Uma temporada no Congo
Aimé Césaire
tradução, prefácio e notas João Vicente Juliana Estanislau de Ataíde Mantovani Maria da Glória Magalhães dos Reis
Sobre esta edição
No dia 30 de junho de 1960, o Congo Belga, como até então era chamado, se torna um país independente ao fim de um processo de transição conduzido por representantes políticos congoleses e belgas. Quem estivesse presente para assistir às solenidades do evento poderia crer que se tratava de uma transição harmoniosa, sem grandes conflitos. No entanto, a história que começa nessa data, com a nomeação de Patrice Lumumba – um dos líderes do movimento pela independência – ao cargo de chefe de governo do país recém-instituído, terá um desfecho trágico para seu protagonista e para o povo congolês. Uma temporada no Congo nos conta essa história, que se estende por mais de um ano, desde poucos meses antes da independência até o assassinato de Lumumba, ocorrido em 17 de janeiro de 1961. O texto põe em relevo os meandros políticos que conduziram o país a um golpe de Estado, perpetrado com a conivência, quando não ingerência, das potências ocidentais e da Organização das Nações Unidas, e lustrado por uma distorcida retórica anticomunista. A peça ultrapassa, porém, a dramatização dos bastidores da política, já que dá ao povo congolês um papel proeminente. Recorrendo a procedimentos frequentemente adotados por Brecht e pelo teatro elisabetano, Aimé Césaire constrói um universo literário regido pela tensão permanente entre a trama do poder, de um lado, e as dinâmicas do povo, com seus anseios, medos e versões próprias sobre os fatos, de outro; e seu herói, Lumumba, vive precisamente nesse limiar, onde ambas se tocam.
Escrita em 1966, concomitantemente ao processo da montagem teatral, a peça que o leitor tem agora em mãos é a terceira de autoria de Césaire. Ela foi precedida por duas outras, ambientadas no Haiti, Et les Chiens se taisaient [E os cães se
calavam] (Temporal, no prelo), de 1946, e A tragédia do rei Christophe (Cobogó), de 1963, e sucedida por Uma tempestade (Temporal, no prelo), de 1969, uma recriação de A tempestade, de Shakespeare, segundo a perspectiva da luta do povo negro.
Uma temporada no Congo estreou no dia 20 de março de 1967, no Centro Cultural de Anderlecht, em Bruxelas, sob a direção de Rudi Barnet. Essa mesma montagem ainda esteve na programação da Bienal de Veneza em setembro do mesmo ano. Já no dia 4 de outubro, a versão do próprio autor, em parceria com o diretor Jean-Marie Serreau, chega aos palcos da capital francesa, no Théâtre de l’Est Parisien. Desde então, a peça ganhou diversas montagens, dentre as quais caberia destacar a do Teatro Nacional Popular (tnp), dirigida por Christian Schiaretti, que viajou pela França e pela Martinica, país natal de Césaire – todas as fotografias aqui presentes foram, inclusive, tiradas dessa última montagem. Esta edição também traz dois prefácios: o primeiro deles, assinado pelos três tradutores, apresenta a trajetória pessoal, política e artística de Césaire, bem como alguns aspectos sobre a gênese da obra e seus principais processos criativos; no segundo, traduzido para o português pelo mesmo trio a partir da edição francesa de 2021, Éric Vuillard ressalta o papel da linguagem, na peça, como testemunha viva das vozes silenciadas sob a sombra da paz. Conta-se ainda com posfácio escrito pelo intelectual Kabengele Munanga. Além disso, a peça é acompanhada de uma série de notas de fim, criadas com o intuito de trazer o leitor para perto de palavras e termos em línguas congolesas, personagens históricos, localidades e outras referências, de natureza variada, sobretudo relacionadas ao Congo e à sua história. Por fim, na seção “Anexos”, o leitor encontrará as fichas técnicas das três montagens supramencionadas, bem como sugestões de leitura.