Mentalidade de Escravo

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MENTALIDADE DE ESCRAVO MANUEL CRUZ NETO

O Caminho da Profecia Ignorância Medo

MENTALIDADE DE ESCRAVO

O CAMINHO DA PROFECIA

Manuel Cruz Neto (Doutor Kiluanji)

FICHA

TÉCNICA

título: Mentalidade de Escravo — O caminho da profecia

autor: Manuel Cruz Neto

edição: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro)

revisão: Patrícia Espinha

arranjo de capa: Ângela Espinha

paginação: Alda Teixeira

1.ª Edição Lisboa, maio 2025

isbn: 978-989-8986-94-8

depósito legal: 539973/24

© Manuel Cruz Neto

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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publicação e comercialização: www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

Índice

Agradecimentos

Prefácio

Introdução

A Profecia

A Velha Identidade

O Medo

ignorância

A Nova Identidade

Seguindo a Profecia

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Agradecimentos

Ao meu Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo; ao Deus da Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, por me ter dado a sua Palavra contida nas Escrituras, através da qual pude escrever este livro e a Ele oro, para que dê entendimento e discernimento a todos quantos dedicarem tempo na sua leitura;

À minha amada esposa Gilbertina, à Chelsea — que produziu a capa do livro —, ao Gerson e à Eliane, meus filhos, assim como a outros membros da minha família, pelo encorajamento, amor e solidariedade com que sempre me têm brindado, dando-me estabilidade e coragem para a produção deste texto;

Ao Profeta Vinicius Iracet, pelas muitas palavras de sabedoria que, por seu intermédio, Deus me transmitiu a fim de poder discernir situações complexas;

A todos quantos me dão incentivo para falar de coisas que são efectivamente importantes para a vida das pessoas, e me encorajam a partilhar tudo aquilo que tenho aprendido ao longo da minha caminhada neste mundo .

Preview

Prefácio

Estava eu, sentado na parte de trás da viatura que me conduzia de regresso a casa, olhando para as anotações que havia feito num bloco que tinha sempre no carro, mas já lá ia um bom tempo que não tocava nele e, nem sequer me lembrava do que havia escrito, quando o carro parou em frente ao portão da casa onde resido . Mas como não era ali onde diariamente estacionava, quando regressava da minha actividade laboral ou outra qualquer, perguntei ao motorista porque é que tinha parado ali, ao que respondeu:

— Chefe, o portão da garagem não está a abrir.

— Ok, está bem — respondi, saindo do carro e levando comigo a minha pasta de trabalho . Entrei pela porta principal usando a chave que tinha sempre comigo e, após entrar em casa, percebi então porque é que o portão da garagem não abrira. Estávamos sem energia eléctrica. Suspirando, subi os degraus que me levavam ao meu quarto, no piso superior da casa, despi o casaco e tirei a gravata, pendurando-os cuidadosamente no bengaleiro, como fazia sempre . Estava um calor sufocante! Dei alguns passos em direcção ao wc para lavar as mãos, mas antes mesmo de Preview

abrir a porta lembrei-me de que, estando sem electricidade, também não haveria certamente água na torneira, porque a bomba para a água era eléctrica, pois, embora existisse canalização para a água da rede pública, o certo é que essa não chegava às torneiras. Então, abri a porta de correr que dava acesso à varanda e para lá me desloquei, sentando-me no pequeno sofá que lá se encontra. Para mal dos meus pecados, parece que a energia alternativa também estava com problemas.

Que coisa, meu Deus! Isto não funciona! — desabafei comigo mesmo .

Pensava ainda nesta situação da falta de energia, sentado no sofá, olhando para o horizonte longínquo e aproveitando aquele meu momento de nostalgia, quando uma voz, que eu bem conhecia, começa a sussurrar-me ao ouvido:

— Imagina — começou ela — que te encontras numa dessas tardes ensolaradas de março, como hoje, depois de uma jornada de trabalho árdua e intensa, em que tiveste discussões difíceis com os teus parceiros de trabalho, como hoje, desencorajado porque as coisas não correram como desejavas ou como tinhas previsto; sentas-te nesse sofá em que estás precisamente agora, apenas porque a energia eléctrica entendeu não estar presente quando chegaste a casa, sem teres podido por isso ligar o aparelho de ar condicionado ou tomar o tão merecido e desejado

duche que já havias planeado tomar tão logo chegasses a casa. Qual é o sentimento que te invade?

