PUBLICAÇÃO PERIÓDICA DIRIGIDA A PROFISSIONAIS DE SAÚDE JUNHO 2024 · N.º 37
RGPD no contexto das atividades de saúde: transmissão de informações à família Ana Sofia Gomes Macedo; Matilde Paredes de Almeida Guerreiro; Teresa Alexandra Ferreira; Domingos Martinho // Direito da Saúde e a sua evolução Carla Sofia Carvalho Oliveira // A participação das Autarquias na gestão da saúde do seu território João Gentil // AVALIA-ULS: Análise das Vantagens e Limitações das Unidades Locais de Saúde - Perspetivas da Medicina Geral e Familiar - Parte I António da Luz Pereira; Deolinda Chaves Beça; José Pedro Antunes; Miguel Azevedo; Rui Macedo; Inês da Costa; Inês Ramos Genésio; Mariana Trindade; Rita Correia; Rita Rodrigues Moreira // Organizações do Serviço Nacional de Saúde como Ambientes de Trabalho Saudáveis Tania Gaspar; Emília Telo; Saúl Jesus; Miguel Xavier; Maria do Céu Machado; Margarida Gaspar de Matos; Manuela Faia Correia; José Luís Pais Ribeiro; João Areosa; Fábio Botelho Guedes; Ana Cerqueira; Helena Canhão; Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis // Plano de emergência da Saúde Ministério da Saúde
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ESTATUTO EDITORIAL
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MENSAGEM
Miguel Sousa Neves
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ARTIGO DE OPINIÃO
RGPD NO CONTEXTO DAS ATIVIDADES DE SAÚDE: TRANSMISSÃO DE INFORMAÇÕES À FAMÍLIA
Ana Sofia Gomes Macedo
Matilde Paredes de Almeida Guerreiro
Teresa Alexandra Ferreira
Domingos Martinho
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DIREITO DA SAÚDE E A SUA EVOLUÇÃO
Carla Sofia Carvalho Oliveira
16 A PARTICIPAÇÃO DAS AUTARQUIAS NA GESTÃO DA SAÚDE DO SEU TERRITÓRIO
João Gentil
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AVALIA-ULS: ANÁLISE DAS VANTAGENS E LIMITAÇÕES DAS UNIDADES LOCAIS DE SAÚDE - PERSPETIVAS DA MEDICINA GERAL E FAMILIAR - PARTE I
António da Luz Pereira
Deolinda Chaves Beça
José Pedro Antunes
Miguel Azevedo Rui Macedo
Inês da Costa
Inês Ramos Genésio
Mariana Trindade
Rita Correia
Rita Rodrigues Moreira
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ORGANIZAÇÕES DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE COMO AMBIENTES DE TRABALHO SAUDÁVEIS
Tania Gaspar
Emília Telo
Saúl Jesus
Miguel Xavier
Maria do Céu Machado
Margarida Gaspar de Matos
Manuela Faia Correia
José Luís Pais Ribeiro
João Areosa
Fábio Botelho Guedes
Ana Cerqueira
Helena Canhão
Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis
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PLANO DE EMERGÊNCIA DA SAÚDE
Ministério da Saúde
Publicação periódica dirigida a profissionais de saúde · n.º 37 · Junho 2024
DIRETOR Miguel Sousa Neves COORDENAÇÃO Vera Rodrigues DESIGN E PRODUÇÃO Amarello’s | Escrivães e Queiroga Lda. PROPRIEDADE Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde · Avenida Cidade de Montgeron, 212 · 4490-402 Póvoa de Varzim · E-mail: spgsaude@gmail.com Site: www.spgsaude.pt DEPÓSITO LEGAL 239095/06 REGISTO ERC Exclusão de registo prevista no art.º 12, alínea a, do DR n.º8/99, de 9 de junho PERIODICIDADE Quadrimestral IMPRESSÃO M. Ferreira & Costa, Lda. TIRAGEM 2.500 exemplares
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Na elaboração de conteúdos, os cola-
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Percebemos que há uma mudança no funcionamento superior do Ministério da Saúde. A Direção Executiva do SNS passa a ter como função única, a execução, da melhor forma possível, das decisões a emanar da Ministra da Saúde. No governo anterior, a Direção Executiva tinha um papel mais interventor na formulação de políticas e na restruturação do SNS. Esse papel parece estar a ser assumido, na sua quase totalidade, na Avenida João Crisóstomo. Há assim uma responsabilidade acrescida da Dra. Ana Paula Martins. Junho 2024
Presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde
MIGUEL SOUSA NEVES
RGPD no contexto das atividades de saúde: transmissão de informações à família
Ana Sofia Gomes Macedo
Matilde Paredes de Almeida Guerreiro
Teresa Alexandra Ferreira
Domingos Martinho
Resumo: Na área da saúde são recorrentes os pedidos de informação por parte dos familiares. Estas situações suscitam nos profissionais de saúde inúmeras questões acerca da legitimidade, regime jurídico subjacente, confidencialidade dos dados e respeito pela autonomia e privacidade do utente. No que respeita aos dados pessoais, estes são sigilosos e o Regime de Proteção de Dados (RGPD) vem dar firmeza ao dever de “segredo”. A aplicação de um consentimento por parte do titular dos dados aumentou a possibilidade de limitar a livre circulação de dados pessoais. Na área da saúde a tecnologia tornou-se num veículo de armazenamento e transmissão de informação. Este trabalho tem como objetivo compreender e conhecer o contexto de como é realizada a partilha de informação de saúde, os termos em que a família pode aceder à mesma assim como, identificar procedimentos para um Serviço de Urgência Geral (SUG) que incluam as boas práticas, que estejam de acordo com o RGPD e otimizem a gestão dos pedidos de acesso de informação dos utentes. Todos os pedidos de informação devem seguir o circuito definido para o acesso à informação clínica, de forma que seja possível avaliar a legitimidade do acesso e da licitude da disponibilização da informação clínica.
Palavras-Chave: Dados Pessoais de Saúde; RGPD; Processo Clínico; Transmissão de Dados à Família.
Ana Sofia Gomes Macedo Mestre em Enfermagem Nefrológica, Pós-Graduada em Gestão e Administração de Unidades de Saúde, Enfermeira Especialista em Médico-Cirúrgica, https://orcid.org/0009-0006-8205-7335; Matilde Paredes de Almeida Guerreiro Mestre em Enfermagem Pessoa em Situação Crítica, Pós-Graduada em Gestão e Administração de Unidades de Saúde, Enfermeira Especialista em Médico-Cirúrgica, https://orcid.org/0000-0001-6122-3468; Teresa Alexandra Ferreira Pós-Graduada em Gestão e Administração de Unidades de Saúde, Enfermeira Especialista em Reabilitação, https://orcid.org/0000-0003-3017-1188; Domingos Martinho Doutor em TIC na Educação, Especialista em Ciências Informáticas, https://www.cienciavitae.pt/portal/DF14-D953-4D04
INTRODUÇÃO
A área da saúde assume hoje um contexto particularmente complexo, onde os problemas de saúde das pessoas exigem uma resposta multidisciplinar. A informação recolhida e os diversos dados de saúde registados pelos profissionais de saúde não são apenas do conhecimento de um profissional de saúde, mas de toda a equipa (Deodato,2017, citado por Fernandes, 2020).
Sob as constantes solicitações dos familiares sobre informação dos utentes, importa refletir sobre quais são os limites e o tipo de informação que é permitido disponibilizar, sem desrespeitar a autonomia e privacidade do utente.
Tendo por base o RGPD torna-se pertinente analisar o impacto na transmissão de dados aos familiares, no papel de enfermeiro do utente. O desenvolvimento da tecnologia de comunicações disponibilizou novas oportunidades, mas também trouxe novas ameaças e vulnerabilidades à prestação de cuidados de saúde.
A telemática aplicada à saúde tem vindo progressivamente a afirmar-se como uma resposta às inúmeras necessidades com que o sistema de saúde se confronta. No entanto com o aumento da propagação da informação, podem surgir constrangimentos face à garantia da privacidade individual e institucional.
Em Portugal, é em 24 de maio de 2016 que a proteção de dados pessoais passa a ter maior destaque e evidência, com a entrada em vigor do RGPD.
Os utentes têm uma palavra a dizer sobre o acesso aos seus
dados!
Esta área passa a ser uma das grandes preocupações das administrações das estruturas hospitalares e de todos os profissionais com responsabilidade de decisão.
Considerando o exposto, o presente trabalho é uma análise sobre o RGPD no contexto da atividade de saúde, nomeadamente na transmissão de informação à família, de forma a compreender o seu impacto na atividade diária vivida por nós enquanto profissionais de saúde de um SUG.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
No seguimento do Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do conselho de 27 de abril de 2016, os dados pessoais de saúde são considerados, consensualmente, os dados pessoais mais sensíveis que existem, e são informações pessoais, com grande abrangência e profundidade.
Para o RGPD o disposto na Lei N. º12/2005, relativamente ao conceito de dados de saúde e de informação de saúde mantem-se equivalente.
Entende-se por informação de saúde, “todo o tipo de informação direta ou indiretamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar” (Lei 12/2005, art. 2º).
O registo, informatizado ou manual, da informação médica de uma pessoa constitui o seu processo clínico que deve ser inscrito e consultado pelo médico que acompanha o utente ou, sob a supervisão daquele, outro profissional de saúde igualmente sujeito a sigilo profissional (Lei 12/2005, art. 4º).
Quanto ao fornecimento de informação da pessoa doente seja do foro clínico e administrativo a outras entidades, esta é propriedade da mesma e não deve ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados, investigação em saúde ou outros fins estabelecidos pela lei (Lei 12/2005, art. 3º).
Colocam-se então as questões: Será que se pode fornecer informações do utente à respetiva família? Que tipo de dados sobre o utente podem ser fornecidos à família?
Os sistemas que organizam a informação de saúde “devem garantir a separação entre a informação de saúde e genética e a restante informação pessoal, designadamente através da definição de diversos níveis de acesso” (Lei 12/2005, art. 4º).
Por exemplo, existem formas de atuação diferentes relativamente aos dados clínicos e aos dados administrativos. Os administrativos não devem aceder aos dados médicos, assim como alguns dados médicos ou permissões para modificar dados clínicos e terapêuticos devem estar disponíveis apenas para alguns médicos.
Entende-se assim que os dados de saúde pertencem exclusivamente ao utente, não devendo ser revelados por terceiros. É o utente que dá o seu consentimento a quem tem o direito de aceder a essa informação. É o acesso à informação de saúde que lhe permite reunir elementos para o exercício informado de uma série de direitos, conferindo liberdade de reclamar, consentir ou recusar no momento anterior à prestação de cuidados de saúde. Igualmente, o utente não deve poder aceder aos dados de terceiros que por alguma razão forte constem da sua história clínica (O Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, 2016).
Previamente em 2005, a Constituição da República Portuguesa (artigo n. º26, alínea 2 e 6) consagrava o direito à identidade pessoal e à reserva da vida privada e estabeleceu ainda garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
Por conseguinte, “a informação de saúde só pode ser utilizada pelo sistema de saúde nas condições expressas em
autorização escrita do seu titular ou de quem o represente” (Lei n.º 12/2005, art.º 4.º).
Segundo Prata Ribeiro et al., (2020) com base no Decreto-Lei no 58/2019, não seria necessário um consentimento do utente para registo de dados pessoais e transmissão entre os vários técnicos de saúde , uma vez que, segundo o artigo 30.º dessa Lei, os dados relativos à saúde são organizados em bases de dados ou registos centralizados assentes em plataformas únicas para efeitos das finalidades legalmente previstas no RGPD e na legislação nacional, preenchendo os requisitos de segurança e de inviolabilidade previstos no RGPD.
No entanto, a Comissão Europeia, (2016), art.º9, Alínea 2, c) h) i) j) revela que existem exceções a esta condição de autorização por parte do utente nas situações em que o titular dos dados fornece o seu consentimento explícito se “for necessário para proteger os interesses vitais do titular dos dados ou de outra pessoa singular, no caso do titular dos dados estar física ou legalmente incapacitado de dar o seu consentimento (…) para efeitos de medicina preventiva ou do trabalho, para a avaliação da capacidade de trabalho do empregado, o diagnóstico médico, a prestação de cuidados ou tratamentos de saúde ou de ação social ou a gestão de sistemas e
serviços de saúde ou de ação social (…) ou por força de um contrato com um profissional de saúde (…)por motivos de interesse público no domínio da saúde pública) e para fins de investigação científica”. A comissão de ética para a saúde (2014, p.8) afirma que os familiares não são detentores do direito da informação dos seus familiares.
Por isso, no contato com os familiares, ou conhecidos do utente, os profissionais de saúde estão obrigados ao sigilo de toda a informação obtida através das suas práticas de cuidados e à proibição da divulgação dessa mesma informação (Lei de Bases de Saúde, N. º48/90, Base XIV, alínea 1, d; Council of Europe, 1950, art. 8º).
No caso específico da enfermagem, o enfermeiro deve apenas fornecer a informação que diz respeito à sua área de atuação, não comprometendo aquilo que é a sua esfera de competência. A Ordem dos Enfermeiros (OE) (2017), obriga os enfermeiros ao dever do Sigilo. Atualmente a maioria da informação gerada em saúde é sob a forma digital o que permitiu trazer novas ferramentas e inúmeras possibilidades para o registo de dados e tratamentos dos utentes, tal como demonstrou a Pandemia Covid 19 (Taylor et al., 2020; OMS, 2021).
A lei reforça que a informação de saúde é propriedade da pessoa, e a sua
circulação da informação de saúde deve ser assegurada com respeito pela segurança e proteção dos dados pessoais e da informação de saúde (Assembleia da República, 2019), evitando assim o tráfico ilegal de dados de uma entidade para outra.
Sendo os hospitais depositários de informação, têm a responsabilidade acrescida em garantir a portabilidade de dados segura e consentida, a não manipulação, difusão e violação dos dados pessoais dos seus utentes/clientes por terceiros. É de extrema importância que a entidade contratualizante garanta a segurança das instalações e equipamentos /sistemas informáticos que contenham informação de saúde, o controlo no acesso indevido por terceiros aos processos clínicos, assim como o reforço do dever de sigilo e de todos os profissionais.
São vários os programas informáticos e aplicações na área da saúde que contêm bases de dados: bilhete de identidade dos cuidados de saúde primários, o portal do utente, sistema de informação para a morbilidade hospitalar, sistema de informação de taxas moderadoras, sistema de informação RHV – Recursos Humanos e Vencimentos, atestados médicos para a carta de condução, área do cidadão, boletim de vacinas digital, receita sem papel, Sclínico Hospitalar, Uno Adm (Batista et al., 2018).
