TRIBUNA CULTURAL

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ANO V - Nº 186

FEIRA DE SANTANA, SÁBADO 31 DE MARÇO DE 2 018

Nanja e suas máscaras

Artista plástica há 35 anos, Nanja Brasileiro começou a pintar por influência dos artistas Juraci Dórea, Ana Rosário e Antonio Brasileiro, que, na década de 1980, criaram o grupo Chocalho de Cabra, realizando intervenções artísticas nos muros da cidade. Da oportunidade inesperada de realizar um mural, Nanja, que, até então, auxiliava os pintores com as tintas, decidiu seguir carreira. Autodidata, participou de várias exposições coletivas e individuais e obteve premiação e menções honrosas em diversas bienais e salões regionais. A artista dedicou metade de sua vida artística à pintura sobre suportes tradicionais, especialmente telas, mas, há 16 anos, pela necessidade de experimentar técnicas novas, passou a dedicar-se ao mosaico. Com trabalhos instalados em vários pontos da cidade e também em Salvador, Nanja vem confeccionando mandalas, painéis, calçadas, fachadas e muros, sobretudo em parceria com renomados arquitetos. No entanto, conforme enfatiza, o mercado baiano, especialmente o feirense, impõe muitas dificuldades aos artistas, tornando árdua a tarefa de sobreviver de arte. Levando a cabo a inquietação natural de todo artista, Nanja também vem desenvolvendo uma inusitada série de pinturas em rostos humanos. E essa tentativa de eternizar a efemeridade sempre acaba resultando em belíssimas composições, que surpreendem não apenas os espectadores, mas também aqueles que se permitem transformar em obras de arte. Essas máscaras, capturadas e imortalizadas pelas lentes do fotógrafo Leo Brasileiro, compõem a série Eu e minha máscara, que a artista pretende retomar em breve. Nessa entrevista, concedida à editoria do Tribuna Cultural, a artista fala de sua trajetória, inquietações, influências, impressões sobre a arte contemporânea e sobre Feira de Santana, que, segundo ela, já foi uma cidade artisticamente mais vívida. Quando você começa a se interessar por pintura? O que a influenciou? Minha iniciação na pintura foi, mais ou menos, no ano de 1983. Acompanhava sempre o grupo Chocalho de Cabra, criado por Ana Rosário, Juraci Dórea e Antonio Brasileiro. Nessa época, somente ajudava os pintores com as tintas, até o momento em que me cansei daquele trabalho de ajudante e resolvi pegar no pincel. Eles me deram um espaço no muro do Instituto de Educação Gastão Guimarães e, cheia de receio, fiz uma pintura. Lembro-me que comentaram positivamente e eu fiquei entusiasmada. Antes, sentia-me isolada, fora do contexto, mas, a partir daí, deixei de lado meus estudos em Letras e mergulhei na pintura. Já são 35 anos dedicados às artes plásticas, que passaram num piscar de olhos. Se pudesse, teria outra vida para aprimorar tudo o que fiz. Quais são as referên-

cias do seu trabalho? Minha percepção de arte se desenvolveu, ao longo dos anos, baseada em obras de artistas renomados. Não frequentei academia nem cursos de arte. Fui tateando, observando e praticando como autodidata mesmo. Mas tive como referenciais artistas de várias épocas, como Vermeer, Miró, Paul Klee, William Turner, Manabu Mabe... Quando começou a trabalhar com mosaicos? O que a fez dedicar-se a essa técnica? Creio que há 16 anos. O mosaico surgiu quando a pintura começou a não preencher minhas inquietações. Tenho uma grande tendência a estar sempre mudando de foco, experimentando. E o mosaico me tranquiliza, assim como a pintura em cerâmica e a reciclagem de objetos. Quando estou numa dessas atividades, deixo o improvi-