— Que este país está lixado — retorqui com aspereza, para depois concluir:

— Nada funciona.

Ela nada disse por uns instantes, como se a resposta a tivesse apanhado de surpresa, ou então por não lhe ter agradado tanto. Mas, continuando logo a seguir disse:

— Parece ser verdadeira, essa tua afirmação, dadas as circunstâncias, porém, essa foi apenas a tua opinião de como estás a ver o mundo neste dia ou momento particular. Porque certamente estará a acontecer, neste preciso momento e no mesmo ambiente que te cerca, alguém alegre por ter recebido o tão ansiado filho que esperava, depois de tantos abortos ocorridos antes, outro que recebera o dinheiro que lhe era devido já lá iam muitos meses, mas que inesperadamente recebera a paga, num momento de grande aperto financeiro, outro ainda que acabara de receber o empréstimo do banco para desenvolver o seu projecto de vida, etc . Mesmo sem electricidade e água, para esses, certamente que o mundo neste dia ou circunstância particular, é uma bênção muito grande. Porém, para ti, nada parece funcionar.

Fez uma breve pausa, como sempre fazia, para que eu interiorizasse bem o que estava a transmitir-me. Então, prosseguiu: Preview

— Mas isso não é tudo. Imagina ainda que algures, noutro lado do mundo, alguém estava a chorar e a lamentar-se pela morte da esposa em trabalho de parto, tendo a criança sobrevivido, outro ainda que era naquele mesmo momento assassinado por meliantes que eventualmente fugiam da perseguição da polícia, ou também outro que era despedido do seu emprego . Então, como exclamariam eles?

Não fiz qualquer comentário, pelo que depois de uma breve pausa concluiu o seu pequeno relato, afirmando: Pois, meu caro, este é o mundo que vos rodeia. Ele é o que é, como já te disse antes, mas vocês vêem-no de perspectivas diferentes, em função do que sois, do que sentis, do que viveis, do que pensais.

Sim, sei disso. Sei também que a estrada da vida não é um percurso de linha reta em terreno plano. É antes uma escalada em terreno acidentado e sinuoso, na qual temos sempre alguém à nossa frente e gente atrás de nós, e dos nossos lados, do esquerdo e do direito. E, por ser uma escalada, o nosso olhar, enquanto subimos, está principalmente concentrado à nossa frente, procurando enxergar para lá das pessoas que vemos à frente, mas inevitavelmente o nosso olhar pousa sobre a pessoa imediatamente à frente, de quem vemos apenas os pés, as pernas e pouco mais. Este é o mundo de cada um, não é isso?

— Sim, já falámos sobre isso — respondeu a voz. — Porém, eu continuei, dizendo:

— Algumas vezes olhamos para trás e vemos o rosto e a expressão das pessoas que nos seguem, algumas das quais ultrapassámos no percurso, outras vezes olhamos à esquerda ou à direita, porém nunca vemos uma pessoa por completo, de tal maneira que ninguém conhece ninguém na sua plenitude ao longo do percurso da sua vida, mas somente uma pequena parte exterior. Essas pessoas são os membros do nosso lar, da nossa família, da nossa comunidade, da sociedade, do país e do mundo . Com elas nos relacionamos, com algumas mais directamente, com outras esporadicamente e com outras, provavelmente nunca .

Muito bem! — comentou a voz. — Tens algo mais a respeito?

— Sim, tenho! — respondi. — Nesta caminhada bastante dinâmica, as posições das pessoas mudam frequentemente. A única coisa que não muda é o facto de que todos caminham, uns mais rápidos do que outros, ultrapassando ou ficando para trás. Como todos vivemos no contexto do tempo, se o tempo não pára, então na verdade ninguém está parado nesse percurso .