A tecnologia em informação veio melhorar o apoio à tomada de decisão dos profissionais e tornar o utente mais ativo na sua saúde utilizando um conjunto de bases de dados. Hoje em dia, o utente consegue em algumas instituições de saúde por exemplo, marcar e visualizar consultas e exames complementares de diagnóstico. Por outro lado, a telemedicina também trouxe maior facilidade e rapidez na comunicação entre instituições de prestação de cuidados médicos e respetivos profissionais de saúde para troca de opiniões e conhecimento (Smith et al., 2020).
Também a obtenção de conhecimentos através da terapia da informação ou “informoterapia”, tem demonstrado uma
Colocam-se então as questões:
Será que se pode fornecer informações do utente à respetiva família?
Que tipo de dados sobre o utente podem ser fornecidos à família?
relação positiva entre a informação de saúde facultada e a literacia em saúde, autopercecionada pelos utentes (Rocha et al., 2021; Chesser et al., 2012).
Esta nova realidade de tecnologias de informação e comunicação na área da saúde, aliadas a Internet, apesar de indispensáveis à vida, trouxe riscos que até esta fase eram inexistentes e não levantavam qualquer preocupação no âmbito da saúde.
Os dados digitais podem ser desrespeitados e violados por terceiros (Bittar, 2014). Estes, podem intercetar ou mesmo furtar os dados para realização de fraudes, produzindo consequências tanto para o prestador de saúde como para o utente.
Por isso, estes dados pessoais sensíveis devem ter medidas especiais de segurança com diferentes níveis de acesso à informação e com a possibilidade de selecionar e segmentar o conteúdo da sua comunicação (Nunes, 2019).
É importante definir explicitamente quem tem acesso e a que informação. É perante esta realidade que surge a importância da Cibersegurança.
Segundo o Centro Nacional de Cibersegurança Portugal (2019) a Cibersegurança designa-se como um conjunto de ferramentas, políticas, guias, abordagens, ações de formação e prevenção, usadas para proteger a integridade e confidencialidade dos ativos da organização no ambiente virtual .A importância da Cibersegurança não se cinge à proteção dos dados. Engloba, como referido no Despacho N.º 8877/2017, p. 22776, a preservação da qualidade dos recursos que contribuem para a prestação contínua de serviços públicos de cuidados de saúde.
Na área da saúde é da responsabilidade dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) em obrigatoriedade de articulação com o Gabinete Nacional de Segurança/Centro Nacional de Cibersegurança, proteger os dados de saúde dos cidadãos portugueses.
Remetendo agora para a questão que levou a esta análise, é importante salientar o avultado pedido de informações diários, por parte dos familiares, no SUG. Tendo em conta o contexto pandémico vivenciado e a consequente limitação de visitas dos familiares, estas solicitações transformaram-se em telefonemas. Estes pedidos de informação podem englobar informação administrativa e/ou clínica do utente. É uma situação, que apesar de os profissionais absterem-se de o fazer, pela impossibilidade de confirmação presencial, com a exceção de quando esse contato é fornecido pelo próprio utente, com o respetivo consentimento recolhido para a prestação de informação. O simples facto de um requerente se apresentar como familiar de um utente, não significa que possa ter acesso à informação clínica respeitante a esse mesmo utente.
O perigo de fuga de informação aquando de um pedido de informação presencial é real, quanto maior se este for por telefone. Fornecer informações para o exterior tem um risco elevado e a forma de controlar a informação disponibilizada é deveras complexa, sendo inerente possíveis prejuízos graves para os utentes. A utopia seria que na transmissão de dados estive-se patente a autenticidade sem intrusos e que os interlocutores fossem as pessoas que dizem ser, realizando uma confirmação de identidade e grau de parentesco da pessoa que pede informação, sem exceções. Não se pretende descurar as famílias e acompanhantes dos utentes, no seu processo de cura, até porque as mesmas são fundamentais na garantia de sucesso do mesmo. No entanto, a exigência de informação solicitada não pode direcionar o discernimento e ir para além da Lei e do dever de Sigilo. A forma de atuação deve de ir ao encontro do que vigora relativamente à privacidade e au-
tonomia do utente.
Outra situação que acontece é os familiares já possuírem informação prévia do estado clínico do utente, devido a informação fornecida replicada por diferentes profissionais (no seguimento da telemedicina e sua limitação, pelos seguimentos via telefone), nomeadamente profissionais da instituição que não trabalham no SUG, mas que têm acesso ao software.
No que concerne ao acesso à base de dados dos utentes, está inerente à prestação de cuidados de saúde e à consequente consulta de dados para a prestação de cuidados de saúde, que podem ir desde o momento de recolha de dados para a marcação de uma consulta de especialidade, passando pela realização de consulta e registo de dados e realização de exames, até à realização de um determinado procedimento cirúrgico durante o qual são recolhidos dados do utente sujeito à intervenção, sendo registados no processo clínico do utente. Certifica-se que os dados de saúde devam ter uma proteção especial de modo a evitar o “tráfego de dados”. Por exemplo, se as companhias de seguros tiverem acesso a dados de saúde dos seus clientes, podem negar-lhes seguros, do mesmo modo, os empregadores podem despedir ou não contratar pessoas baseados no mesmo tipo de informação (Lança, 2018; 2019).
É importante salvaguardar a privacidade do utente, pois contribui para que este tenha confiança na organização que lhe presta cuidados de saúde. Este interesse público geral não pode ser abandonado por proveitos privados de um dos contratantes à custa da violação da intimidade da vida privada do outro. Estas bases de dados deveriam ser colocadas em locais controlados onde apenas os profissionais autorizados conseguissem aceder. Meios de autenti-
Fornecer informações para o exterior tem um risco elevado e a forma de controlar a informação disponibilizada é deveras complexa, sendo inerente possíveis prejuízos graves para os utentes
cação suplementares, tais como dispositivos biométricos, podem ser utilizados nestes casos, assim como métodos de encriptação no manuseamento da informação, que mesmo em caso de perda ou roubo de dispositivos, os dados não poderão ser acedidos.
Tendo como exemplo um SUG em que o software utilizado é o alert, a informação associada ao alert é passível de ser consultada no software Sclinic, podendo ser consultada nos restantes serviços do hospital. Poderiam existir mecanismos de segurança como por exemplo minimizar o número de campos a pesquisar, sendo necessário introduzir novamente a senha se quisessem aceder ao alert através do Sclinico, ou a atribuição de palavras passe personalizadas e com obrigatoriedade de alteração periódica.
Outro problema que se levanta no SUG, é a circulação facilitada de profissionais externos ao serviço, desde que tenham o fardamento hospitalar. O devido controlo de acesso ao serviço seria uma forma de implementar mais uma barreira para impedir o acesso não autorizado à informação.
Neste momento é possível aceder ao processo clínico do utente que se encontra noutra entidade pública de saúde, através do aplicativo Registo de Saúde Eletrónico. Permite ter um conhecimento e seguimento de todo o histórico clínico do utente, podendo ser benéfico para o seu tratamento e observação. Por outro lado, aumenta o acesso a um maior número de profissionais de saúde e consequente um maior risco de fuga de informação.
É necessário que as organizações de saúde protejam a privacidade do utente, pois este deve confiar no local onde está a ser tratado e nos profissionais que vão ter acesso aos seus dados pessoais. O utente, na situação de doença, está vulnerável e é premente o compromisso de sigilo, pois muitas vezes a situação clínica do utente é desconhecida para os familiares entre outros, por opção do utente. A primeira abordagem não deve ser barrar o acesso à informação, mas sim, avaliar individualmente cada pedido de transmissão de informação.
É essencial garantir que apenas acedem aos dados quem está legalmente habilitado para o efeito (Grupo de trabalho, Artigo 29, 2016).
CONCLUSÃO
Os efeitos da tecnologia aplicada à saúde não se abstêm dos aspetos éticos e legais, como a privacidade, confidencialidade, os direitos de acesso e de propriedade, proteção e segurança dos dados. Estes são princípios que suportam diariamente a atividade dos profissionais de saúde no processo de prestação de cuidados. Contudo, não se aplicam somente aos profissionais que estão em contato direito com o utente. Aplicam-se também a todos os profissionais de saúde e aos próprios estabelecimentos de saúde, onde a informação é registada, arquivada ou está disponível para consulta. Um dos suportes de material de informação de saúde utilizado pelos profissionais de saúde, é o processo clínico. Com ele, o profissional de saúde conhece e acompanha o estado de saúde do utente, a sua evolução, facilitando também o acesso a standards terapêuticos e a portabilidade e acesso remoto dos dados. Para além desta utilidade contribui para a racionalização dos recursos. No entanto deve ser apenas usado pelos profissionais de saúde na medida do estritamente necessário à realização da prestação de cuidados de saúde.
No hospital a prática dos profissionais deve de estar de acordo com o RGPD, pois faz diminuir a possibilidade de colocar a instituição e os seus próprios profissionais em situação de vulnerabilidade. A implementação e atuação deve abranger a população hospitalar e população de uma forma geral. O aumento da literacia sobre o RGPD iria contribuir para uma melhor aceitação e compreensão por parte da família dos utentes, face à forma de agir relativamente à transmissão de informação. Poderiam ser criados folhetos informativos e alertas no site do Centro Hospitalar por exemplo. A elaboração de normas que uniformizassem a cedência de informação de acordo com o RGPD, também ajudaria a que cada profissional seja de qua área fosse, toma-se consciência dos seus limites na transmissão de informação, assim como no acesso indiscriminado a informação do utente que não está à sua responsabilidade. Outra estratégia facilitadora para se atuar de acordo com o RGPD seria a realização de auditorias de verificação de falhas e tentativas não autorizadas de acesso á informação. Através de uma maior vigilância, consegue-se melhor controlar o cumprimento e toda a legislação relacionada com a proteção de dados. Para facilitar esta tarefa, seria importante existirem mais encarregados de Proteção de Dados nas instituições.
Conclui-se que é de elevada relevância refletir com toda a equipa multidisciplinar e organizacional, sobre o desenvolvimento de consciência da importância da preservação da informação como um património da organização.
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· Rocha, M. I., Almeida, C. V., Cepeda, A., Carneiro, A., Silva, A. F. C., Gonçalves, A. C. da S., Machado, A. F., Silva, A. L., da Silva, C. A. O., Oliveira, C. M. S., Schacht, E., Santos, F., Cunha, F., e Silva, G. M. C., Almeida, G. M. D., Cerejeira, I., Gonçalves, J. F. J., da Costa, L. M., da Costa, M. M. N. S., … Costa, R. (2021). Literacia em Saúde e Capacitação dos Profissionais. https://www.chpvvc. min-saude.pt/wp-content/uploads/sites/34/2021/09/EBOOK_CHPVVC_ final_06_09_2021.pdf
· Literacia em Saúde e Capacitação dos Profissionais. https://www.chpvvc. min-saude.pt/wp-content/uploads/sites/34/2021/09/EBOOK_CHPVVC_ final_06_09_2021.pdf
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· Taylor, K., Gall, B., & Siegel, S. (2020). Digital Transformation: Shaping the Future of European Healthcare. Deloitte, September.
Direito da Saúde e a sua evolução
Carla Sofia Carvalho Oliveira
O Direito da Saúde, e tudo o que lhe subjaz, constitui hodiernamente uma temática crucial alvo de intensos debates nas sociedades contemporâneas.
Inicialmente, a Saúde foi vista como um bem de natureza meramente individual, cuja promoção não dizia respeito à comunidade política organizada, mas antes a cada pessoa de uma forma individual, no qual a relação médico/ paciente se assumia com um papel de digna importância, garantindo um conjunto de direitos básicos da pessoa face à intervenção, potencialmente lesiva, do médico.
Mas, na verdade, adquiriu-se muito cedo a ideia do peso coletivo da saúde e da sua essencialidade para a preservação da vida da comunidade. Esta relevância foi evidenciada, em primeiro lugar, pelo resultado do caráter comunitário das epidemias e, posteriormente, pela exposição da ciência, que relacionou as condições de salubridade do espaço público, da higiene pessoal, da alimentação e da qualidade do ar e da água com a incidência de determinadas enfermidades. Contudo, nesta fase, a missão de prestar cuidados aos enfer-
mos era tradicionalmente realizada por instituições de caráter religioso, imbuídas de um espírito assistencialista.
Mais tarde, assistiu-se à diluição dos laços de solidariedade característicos das populações rurais e ganharam relevo as necessidades de saúde de uma população crescente urbana, que chamou o Estado para a tarefa de organizar um sistema de cobertura de riscos, entre os quais o de doença. Este modelo, dos finais do século XIX, no governo do Chanceler Bismarck, tem por base a criação de seguros obrigatórios, cujo custo é dividido entre empregador e trabalhador.
No séc. XX, no período posterior à II Guerra Mundial, ocorre uma transformação radical do modo de perspetivar a relação entre saúde e o Estado, a qual surge marcada pela criação, na Europa, daquilo a que se convencionou chamar segundo Estorninho e Macieirinha (2014) “(…) Estado Social, providência ou de bem-estar” (p.11). No que con-
cerne à saúde, o Estado além de assegurar a manutenção da ordem pública sanitária, passa a prestar, através de um serviço próprio de natureza pública, os cuidados de saúde necessários a toda a população. Este progresso é justificado pelo reconhecimento da saúde como um bem fundamental de todo o ser humano, indispensável à afirmação da sua dignidade, e de cuja responsabilidade a comunidade política não se pode afastar. A expressão deste movimento de afirmação da essencialidade da saúde foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a qual consagra, no seu artigo 25º, o direito de toda “a pessoa à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade”. Tratando-se de um instrumento de interpretação e de integração de direitos fundamentais do Homem,
Carla Sofia Carvalho Oliveira Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação na ULS Médio Ave Pós-Graduada em Bioética e em Administração e Gestão da Saúde
este apela sobretudo ao reconhecimento da dignidade como característica inerente à condição humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis, constituindo o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem.
Apesar da criação recente da disciplina do Direito da Saúde, decorrente naturalmente da Declaração Universal dos Direitos do Homem, constata-se que a mesma não esteve ausente dos marcos históricos. Mas foi a evolução da ciência médica e os métodos de investigação que levantaram ao Direito e à Ética inquietantes dúvidas acerca dos limites da Medicina. Neste contexto, surge o Biodireito e a Bioética.