Fotos: Leo Brasileiro

A artista vem desenvolvendo pinturas em rostos humanos. Intitulada Eu e minha máscara, a série é uma forma de capturar a fluidez do instante so me levar. São trabalhos mais despretensiosos. É como cuidar de um jardim. O tempo passa sem você sentir. Mas é uma é uma técnica muito árdua. Todo o trabalho é artesanal. Não uso ferramentas industriais. Além disso, há a dificuldade de encontrar cores, que são muito limitadas. Mas o resultado é sempre gratificante. Em geral, uma peça leva em torno de cinco a oito dias para ficar pronta. Muita gente tem questionado o que é arte na atualidade. O que pensa sobre a arte contemporânea? Como em todos os setores da vida, tudo tem o seu tempo de permanência. A arte, como a vida, está sempre mudando. Se acompanharmos a história da arte, desde as primeiras manifestações do ser humano, vamos observar uma constante mudança. O artista quase sempre reflete o seu tempo, mas também lhe é peculiar o desejo de romper com tradições, expressando sua visão de mundo de maneiras variadas. É muito difícil definir, hoje, o que é arte, em função da complexidade e proporções que o termo alcançou. A arte, como habilidade de

expressar o real e que está relacionada à estética e à beleza, é passível de questionamentos. Na verdade, não arrisco uma definição. A arte contemporânea passa por conceitos bem abrangentes e, para mim, muitos deles, confusos. Não concordo, por exemplo, que qualquer manifestação dirigida ao campo artístico seja arte. Para mim, existe muito lixo, que os críticos nos empurram como arte. A boa arte contemporânea existe, claro, mas nem tudo que aparece, hoje, é arte. Outra visão de contemporaneidade na arte é a da liberdade de expressão como fator determinante nas criações artísticas. O conceito de valor é totalmente diferenciado do conceito clássico. De repente, qualquer pessoa pode se tornar artista. Qualquer atividade bem fundamentada pode ser arte. Dessa forma, arte é liberdade de expressão. Como vê a questão da originalidade nas artes plásticas? “Não existe nada de novo na face da Terra”. Nem originalidade em arte. Cada artista coloca seus sentimentos em tudo aquilo que cria. Existe seu toque

pessoal, sua abordagem diferenciada, mas nada é absolutamente novo. A arte é uma soma de experiências e ninguém é único no que faz. Como vê a relação do espectador com o seu trabalho? Em geral, os espectadores se manifestam de maneira favorável ao meu trabalho. Creio que passo certa tranquilidade ao olhar de cada um, muito embora isso não signifique que consiga viver da minha arte e, muitas vezes, fico sem estímulo. Todo artista almeja um púbico sensível, que veja em seu trabalho algo de importante. Mas pinto porque não consigo verbalizar minhas impressões de mundo, meus sentimentos. “Faço arte porque a vida não me completa”.

cando de salão de beleza e, depois de maquiá-la, resolvi produzi-la para um desfile. O resultado saiu muito bom. Então, Leo Brasileiro, meu filho, fotografou. Gostei muito e parti para outros rostos, iniciando essa série que resultou numa exposição na Galeria de Arte Carlos Barbosa. Buscava fazer com que cada rosto pintado expressasse algo da personalidade de cada modelo. É como se o personagem mascarado surgisse com algo mais, que não aparecia no seu rosto sem pintura. De repente a câmera captava semblantes multifacetários, tanto que o próprio modelo se estranhava quando via as fotos. Sinto muito não ter conseguido continuar aperfeiçoando esse trabalho. O custo era muito alto. Mas quero retomá-lo.

Há alguns anos, você vem desenvolvendo pintura em rostos humanos. Como surgiu essa ideia? Tenho uma característica forte, que é deixar as ideias surgirem sem planejamento prévio. As coisas acontecem por acaso e me levam numa direção. A pintura em rostos surgiu de um momento lúdico com uma sobrinha. Estávamos brin-

Que sensação trabalhar com essa vertente efêmera da arte produz em você e no outro que é transformado em obra de arte? Pintar rostos, para mim, é descobrir-me na máscara de cada um. É um momento efêmero, mas registrado pela máquina fotográfica. Fica a memória, como nossa vida. Como diz Antonio Brasileiro, em um


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