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ANO V - Nº 188
FEIRA DE SANTANA-BAHIA, SEGUNDA-FEIRA, 30 DE JULHO DE 2018
Casa de Passagem para artistas itinerantes será primeira do Nordeste Ísis Moraes Realizar o sonho do pai cordelista, cantador, repentista. Sabiá Laranjeiras partiu em 2005, mas deixou para o filho, o produtor cultural, escritor e também cordelista Olliver Brasil, não só suas lições de vida e seu legado artístico, mas o desejo de ajudar o próximo e de difundir a cultura popular. O renomado artista tinha o desejo de construir um albergue, para hospedar os que, com poucos recursos e sem nenhum apoio, viajam pelo país para alegrar a rotina dos cidadãos comuns e subtraí-los do automatismo cotidiano. A morte precoce não permitiu que Sabiá iniciasse a construção do espaço, mas Olliver diz que o pai chegou a acolher dezenas de artistas na casa onde morava. “Meu pai teve a ideia de criar o albergue em 2003. Planejava construí-lo em um terreno dentro do sítio onde vivia. Desenhou a planta e chegou a fazer a demarcação do local onde ergueria a sede, mas, por falta de incentivo, teve que parar. No entanto, já vinha pondo em prática um embrião do projeto, albergando, na própria casa, mais de 40 artistas populares, oriundos de vários estados do Nordeste. Após a sua morte, o projeto ficou parado por dez anos, até que resolvi retomá-lo, em 2015”, lembra. Para concretizar o sonho do pai, Olliver Brasil e a esposa, Enny Olliver, venderam a casa onde moravam, compraram um terreno, localizado no Conjunto José Ronaldo de Carvalho, em Feira de Santana, e deram início à construção da Casa de Passagem Sabiá Laranjeiras, que será a primeira instituição do Nordeste a abrigar artistas itinerantes. “Em 2015, entrei em contato com a viúva dele, para saber se ela ainda tinha a planta e, felizmente, ela a havia guardado. Após conseguir esse desenho, renasceu toda a vontade de tomar conta do projeto, até por ser o único filho dele, dos nove, que é cordelista e cantador. Então, para mim, é uma honra dar sequência a essa ideia. Estamos seguindo o
projeto à risca”, ressalta. A iniciativa foi a forma que Olliver encontrou de não apenas perpetuar a memória do pai, mas de pôr em prática o traço mais valioso de sua personalidade: a capacidade de se solidarizar com as dificuldades e os sofrimentos dos outros. “Meu pai era um ‘Irmão Dulço’ (risos). Ele queria abraçar o mundo. Não aguentava ver uma pessoa na rua, precisando de ajuda, que se aproximava para perguntar o que era mais urgente. E se ele não pudesse fazer, tentava conseguir ajuda com algum amigo. Nem conhecia a pessoa, mas se solidarizava. E eu acabei herdando essa missão”, conta o produtor, que também tem por hábito abrigar os artistas que vêm de fora em sua residência particular. Segundo Olliver Brasil, o que movia o pai era o mesmo sentimento que o motiva: o amor, pelo ser humano, em primeiro lugar; e pela cultura popular, tão viva, mas ainda tão institucionalmente desvalorizada em Feira de Santana. “Essa cidade é um turbilhão. Está em ebulição constante. Por aqui passa gente de todas as partes do país, especialmente do Nordeste. É muito comum artistas da Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará virem para cá, tangidos pela expectativa de que, aqui, é possível levantar uma grana fazendo trabalho de rua. E, de fato, é, porque o pessoal daqui acolhe. No entanto, essas pessoas não têm onde pernoitar sem gastar muito. Então, o camarada vem de fora, faz um trabalho lindo, mas acaba gastando mais da metade do que ganhou só com hospedagem e alimentação. A viagem quase não compensa”, lamenta. Sentindo na própria pele as dificuldades de se fazer arte sem qualquer apoio, já que também realiza trabalhos de rua, Olliver diz que uma experiência foi definitiva para impulsioná-lo a tocar o projeto sonhado por Sabiá. “Em 2013, fui a Montes Claros, em Minas Gerais, realizar um trabalho e tive o prazer de ser hospedado pelo artista e amigo Carlos Renier Azevedo, que tem um projeto bem parecido lá. Ele
Acervo pessoal do artista