Por outro lado, o Estado, usufruindo dos seus poderes com vista ao desenvolvimento da saúde pública, afirmou-se através da formulação de um corpo de normas de Direito Administrativo, especificamente elaborado para o alcance do interesse público em matéria de saúde. Contudo, este Direito de Saúde Pública alargou o seu âmbito de intervenção, adicionando, ao seu domínio de intervenção dos clássicos regulamentos sanitários e das políticas de vacinação, outras áreas de interesse como o controle da produção de medicamentos e da segurança alimentar, ao consumo nocivo como o tabaco, o álcool e o teor de sal dos alimentos. O Estado assume a tarefa de prestação de cuidados de saúde aos cidadãos e o Direito Público da Saúde,
A Saúde foi vista como um bem de natureza meramente individual, cuja promoção não dizia respeito à comunidade política organizada, mas antes a cada pessoa de uma forma individual, no qual a relação médico/paciente se assumia com um papel de digna importância, garantindo um conjunto de direitos básicos da pessoa face à intervenção, potencialmente lesiva, do médico.
refletindo uma nova dimensão. Não se fala só na promoção da Saúde Pública através da autoridade do Estado, mas também de promover a Saúde Individual de cada cidadão através da realização de prestações de natureza pública.
No âmbito da conceção do Direito da Saúde, o seu objetivo principal é a proteção e a promoção da saúde humana, desmembrando-se em três setores normativos: Direito da Medicina, Direito da Saúde Pública e Direito das Prestações de Saúde.
Perante estas conceções, como poderemos definir Direito da Saúde?
O Direito da Saúde é composto por um conjunto de normas de Direito Privado e Público, que tem como principal objeto a promoção da saúde humana, quer considerada na perspetiva da prestação de cuidados individuais, quer enquanto bem de uma comunidade, ou seja, a saúde pública (Serviço Nacional de Saúde, 2021). A este propósito, Estorninho e Macieirinha (2014) mencionam que “Direito da Saúde é o conjunto de regras e princípios que disciplina as relações jurídicas sanitárias ou de saúde.” (p.19).
Neste seguimento, importa destacar os traços essenciais que caracterizam esta recente disciplina: a sua Juventude, a Interdisciplinaridade, o Diálogo com a técnica e a Pluralidade das fontes.
A sua robustez é inspirada por algumas das mais principais fontes do Direito da Saúde ao nível Internacional. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948, é um instrumento de interpretação e de integração do sistema de direitos fundamentais. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos defende, no seu artigo 7º, o direito de não sujeição a experiências médicas ou científicas sem consentimento e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais descreve, no artigo 12º, o direito de todas as pessoas “de gozar do melhor estado de saúde física e mental possível”. A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano, face às aplicações da Biologia e da Medicina, prevê um conjunto de preceitos fundamentais orientados à proteção da dignidade da pessoa humana em face das aplicações das mesmas. A Carta Social Europeia revista, do ano de 1996, assegura, no artigo 11º, igualmente o direito à proteção da saúde. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano, face às aplicações da Biologia e da Medicina, assim como as normas emanadas sob a forma de regulamento, pela OMS, representam instrumentos importantes do universo do Direito Internacional da Saúde. Acrescento que a OMS é a única organização internacional de vocação universalista, especialmente alinhavada para a prossecução de fins na área da saúde.
Ao nível das fontes de Direito da União Europeia, a matéria da saúde pública foi introduzida no seu leque de competências por altura da celebração do Tratado de Maastricht (artigo 152º), tendo sido posteriormente aprofundado pelos Tratados de Amesterdão, Nice e Lisboa. Para além do Tratado, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujo valor jurídico é igual ao do Tratado, contém disposição relativa à proteção da saúde.
Em relação aos normativos legais internos, no que diz respeito ao Direito da Saúde, considerados essencias para a sua compreensão, a Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, assume uma relevância abissal. Como lei suprema de um país, consagra os direitos fundamentais dos cidadãos, com
princípios essenciais determinantes no estabelecimento de orientações políticas, estabelecendo condutas e regras de organização, assente no primado da dignidade da pessoa humana. A importância do artigo 1º, da Constituição da República Portuguesa, fundamenta: “é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, sendo um dos princípios fundamentais, a dignidade humana enquanto condição do ser humano, que é reconhecido como um ser que é o fim em si mesmo e não como um simples meio ao serviço dos fins dos outros.
Importa destacar o artigo 12º da Constituição Portuguesa, Princípio da Universalidade, “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição”, e o artigo 13º, Princípio da Igualdade, “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
O Direito à Saúde está explanado no extenso artigo 64º da Constituição da República Portuguesa onde refere que “todos os cidadãos têm direito à proteção da saúde e o dever de a proteger e salvaguardar”. Este direito identifica a obrigação de criação de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e tendencialmente gratuito (artigo 64º, nº2, a)), com gestão descentralizada e participada (artigo 64º, nº 4). Esclarecendo, o direito à proteção e à promoção da saúde é determinante para a igualdade de oportunidades. Todos os cidadãos devem dispor dos meios necessários para um desempenho aceitável, a nível físico e psicológico, de modo a poder beneficiar de conjunto de condições para alcançar mais fácil e plenamente a própria realização. O bem comum resulta do bem de todos nós, equiparando-se à justiça legal, ao direito de todos a participarem equitativamente. Relativamente à natureza pública, a Constituição descreve que o direito à proteção
da saúde é concretizado através de um Serviço Nacional de Saúde, o que obriga à criação de um serviço organicamente público, hierarquizado e dependente funcionalmente do Estado. Apesar do referido, a lei prevê também o funcionamento de formas privadas de medicina em articulação com o Estado, fundamentando, no entanto, que é função do último a fiscalização e disciplinação das mesmas atividades.
Em 1979, após se terem reunido as condições políticas e sociais provenientes da reestruturação política portuguesa da década de 1970 e com a publicação da Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, assiste-se à criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que marca o nascimento do Sistema Nacional de Saúde, assegurando o acesso universal, compreensivo e gratuito a cuidados de saúde. Até esta altura, a assistência médica competia às famílias, instituições privadas e aos serviços médico-sociais da Previdência e ao Estado competia a assistência aos pobres. Desde este ano que o sistema de cuidados de saúde em Portugal tem sido então baseado na estrutura de um Serviço Nacional de Saúde, com seguro público, cobertura universal, acesso quase livre no ponto de utilização de serviços e de financiamento através de impostos.
A propósito do nascimento do SNS,
saliento a principal base jurídica para todo o regime de saúde em Portugal e que integra uma densificação dos princípios enunciados no artigo 64 da Constituição – a Lei de Bases da Saúde. A 24 de Agosto de 1990, a lei de Bases da Saúde, Lei nº 48/90, descreve, pela primeira vez, a proteção da saúde perspetivada, não só como um direito, mas também como uma responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, em liberdade de procura e de prestação de cuidados.
Recentemente a Lei de Bases da Saúde foi de novo revista, Lei nº 95/2019, de 4 de setembro, e como principais alterações legislativas introduz:
Reforço dos direitos dos refugiados e imigrantes ilegais em matéria de saúde, incluindo de forma explícita os requerentes de asilo e os migrantes sem situação legalizada na lista de beneficiários do SNS;
Revisão do entendimento da lei anterior que previa a facilitação da mobilidade dos profissionais do SNS entre o setor público e o setor privado;
Reafirmação de que os setores público, privado e social, atuam segundo um princípio de cooperação e pautam a sua atuação por regras de transparência e prevenção de conflitos de interesses;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Diminuição, ao estritamente necessário, do recurso ao setor privado: no que toca às parcerias público-privadas no setor da saúde; no que toca a outros acordos de cooperação e convenções realizadas com instituições do setor social;
Referência às novas tecnologias como “instrumentais à prestação de cuidados de saúde, sendo utilizadas numa abordagem integrada e centrada nas pessoas, com vista à melhoria da prestação de cuidados de saúde, à salvaguarda do acesso equitativo a serviços de saúde de qualidade e à gestão eficiente dos recursos.”;
Referência aos Cuidadores Informais: “têm direito a ser apoiados nos termos da lei, que deve prever direitos e deveres, a capacitação, a formação e o descanso do cuidador.”
Esta nova Lei de Bases da Saúde enuncia, na Base XX, que o Serviço Nacional de Saúde pauta a sua atuação pelos seguintes princípios: universal, geral, tendencialmente gratuito nos cuidados, integração dos cuidados, equidade, qualidade, proximidade, sustentabilidade financeira e transparência, dos quais não tenho qualquer dúvida em eleger a universalidade como o mais importante e o que é verdadeiramente diferenciador em termos de valores civilizacionais: a garantia universal de acesso.
Em suma, o SNS é uma estrutura através da qual o Estado Português assegura o direito à saúde (promoção, prevenção e vigilância) a todos os cidadãos do seu país. O seu principal objetivo é o seguimento por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na proteção da saúde individual e coletiva, estando para tal dotado de cuidados integrados de saúde, nomeadamente na promoção e vigilância da saúde, na prevenção da doença, no diagnóstico e tratamento dos doentes e na reabilitação médica e social.
Desta forma, seria uma visão redutora perceber o Direito da Saúde se apenas fundamentado na Constituição da República Portuguesa. Mandatoriamente, o seu conhecimento profundo exige uma leitura integrada do sistema de direitos fundamentais. À luz da perspetiva do utente, existem direitos, liberdades e garantias que defendem os bens jurídicos das pessoas, sendo estes os pilares fundamentais do direito à vida, da integridade física e moral e de outros direitos que salvaguardam a autonomia da pessoa humana, como sejam o direito à identidade pessoal, à identidade genética, à liberdade, à objeção de consciência e à proteção dos dados pessoais.
Convergindo fluências e vontades de todos os intervenientes, os Direitos da Saúde afiguram-se como um imperativo ético, constitucional e democrático essenciais para manter a defesa, consolidação e aperfeiçoamento do Serviço Nacional de Saúde.
· Carta dos Direitos Fundamentais da EU, 22 de julho de 2020. Web site: https://op.europa.eu/webpub/com/carta-dos-direitos-fundamentais/pt/ · Constituição da República Portuguesa, 7.ª Revisão Constitucional, Lei Constitucional n.º 1/2005 de 12 de Agosto. Web site: https://www.parlamento.pt/ ArquivoDocumentacao/Documents/CRPVIIrevisao.pdf
· Carta Social Europeia 1996. Web site: https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/carta_social_europeia_revista.pdf
· Declaração Universal dos Direitos do Homem 1948. Web site: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
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· Lei de Bases da Saúde: Lei nº 95/2019, de 4 de setembro. Web site: https://files.dre.pt/1s/2019/09/16900/0005500066.pdf
· Serviço Nacional de Saúde: Lei nº 56/79 de 15 setembro. Web site: https://files.diariodarepublica.pt/1s/1979/09/21400/23572363.pdf
· Serviço Nacional de Saúde. Direito da Saúde. Web site: http://www.spms.min-saude.pt/direito-da-saude/
· Tratado de Maastricht. Web site: https://europa.eu/european-union/sites/europaeu/files/docs/body/treaty_on_european_union_pt.pdf
REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE · N.º37
A participação das Autarquias na gestão da saúde do seu território
João Gentil
O quadro de transferência de competências para os Municípios, concretizou-se com o Decreto-Lei nº 23/2019 de 30 janeiro, materializando a responsabilidade nas autarquias locais do planeamento e gestão dos investimentos em novas unidades de prestação de cuidados de saúde primários; da gestão dos trabalhadores afetos à carreira de assistente operacional integrantes das unidades funcionais dos ACeS.
Passou também a responsabilizar o poder local da sua participação estratégica nos programas de prevenção da doença e promoção de estilos de vida saudáveis e envelhecimento ativo. Há, por isso, muito trabalho a desenvolver a nível autárquico na área da saúde. Não esqueçamos que a saúde é a maior preocupação dos cidadãos e que é previsível que no futuro as autarquias ganhem ainda mais preponderância na área da saúde. Em números, sabemos que a saúde representa cerca de 6% da despesa dos municípios, valor bastante inferior ao da média dos países da OCDE que é de 10%. Mas nem tudo passa apenas por investimento financeiro ou por números. É necessário continuar a investir em boas políticas
públicas.
Do diploma legal de transferência de competências destaco os artigos 7º, 8º e 9º. O art. 7º refere-se aos documentos estratégicos em que “a Camara Municipal, (...) elabora ou atualiza a Estratégia Municipal de Saúde, devidamente enquadrada e alinhada com o Plano Nacional de Saúde e os Planos Regionais e Municipais de Saúde, submetendo-a a aprovação da Assembleia Municipal”. O art. 8º refere que cabe ao “Conselho da Comunidade do ACES assegurar a articulação em matéria de saúde com os municípios da sua área geográfica, promovendo o diálogo e envolvimento entre os municípios e os responsáveis do ACES”. Nos termos do nº 3 do artigo 9º,
João Gentil Licenciado em Enfermagem, Estudante finalista da Licenciatura em Administração Público-Privada da FDUC, Enfermeiro Especialista em Saúde Pública, Certified Global Nurse Consultant – Specialty in Nursing Administration, Global Nurse Leadership Institute – ICN, Pós-Graduado em Gestão e Administração de Unidades de Saúde, Pós-Graduado em Gestão de Recursos Humanos, Pós-Graduado em Sistemas de Informação em Enfermagem, https://orcid.org/0000-0002-9667-379X
refere-se a criação em cada município do Conselho Municipal de Saúde. Este Conselho Municipal de Saúde, presidido pelo presidente da câmara municipal, é um órgão consultivo que tem como objetivo principal a participação na gestão do sistema de saúde e, de acordo com a Entidade Reguladora da Saúde, pretende-se que o Conselho Municipal de Saúde faça o acompanhamento do funcionamento do sistema de saúde do respetivo território; contribua para a definição de uma política de saúde a nível municipal; emita parecer sobre a estratégia municipal de saúde; emita parecer sobre o planeamento da rede de unidades de cuidados de saúde primários; proponha o desenvolvimento de programas de promoção de saúde e prevenção da doença; promova a troca de informações e cooperação entre as entidades representadas; recomende a adoção de medidas e apresente propostas e sugestões sobre questões relativas à saúde; analise o funcionamento dos estabelecimentos de saúde integrados no processo de descentralização objeto do referido decreto-lei; e ainda pretende-se que faça a reflexão sobre as causas das situações analisadas e que proponha as ações adequadas à promoção da eficiência e eficácia do sistema de saúde.
A administração pública portuguesa e em especial no sector da saúde, foi influenciada pela teoria de Weber e este modelo de organização originou o afastamento da participação dos cidadãos da elaboração das políticas de públicas de saúde. Aliás, esta reforma a que assistimos actualmente com a cria-
ção das Unidades Locais de Saúde (ULS), surge com influências dos modelos de governação da New Public Management e da Governance
Ora, precisamente por estes motivos, considero oportuno os municípios convocarem os seus Conselhos Municipais de Saúde para exercerem a sua participação na gestão do sistema de saúde, mesmo que isso represente um grande desafio para os municípios. Faz todo o sentido que sejam realizados a nível local, ao nível autárquico. Talvez num futuro próximo, vamos assistir à inevitável presença, nos executivos autárquicos, de um perito em saúde pública ou em saúde comunitária e familiar. Com o aumento das responsabilidades em saúde, os municípios irão necessitar de dar mais respostas e de implementar mais políticas públicas nesta área, sendo inevitável ter na composição do seu executivo um Vereador com competências reconhecidas neste domínio.