Parei um pouco, à espera dos comentários, mas ela nada disse, e como eu ficara em silêncio, ela concluiu que eu havia terminado o que estava a dizer e, então, referiu:

— Devias dizer também, pois é a questão mais importante, que nessa caminhada vocês são os únicos responsáveis por vós mesmos, excepto quando sois crianças e estão sob o cuidado dos pais ou de outros encarregados, pois embora estejam todos a andar na mesma direcção, cada um segue o seu próprio caminho, cada um vê o percurso que faz de uma determinada maneira, em função de tudo o que absorveu e aprendeu ao longo do tempo de caminhada, nomeadamente as crenças que foram plantadas na sua mente, os paradigmas que formou, as mentalidades que gerou e as atitudes que reproduziu e aplicou na sua vida. Diferenciam-se nestes aspectos, mas o trajecto que percorrem é o mesmo e é único, apenas o vêem de diferentes maneiras .

Sim, é verdade. Tem razão. Já não me lembrava.

— Muito bem. Por isso, deixe de reclamar tanto, porque nem todos vêem o mundo da mesma perspectiva que tu, já que vocês são todos diferentes uns dos outros e, por isso mesmo, não podem ver o mundo de forma igual . Então, a forma como vêem o mundo e de como se vêem inseridos nesse mesmo mundo determina quem sois, porquanto vocês são aquilo que pensam que são a cada momento dos percursos das vossas vidas . Por outro lado, podem facilmente verificar que aquilo que vos diferencia na escalada não é certamente a cor da pele nem a beleza do vosso corpo, mas a forma como vêem e interpretam o Preview

ambiente que vos rodeia e de como idealizam aquilo que está para lá do vosso campo visual .

Não prestei muita atenção ao que me disse, mas mesmo sabendo disso, ela continuava a dizer-me coisas. Por experiência, sabia que estaria a preparar-me para uma discussão algo mais profunda, sobre um tema qualquer que só ela mesma conhecia . Nunca me revelava antes o assunto . Apenas o abordava conforme a sua vontade . Depois disso, fez-se um silêncio, não ouvi mais nada. Esperei por alguns segundos e percebi que se tinha ausentado ou já não queria dizer mais nada. Era engraçado. Quando eu queria que falasse, ficava calada; quando não queria a sua presença, lá estava ela com os seus sermões; sim, eram mesmo sermões, alguns deles até bastante ricos e proveitosos, ou mesmo todos eles. Mas parece que lhe dá gozo contrariar os meus desejos, a minha privacidade . Bom, na verdade também não sei bem, pois às vezes esqueço-me de que ele é apenas uma das minhas próprias dimensões. É verdade. Viver na condição de humano não é nada fácil. Duas dimensões que na maior parte do tempo estão em guerra, é difícil de gerir. Mas nada há a fazer. Felizmente, somos todos assim mesmo . Como diz a Escritura, no livro aos Gálatas “…Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis…”. Isso mesmo ela me mostrou e não deixo de pensar nisso . Conhecer a Preview

verdade, às vezes é “complicado” (termo que usamos para justificar o que não conseguimos entender ou explicar).

Na verdade, também desta vez ainda não consegui discernir o que me pretendia efectivamente dizer. Mas pronto, já estou habituado e consciente de que ele está sempre mais à frente, como se diz, e, por isso, nada a fazer. Meditarei nisso e certamente conseguirei interpretar tudo — pensava eu ser isso possível —, mas já haviam passado tantos dias e amontoavam-se as questões que não conseguia discernir ou interpretar .

Doutor Kiluanji, é a voz de que falei atrás e com a qual dialogo durante grande parte do meu tempo . Faz parte de mim mesmo, é quem representa a minha parte espiritual, a que me conecta ao Criador. O nome Kiluanji vem das dinastias lá de trás dos reis Ngola, e foi a partir deles que o meu espírito me foi designado. Sei pelo próprio espírito que é assim. Os meus irmãos começaram a chamar-me por Doutor Kiluanji e assim sou até agora. Mas não sou eu a minha parte carnal. Por isso, quando me chamam por Doutor Kiluanji, eu transfiro as credenciais para a minha dimensão do espírito e o bom é que ele próprio já se habituou ao nome, embora não concorde. Diz-me com frequência que o nome pelo qual me chamam é semelhante àquele que foi escolhido para mim no passado, aquando do meu nascimento. Mas que por enquanto, dizia ele, Doutor Kiluanji servia. E, porque nunca discordou, eu continuo a chamarPreview

-lhe por Doutor Kiluanji ou simplesmente Doutor. Ele é bastante enigmático na sua maneira de falar, mas lá nos vamos entendendo. Muitas são as coisas que me revela ou comunica . Algumas considero, outras tantas ignoro, mas de tempos em tempos chama-me à atenção para coisas por mim já esquecidas, de tanto serem ignoradas.

