Nada Mais e o Ciúme

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Nada Mais e o Ciúme

Mas a sua voz ia-se rompendo em interrupções cada vez mais vastas, até que se apagou num silêncio de esquecimento, como se a minha presença se tivesse decomposto em átomos. Incomodado, mas sem me atrever a reatar a conversa, folheava as páginas do livro, que não me captavam a atenção: não as lia, ou lia-as sem as ler, dando, a espaços, alguns golos na bebida. E mesmo se, num breve lapso da minha vagueação mental, segurava um verso qualquer, desatentava logo nele, soltava-o de imediato e deixava-o escapar, sem lhe ter percebido nenhuma beleza, nenhuma grandeza, nada de único, ou de excepcional: só palavras aquém do lembrável. Aliás, o único poema de Luz que eu alguma vez soube na íntegra é aquele, dedicado a Virgílio, que ouvira frequente e fragmentariamente citado por Dulce, sempre com a mesma garra de ironia: Quando destroçado, Volta ao princípio. Poderás voltar sempre ao princípio, Isto é, Sempre enquanto o princípio for vivo, Porque o princípio não é um sítio, Mas uma pessoa, A que te amou desde o ventre: E mais nenhuma te amará tão bem e tão mal, Mais nenhuma realmente te amará.

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