“Nosso desejo é que a Casa de Passagem Sabiá Laranjeiras seja uma casa de amigos para muitos artistas”, diz o produtor cultural Olliver Brasil acolhe tudo quanto é artista que passa pela cidade. E isso me emocionou muito. Foi uma peça fundamental nesse processo de reavivamento do sonho do meu pai. Quero dar sequência ao desejo dele, para que os artistas populares tenham mais oportunidades de ganhar o pão de cada dia, porque artista de rua sofre pra caramba”, constata. PERSISTÊNCIA Sem apoio governamental e sem incentivo de empresas privadas, até o momento, Olliver enfatiza que não tem sido fácil conseguir recursos para dar continuidade à construção, mas espera não precisar parar outra vez. “Começamos a levantar a sede em 2015, mas ainda falta muito. Inicialmente, construímos parte da residência, mas foi preciso dar uma parada, por falta de recursos. Ficamos um ano sem movimentar a obra. E, agora, retomamos o levante. A construção está 2,6 metros de altura. Isso com recursos próprios. Nossa expectativa, se tudo der certo, é fazer, já em agosto, nossa primeira virada cultural na área da Casa de Passagem Sabiá Laranjeiras. Estou construindo agora os dois primeiros compartimentos de quatros, que serão divididos em dois salões para
dormitórios, mais uma área para aulas e o escritório”, comenta, lembrando que ainda está tentando registrar a instituição, para obter o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) como Associação, processo demorado e difícil, em função da burocracia, mas essencial para a captação de recursos. O artista e produtor cultural diz que pensou em inscrever o projeto em algum edital de cultura, mas não conseguiu encontrar nada direcionado a esse tipo de iniciativa. A dificuldade não o fez desanimar. Ao contrário, instigou-o a utilizar uma das mais poderosas ferramentas contemporâneas a favor de seu sonho. “Usamos as redes sociais para agregar esforços. E cada vez mais pessoas estão nos apoiando. Amigos de São Paulo, Paraíba e de outros estados, além de artistas que já foram albergados por nós, estão se solidarizando e contribuindo como podem. Agora, eles inventaram uma vaquinha virtual. Mas tudo é muito difícil. Em dois meses, conseguimos apenas duas doações. No entanto, esse apoio nos dá forças para manter o foco. Nossa necessidade é gritante. É uma luta imensa, mas o sonho não pode parar. Vou buscar realizá-lo a vida toda”, afirma.
Olliver Brasil espera que os poderes públicos e a iniciativa privada também abracem o projeto, devido à importância dele para a perpetuação da cultura popular, tão fundamental no processo de formação de Feira de Santana e do próprio país. “Feira é uma mãe para os artistas populares, mas uma mãe que abraça na chuva, em função, justamente, dessa falta de apoio governamental. É preciso um olhar mais sensível para esse segmento. A arte popular está agonizando, mas não vai morrer. Enquanto tiver um artista de rua, ela vai sobreviver. Pode ser que a duras penas, mas não vai deixar de respirar jamais. Se os gestores, de todas as instâncias, tiverem um mínimo olhar possível, essa triste realidade pode mudar. Tantos milhões permanecem ociosos ou são mal investidos, então por que não apoiar projetos que tantos benefícios podem trazer para a população?”, questiona. Ele reconhece que parte da culpa é dos próprios artistas, que não apresentam projetos. “É preciso fazer nossa mea culpa. Não desenvolvemos projetos. E é importante uma maior conscientização por parte dos artistas populares. Digo por mim também. Tenho 12 livros e 64 cordéis publicados e meu material
é todo artesanal, desde o começo. A mesma coisa com os 30 CDs que gravei. Fiz tudo do meu bolso. Nunca procurei patrocinador. É um diferencial do meu trabalho, mas, ao mesmo tempo, me prejudica muito. Sei que outros artistas também trabalham assim, então também somos culpados. Precisamos buscar recursos, porque eles existem. Mas temos que apresentar projetos. Essa deficiência de editais voltados à cultura popular decorre disso também, não é apenas descaso governamental”, pondera. VACA MECÂNICA Um grande diferencial da Casa de Passagem Sabiá Laranjeiras é ir além do suporte aos artistas populares. Olliver e Enny também desejam dar ao projeto um importante foco social. “Nossa ideia é agregar também um trabalho de assistência a crianças em estado de desnutrição. Apelidamos esse projeto de Vaca Mecânica, porque visa a distribuição de leite de soja, pão integral e multimistura. Aparentemente, Feira de Santana não tem esse problema, mas tem sim. E ele é grave e complexo, porque, muitas vezes, está relacionado à maneira como uma pessoa se alimenta, e não necessariamente à fome. Às vezes, a