Devo reconhecer que tenho aprendido muito com ele e tem mesmo moldado a minha vida . Sinto-me uma pessoa diferente, a partir do momento em que comecei a interagir com ele, ou melhor, desde que comecei a discernir a sua presença na minha mente e a levar a sério aquilo que dele tenho escutado .

Enquanto reflectia nessas coisas, olhei para dentro do quarto e vi que a luz permanecia ausente, passados já cerca de quarenta e cinco minutos. Então continuei com os meus pensamentos a respeito do Doutor Kiluanji . Uma das primeiras coisas que me disse e que de tempos em tempos me recorda foi, para usar as suas próprias palavras, o seguinte:

— O sentido das vossas vidas é o resultado do valor que dão às coisas ou às circunstâncias que vos rodeiam, já que sois, por natureza, seres materiais ou carnais, não obstante a vossa essência ser espiritual, uma vez que foram feitos à imagem e semelhança de Deus, o qual é Espírito. E, como seres materiais, mais conectados à terra ou ao mundo físico são, na maior parte do vosso tempo, dirigidos pelos

impulsos do mundo exterior, através dos órgãos dos sentidos, os quais acabam por moldar a vossa forma de ser e o vosso destino, através dos pensamentos. O vosso grande problema é que, na maior parte das vezes, nem mesmo conseguem discernir o que efectivamente tem valor nas vossas vidas. Por isso é que sois escravos dos vossos maus pensamentos, que vos dominam, tornando-vos inevitavelmente naquilo que pensam que são. Vocês são maus por natureza, mas nem sequer conseguem perceber que a maldade faz parte de vocês.

Naturalmente, esta é uma das questões com as quais não concordo inteiramente . Contudo, para falar a verdade, também não discordo explicitamente, mas como sei que ele nunca força uma discussão, se me mantenho calado ele não insiste e trata de outras matérias; porém, devido ao seu carácter persistente, encontra sempre uma ocasião para voltar aos assuntos, como que tentando convencer-me a entrar num diálogo sobre as matérias em discordância. É, por exemplo, o caso do que ele me fala sobre a mentalidade .

Ele encontrava sempre o momento mais adequado para colocar as questões que ele entendia que mereciam abordagem. Assim, num dia em que me falava de algumas coisas, acabou por introduzir o assunto, enquanto discutíamos acerca do acto de pensar. Creio que nessa ocasião ele percebera em mim alguma preocupação relativamente a

um tema qualquer, de que já nem me recordo, para o qual deveria encontrar rapidamente uma solução adequada e, adivinhando o meu estado de alma, calmamente começou por dizer, como início de conversa:

— Segundo o vosso dicionário, pensar, significa “fazer uso da razão para depreender, julgar ou compreender” e isso pode ser feito conscientemente ou por indução inconsciente. Toda a vossa vida gira à volta da vossa faculdade de pensar, isto é, da vossa mentalidade, que significa, ainda segundo os vossos dicionários: “conjunto de opiniões ou de preconceitos que informam ou comandam o pensamento de um indivíduo ou de um grupo”. Por isso, a vossa forma de pensar determina quem vocês são.

Ok — ripostei — mas essa coisa de que a forma de pensar determina quem eu sou, não estou lá tão de acordo consigo . Eu penso em muitas coisas e nem por isso sou como tenho pensado .

Estás certo de que tens mesmo pensado, ou apenas imaginado, raciocinado, idealizado…?

Bom — disse eu, algo receoso — não me vai sugerir que consulte o dicionário para ver o que essas palavras significam.

