A atribulada religiosidade da Tia Ilda

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A atribulada religiosidade da tia Ilda

José Maria Balhau

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“Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores,

E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos,

E dar-nos-á verdor na sua primavera,

E um rio aonde ir ter quando acabemos!...”

Alberto Caeiro - Heterónimo de Fernando Pessoa, O Guardador de Rebanhos

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À MI, minha companheira dos bons e maus momentos.

Às minhas filhas Carla Maria, Paula Alexandra e netos Maria, Carolina e Tiago.

À memória de Ilda Rocha Martins, nossa tia.

Às gentes do Pedrogão de São Pedro.

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FICHA TÉCNICA

TÍTULO: A atribulada religiosidade da tia Ilda

AUTOR: José Maria Araújo Balhau

EDIÇÃO: Edições Ex-Libris® (Chancela do Sítio do Livro)

REVISÃO: Maria Gabriela Ferreira (Letra a Letra - Revisão de Texto)

ARRANJO DA CAPA: Carolina Araújo Gonçalves

PAGINAÇÃO: Carolina Araújo Gonçalves

Lisboa, fevereiro 2024

ISBN: 978-989-9028-99-9

DEPÓSITO LEGAL: 526958/24

© JOSÉ MARIA ARAÚJO BALHAU

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Prefácio ……………………………………………………………………...… 11 Capítulo I (Pedrogão de São Pedro, aldeia onde a tia nasceu e foi criada) ........ 13 Capítulo II (Infância e Adolescência) ……………………………..................... 19 Capítulo III (O Casamento) ……………………………….……..…………..... 23 Capítulo IV (O Calvário de Sintra a Roma) …………..………………..…….. 29 Capítulo V (Adesão à Igreja Evangélica) …………………………….………… 39 Capítulo VI (Edificação de Capela da Igreja Evangélica no Pedrogão) ….….... 41 Capítulo VII (Deslocações à Beira Baixa para apoio à tia) …………………..... 43 Capítulo VIII (A Fé da tia perante o meu Agnosticismo) ……….…………….. 47 Capítulo IX (O Declínio) …………………………………….………………... 51 Capítulo X (Primeira Recaída) ………………………………………….……... 53 Capítulo XI (Segunda Recaída) ……………….……..………….…………..... 57 Capítulo XII (A Partida) …………………………..………..…………….....… 63
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ÍNDICE
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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha neta Carolina que, entre os espaços escolares livres, se disponibilizou e empenhou na definição e tratamento do design da capa e contracapa, das imagens inseridas no texto e na tarefa da paginação.

Agradeço a Sandra Pena, da editora Sítio do Livro, a disponibilidade e simpatia com que sempre me recebeu para esclarecimentos e ajuda na formatação do livro.

Agradeço a Maria Gabriela Ferreira (Letra a Letra – Revisão de texto) o seu empenho e profissionalismo na revisão do texto do livro.

Agradeço, por fim, à MI, minha mulher, o apoio e a inestimável e útil assistência que me deu nas versões preliminares, nomeadamente em aspetos relacionados com lembranças no convívio comum com a tia Ilda, bem como em aspetos relacionados com a revisão do texto. Preview

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Todos nós, humanos, ao entrar no “trem” da vida, carregamos o ADN dos nossos pais e as circunstâncias, por acréscimo, lugar e ambiente onde nascemos, princípios que nos são incutidos, decisões nossas e dos outros, consentidas ou não, afetam e determinam o nosso percurso existencial. O caso da tia Ilda não podia fugir à regra.

A circunstância de ter nascido (9 de março de 1924) e ter sido criada num ambiente rural, inóspito, de uma aldeia do interior

- Pedrogão de São Pedro, concelho de Penamacor, distrito de Castelo Branco -, conjugada com a pouca sorte de ter sido abandonada pelo pai quando ainda não tinha nascido, determinou, em grande parte, o seu caminhar na vida.

Por razões desconhecidas, mas que se adivinha assentarem em carência de meios a não permitir sustentabilidade à família e, como depois se veio a constatar, evidente desamor, o pai emigrou para a Argentina e por lá constituiu nova família. Desligando-se e desobrigando-se, em absoluto, de quaisquer responsabilidades, deixou à sorte a sua mulher grávida da tia e já com ela quatro filhos a criar (dois rapazes e duas raparigas).

Assim, com início nada prometedor, os acontecimentos na infância, adolescência, juventude e idade madura da tia, como o leitor perceberá ao longo do livro, foram-se sucedendo, com dissabores sobre dissabores.

O seu apego, muito forte, ao cristianismo, com fé inquebrantá-

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vel, antes e depois de entrar na vida religiosa, levou-a ao propósito de ir ao encontro, determinada, sem interrogações e cedências, daquilo em que acreditava, do seu Pai do Céu.

A circunstância de, a partir de um dado momento, eu ter entrado na família, ao casar com uma das suas sobrinhas, colocou-me na situação privilegiada de ter conhecido muito da sua vidatanto quanto me foi possível! -, o que permite levar por diante o propósito de, como relator, levar a vós, leitores, muito honrado, o seu percurso.