Não tenho dúvidas que a descentralização na área da saúde poderá implicar algumas reformas nas autarquias. Será certamente necessário ter um pensamento estratégico sistematizado, para manter e desenvolver a capacidade de interlocução com outros agentes da saúde, desde logo com as ULS e com o SNS no geral, mas também com operadores privados e do sector social. Irá haver maior escrutínio público e político sobre a situação de saúde de cada concelho e sobre o envolvimento do respetivo município na sua participação na gestão da saúde do seu território.
AVALIA-ULS: Análise das Vantagens e Limitações das Unidades Locais de Saúde - Perspetivas da Medicina
Geral e Familiar - Parte
I
António da Luz Pereira
Deolinda Chaves Beça
José Pedro Antunes
Miguel Azevedo
Rui Macedo
Inês da Costa
Inês Ramos Genésio
Mariana Trindade
Rita Correia
Rita Rodrigues Moreira
António da Luz Pereira Doutorado em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde. Assistente Graduado MGF. Coordenador da USF Prelada, ULS Santo António. Colaborador do Departamento de Contratualização da ARS Norte. Investigador Cintesis. Editor da RPMGF. Membro do GEST. Vice Presidente da APMGF. Deolinda Chaves Beça Assistente Graduada de Medicina Geral e Familiar na USF Carvalhido, ULS Santo António. Membro da Direção do Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos. Coordenadora Executiva de Normas e Processos Assistenciais da DGS. Auditora Clínica da DGS e da Ordem dos Médicos. Revisora da RPMGF. Membro do Grupo de Estudos de Gestão Saúde da APMGF. José Pedro Antunes Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar na USF Arte Nova, ULS da Região de Aveiro. Coordenador da USF Arte Nova. Programa Alta Direção de Instituições de Saúde. Representante Cuidados Primários Coordenação Regional Saúde Mental Centro. Fellow da European Academy of Clinical Leadership. Membro do Grupo de Estudos de Gestão Saúde da APMGF. Miguel Azevedo Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar na USF Arca d`Água, ULS São João. Mestre em Gestão e Direcção de Serviços de Saúde. Fellow da European Academy of Clinical Leadership. Membro do Grupo de Estudos de Gestão Saúde da APMGF. Rui Macedo Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar na USF MaxiSaude, ULS Braga. Diretor Clínico Cuidados de Saúde Primários ULS Braga. Representante Cuidados Prinarios Coordenação Regional Saúde Mental Norte. Assistente Convidado Escola de Medicina Universidade do Minho. Membro do Grupo de Estudos de Gestão Saúde da APMGF. Inês da Costa Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) (2012- 2018). Médica Interna de Medicina Geral e Familiar (MGF) na USF Eça de Queirós, ULS da Póvoa de Varzim/Vila do Conde desde 2020. Pós-Graduada em Gestão na Saúde, Católica Porto Business School (CPBS) (2022). Colaboradora do Grupo de Estudos de Gestão em Saúde (GEST) da APMGF. Inês Genésio Mestrado Integrado em Medicina pelo ICBAS, concluído em 2018. Médica interna de MGF desde 2020, na USF São Bento, ULS de Santo António. Pós-Graduada em Gestão na Saúde, CPBS (2022). Colaboradora do Grupo de Estudos de Gestão em Saúde (GEST) da APMGF Mariana Trindade Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa, concluído em 2020. Médica Interna de MGF desde 2022, na USF Coimbra Norte, ULS Coimbra. Pós-Graduada em Economia e Gestão na Saúde, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (2021). Colaboradora do Grupo de Estudos de Gestão em Saúde (GEST) da APMGF. Rita Correia Mestrado Integrado em Medicina pela FMUP, concluído em 2018. Médica Interna de MGF desde 2020, na USF Alto da Maia, ULS São João desde 2020. Colaboradora do Grupo de Estudos de Gestão em Saúde (GEST) da APMGF. Rita Rodrigues Moreira Mestrado Integrado em Medicina pela FMUP, concluído em 2018. Médica Interna de MGF desde 2020, na USF Tornada, ULS do Oeste. Pós-Graduada em Gestão e Direção de Serviços de Saúde pela Porto Business School (2022). Colaboradora do Grupo de Estudos de Gestão em Saúde (GEST) da APMGF.
Resumo: A ERS define Unidade Local de Saúde como uma concretização da integração vertical, englobando os cuidados de saúde primários e secundários de uma área geográfica. O Decreto-Lei n.º 102/2023 generaliza o modelo ULS a todos os hospitais e CSP do país. Nesse âmbito, o Grupo de Estudos de Gestão em Saúde da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar elaborou um estudo transversal, através da aplicação de um inquérito online, de resposta voluntária e anónima, para avaliar as perceções dos profissionais de Medicina Geral e Familiar quanto à universalização deste modelo. Resultaram 342 respostas válidas, analisadas estatisticamente de forma descritiva simples. Dos respondentes, 63,9% eram do sexo feminino e 40,9% tinham entre 35-44 anos. A maioria (83,6%) exercia funções como especialista em MGF e 41,8% tinha algum cargo com responsabilidade organizativa. Contudo, apenas 25,4% tinham trabalhado previamente numa ULS. Relativamente à gestão de recursos materiais/financeiros, a maioria considerou que a mudança para ULS terá um impacto negativo nos CSP, em diferentes aspetos: valorização dos profissionais e da sua carreira; distribuição equitativa de investimento entre CSP e secundários; serviços de apoio; aquisição de novos equipamentos; manutenção de instalações e equipamentos; disponibilidade de stock de materiais. Apenas a acessibilidade a materiais diferenciados foi considerada uma área mais positiva. Relativamente aos recursos humanos, a tendência foi para uma perceção de impacto negativo em todos aspetos: liderança; clima organizacional; tarefas burocráticas; pagamento por desempenho; atribuição de novas tarefas e exigências de novas competências “task shifting”; adequação entre carga de trabalho e o horário estabelecido; motivação. No que diz respeito ao reforço das equipas dos CSP, a tendência foi para um impacto mais negativo do que positivo, exceto no âmbito da inclusão de profissionais de serviços hospitalares em equipas de proximidade nos CSP. Por último, quando questionados sobre se o financiamento das ULS irá satisfazer adequadamente as necessidades das populações atendidas, a grande maioria considerou que não. Deste modo, os resultados revelam uma perceção globalmente negativa quanto à transição para o modelo de ULS. Em áreas como a valorização dos profissionais e a atribuição de novas competências verificou-se uma perceção particularmente negativa. Um dos principais motivos para a perceção globalmente negativa, poderá ser a não superioridade de desempenho das ULS, de acordo com a evidência disponível. Como limitações, os autores reconhecem o método de seleção da amostra (por conveniência) e o facto da maioria dos respondentes nunca ter trabalhado numa ULS, o que poderá contribuir para menor confiança no modelo. Perante os resultados obtidos, o GEST reforça a necessidade de maior envolvimento dos profissionais e de partilha de informação relativa ao processo de mudança. Ademais, destaca como principais desafios, a distribuição dos recursos, com o risco de ênfase nos cuidados hospitalares, aliado ao subfinanciamento crónico do Serviço Nacional de Saúde. Neste sentido, considera pertinente a replicação de inquéritos semelhantes no futuro, por forma a reavaliar o processo e promover a melhoria contínua. Palavras-Chave: integração vertical; Unidade Local de Saúde; Cuidados de Saúde Primários; recursos materiais, financeiros e humanos.
Introdução
A integração vertical refere-se à criação de uma única entidade gestora de duas ou mais instituições que prestam serviços em diferentes níveis de cuidados, visando gerar ganhos em saúde para a população. (Brown & P. McCool, 1986; Santana & Costa, 2008)
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) define Unidade Local de Saúde (ULS) como uma concretização da integração vertical, que integra os cuidados de saúde primários (CSP) e secundários de uma área geográfica. A primeira ULS em Portugal foi criada em 1999, em Matosinhos. Depois disso, entre 2007 e 2012 surgiram mais sete. (ERS, 2015)
Em 2022, foi publicada uma revisão sistemática (Miranda da Cruz et al., 2022) que ressalvou a importância dos objetivos basilares na criação das ULS: melhorar o acesso, maximizar a eficiência produtiva, fomentar a qualidade e melhorar o desempenho económico-financeiro. Contudo, a mesma teve di-
ficuldade em concluir que existem melhores resultados nesta integração vertical, elencando alguns dos constrangimentos ao seu sucesso, nomeadamente, o modelo de financiamento, a gestão dos recursos humanos e a ausência de estudos prévios para avaliar as especificidades de cada local. O Decreto-Lei n.º 102/2023 generaliza o modelo ULS a todos os hospitais (excepto IPO) e CSP do país. (Decreto-Lei n.o 102/2023, 2023) Apesar das vantagens teóricas descritas, parece haver algum ceticismo na comunidade médica relativamente à sua eficiência e às melhorias práticas. Assim, da necessidade, de compreender, melhorar e construir sobre as transformações em curso, o Grupo de Estudos de Gestão em Saúde (GEST) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) elaborou o estudo "AVALIA-ULS: Análise das Vantagens e Limitações das Unidades Locais de Saúde (ULS) - Perspetivas da Medicina Geral e Familiar" para avaliar as perceções dos profissionais de Medicina Geral e Familiar (MGF) quanto à universalização deste modelo.
Métodos
Elaborou-se um estudo transversal, através da aplicação de um inquérito online Google Forms® de resposta voluntária e anónima, aos profissionais de MGF, que decorreu entre sete de agosto e cinco de novembro de 2023. O questionário encontrava-se dividido em quatro partes: a) caracterização sociodemográfica; b) gestão de recursos materiais, financeiros e humanos; c) organização de recursos e formação e ainda d) modelo de prestação de cuidados. Neste artigo apresentam-se os resultados de a) e b), constituídas por três perguntas de resposta fechada e uma aberta. A resposta fechada incluía cinco opções, traduzindo-se na opinião sobre a forma como a transição para ULS impactará os CSP: muito positiva, positiva, nem positiva nem negativa, negativa ou muito negativa. As respostas foram exportadas e analisadas em ficheiro da Microsoft Office Excel® 2013 e convertidas para o IBM® Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)® Statistics, v. 27 (2020).
Resultados
O estudo incluiu 342 respostas válidas de profissionais da área de MGF, de 52 agrupamentos de centros de saúde (ACeS) distintos, de norte a sul de Portugal. Dos respondentes, 63,9% (n=218) eram do sexo feminino e 40,9% (n=140) tinham entre 35-44 anos. A maioria (83,6%; n=286) exercia funções como especialista em MGF, 10,5% eram internos de formação específica e 5,8% (n=20) categorizaram-se como “outros”. A maioria estava inserida numa unidade de saúde familiar modelo B (47,7%) ou A (27,2%), e quase metade (41,8%; n=143) exercia algum cargo com responsabilidade organizativa (Diretor Executivo, Presidente do Conselho Clínico e de Saúde, Coordenador, membro do Conselho Técnico). Cerca de 25,4% tinham trabalhado previamente em ULS.
Na primeira questão “Relativamente aos seguintes tópicos, avalie de que forma considera que a mudança para uma ULS impactaria a gestão de recursos materiais/financeiros, em relação aos CSP, atualmente” (figura 1) a maioria considerou que terá um impacto negativo, versus positivo, nos seguintes aspetos: valorização dos profissionais e da sua carreira (56,2% vs. 9,0%); distribuição equitativa de investimento entre CSP e secundários
(64,9% vs. 16,1%); serviços de apoio (informática, segurança, limpeza) (37,5% vs 29,8%); aquisição de novos equipamentos (47,4% vs 20,5%); manutenção de instalações e equipamentos (42,4% vs 19,3%); disponibilidade de stock de materiais (47,0% vs 24,9%). Apenas a acessibilidade a materiais diferenciados (material de sutura, fármacos) foi considerada uma área mais positiva (29,8% vs 35,1%). Na análise por subgrupos, com e sem experiência anterior em ULS, verificou-se uma impressão global de impacto tendencialmente negativo em ambos. Essa proporção foi ainda maior nos inquiridos com experiência prévia, exceto no tópico de valorização dos profissionais, embora sem significância estatística. De referir ainda que quanto ao impacto nos serviços de apoio, os respondentes com experiência anterior em ULS, apontaram como tendencialmente positivo (36,7% vs. 39,0%).
Na resposta à segunda questão “Relativamente aos seguintes tópicos, avalie de que forma considera que a mudança para uma ULS impactaria os recursos humanos dos cuidados de saúde primários” (figura 2), a tendência foi para a perceção de um impacto negativo em todos aspetos: liderança - proximidade, confiança, representatividade, humanismo (60,8% vs 14.1%); clima organizacional - sentimento de pertenças, partilha de missão, valores, ambiente interpares, envolvimento organizacional (56,4% vs 19.3%); tarefas burocráticas (58,5 vs 8.7%); pagamento por desempenho (45,9% vs 18,4%); atribuição de novas tarefas e exigências de novas competências “task shifting” (67,9% vs 10,6%); adequação entre carga de trabalho e o horário estabelecido (57,6% vs 6,5%); motivação (57,0% vs 11,4%). Na análise por subgrupos, verificou-se uma impressão global de impacto negativo, embora em menor proporção nos médicos com experiência prévia em ULS. Não obstante, essa diferença apenas foi estatisticamente significativa (p<0.05) em 4 aspetos: motivação (p=.000), adequação entre carga de trabalho e horário estabelecido (p=.001), clima organizacional (p=.000) e liderança (p=.001).
Na resposta à terceira questão “Relativamente aos seguintes tópicos, avalie de que forma considera que a mudança para uma ULS impactaria o reforço das equipas dos cuidados de saúde primários”, a tendência foi para um impacto mais negativo do que positivo, em três dos quatro parâmetros avaliados. Apesar disso, a diferença entre
O questionário encontrava-se dividido em quatro partes: a) caracterização sociodemográfica; b) gestão de recursos materiais, financeiros e humanos; c) organização de recursos e formação e ainda d) modelo de prestação de cuidados.
os dois domínios foi mais ténue, a saber: substituição de profissionais ausentes (37,1% vs 30,9%); processo de contratação (37,7% vs 32,2%); contratação adicional de recursos humanos (41,2% vs 31,0%). No subgrupo com experiência prévia em ULS, a proporção de impacto negativo foi superior, embora essa diferença não tenha sido estatisticamente significativa. Quanto à “inclusão de profissionais de serviços hospitalares em equipas de proximidade nos cuidados de saúde primários” foi globalmente avaliada como um aspeto positivo (25,4% vs 48,2%).