— Claro que vou. Tu mesmo estás a sugerir, não? Estou apenas a reagir ao que disseste. Vais-te surpreender certamente. Eu ajudo-te, acrescentou: imaginar significa

“representar ou conceber na imaginação”, que é a tua capacidade de representar objectos, acontecimentos ou relações ainda não observados. Isso nada tem a ver com “pensar”; raciocinar significa “encadear pensamentos de forma lógica”. Embora possa também ser entendido como um sinónimo de pensar, não é a mesma coisa. Enquanto pensar representa um “acto”, que parte do desejo de concretizar algo em mente, raciocinar é um “processo” que junta vários pensamentos. Idealizar significa “projectar, no sentido de fantasiar”. Queres parar um pouco, para reflectires sobre a diferença entre pensar, idealizar, imaginar e raciocinar?

Antes mesmo de acabar de apontar o que me havia dito, eu disse: Preview

— Não! — disse eu com ansiedade. — Vamos continuar e esgotar este assunto sobre pensar .

— Ok — ripostou ele. — Deixa-me dar-te a minha definição do verbo pensar .

Ficou breves segundos em silêncio. Fiquei atento e, nesse espaço de tempo, peguei no bloco que já estava no local, bem como um lápis que aí colocara para este propósito e aguardei. Então ele continuou:

Para mim, pensar nada mais é do que a acção ou o movimento que leva à busca incessante da verdade.

— Mas essa é uma definição muito vaga e pouco esclarecedora!

Será? — perguntou ele. — Podes dizer-me o significado de verdade? Como a defines?

Bom… — hesitei um pouco. — Tentei buscar na minha mente o que eu entendia por verdade. Fiquei por uns segundos a reflectir a respeito, mas sem qualquer resultado consistente. Queria evitar consultar o dicionário. Então, meio inseguro atirei:

Deve ser tudo aquilo que podemos ver ou apreciar.

— Estás a definir realidade. Verdade é outra coisa.

Rendido, peguei no meu telemóvel, liguei os dados móveis e fui consultar o dicionário online de língua portuguesa da Porto Editora, e, surpreendentemente para mim (mas não para ele), encontrei a seguinte definição de verdade “conformidade entre o pensamento ou a sua expressão e o objecto de pensamento”. Fiquei admirado com essa definição. Isto significa que tenho confundido verdade com realidade? — perguntei-me. Nesse espaço de tempo, ele nada disse, como que aguardando que eu digerisse a informação .

E fiquei mesmo a reflectir ou a pensar, já nem sei, na definição do dicionário e a que ele me havia dado.

Concluí então que a realidade que se refere a um efeito é provocada por uma verdade, que é uma causa. O objecto de pensamento é sempre, ou quase sempre, um resultado, algo existente .

O próprio pensamento é a causa, a origem ou o fundamento .

Quando pensamos, buscamos causas para explicar o que vemos ou sentimos. Jesus usou inúmeras vezes o termo “em verdade”, que era a certificação da conformidade entre a causa e o efeito, entre a origem e o destino. Mas para o conceito de pensar creio que falta alguma coisa. Enquanto nisso pensava, ele reagiu.

Tens razão — disse ele. — O fundamento do pensamento é o desejo ou a aspiração a algo. Porque se não aspiras a nada, para quê pensar?

— Agora compreendo. — repeti como que para mim mesmo — Sim, agora compreendo. — Não ouvi uma resposta e, por isso, continuei a reflectir a respeito.

Dera-me conta de que já não estava comigo nesse momento. Na verdade, parece que ele tem razão afinal — pensei. Quando pensamos, procuramos identificar o que ainda não compreendemos, e isso leva-nos a investigar, a estudar, e então a aprender. É isso! Pensar incita-nos a aprender, para que possamos entender melhor as coisas e assim resolver os problemas na base do conhecimento

concreto e não abstrato. Henry Ford dizia: “Pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele”. Porque pensar leva à aprendizagem. E aprender, pelo que já vi no dicionário, tem dois significados interessantes: “tornar-se hábil (em)” e “tornar-se capaz (de) pouco a pouco”. Isto dispensa qualquer explicação.

