ler e escrever. Tive que trabalhar desde muito pequena, casei nova, depois criei meus três filhos sozinha e nunca tive a chance de estudar, que é importante pra tudo, até pra gente saber falar melhor. Depois que eu aprendi aqui foi uma alegria muito grande, olhar para meus filhos e dizer ‘eu consegui’. Quero aprender mais e mais. Esse projeto representa tudo de bom, estou maravilhosamente feliz. E eu digo sempre às meninas que não vamos parar, vamos continuar”, disse emocionada.
AO FINAL DA AULA EU ME SINTO PORQUEREALIZADA, FOI ALÉM DO PEDAGÓGICO E ISSO ME ALIMENTA ENQUANTO PESSOA, ENQUANTO SER HUMANO. É UMA SATISFAÇÃO
Quando o rio transbordava no inverno e a travessia só poderia ser feita com a disponibilidade do tio e sua canoa, Maria Luzia da Silveira não tinha como ir à escola com os irmãos. Ter que trabalhar na roça no sítio Cajazeiras, zona rural de Mossoró, ajudando a família era outro obstáculo. Somente agora, aos 44 anos, ela pôde, enfim, frequentar uma sala de aula com mais empenho.
“A dificuldade era muito grande, não tinha transporte, escola era longe, meu tio tinha que trabalhar e não dava pra atravessar a gente sempre. Por conta disso, reprovei várias vezes e, com 16 anos, já grande e na sala com crianças pequenas, desisti de estudar, ainda mais porque tinha que ajudar em casa. Eu só sabia escrever meu nome e não sabia ler nada. Para ir aos lugares eu saía perguntando. Depois dessa oportunidade maravilhosa, eu aprendi a ler e a escrever e vou para todo canto sozinha, sem perguntar nada a ninguém. Hoje eu posso até ajudar meu filho nas tarefas da escola. Hoje estou nas nuvens”, relatou.
O sentimento da professora Anairam é de realização, por ter proposto o desafio à Proex e ver, no dia a dia, que todo o empenho rendeu muitos bons frutos. Ao ensinar, ela também aprende uma lição valiosa.
“Uma coisa que é tão simples pra gente na Universidade [ler e escrever], aqui foi motivo de muita alegria. Além da questão pedagógica, nós criamos uma relação de afetividade. O momento que passo com elas procuro fazer com que seja agradável para elas e para mim. Passamos uma hora ensinando e aprendendo numa relação muito boa de momentos alegres, de respeito, em que elas se permitem sorrir, brincar. Ao final da aula eu me sinto realizada, porque foi além do pedagógico e isso me alimenta enquanto pessoa, enquanto ser humano. É uma satisfação imensa saber que contribuí um pouquinho com o outro”, destaca a docente.


No polo Projeto Esperança Padre Guido Tonelotto, há mais tempo parceira da Universidade na realização do Uern Ação, histórias semelhantes de superação e mudanças de vida são comuns por lá. Com as atividades, já foram beneficiadas mais de 600 crianças e adolescentes das regiões do entorno da Paróquia de São José com aulas gratuitas de dança, teatro, instrumentos musicais e oficinas diversas.

O Uern Ação segue em crescimento. No final de setembro, foi firmado um termo de cooperação com a Casa Assistencial Nosso Lar (CANLar), localizada no bairro Aeroporto, para ser um novo polo para o desenvolvimento de aulas de ballet, violão, flauta e coral para crianças e idosos.
Mais próxima da sociedade É através da extensão, que com o ensino e a pesquisa formam os pilares de sustentação de uma universidade, que as instituições de