Por fim, relativamente à pergunta “Considera que o financiamento das ULS vai satisfazer adequadamente as necessidades das populações atendidas? Porquê?” a grande maioria (n=313, 91.5%) considerou que não. Os motivos explanados incidem no receio do hospitalocentrismo, na dúvida sobre adequação do financiamento e na dificuldade de resposta aos exames complementares a nível hospitalar. Apesar disso, oito respondentes (2,3%) consideraram que sim, caso a ULS trabalhe como um todo, com CSP e hospitalares guiados pela mesma missão e objetivos. Os restantes 21 respondentes referiram não ter opinião (n=11) ou não forneceram respostas unívocas (sim/não) (n=10).
Discussão
Perante o atual cenário do SNS, numa evolução que resultará do equilíbrio entre continuidade e mudança, os resultados obtidos revelam áreas críticas de preocupação. A literatura suporta que as mudanças organizacionais estão frequentemente associadas à incerteza dos profissionais sobre a forma como essas alterações podem impactar o seu trabalho e o seu bem estar. (Nilsen et al., 2020) Per Nilsen et al concluíram que o sucesso das mudanças advém do envolvimento no processo, da preparação e do reconhecimento do valor da mudança por parte dos profissionais. (Nilsen et al., 2020) No estudo realizado pela ERS (Entidade Reguladora da Saúde, 2015), há oito anos, com o foco na comparação do desempenho das ULS (acessibilidade, qualidade, eficiência e desempenho económico-financeiro) com serviços não ULS, concluiu-se uma ausência de vantagem do modelo vertical. Verificou-se similitude de resultados, nomeadamente no que diz respeito à acessibilidade, à proximidade de cuidados e constrangimentos reportados pelos utentes. No entanto, atestou-se uma melhor performance das ULS em algumas áreas: rácio de médicos e enfermeiros superiores no total da população e maior número
de enfermeiros por médico na maioria das ULS - um parâmetro utilizado como indicador de eficiência produtiva. Contudo, em Portugal não existem estudos que tenham avaliado a opinião dos profissionais de saúde relativamente à transição para integração vertical de cuidados. Os resultados obtidos no presente estudo revelam uma perceção globalmente negativa quanto à transição para o modelo de ULS. Em áreas como a valorização dos profissionais e a atribuição de novas competências verificou-se uma perceção particularmente negativa. Porém, a maioria dos inquiridos consideraram a acessibilidade a materiais diferenciados e a inclusão de profissionais de serviços hospitalares em equipas de proximidade nos CSP, como possíveis aspetos positivos desta mudança organizacional.
Como limitações do estudo, os autores reconhecem o método de seleção da amostra (amostra de conveniência) e suas implicações na interpretação dos resultados. Além disso, o facto da maioria dos respondentes nunca ter trabalhado num modelo de ULS poderá contribuir para menor confiança no modelo. Por outro lado, a importante proporção de respondentes com cargos de gestão pode ser indicativa da vontade de envolvimento destes profissionais, e também de maior apreensão no processo de mudança.
Além disso, a não superioridade de desempenho das ULS, de acordo com a evidência disponível, pode ser um dos principais motivos para a perceção globalmente negativa acerca desta mudança. De futuro, o GEST destaca como um dos principais desafios, a distribuição dos recursos, com o risco de ênfase nos cuidados hospitalares, aliado ao subfinanciamento crónico do Serviço Nacional de Saúde. Portanto, com a evidência obtida no presente estudo, surge a
oportunidade de se formularem soluções para as possíveis fragilidades do modelo ULS, numa perspetiva de melhoria contínua de cuidados.
Conclusão: Este estudo permitiu averiguar a perceção dos profissionais dos CSP relativamente ao processo de integração vertical, proporcionando a reflexão sobre os aspetos a melhorar nesta transição de modelo organizacional. Perante os resultados obtidos, o GEST reforça a necessidade de maior envol-
vimento dos profissionais, assim como de partilha de informação ao longo de todas as fases do processo de mudança, numa construção colaborativa da melhor organização de prestação de cuidados. Neste sentido, o GEST considera que seria pertinente a replicação de inquéritos semelhantes no futuro, por forma a reavaliar o processo, promover a melhoria contínua e uma maior proximidade de todos os profissionais com os órgãos de gestão.
1. [Valorização dos profissionais e da sua carreira] Geral
1. [Serviços de apoio (ex: informática, segurança, limpeza...)] Geral
1. [Acessibilidade a materiais diferenciados (ex: material de sutura, fármacos...)] Geral
1. [Aquisição de novos equipamentos] Geral
1. [Manutenção das instalações e equipamentos] Geral
1. [Disponibilidade de stock de recursos materiais] Geral
1. [Distribuição equitativa de investimento entre cuidados de saúde primários e secundários] Geral
Figura 1. Resultados relativos às respostas sobre a expectativa do impacto da mudança para ULS na gestão de recursos materiais/financeiros
2. [Clima organizacional (sentimento de pertença, partilha de missão, valores, ambiente interpares, envolvimento organizacional...)] Geral
2. [Tarefas burocráticas] Geral
2. [Pagamento por desempenho] Geral
2. [Atribuição de novas tarefas e exigência de novas competências (“task shifting”)] Geral
2. [Adequação entre a carga de trabalho e o horário estabelecido] Geral
2. [Motivação] Geral
Figura 2. Resultados relativos às respostas sobre a expectativa do impacto da mudança para ULS na área dos recursos humanos
REFERÊNCIAS
· Brown, M., & P. McCool, B. (1986). Vertical integration: exploration of a popular strategic concept. Health Care Management Review, 11(4), 7–19.
· Decreto-Lei n.o 102/2023, Diário da República n.o 215/2023, 1a série 4 (2023).
· Entidade Reguladora da Saúde. (2015). Estudo sobre o desempenho das Unidades Locais de Saúde.
· Miranda da Cruz, J. R., Pimentel, M. H., Rodriguez Escanciano, S., & Casares Marcos, A. B. (2022). Unidades Locais de Saúde: Ganhos Económicos e Ganhos em Saúde. Gestão Hospitalar - Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), 29.
· Nilsen, P., Seing, I., Ericsson, C., Birken, S. A., & Schildmeijer, K. (2020). Characteristics of successful changes in health care organizations: an interview study with physicians, registered nurses and assistant nurses. BMC Health Services Research, 20(1). https://doi.org/10.1186/s12913-020-4999-8
· Santana, R., & Costa, C. (2008). A integração vertical de cuidados de saúde: aspectos conceptuais e organizacionais. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 7, 29–56.
Organizações do Serviço Nacional de Saúde como Ambientes de Trabalho Saudáveis
Tania Gaspar
Emília Telo
Saúl Jesus
Miguel Xavier Maria do Céu Machado
Margarida Gaspar de Matos
Manuela Faia Correia
José Luís Pais Ribeiro
João Areosa
Fábio Botelho Guedes
Ana Cerqueira Helena Canhão
Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis
O Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis tem como objetivo o estudo aprofundado, sistemático e ecológico da saúde e do bem-estar dos profissionais e das organizações e a colaboração na promoção e proteção da saúde e dos riscos em contexto laboral em Portugal, não negligenciando o desempenho.
Laboratório Português de Ambientes Saudáveis (LABPATS)
Considerando os atuais contextos de trabalho é importante promover um equilíbrio entre saúde e produção, o qual deve ter como meta a obtenção de ambientes de trabalho cada vez mais dignos, produtivos e saudáveis. Pretende caracterizar a situação nacional ao nível das necessidades de intervenção e da fundamentação, design/estruturação, avaliação e inovação de programas de intervenção e políticas com impacto na saúde e bem-estar, desenvolvimento saudável e sustentável dos profissionais e das organizações em constante ligação à sociedade, numa lógica ancorada no triple bottom line (Profit, People, Planet). https://laboratoriopats.wixsite.com/labpats/ cópia-sobre-labpats-1
Em 2024 foi realizado um estudo aprofundado das Organizações de Saúde do Serviço Nacional de Saúde, uma vez que os profissionais de saúde revelaram indicadores menos positivos ao nível global dos diferentes indicadores do Ecossistemas de Trabalho saudáveis em comparação com outros grupos profissionais (Gaspar et al., 2024).
QUEM FORAM OS PROFISSIONAIS (Amostra)?
O estudo das Organizações de Saúde do Serviço Nacional de Saúde envolveu, no seu total, 2190 participantes, com idades compreendidas entre os 19 e os 71 anos (M= 44,73, DP= 10,29), pertencentes a diferentes unidades de saúde.
A maior parte dos participantes (63,3%) refere ser casado ou viver em união de facto (n=1386), 25,1% encontram-se sol-
teiros (n=550), 10,7% referem estar divorciados ou separados (n=234) e 0,9% referem ser viúvos (n=20). 1502 dos participantes (68,6%) referem ter filhos. 33,4% (n=723) são da geração Y (nascidos entre 1981 e 1996), 28,5% (n=624) da geração X (nascidos entre 1965 e 1980), 20,3% (n=444) da geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) e 17,8% (n=390) a geração baby boom (nascidos entre 1946 e 1964).
Ao nível da escolaridade, 50% referem ter licenciatura (n=1095), 29,3% têm mestrado (n=640), 14,8% têm o ensino secundário concluído (n=323), 2,6% têm doutoramento (n=57), 1,6% tem outra formação (n=35), 1,5% tem o ensino básico concluído (n=33) e 0,3% não completou o ensino básico (n=7).
Em relação à situação profissional, a maioria dos participantes, 61,2% tem um contrato sem termo (n=1340), 456 dos participantes (20,8%) têm um contrato a termo incerto (n=456), 14,1% têm contrato a termo certo (n=308), 3,1% encontram-se noutra situação profissional (n=67) e 0,8% é trabalhador independente/liberal (n=18).
A maioria dos participantes, 70,2% não tem uma doença crónica (n=1537) e 29,8% têm doença crónica (n=653).
Quanto à categoria profissional, 29,1% são enfermeiros (n=637), 17,3% são médicos (n=379), 16,1% são assistentes operacionais (n=353), 16% são técnicos superiores (n=350), 14% são farmacêuticos (n=307), 82 (3,7%) são psicólogos (n=82), 43 (2%) são administrativos (n=43) e 1,8% são gestores (n=39).
COMO MEDIMOS? – EATS - INSTRUMENTO
ECOSSISTEMAS DE AMBIENTES DE TRABALHO SAUDÁVEIS
O Instrumento Ecossistemas de Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) é constituído por um total de 62 itens organizados em 9 dimensões, tendo como base o modelo dos Healthy Workplaces proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (WHO, 2010). A dimensão Ética e Valores é constituída por 8 itens, o Compromisso com a Liderança por 6 itens, o Envolvimento dos Trabalhadores por 7 itens, os Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança por 12 itens, os Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental por 5 itens, o ambiente Físico por 5 itens, o Teletrabalho por 3 itens, o Envolvimento com a Comunidade por 12 itens e os Recursos para a Saúde Pessoal por 4 itens.
Todas as questões têm uma escala de tipo Likert de 5 pontos (Gaspar et al., 2022).
Foi identificado um índice de risco ao nível das diferentes dimensões dos Ambientes de Trabalho Saudáveis consideradas pelo LABPATS baseado no modelo dos Healthy Workplaces da OMS.
ÍNDICE DE RISCO – PROFISSIONAIS DO SETOR DA SAÚDE
A grande maioria das dimensões revela risco moderado ao nível dos ambientes de trabalho saudáveis. A dimensão que revela risco elevado está relacionada com os Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental. As dimensões Perceção de Desempenho e Envolvimento com a Comunidade são as que revelam risco reduzido.
Gráfico 1 – Índice de risco ao nível dos ambientes de trabalho saudáveis – Profissionais do setor da Saúde Índice de risco
– Risco Psicossocial do Trabalho
O estudo LABPATS é realizado de forma sistemática desde 2021, tendo tido um estudo piloto em 2019.
EVOLUÇÃO DO ÍNDICE DE RISCO ENTRE 2021 E 2024
Verificamos um agravamento dos indicadores entre 2021 e 2022, e uma estabilização entre 2022 e 2024. Mantém-se um risco moderado para a grande maioria das dimensões e um risco elevado ao nível dos Riscos Psicossociais relacionados com a Saúde Mental e Bem-estar.
2 – Evolução do índice de risco 2021-2024
CONCLUSÕES
Foram identificados diferentes níveis de risco em termos de Ambiente de Trabalho Saudável.
Risco reduzido (< 3,32) nas seguintes dimensões dos Ambientes de Trabalho Saudáveis:
• Perceção de Desempenho;
• Envolvimento com a Comunidade.
Risco moderado (entre 1,66 e 3,32) para as seguintes dimensões:
• Ética e Valores,
• Compromisso da Liderança,
• Ambiente Psicossocial,
• Envolvimento do Profissional;
• Perceção de Desempenho;
• Ambiente Físico;
• Teletrabalho;
• Envolvimento com a Comunidade.
• Recursos para a Saúde Pessoal.
Risco elevado (> 3,32) na seguinte dimensão dos Ambientes de Trabalho Saudáveis:
• Risco Psicossocial no Trabalho relacionado com a Bem-estar e Saúde Mental.
A grande maioria das dimensões revela risco moderado ao nível dos ambientes de trabalho saudáveis. A dimensão que revela risco elevado está relacionada com os Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental. As dimensões Perceção de Desempenho e Envolvimento com a Comunidade são as que revelam risco reduzido.
Verificamos um agravamento dos indicadores entre 2021 e 2022, e uma estabilização entre 2022 e 2024. Mantém-se um risco moderado para a grande maioria das dimensões e um risco elevado ao nível dos Riscos Psicossociais relacionados com a Saúde Mental e Bem-estar.
Em relação à Dimensão Ética e Valores da organização, os temas que merecem menor concordância por parte dos participantes são “A organização foca-se no bem-estar dos trabalhadores e tem políticas e estratégias para o promover” e “A organização valoriza o desenvolvimento pessoal e profissional, baseado na confiança, abertura e participação”.
Na dimensão Compromisso da Liderança, os temas que merecem menor concordância por parte dos participantes são “A liderança vê o bem-estar dos trabalhadores como sua prioridade” e “A liderança é caracterizada pela orientação, facilitação e incentivo”.
Em relação ao Envolvimento dos Profissionais, os temas que merecem menor concordância por parte dos participantes são “Tenho um sentimento de pertença com a entidade empregadora” e “Sinto-me motivado e tenho prazer em exercer o meu trabalho”.