Permaneci em silêncio por uns instantes, arrumando as ideias sobre o que tinha percebido, mas continuei confuso em relação ao conceito que o Doutor formulara sobre a busca incessante da verdade . O dicionário fala em conformidade, mas ele vai muito mais além e fala mesmo da busca dessa conformidade . Talvez não haja contradição nenhuma. O que é mesmo certo é que, afinal tenho de consultar o dicionário mais vezes. Continuei a pensar no assunto e, como é meu hábito, procurei lembrar-me de algo nas Escrituras Sagradas que me levasse a um maior ou melhor entendimento dos conceitos, para além do inestimável dicionário. Já sei que o pensamento é o resultado consolidado do acto de pensar, o qual, como já referido, pode ser consciente ou induzido. Quando é consciente, isto é, quando há um fim em mente, normalmente resulta em invenção ou inovação. Porém, quando ele é induzido por meios externos, normalmente resulta em imitação . Devo reconhecer que muitos de nós vivem de imitação em imitação, de tal maneira que se tornam altamente previsíveis e vulneráveis à manipulação. Não só deixamos de Preview

pensar, mas também adoptamos pensamentos alheios, assumindo-os como nossos e verdadeiros e, não poucas vezes, os defendemos acirradamente . Mas o pensamento consciente leva-nos a um questionamento permanente, começando por conduzir-nos ao que é verdadeiro. Ou seja, a verdade está ligada ao pensamento .

— Ainda bem que disseste isso. Vamos abordar as três formas de pensar que vos caracterizam, nos percursos das vossas vidas .

— Formas de pensar? Tipos de pensamento?

— Sim, claro. Tipos de pensamento, como estás a dizer.

Queres conhecê-los?

É evidente que sim.

— Está bem. Escuta. Já vimos que os pensamentos podem ser conscientes ou induzidos .

— Sim, já vimos isso.

— Então, os tipos de pensamento são: i) repetitivo ou reprodutivo; ii) reflexivo ou meditativo, e iii) dedutivo ou revelador. Vamos defini-los?

Claro! Não entendi nada.

— Sim, ainda não expliquei. Como podes imaginar, o repetitivo é aquele que apenas serve para reproduzir aquilo sobre o qual se detém a atenção, como no estudo

da história, por exemplo, ou quando se repetem palavras de ordem sem mesmo se atentar no seu conteúdo. Estás a perceber?

Sim, perfeitamente. É o simples decorar.

— Isso mesmo. Percebeste bem. O reflexivo ou meditativo é aquele que busca o porquê das coisas, visando um fim em mente. É este o pensamento que tudo questiona em busca da verdade. Pois, como também deves entender, só a verdade constitui a resposta certa.

Sim, esse pensamento é induzido, tornando a pessoa vulnerável à manipulação, aceitando pensamentos alheios . Percebi . Obrigado . Preview

Então, a verdade não é uma questão de perspectiva. É uma conformidade. Estou a perceber.

— Verdade é sempre verdade e nada pode estar contra a verdade! Mas continuemos. O pensamento dedutivo ou revelador tem a ver com…

Interrompi a sua explanação para dizer:

Tem a ver com a resposta ao pensamento reflexivo. É isso?

Perfeitamente! — confirmou o Doutor.

Então, o pensamento repetitivo é inútil?

Responde tu mesmo. Estavas a pensar nisso.

— Bom, não é assim totalmente. Há sempre um lado positivo nesse tipo de pensamento. O Livro de Provérbios diz algo a respeito disso .

— Não estou a perceber. Fala sobre o pensamento repetitivo? Como e onde?

— Calma! Veja em Provérbios 29.

Procurei a passagem referida, fiz uma leitura rápida à procura do que poderia ser o que o Doutor referira, e eis que encontrei o texto que diz:

“Não havendo profecia, o povo perece; porém o que guarda a lei, esse é bem-aventurado”. A profecia é um pensamento repetitivo?

Para quem a recebe, sim. Essa é a sua definição “predição do futuro por inspiração divina”. Até que a predição se concretize, esse pensamento é repetitivo.

— Está bem. Mas o que tem isto a ver com a forma de pensar?