Decidi escrever e publicar o livro por julgar o percurso da tia

Ilda valioso e pedagógico, pelas peripécias e incidentes pessoais, mas também por levantar um pouco o véu do que se passa, e se vai passando, no interior de instituições religiosas, nem sempre transparentes e de fácil acessibilidade.

Julgo poder espoletar, por outro lado, a quem tenha interesse e a tal se disponibilize, um olhar mais profundo e atento sobre a Beira Baixa, ao longo de décadas do século passado, nos costumes e nas questões da religião, da psicologia, da sociologia e da ética. Permite ainda homenagear e preservar a memória da tia, pensando, essencialmente, nos familiares e pessoas nascidas e criadas em Pedrogão de São Pedro e aldeias vizinhas, algumas que, tendo com ela convivido, têm-na ainda bem presente.

Se o meu propósito de escrever e publicar o livro, para dar conhecimento do atribulado percurso religioso da tia, é, nas circunstâncias e peripécias por que passou, valioso pertinente e merecia ou não ser divulgado, e se consegui dar ou não ao livro o interesse e qualidade desejável, caberá a vós leitores ajuizar!

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IPedrogão de São Pedro, aldeia onde a tia nasceu e foi criada

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A povoação de Pedrogão de São Pedro, onde nasceu e foi criada a tia Ilda, é uma freguesia do concelho de Penamacor, distrito de Castelo Branco, situada numa pequena elevação, onde, no núcleo mais antigo, lá mesmo no cimo, por entre enormes pedregulhos graníticos, se encontra e se destaca um grande depósito de água.

À volta do depósito, existem ruas e ruelas, com casas rústicas, uma capela (Santo António) e um calvário, com a base e as três cruzes em pedra granítica.

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Pedrogão de São Pedro
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Na parte baixa, a aldeia possui, como na parte alta, interessante património religioso e civil edificado, com alguns vestígios romanos, destacando-se a Igreja Matriz, algumas capelas (Nossa Senhora da Graça, Nossa Senhora das Dores e do Espírito Santo), casas senhoriais (entre elas o Solar da família Marrocos) e fontanários.

Património Religioso e Civil Edificado da Freguesia de Pedrogão de São Pedro

Casa e calçada graníticas

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Igreja Matriz Capela de Nossa Senhora da Graça Calvário Capela da Nossa Senhora das Dores Solar da Família Marrocos Capela de Santo António Capela do Espírito Santo Fontanário de São Pedro Preview

Os usos e costumes das gentes do Pedrogão, quer profanos quer religiosos, não diferem muito dos observados em toda a região da Beira Baixa. Inserido na sub-região da Beira Interior Sul (distrito de Castelo Branco), as suas gentes estavam sujeitas aos condicionalismos que aconteciam em toda a Beira Baixa, designadamente, entre outros, o isolamento, que perdurou, de geração em geração, ao longo da história, devido a escassas vias de comunicação, levando-as a assimilar e a preservar o saber acumulado, com expressão numa cultura rica, própria e singular, de vivências, alegrias, sentimentos e desejos, a diferir das restantes regiões do país, mais permeáveis a influências externas.

É assim que encontramos no Pedrogão e em outras povoações da Beira Baixa, com pequenas nuances, as mesmas músicas tradicionais, práticas profanas, rituais religiosos, provérbios e ditos populares, baseados na experiência de vida, bem como relatos dos mesmos mitos e lendas adaptados às crenças das gentes de cada povoação.

Não foi por acaso que, no que respeita à música tradicional, grandes investigadores empreenderam pesquisas nas aldeias da Beira Baixa, tendo como alvo os cantares tradicionais, como foram os casos, entre outros, de Fernando Lopes Graça e Michael Giacometti e, mais próximo de nós, José Afonso.

Ainda no que às músicas tradicionais diz respeito, excluindo a atribuição de origem exclusiva e inequívoca a uma ou outra povoação - exemplos, entre outros, Moda da Azeitona, a Malpica do Tejo, as Armas do meu Adufe, a Idanha -, aparecem músicas de atribuição generalizada, das quais não se conhece a sua oriPreview

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gem, em cujas letras, com toadas, por vezes, diferenciadas, cada povoação introduz elementos vivenciais e locais seus, adaptando-as à sua realidade.

Um outro exemplo de tal adaptação, bem marcante, acontece em algumas lendas, como na “Praga dos Gafanhotos” com povoações - Alcains, Escalos de Cima, Pedrogão de São Pedro e outras - a reivindicar para a sua terra o milagre da intervenção do seu santo padroeiro na resolução do problema da praga dos gafanhotos que ameaçou, segundo a lenda, em dado momento histórico, destruir as suas hortas e searas.

O milagre deu-se, segundo a lenda, com “nuvens de gafanhotos” a esbarrarem contra as paredes da igreja, por intervenção de São Pedro, padroeiro dessas povoações.

No tempo da infância e adolescência da tia Ilda, as gentes do Pedrogão ocupavam-se de atividades agrícolas (homens e mulheres), de tecelagem (mulheres) e ainda de atividades relacionadas com a construção civil e ofícios em outros domínios (homens), dentro e fora do concelho, com maior incidência em Penamacor e Castelo Branco.