*RPT – Risco Psicossocial do Trabalho
No âmbito do Ambiente Psicossocial do Trabalho, os temas que merecem maior discordância dos participantes são “No meu local de trabalho, sou informado com antecedência sobre decisões importantes, mudanças ou planos para o futuro” e “Os conflitos na organização são resolvidos de forma justa”.
Ao nível dos Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com a Saúde Mental, os temas que merecem maior concordância por parte dos participantes são “Nas últimas 4 semanas senti-me fisicamente exausto” e “A minha família e os meus amigos dizem-me que trabalho demais” Salienta-se que 25,4% refere ser alvo de ameaças ou outra forma de abuso físico ou psicológico (p. ex.: insultos, assédio sexual, posto de lado, etc.).
Em relação à Perceção de Desempenho por parte dos trabalhadores verificamos que a grande maioria dos profissionais tem uma avaliação bastante positiva do seu desempenho.
Em relação ao Ambiente Físico, os temas que merecem menor concordância dos participantes são “Estou satisfeito com as condições físicas no meu local de trabalho (temperatura, ruído, poluição, distrações, etc.)” e “Estou satisfeito com a qualidade do meu espaço de trabalho (organização, conforto, limpeza, etc.)”.
Na dimensão Envolvimento com a Comunidade (responsabilidade social interna e externa), os temas que merecem menor concordância dos participantes são “Tem práticas remuneratórias justas e competitivas face às pra-
ticadas no mercado” e “A organização apoia os trabalhadores e familiares em situação de fragilidade”.
Em relação aos Recursos para a Saúde (recursos que a organização tem ou facilita para a saúde dos profissionais), de um modo geral, os profissionais revelam uma avaliação menos positiva, quer a nível de atividades relacionadas com a ergonomia, promoção de prática de atividade física, ou promoção de ações e programas de adoção de comportamentos saudáveis.
AS DIMENSÕES DO
AMBIENTE DE TRABALHO RELACIONAM-SE E INFLUENCIAM-SE ENTRE SI
A maioria das correlações entre as escalas do instrumento EATS são estatisticamente significativas. Salienta-se as correlações fortes entre a Ética e Valores e o Compromisso da Liderança (r= 0,862), e as correlações fortes entre o Compromisso da Liderança e Ambiente Psicossocial (r= 0,673), Ética e Valores e o Ambiente Psicossocial (r= 0,658) e entre o Ambiente Psicossocial e o Envolvimento do Profissional (r= 0,635).
COMPARAÇÃO ENTRE GRUPOS
Quando comparamos os grupos em relação às dimensões dos Ambientes de Trabalho Saudáveis verificamos algumas diferenças estatisticamente significativas em relação ao género, grupo etário, escolaridade e condição de saúde.
Em relação à comparação de género verificamos que não existem diferenças
estatisticamente significativas em relação à maioria das dimensões. As mulheres referem um maior Envolvimento do Profissional (p. ex.: “Tenho um sentimento de pertença à entidade empregadora”) e Perceção de Desempenho (p. ex.: “Vou além do que é esperado de mim, faço um esforço extra quando é necessário”).
Em relação às diferentes gerações, todos concordam que existem recursos para a saúde escassos. Em relação às outras dimensões verificamos diferenças estatisticamente significativas entre as gerações. São os profissionais das duas gerações mais novas (geração Z e Y) que referem menos Envolvimento (p. ex.: “Sinto que o meu trabalho dá significado à minha vida”) e menor Perceção de Desempenho (p. ex.: “Independentemente das circunstâncias, foco-me na qualidade do meu trabalho”). São os profissionais da geração Z que revelam maior risco ao nível da Saúde Mental. Os profissionais das gerações mais velhas (geração X e baby boom) têm uma perceção mais positiva do Envolvimento da Comunidade (p. ex.: “A organização apoia os trabalhadores e familiares em situação de fragilidade”).
Em relação à doença crónica, são os profissionais com estas condições de saúde que apresentam um maior risco em relação a todas as dimensões quando comparados com os profissionais sem doença crónica. Em relação à perceção de condições favoráveis ao Teletrabalho não se verificam diferenças estatisticamente significativas. 35,8% dos profissionais que reportam ter doença crónica.
Quando comparamos os grupos em relação às dimensões dos Ambientes de Trabalho Saudáveis verificamos algumas diferenças estatisticamente significativas em relação ao género, grupo etário, escolaridade e condição de saúde
Em relação ao grupo profissional, verificamos que os profissionais que apresentam um maior índice de risco são os médicos e enfermeiros, em relação às dimensões Ética e Valores, Compromisso da Liderança e Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com Bem-Estar & Saúde Mental e Burnout
O estudo aprofundado do Burnout revela que 87% dos profissionais apresenta pelo menos um sintoma de Burnout e 61,4% apresenta cumulativamente 3 sintomas de Burnout. Verificamos que a perceção das dimensões dos ambientes de trabalho saudáveis é menos positiva em todas as dimensões para os profissionais com sintomas de Burnout quando comparados com os profissionais sem estes sintomas.
O Burnout mais elevado está relacionado com o trabalho, seguido pelo Burnout pessoal e pelo Burnout relacionado com os utentes.
Verificamos que 33,6% dos profissionais apresenta presentismo (i.e., presença dos trabalhadores no local de trabalho, mas incapazes de estarem envolvidos no ambiente de trabalho) e 18,3% revela absentismo (i.e., falta de assiduidade, habitual ou sistemática, ao trabalho). Sabemos que em ambas as situações o desempenho das organizações fica comprome-
tido, sendo mais um fator que indicia que se deve apostar na criação de ambientes de trabalho mais seguros, saudáveis e acolhedores.
SAÚDE E ESTILO DE VIDA DOS PROFISSIONAIS
Perceção de comportamentos de saúde – Percentagem de participantes que referem ter muito maus/maus comportamentos de saúde: hábitos alimentares (10,2%); níveis de stress (30,5%); hábitos de Sono (44,4%); e prática de exercício físico (54%).
Em relação à perceção de competência de gestão de situações de stress:
57,8% é incapaz de controlar as coisas que são importantes na sua vida;
46,9% tem falta de confiança na sua capacidade para lidar com os seus problemas;
61,8% sentiu que as coisas não estavam a decorrer como queria;
50% sente que as dificuldades se acumulavam ao ponto de não ser capaz de as ultrapassar.
Consumos:
83,4% não fuma;
67,8% nunca bebe mais de duas bebidas alcoólicas por dia;
98,8% não toma anfetaminas;
72% não consome medicamentos psicotrópicos.
Tempo de ecrã:
27,1% regista 8 horas ou mais por dia de tempo de ecrã a trabalhar;
4,4% regista 3 horas ou mais por dia de tempo de ecrã no tempo de lazer.
AVALIAÇÃO GLOBAL DO AMBIENTE DE TRABALHO
De 0 a 10, a avaliação média é de 5,5 considerada baixa/ moderada.
82,1% discorda que a remuneração é justa face às suas responsabilidades, à função e comparando com os valores que são pagos no setor de atividade onde exercem a profissão.
O QUE OS PROFISISONAIS SUGEREM?
AO NÍVEL ORGANIZACIONAL
Os participantes sugerem mais formação, assegurar que as pausas no trabalho são cumpridas, a adequação dos recursos humanos (quantidade e qualidade), adoção de práticas que reduzam conflitos, promoção de lideranças motivadoras para os profissionais, atribuição de prémios de boas práticas (p. ex.: compensações e benefícios), criação de espaços para as pausas durante o período de trabalho, aumento do número de funcionários, adequação dos horários às necessidades familiares, atualização de ferramentas (mecânicas e informáticas), criação de um espaço adequado para troca de uniforme, ambulâncias novas e a criação de um espaço de estudo.
AO NÍVEL DAS LIDERANÇAS
Os participantes sugerem a formação das chefias sobre liderança humanizada, melhoria na comunicação da direção com chefias e chefias diretas e trabalhadores, comunicação de objetivos, de alterações e decisões atempadamente, maior empatia e respeito entre as chefias e os trabalhadores, equidade no planeamento e execução de horário e plano de trabalho, mais formação em gestão de conflitos, reuniões mensais, a criação de uma creche associada e diminuição da carga horária.
AO NÍVEL DAS RELAÇÕES LABORAIS E CONTEÚDO DO TRABALHO
Os participantes sugerem o convívio entre equipas, fomentar na equipa mais foco e produtividade, respeito, colaboração e igualdade e menos assédio moral.
AO NÍVEL DA SAÚDE E BEM-ESTAR
Os participantes sugerem a disponibilização de água aos funcionários, sessões de yoga/pilates no início ou fim do turno, promoção de uma caminhada mensal, promoção de sessões de saúde mental para os trabalhadores, apoio e exercícios de psicoterapia, estímulo ao exercício físico, permissão de powernap após o almoço, acesso a aulas de relaxamento, criação de um programa de pausas ativas e exercício para os funcionários.
Concluímos que o Ambiente de Trabalho Saudável deve ser compreendido de forma integral e sistémica. A cultura da organização deve ser promotora de saúde, as lideranças mais humanizadas, com competências específicas e promovendo uma melhor comunicação e maior valorização, justiça e reconhecimento face aos profissionais. Verifica-se a necessidade de serem desenvolvidas atividades promotoras de bem-estar e saúde no contexto laboral e de ser promovida uma melhor comunicação e articulação entre profissionais e diferentes níveis da estrutura organizacional. A intervenção ao nível da saúde mental, prevenção do Burnout e desenvolvimento de estratégias de gestão de conflitos e stress são áreas prioritárias de intervenção. É pertinente que as lideranças (gestores) pratiquem formas mais humanizadas de gerir as equipas de trabalho, não se focando, essencialmente, na “governação pelos números” que contribui para a degradação dos ambientes de trabalho e da saúde dos trabalhadores (Supiot, 2015).
RECOMENDAÇÕES PARA A PROMOÇÃO DE AMBIENTES DE TRABALHO SAUDÁVEIS
O resultado do Relatório do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis conclui que as medidas prioritárias são promover:
Uma cultura de trabalho inclusiva: Os ambientes de trabalho saudáveis comunicam claramente a cultura e as expectativas aos trabalhadores e são realistas quanto aos objetivos e condições de trabalho. Adotam o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, aprendem com os erros de forma produtiva e incentivam a participação.
Um ambiente seguro: Os ambientes de trabalho saudáveis garantem que os trabalhadores não se deparam com perigos desnecessários no exercício das suas funções. Asseguram que as áreas de trabalho cumprem os regulamentos, os quais devem estar em consonância com as reais necessidades do desempenho adequado, ou seja, com o “trabalho real” (Dejours, 2013), têm protocolos de segurança e promovem práticas seguras.
Uma liderança competente: Um ambiente saudável de trabalho inclui lideranças empáticas, assertivas, justas, transparentes, que estejam ao lado do profissional, que espelhem segurança psicológica (Edmondson, 2024), equidade e igualdade, num processo continuo de apoio, incentivo e autonomia.
Relações interpessoais efetivas: A relação interpessoal entre colegas é muito importante para a perceção de ambiente de trabalho saudável, o trabalho em equipa, a interajuda, a mentoria e supervisão, e momentos informais de convívio salutares. É importante promover o espírito de cooperação, de modo que seja possível construir coletivos de trabalho coesos e protetores.
Suporte e envolvimento do profissional e contexto de desenvolvimento: Um ambiente de trabalho saudável deve permitir que o profissional tenha oportunidades de desenvolvimento, sem encorajar uma competição desnecessária. Um processo conjunto de estabelecimento de objetivos, desenvolvimento de competências e formação, incentivos e valorização que podem criar mais valor para a organização e mais oportunidades para o seu futuro.
Os ambientes de trabalho saudáveis comunicam claramente a cultura e as expectativas aos trabalhadores e são realistas quanto aos objetivos e condições de trabalho. Adotam o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, aprendem com os erros de forma produtiva e incentivam a participação.
Foco na promoção da saúde global (bio-psico-social) e no estilo de vida: Ambientes de trabalho saudáveis incentivam os trabalhadores a manter uma boa saúde ao nível da saúde mental, alimentação, exercício físico, consumos, hábitos de sono e competências de gestão de stress, permitindo-lhes um desempenho melhor e mais fiável.
Os resultados revelam que a dimensão que tem maior impacto na promoção de ambientes de trabalho saudáveis e seguros é a cultura (Ética e Valores) da organização, seguidas pelo Compromisso da Liderança, o Envolvimento dos Profissionais e o Ambiente Psicossocial.
A Cultura de uma organização é o seu “ADN” e está associada aos valores e à forma como a organização estabelece os seus objetivos, o papel que dá e a relação que estabelece com os profissionais, clientes e outros stakeholders. A cultura de uma organização está associada às suas políticas, práticas e comportamentos.
O primeiro passo passa por integrar um procedimento de avaliação, intervenção e monitorização integrado no plano estratégico e no plano de atividades anual da organização (Figura 1).
A avaliação deve envolver o universo de trabalhadores da organização, seguida por uma devolução e um debate dos resultados, bem como o estabelecimento comum de prioridades.
Após o estabelecimento de prioridades, tais como, lideranças, saúde mental e recursos para a promoção de saúde e bem-estar, deve ser delineado e implementado um plano de ação com três níveis de intervenção: com medidas universais (para toda a organização), medidas seletivas (para determinados grupos em maior risco) e medidas indicadas para grupos ou pessoas em situação de maior fragilidade e dificuldades ao nível da saúde, tais como, promover o acesso fácil e seguro a consultas de psicologia, modificação de comportamentos de risco (p. ex.: programas de cessação tabágica), consultas de nutrição, etc.
A Promoção de Ambientes de Trabalho Saudáveis é um processo contínuo que deve envolver todos os stakeholders e ser acompanhado por equipa multidisciplinar com médico, enfermeiro e psicólogo entre outros profissionais necessários para assegurar ambientes de trabalho saudáveis e seguros.
Diagnóstico/ Monitorizar
Participação Stakeholders
Sistematizar e priorizar
Implementar Planear
REFERÊNCIAS
· Dejours, C. (2013). A sublimação, entre o sofrimento e prazer no trabalho. Revista Portuguesa de Psicanálise, 33(2), 9-28.
· Edmondson, A. (2024). O tipo certo de erro. Lisboa: Temas e Debates.