Uma profecia levar-te-á a ter algo em mente, conduzindo-te ao pensamento reflexivo, de que resultará o pensamento dedutivo, que, por sua vez, te levará à acção. Não achas?

— Bem — hesitei —. Não estava a alcançar a sua perspectiva. Nem mesmo agora estou, confesso.

— Concentra-te. Estamos a falar da maneira de pensar, ou seja, da mentalidade. Uma vez mais te digo que vós sois o que pensais. Ainda temos algo sobre o pensamento reflexivo, mas por agora deixo-te com as tuas reflexões.

Sabia que haveria coisa séria mais adiante e, tinha de me preparar. Muitas das coisas que me disse não entendi ainda, mas sei que continuaremos a falar a respeito.

Enquanto reflectia, relembrei a passagem de Filipenses, que no capítulo 4 diz: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”. Essa passagem indica-nos não só no que deveremos dedicar os nossos pensamentos, mas também, e essencialmente, o conteúdo do acto de pensar. O Doutor tem razão .

Tão absorto estava eu ainda nos meus pensamentos, que nem me dei conta da presença dos meus inimigos nocturnos, os mosquitos, que começavam a zumbir aos meus ouvidos, como que a declarar a hora da sua alimentação, informando-me de que não me poupariam caso não me ausentasse do local em que me encontrava. Então levantei-me e entrei novamente para o quarto, dando-me conta de que afinal a energia havia regressado, para minha alegria.

Nessa noite realizei tudo o que previra ao chegar a casa e, cansado, deitei-me já passava das vinte e três horas, sem Preview

antes fazer uma reflexão sobre os motivos que me levaram a escrever o que venho escrevendo.

É certo que a principal questão se prende com a necessidade de compreendermos a nossa mentalidade ou forma de pensar, partindo do pressuposto, com o qual concordo, de que “se continuarmos a pensar e a agir como temos feito até agora, jamais poderemos esperar resultados diferentes”, pois acredito que os nossos sucessos ou insucessos na vida dependem da nossa forma de pensar, da forma como vemos o mundo e de como nos vemos dentro dele, e não de meros acasos, destino ou azares. Acredito que se não estamos satisfeitos com aquilo que somos hoje, não procuremos as causas longe de nós, mas comecemos por analisar a nossa forma de pensar, a nossa mentalidade .

E o que me motiva a fazê-lo é o desejo de partilhar tudo aquilo que aprendi ou pude observar ao longo da minha própria caminhada, em especial da oportunidade e do privilégio que tive e continuo a ter, de trocar ideias, conhecer expectativas, temores e ansiedades, com pessoas que se encontravam e outros que se encontram nos mais altos postos da direcção política do meu País, levando-me a adoptar uma nova postura, de buscar o “porquê das coisas” e a não deixar-me levar apenas por aquilo que os meus olhos mostram e os meus ouvidos captam .

De igual modo, muito me interessa o tema da mentalidade de escravo, pois permite, em minha opinião, explicar

o porquê de nós, os africanos em geral, pensarmos e agirmos de maneira muito similar .

Este assunto, no entanto, não tem a ver só com africanos ou com a raça negra, mas também com povos e pessoas que estiveram durante muito tempo sujeitos à dominação em regimes de escravatura e de colonialismo bem como, no actual mundo chamado moderno, a regimes ditatoriais ou totalitários, sistemas esses que criaram grandes dores ou desconfortos, resultando em estados permanentes de medo, a principal causa da mentalidade de escravo, segundo a minha opinião .

Incluem-se também os indivíduos que por longos períodos de tempo estiveram sob dominação de outras pessoas causando-lhes dor ou desconforto .

Neste sentido, posso concluir que a questão não é ser-se branco, preto ou amarelo, como muitas pessoas tentam fazer crer e com isso defender a teoria da superioridade da raça branca relativamente às demais, mas apenas a forma como pensamos, como vemos o mundo que nos cerca e como nos vemos dentro desse mesmo mundo .

Importa ainda referir que os argumentos que apresento estão essencialmente baseados nas Escrituras Sagradas (a Bíblia cristã) bem como nas experiências da minha própria caminhada . O dicionário de língua portuguesa sustenta a maioria das definições que indico.

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