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Mas, para melhor perceber o meio e envolvência ambiental onde a tia Ilda nasceu e foi criada, é importante referenciar Penamacor, sede do concelho onde se insere a freguesia do Pedrogão de São Pedro.

Enquanto sede de concelho, localizada a dez quilómetros de distância, a vida das gentes do Pedrogão não pode dissociar-se de uma forte dependência e ligação a Penamacor. Além da necessidade de lá se deslocarem para tratar de assuntos administrativos (camarários, de finanças e de registos na Conservatória, etc.) e fazer compras, os habitantes do Pedrogão, com os habitantes das aldeias vizinhas, terão ainda suportado e sofrido, em tempos passados, com forte probabilidade, as mesmas agruras e sofrimentos que os habitantes de Penamacor quando das incursões bélicas de outros povos para penetrar em território português.

Como nos dizem os compêndios de história, e deles nos servindo, Penamacor teve uma importância muito grande na defesa do território português - há vestígios e registos anteriores e

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Penamacor

posteriores ao tempo de Dom Sancho I -, face a incursões bélicas, quer nos tempos mais recuados, com as invasões romanas e árabes, quer mais recentes, com as Invasões Francesas. Essa sua importância foi-lhe dada por dispor de um espaço alto e rochoso, estratégico sobre a fronteira, com declives naturais a permitir visualizar ao longe e ao perto o inimigo.

Foi assim que, tirando partido dessa mais valia, Dom Sancho I mandou ali construir um castelo e uma muralhada à sua volta, para defesa dos habitantes da vila e da região, perante as investidas dos inimigos.

Ao longo história de Penamacor foram-se sucedendo alterações no castelo e na fortaleza, de modo a reforçar os meios de defesa, com intervenções de reis posteriores ao reinado de Dom Sancho I, designadamente Dom Afonso III, Dom Fernando e Dom João IV.

A partir do século XIX, devido a várias circunstâncias, entre elas o progresso urbano, foi retirada a guarnição militar e, com isso, deu-se o progressivo abandono do castelo e fortaleza, restando hoje, apenas, a torre de menagem e a Domus Municipalis.

A importância histórica de Penamacor, com o castelo e fortaleza reconhecidos como Monumento Nacional (Decreto de 1973), é motivo de orgulho dos seus habitantes e dos habitantes das aldeias à volta, entre eles, naturalmente, do Pedrogão de São Pedro, enquanto pertencentes ao concelho e também pelas sentidas e vincadas marcas da sua envolvência, no passado, nas ações bélicas de defesa da região e de todo o território português.

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religiosidade
A atribulada
da tia Ilda

Infância e Adolescência

A infância e adolescência da tia Ilda, com o abandono desumano e cruel da família pelo pai, passou a ter ingredientes para um despertar para a vida amargo e infeliz, num ambiente a ser sustentado e suportado apenas pela mãe, que se foi valendo, com enormes dificuldades e pesados sacrifícios, da gestão dos parcos recursos de que disponha, com coragem, engenho e sabedoria. Na alimentação, além de ajudas familiares, valia-se dos produtos agrícolas que colhia na horta, tratada esforçadamente por ela e pelos filhos. Do pouco peixe que chegava à aldeia, normalmente

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Pais da tia Ilda
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sardinha, comprava uma apenas e dividia-a pelos cinco filhos. Para suprir a falta de roupa para muda, metia os filhos na cama, enquanto as únicas peças que possuíam eram lavadas e postas a enxugar.

Além dos referidos expedientes, a mãe da tia Ilda, para suprir as dificuldades, recorria ao exercício da tecelagem em tear manual, com o uso de fitas de tecidos de várias cores, feitas de roupa em desuso, de que resultavam mantas de retalhos, para fregueses de povoações vizinhas e de uma povoação de Espanha (Salvaterra do Extremo). Aqui se deslocava num velho burro, acompanhada por um ou outro filho ou filha, por acidentados e perigosos trilhos, cheios de escarpas a rodear as cercanias, altamente vigiados pelos carabineiros, na mira de surpreender os contrabandistas.

A profunda religiosidade da tia, repetidamente a nós contada, despertou quando o padre na sua primeira comunhão, aos sete anos, se voltou para todas as crianças e lhes pediu para pedirem a seus pais e mães perdão pelas suas faltas. Agarrada à mãe, chorou por não ter pai a quem pedir perdão. Misturando as suas lágrimas às lágrimas da filha, a mãe abraçou-a e disse-lhe para não chorar porque o seu pai era Jesus. A partir de então, a tia Ilda passou a considerar que Jesus seria o seu Pai, seu fiel companheiro, seu guia, nos bons e maus momentos, nos tortuosos e acidentados caminhos da vida.

Seguindo a sua devoção, ia participando nos atos religiosos da igreja. Ali se refugiava para curtir as suas mágoas, a sua dor, e esquecer a ausência do seu pai terreno. Em casa, ajudava a mãe Preview

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na lavagem da roupa e participava no fabrico e venda de pão, negócio que permitia acrescentar preciosos tostões ao orçamento familiar.

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