· Gaspar, T., Correia, M., Machado, M. C., Xavier, M., Guedes, F. B., Ribeiro, J. P., & Matos, M. G. (2022). Ecossistemas dos ambientes de trabalho saudáveis (EATS): Instrumento de avaliação dos healthy workplaces. Revista Psicologia, Saúde & Doença, 23(1), 252-268. https://doi.org/10.15309/22psd230124
· Gaspar, T., Telo, E., Arriaga, M., Sousa, B., Jesus, S., Xavier, M. C., Machado, Matos, M. G., Correia, M. F., PaisRibeiro, J. L., Areosa, Guedes, F. B., Cerqueira, A. & Canhão, H. (2024). Relatório Ambientes de Trabalho Saudáveis: Estudo das diferenças de género e geração. Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis. · Gaspar, T., Telo, E., Rocha-Nogueira, J., & LABPATS (2023). Manual de Boas Práticas: Promoção de Ambientes de Trabalho Saudáveis. Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis. ISBN: 978-989-98346-3-7
· World Health Organization (WHO) (2010). Healthy workplaces: a model for action: for employers, workers, policymakers and practitioners. World Health Organization.
Figura 1 – Ciclo de promoção de ambientes de trabalho saudáveis (Gaspar et at., 2023)
Avaliar
Plano de emergência da Saúde
da Saúde
“Existe uma injustiça evidente no acesso aos cuidados de saúde em Portugal, com desigualdades crescentes entre pobres e ricos, entre o litoral e o interior, entre zonas urbanas, suburbanas e rurais.”
“Os tempos clinicamente recomendados para consultas e cirurgias são frequentemente ultrapassados em vários hospitais do SNS. No final de 2023, 1,7 milhões de portugueses não tinham Médico de Família e o Enfermeiro de Família não é uma realidade. É preciso um SNS forte para o século XXI e ao serviço de todos.”
Programa do XXIV Governo Constitucional
O XXIV Governo assume a importância estratégica da Saúde como direito inalienável dos portugueses, nos termos da Constituição da República e da Lei de Bases da Saúde.
O Plano de Emergência para a Saúde assume particular relevo e prioridade política em face do diagnóstico transversalmente reconhecido como muito preocupante do estado da Saúde em Portugal.
Neste sentido, importa clarificar a visão estratégica que subjaz ao Plano de Emergência da Saúde:
· Promover uma sociedade livre e justa baseada no melhor desenvolvimento humano e social da pessoa, da sua família e
da sua comunidade, promovendo a saúde e o bem-estar num equilíbrio holístico com a natureza ao longo do ciclo de vida;
· Apoiar a pessoa doente com cuidados de saúde de proximidade no tempo certo, desde a gravidez à velhice e idade avançada, com especial sensibilidade para os portadores de deficiência, doença mental e para os doentes oncológicos;
· Investir nos recursos humanos, científicos e tecnológicos para qualificar a resposta clínica e assistencial com utilização de investigação e desenvolvimento, inovação e boas práticas em Saúde através de profissionais competentes e motivados e de equipas clínicas multidisciplinares no SNS e no sistema de saúde português.
Ministério
O Plano de Emergência da Saúde constitui uma peça conjuntural da estratégia de mudança estrutural da Saúde em Portugal, numa reforma gradual de reforço do Serviço Nacional de Saúde e de resposta integrada e eficiente de todo o sistema de saúde português em benefício das pessoas concretas, das suas famílias e da saúde pública, em geral.
Deste modo, o presente Plano de Emergência apresenta as respostas prioritárias imediatas, antecipa elementos críticos de curto-prazo e prevê um conjunto de medidas estruturantes transformativas do desnorte organizacional em que se encontra o Serviço Nacional de Saúde. Em concreto, o Plano de Emergência pretende responder às seguintes questões sentidas quotidianamente pelos cidadãos portugueses:
· Como responder aos doentes oncológicos que esperam por uma cirurgia acima do tempo de resposta máximo garantido no SNS?
· Como garantir maior segurança clínica à grávida e ao nascituro com acompanhamento profissional dedicado durante a gravidez e parto?
· Como reorganizar os serviços de urgência de forma imediata respondendo às necessidades das pessoas com doença aguda grave e como responder eficazmente às pessoas com doença aguda ligeira?
· Como dar Médico e Enfermeiro de Família às pessoas que não o têm?
· Como implementar na prática respostas para as pessoas com depressão e ansiedade e para as pessoas com doença psiquiátrica grave?
Para este efeito, num esforço colaborativo emergente em favor do SNS, foram consultadas 167 instituições ligadas à saúde a fim de auscultar e discutir os problemas e desafios mais agudos no panorama atual da saúde e potenciais medidas concretas e acionáveis como resposta aos desafios identificados.
Como resultado das sessões de trabalho internas e externas, entre inúmeras medidas, selecionaram-se 5 eixos estratégicos prioritários e fundamentais para repor e reforçar os direitos na Saúde que certamente os cidadãos portugueses utentes do SNS reconhecerão como relevantes e urgentes, designadamente:
1. A regularização do acesso aos cuidados de saúde, de forma a proporcionar melhores condições para o acompanhamento e tratamento do doente no tempo clinicamente recomendado;
2. A criação um ambiente seguro para o nascimento e a garantia de suporte consistente às mulheres durante o período da gravidez;
3. O reforço a missão do Serviço de Urgência enquanto local para a observação e estabilização das situações clínicas realmente urgentes e emergentes;
4. A resolução dos problemas de acesso aos cuidados de saúde primários, com foco primário nas populações sem médicos ou enfermeiros de família;
5. A garantia de acesso a serviços habilitados a promover a sua saúde mental, prestar cuidados de qualidade e facilitar a reintegração e a recuperação das pessoas com doença mental.
Cada um destes eixos estratégicos é composto por diversas medidas, cada uma estruturada e sistematizada com os seguintes parâmetros: (1.) Objetivos - concretos com metas explícitas na sua abrangência; (2.) Conceito – com a ideia central da medida; (3.) População alvo – com a identificação a quem a medida se aplica; (4.) Cronograma de atividades – detalhado com indicadores de acompanhamento e formas de comunicação; (5.) Indicadores de monitorização e de desempenho - claros no seu impacto esperado e na sua metodologia de concretização. Desta forma, é objetivado um rumo, com a objetividade necessária e indicada para uma avaliação adequada, com total transparência nas metodologias de trabalho.
Esta classificação permite uma organização eficaz e uma alocação de recursos adequada, garantindo que as metas estabelecidas sejam alcançadas dentro dos prazos previstos. As medidas são categorizadas da seguinte forma:
1. Medidas Urgentes: São aquelas que requerem implementação imediata,
com o objetivo de obter resultados tangíveis num período de até três meses. Estas medidas são críticas e visam responder a situações que necessitam de uma ação rápida para mitigar riscos ou aproveitar oportunidades que se apresentam no curto prazo.
2. Medidas Prioritárias: Estas medidas são planeadas para gerar resultados até ao final de 2024. Embora não sejam tão imediatas quanto as medidas urgentes, são de alta importância e requerem atenção especial para assegurar que os objetivos a médio prazo sejam atingidos, contribuindo assim para a estabilidade e progresso contínuo.
3. Medidas Estruturantes: Refletem um planeamento e implementação a médio-longo prazo. Estas medidas, ditas estruturantes, são fundamentais para a sustentabilidade e o crescimento estrutural, pois envolvem transformações profundas que irão moldar o futuro da organização do SNS.
A adoção desta classificação no Plano de Emergência da Saúde facilitará a compreensão das diferentes escalas de tempo associadas a cada tipo de medida e permitirá implementação meticulosa e acompanhada de uma monitorização constante para garantir que os benefícios sejam duradouros e significativos.
Eixos estratégicos do Plano de Emergência para a Saúde
EIXO ESTRATÉGICO 1 - RESPOSTA A TEMPO E HORAS
RESULTADOS ESPERÁVEIS:
· Fim das listas de espera de cirurgia oncológica no SNS
· Alteração radical das Listas de Espera para Cirurgia e Consultas no SNS
· Cumprimento regular em todo o território nacional dos TMRG
As Listas de Inscritos para Cirurgia (LIC) e as Listas de Espera para Consulta (LEC) são mecanismos implementados em Portugal com o objetivo de gerir o acesso dos doentes aos cuidados de saúde. Estas listas representam uma componente essencial do sistema de saúde, uma vez que permitem a gestão eficiente das necessidades do SNS e a alocação de recursos. Contudo, a elevada quantidade de doentes presentes nestas listas, bem como o incumprimento frequente dos Tempos Máximos de Resposta Garantida (TMRG), são fonte de forte injustiça e desigualdade social. De acordo com os dados de abril de 2024, encontravam-se inscritos na LIC 266.624 doentes, dos quais 74.463 (cerca de 28%) já tinham ultrapassado o TMRG. No que concerne às LEC, estavam pedidas 891.022 consultas, dos quais 454.528 (aproximadamente 51%) já tinham excedido o TMRG.
Reconhecendo a necessidade de uma intervenção imedia-
ta, foi elaborado um plano composto por medidas urgentes, prioritárias e estruturais, com o intuito de proporcionar uma resposta rápida aos doentes e implementar medidas estruturais que previnam o agravamento destes indicadores no futuro. Para tal, procedeu-se a uma análise detalhada das LICs e LECs, priorizando as necessidades de maior urgência de resolução, considerando tanto o volume de doentes em cada uma destas listas, como o respetivo tempo acima do tempo máximos de resposta preconizado. Neste contexto, foram decididas as seguintes ações:
· Medidas Urgentes: plano de regularização das listas de espera para cirurgia oncológica. Este plano visa todos os doentes oncológicos que tenham ultrapassado o TMRG para a cirurgia, e ambiciona que todos estes doentes sejam operados num prazo máximo de 3 meses, sob incentivo à produção adicional nos hospitais públicos. Adicionalmente, e de forma a garantir o apoio a estes doentes, bem como o cumprimento das metas propostas, será reforçado o envolvimento do SNS24 como mecanismo facilitador, sempre que necessário, do agendamento do processo cirúrgico, fora do hospital de residência do doente;
· Medidas Prioritárias: Foi concebido um plano que responda à lista de espera para cirurgia para os doentes não oncológicos, bem como um plano que reforce o acesso à consulta de especialidade. Para tal, procedeu-se a uma análise cuidada das listas de doentes, garantindo a priorização dos casos mais urgentes. Ficou evidente, no entanto, que o setor público dificilmente terá capacidade de responder a todas as necessidades apresentadas, pelo que se torna imperativo o envolvimento do setor social e privado. Adicionalmente, pretende-se alterar a contabilização do TMRG para doentes oncológicos, de forma a obrigar a uma resposta mais rápida a estes doentes;
· Medidas Estruturantes: Após a redução das LICs e das LECs, serão criados programas estruturais que evitem o crescimento novamente destas listas. Para tal, está previsto o acompanhamento de doentes crónicos estáveis via teleconsulta, a revisão integral dos protocolos de referenciação por parte dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) para o hospital, a revisão dos protocolos de inclusão de doentes na LIC. Adicionalmente, pretende-se proceder ao alargamento da hospitalização domiciliária.
EIXO
ESTRATÉGICO 2
- BEBÉS E MÃES EM SEGURANÇA
RESULTADOS ESPERÁVEIS:
· Reforço motivacional e organizacional das equipas obstétricas e multidisciplinares de assistência à grávida e ao nascituro
· Nova resposta de urgência para Ginecologia
· Maior humanização nos cuidados assistenciais perinatais e da infância
A Saúde Materno-Infantil é primordial para garantir o bem-estar da grávida, assegurando o nascimento em segurança e com qualidade. É fundamental que a grávida tenha um acompanhamento dedicado durante a sua gravidez e, principalmente, que possa esclarecer as suas dúvidas e ter acesso aos melhores cuidados de saúde consoante as suas necessidades, desde o início da gravidez até ao parto. Em 2023 ocorreram 85.994 nascimentos em Portugal, dos quais 77% (66.106) foram realizados no SNS.
Para colmatar as necessidades ao nível da saúde materno-infantil em Portugal é essencial otimizar a capacidade da rede de maternidades e o acesso da grávida aos melhores cuidados de saúde, reforçar os mecanismos de comunicação entre a grávida e o SNS e potenciar as valências dos profissionais de saúde envolvidos no acompanhamento da grávida e no parto. Neste sentido, foi delineado um conjunto de medidas com este objetivo:
· Medidas Urgentes: criámos um canal de comunicação direto entre a grávida e o SNS, a linha “SNS Grávida” (disponível através do SNS 24), de forma a garantir que as grávidas são reencaminhadas devidamente para os hospitais de maior proximidade com capacidade para a prestação de cuidados. Pretendemos ainda aumentar rapidamente a capacidade do SNS na realização de partos através da atribuição de um incentivo por parto acima da produção média diária de partos da instituição, dando liberdade às ULS para distribuírem o incentivo pela equipa da forma mais equitativa. Por fim, reforçámos as convenções com o setor Social e Privado de forma a expandirmos a capacidade instalada para a realização de partos do SNS; · Medidas Prioritárias: até ao final do ano serão criados Atendimento Referenciado de Ginecologia de Urgência (ARGU), com consulta aberta de ginecologia, permitindo libertar até 40% de casos puramente ginecológicos das urgências de obstetrícia. Iremos ainda atualizar os rácios de pessoal e de composição das equipas nos locais de parto, de forma a garantir a otimização das valências de cada membro da equipa disciplinar e assegurar a manutenção dos locais de parto consoante o número de profissionais disponível, procurando ajustar o número de partos à capacidade real em vez de fechar por completo o local de parto quando o rácio não é alcançado. Será também revista a tabela de preços convencionados para MCDT, nomeadamente para ecografias pré-natais, procurando fomentar a realização destes exames através da aproximação do preço convencionado ao preço praticado no SNS. Vão ser ainda criados Atendimento Pediátrico Referenciado (APR) onde as populações em idade pediátrica podem ser atendidas em regime de consulta aberta; · Medidas Estruturantes: a médio/longo-prazo pretendemos separar as especialidades de Ginecologia e Obstetrícia, dando oportunidade aos profissionais de se dedicarem efetivamente à sua área de especialização respetiva. Deverá ser reforçado o acompanhamento contínuo de grávidas, desde a consulta inicial no hospital até ao parto, por Especialistas de Enfermagem Materna e Obstétrica (EESMO), os quais desempenham um papel fundamental na humanização dos cuidados prestados. Por fim, de forma a garantir a autonomia no incentivo providenciado aos profissionais de saúde em bloco de parto e no serviço de obstetrícia, deverá ainda ser promovida a criação de
novas estruturas organizativas com maior autonomia para blocos de parto e obstetrícia, com vista a potenciar a sua eficiência.
EIXO ESTRATÉGICO 3
- CUIDADOS URGENTES E EMERGENTES
RESULTADOS ESPERÁVEIS:
· Criação dos Centros de Atendimento Clínico para casos urgentes de menor complexidade
· Novos espaços nos Cuidados de Saúde Primários para consultas de urgência diferidas
· Diminuição significativa dos internamentos sociais em Hospitais com apoio específico para Médicos em Lares (ERPI)
· Requalificação física e operacional dos Serviços de Urgência com destaque para Vias Verdes
A emergência pré-hospitalar e as urgências hospitalares têm um papel crucial no tratamento de doentes urgentes e emergentes. Em situações críticas, cada segundo conta e pode fazer a diferença entre a vida e a morte dos doentes. Por este motivo, “evitar a morte evitável” é o principal objetivo deste eixo.
O percurso dos doentes não se inicia, nem se esgota, dentro do Serviço de Urgência. Na prática há todo um circuito a montante e a jusante que também deve ser tido em consideração para uma análise estruturada e profunda dos diversos fatores que comprometem o seu desempenho. Por exemplo, como acontece em diversas unidades hospitalares, se cerca de 40% dos doentes na sala de espera forem triados com azuis (não urgentes) e verdes (pouco urgentes), será expectável que a capacidade de resposta da equipa do serviço diminua e, em determinadas circunstâncias, coloque até em risco de vida outros doentes urgentes ou emergentes.
As medidas detalhadas neste eixo foram identificadas tendo por base os fatores de input, throughput e output do Serviço de Urgência. Ou seja, o input considera os fatores que impactam o acesso em termos de volume e complexidade dos doentes que chegam às urgências. O throughput refere-se aos fatores que determinam o tempo necessário para se avaliar e gerir os doentes no serviço, e que normalmente está dependente das equipas e processos definidos internamente. E o output remete para fatores relacionados com o internamento hospitalar e a alta dos doentes.
Assumindo-se o Serviço de Urgência como um pilar estratégico do Serviço Nacional de Saúde, é fundamental que se avancem com medidas individuais que se complementam num propósito global e reformista em prol do doente. A organização das medidas em Urgentes, Prioritárias e Estruturantes, tem como racional a prioridade de execução das mesmas e o impacto que é expectável gerarem no funcionamento dos serviços de urgência dos hospitais. Nesse sentido foram iden-
tificadas as seguintes ações:
· Medidas Urgentes: serão criados, para as situações agudas de menor complexidade e urgência clínica, Centros de Atendimento Clínico e consultas do dia seguinte nos Cuidados de Saúde Primários. Além disso, a requalificação dos espaços de urgências é essencial para criação de um ambiente propício à prestação de cuidados urgentes e emergentes, designadamente quanto aos fluxos urgentes/emergentes das Vias Verdes e à área da Saúde Mental;
· Medidas Prioritárias: sobre os internamentos, pretende-se libertar camas indevidamente ocupadas por situações sociais nos internamentos hospitalares dedicados a doentes com patologia aguda. Ao nível do SNS24, será melhorado o algoritmo em termos da pré-triagem e será permitido o encaminhamento para Centros de Atendimento Clínico, a referenciação para Urgências Metropolitanas por especialidade ou procedimento específico e o agendamento de consultas do dia seguinte. Dentro do contexto do SNS24, será também disponibilizado a opção de teleconsultas médicas a situações de menor complexidade e urgência clínica. Ao nível das campanhas de informação, irá ser promovido o papel de proximidade da farmácia comunitária. No âmbito da vacinação, prevê-se a realização de campanhas de vacinação contra o Vírus da Gripe e Vírus Sincicial Respiratório para as populações mais vulneráveis. Para além destas medidas relacionados essencialmente com o acesso, será constituído um Departamento de Urgência e Emergência Médica na Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) para centralizar a gestão da rede e será criada a especialidade Médica de Urgência. Ao nível do transporte do doente crítico, pretende-se garantir o transporte em segurança entre hospitais com veículos especializados e dedicados do INEM, bem como, assegurar a resposta de transporte pré-hospitalar para regiões especialmente carenciadas;
· Medidas Estruturantes: a médio longo prazo, serão criados mecanismos de apoio médico a lares (ERPI) e alterar o modelo dos locais de atendimento de doentes com situações agudas de menor complexidade e urgência clínica para “Centros de Atendimento Clínico”.
EIXO ESTRATÉGICO 4 - SAÚDE PRÓXIMA E FAMILIAR
RESULTADOS ESPERÁVEIS:
· Nova parceria público-social para dar Médico de Família a 350.000 pessoas em áreas muito carenciadas: Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve
· Médico de Família atribuído em mais de 100 concelhos do País
· Criação de 20 USF tipo C
· Reforço de meios técnicos nos Cuidados de Saúde Primários com atendimento clínico urgente
Assumindo-se o Serviço de Urgência como um pilar estratégico do Serviço Nacional de Saúde, é fundamental que se avancem com medidas individuais que se complementam num propósito global e reformista em prol do doente. A organização das medidas em Urgentes, Prioritárias e Estruturantes, tem como racional a prioridade de execução das mesmas e o impacto que é expectável gerarem no funcionamento dos serviços de urgência dos hospitais
Os Cuidados de Saúde Primários (CSP) desempenham um papel crucial em Portugal, atuando como a porta de entrada para o sistema de saúde e proporcionando cuidados abrangentes e acessíveis à população. As unidades de CSP atuam num conjunto de pilares fundamentais com vista a assegurar a equidade no acesso aos serviços de saúde, prevenir doenças e acompanhar condições crónicas, abordando, de forma integrada, as necessidades de saúde, nas vertentes preventiva e curativa. Com o intuito de assegurar acompanhamento médico para quem precisa, seja através do Médico de Família ou de um “médico assistente” numa instituição social, desenvolvemos um conjunto de iniciativas que visam não só atuar sobre o flagelo da carência de Médicos de Família na população portuguesa, como fomentar a prevenção e diagnóstico antecipado, reforçar a capacidade de resposta e melhorar a eficiência dos cuidados de saúde primários:
· Medidas Urgentes: otimizámos a atribuição de Médicos de Família ao transferir os utentes não residentes e residentes estrangeiros sem consulta nos cuidados de saúde primários há mais de 5 anos com Médico de Família assignado para uma lista de espera paralela, possibilitando desta forma atribuir Médico de Família a 130.561 utentes. Paralelamente, atribuímos ainda Médico de Família aos utentes de mais de 100 concelhos em Portugal, cobrindo as necessidades em 27% do total de concelhos ao nível de Portugal Continental. Estabelecemos ainda uma parceria com o setor Social para colmatar parte da carência de Médicos de Família das regiões com maior necessidade, gerando capacidade para atribuição de um “médico assistente” numa instituição social a 350 mil utentes, com enfoque na região de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.
Tendo por objetivo prestar suporte a doentes que necessitem de atribuição de Médico de Família, encontra-se em fase de operacionalização uma linha de contacto para os cuidados de saúde primários, cujo objetivo imediato passa por efetuar chamadas para utentes elegíveis para concluir o processo de atribuição de médico assistente no setor Social. Por fim, criámos ainda capacidade adicional para a prestação de cuidados de saúde primários em dois concelhos com elevada taxa de utentes sem Médico de Família atribuído (Cascais e Sintra), estabelecendo uma parceria com o Hospital de Cascais (parceria público-privada) que permitirá cobrir até mais 75 mil utentes; · Medidas Prioritárias: ainda este ano será lançado um concurso público para a implementação de 4 agrupamentos compostos por 5 USF modelo C cada, em regiões com carência de Médicos de Família (2 agrupamentos em Lisboa, 1 em Leiria e 1 no Algarve), cobrindo até 180 mil utentes. Será ainda lançado um concurso em paralelo para implementação de USF modelo C de pequena/média dimensão, com enfoque em Lisboa e Vale do Tejo. De forma a colmatar as necessidades temporárias de capacidade assistencial dos cuidados de saúde primários será ainda prorrogado o regime de contratação de médicos aposentados, que será alvo de revisão, onde se pretende que a remuneração base destes médicos seja paga a 100% em vez dos atuais 75%. Serão ainda revistos os critérios de transição de USF modelo A e UCSP para USF modelo B através da redução do limiar do IDG (Índice de Desempenho Global) para 50% e do ajuste dos critérios de acesso a USF modelo B diferenciados para regiões de baixa densidade populacional. Este ano pretendemos também reforçar a parceria com associações de médicos e cooperativas com vista a alargar a capacidade de prestação de cuidados de saúde primários por parte do SNS; · Medidas Estruturantes: a médio/longo-prazo iremos expandir a atuação na área da prevenção, ao disponibilizar MCDT de química seca e radiologia convencional (ex.: raio-x) em algumas unidades de cuidados de saúde primários, parti-
cularmente em centros com atendimento de utentes urgentes de prioridade Verde e Azul e Serviços de Atendimento Complementar (SAC, ex- SASU), e ainda ao dinamizarmos rastreios oncológicos nas unidades prestadoras de cuidados de saúde primários, com especial enfoque no alargamento dos planos de rastreio existentes atualmente, nomeadamente ao nível da área do cancro colorretal e gástrico. Para complementarmos a capacidade assistencial, iremos ainda criar Centros de Avaliação Médica e Psicológica (CAMP), unidades autónomas onde será possível a emissão de documentos para fins fiscais e sociais como testados de Robustez Física e Psíquica para diversos fins, de forma a libertar os médicos de medicina geral e familiar para a atividade assistencial. Por fim, pretendemos ainda estimular a adesão dos médicos a uma carteira adicional de até mais 200 utentes, em regime voluntário, com o objetivo de aumentar a capacidade assistencial disponível.
EIXO ESTRATÉGICO 5 - SAÚDE MENTAL
RESULTADOS ESPERÁVEIS:
· Contratação de Psicólogos nos Cuidados de Saúde Primários
· Programas de intervenção em ansiedade e depressão por Equipas Comunitárias de Saúde Mental
· Generalização de CRIs de Saúde Mental
As perturbações psiquiátricas e os problemas de saúde mental tornaram-se a principal causa de incapacidade e uma das principais causas de morbilidade e morte prematura, es-
pecialmente nos países ocidentais industrializados. Em Portugal, concretamente, as perturbações psiquiátricas representam 12% da carga global de doenças, atrás das doenças cerebrais/cardiovasculares, com um peso global de 14%.
Nos últimos 20 anos, a legislação em saúde mental que vigorou permitiu avanços importantes em diversas dimensões, tanto numa perspetiva da organização dos serviços locais de saúde mental (SLSM), como no cumprimento dos direitos humanos e da regulamentação adequada do internamento compulsivo. No entanto, não permitiu que se implementasse de forma generalizada em Portugal um modelo organizativo de prestação de cuidados em linha com os dos outros países da Europa Ocidental. Dificuldades de acesso aos serviços de saúde, problemas económicos, estigma e assimetrias regionais continuam a ser barreiras muito fortes, impedindo que as populações recebam cuidados de qualidade de forma equitativa.
Considerando a saúde mental como um pilar estratégico do Serviço Nacional de Saúde, é crítico que se avancem com medidas condizentes com as boas práticas internacionais e em linha com as necessidades locais. Algumas das medidas já estão previstas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), pelo que apenas carecem de deliberação de organismos da tutela para depois serem operacionalizadas – sendo que em alguns casos o prazo de execução é 2024, ou seja, têm risco elevado de perda de financiamento por não execução. Outras, apesar de não serem financiadas pelo PRR, são igualmente relevantes pelo contributo que aportam no enquadramento nacional da saúde mental. São ações identificadas:
· Medidas Urgentes: requalificação das urgências psiquiátricas em termos de instalações e equipamentos, em consonância com a medida urgente listada no eixo 3 das urgências deste documento, programa estruturado direcionado às forças de segurança (PSE e GNR), reforço nacional das equipas dos Cuidados de Saúde Primários com Psicólogos e o aumento da colaboração com as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) na acomodação dos internamentos de situações crónicas;
· Medidas Prioritárias: ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, prevê-se ainda a criação de equipas comunitárias de Saúde Mental e a disponibilização de programas de intervenção na ansiedade e na depressão. Nos Serviços Locais de Saúde pretende-se garantir a capacidade de internamento para situações agudas. Já a nível regional, serão criados serviços de saúde mental regionais para internamento de doentes de elevada complexidade;
· Medidas Estruturantes: num horizonte de tempo mais alargado, está previsto a construção de mais dois serviços forense, um em Coimbra e outro em Lisboa, e, em paralelo, pretende-se também acelerar a generalização dos Centros de Responsabilidade Integrada em todos os Serviços Locais de Saúde Mental (SLSM), no sentido de os diferenciar e dotar de mais autonomia e capacidade de incentivo e fixação dos profissionais.
Adicionalmente, foram definidos ainda programas prioritários transversais, que serão desenvolvidos no desenrolar da execução do Plano de Emergência para a Saúde, assentes em políticas estratégicas com uma forte enfase na promoção da
saúde, no tratamento da doença, no aumento da literacia em saúde da população e na organização e melhoria da eficiência do sistema de saúde.
Estes programas estão divididos consoante o seu enquadramento e raio de ação, nomeadamente (1.) Programas de contingência; (2.) Programas de avaliação; (3.) Programas de eficiência; (4.) Programas de medicamento; (5.) Programas clínicos prioritários.
Programas transversais do Plano de Emergência para a Saúde
Programas de contingência:
a) Plano de Verão 2024
b) Plano de Inverno 2025
c) Programa de valorização dos profissionais de saúde
d) Plano de Preparação e Resposta a Catástrofes e Emergências de Saúde Pública
Programas de avaliação:
e) Programa de reativação do SINAS – Sistema Nacional de Avaliação em Saúde
f) Programa de parceria com Associações de doentes: perceção de serviços prestados – Cliente Mistério
g) Programa de monitorização e avaliação da gestão das instituições públicas de saúde
Programas de eficiência:
h) Programa de financiamento e contratação plurianual
i) Programa de gestão de ganhos de eficiência e combate ao desperdício
j) Programa para a saúde digital integrada
Programas de medicamento:
k) Programa de criação da Reserva Estratégica de Medicamentos e de Equipamentos Médicos
l) Programa de implementação total do SiNATS – Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias da Saúde
Programas clínicos prioritários:
m) Programa de prevenção e controlo de doenças degenerativas e oncológicas
n) Programa de combate e controlo da obesidade
o) Programa de investigação clínica: especial Mais Ensaios Clínicos
p) Programa de prevenção da doença e promoção da saúde
Assim, o presente Plano de Emergência constitui um passo num processo de investimento mais profundo na Saúde, onde haverá continuidade no compromisso de rentabilizar a capacidade instalada nacional, promover a crescente diferenciação técnica e valorizar objetivamente os recursos requeridos, especialmente os Profissionais de Saúde.
Em resumo, mais gestão, com maior profissionalismo e rigor na mesma, de forma a potenciar e maximizar a resposta em Cuidados de Saúde em áreas especialmente carentes de atenção redobrada é o que motiva a existência do Plano de Emergência.
Sede Provisória: Avenida Cidade de Montgeron, 212 4490-402 Póvoa de Varzim Email: spgsaude@gmail.com