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Inovação
Otermo inovação entrou para valer na agenda de desenvolvimento do país em 2001, marcado pela realização da 2a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Ou seja, são mais de 20 anos de políticas públicas que buscam fazer com que as atividades de inovação sejam essenciais para uma parcela relevante das empresas situadas no país.
Perguntei então ao ZapGPT, para identificar o entendimento comum sobre o tema:
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O que é inovação? Inovação pode ser definida como o processo de introduzir novas ideias, produtos, serviços, processos ou modelos de negócio com o objetivo de melhorar ou transformar uma determinada área. É um conceito muito importante para o desenvolvimento social e econômico, pois permite que as empresas e organizações se adaptem às mudanças do mercado e às necessidades dos consumidores. A inovação envolve muita criatividade e experimentação, e muitas vezes requer investimentos em pesquisa e desenvolvimento para alcançar resultados satisfatórios.
A resposta tem pontos que considero mitos.
Por exemplo, inovação não contempla a introdução de novas ideias: isto se trata de invenção. Quando a inovação envolve novos produtos/serviços, ela passa obrigatoriamente por um processo de desenvolvimento, em que criatividade é essencial na fase inicial, mas atrapalha quando se está na fase de detalhamento e testes do desempenho do produto/serviço: aqui o que importa é seguir procedimentos robustos e que permitem pouca variação do padrão.
Então, o que é inovação? Eu acredito que a melhor definição é a apresentada no Manual de Oslo da OCDE, principalmente quando se trata de fazer comparações entre países e localidades. Segue então a versão da quarta edição (2018) em inglês:
An innovation is a new or improved product or process (or combination thereof) that differs significantly from the unit’s previous products or processes and that has been made available to potential users (product) or brought into use by the unit (process).
Em uma tradução livre: inovação é um produto ou processo (ou combinação deles), novo ou melhorado, que difere significativamente dos produtos ou processos existentes da unidade, que foi disponibilizado para potenciais usuários (produto) ou colocado em uso na unidade (processo).
Aqui é preciso enfatizar que o termo “produto” é agora usado no seu sentido mais amplo, que considera bens e serviços. Na resposta do ZapGPT se considera apenas o significado de bens. E o termo “unidade” se refere ao ator responsável pela inovação, sem entrar no mérito se é uma empresa, organização sem fins econômicos, entidade governamental, uma família, uma pessoa, etc.
Para deixar mais explícito do que se trata a “inovação” da agenda de desenvolvimento de um país, ao invés de algo com significado genérico de “ser feito de forma diferente”, o Manual de Oslo introduz uma outra definição. Agora se usa o termo
“business innovation”, que vou traduzir como “inovação econômica”: é um produto ou processo de negócio (ou combinação deles), novo ou melhorado, que difere significativamente dos produtos ou processos de negócio existentes da empresa, que foi introduzido no mercado ou colocado em uso na empresa.
São pontos importantes dessa nova definição:
1) Os processos são aqueles relacionados ao negócio, à operação da pessoa jurídica, desde aspectos financeiros até os de logística, passando por gestão, comercial e manufatura, entre outros.
2) Os usuários passam a ser tratados como parte do mercado.
3) A introdução da inovação no mercado pode ser tanto de produtos quanto de processos, ou seja, está contemplado o licenciamento do uso de processos para gerar faturamento, por exemplo.
Por outro lado, é importante enfatizar que:
1) A inovação que tem resultado na geração de riqueza em um país, e possibilita a melhoria do bem-estar social da sociedade, é algo que precisa ter repercussão na sociedade, seja por meio das pessoas que compõem o mercado ou de pessoas jurídicas mais produtivas.
2) A inovação precisa representar algo concreto que possa ser utilizada pelas pessoas no dia a dia; o que exclui ideias, mesmo que estejam descritas como patentes, por exemplo.
3) O objetivo da inovação econômica está subtendido como sendo a viabilização de benefícios financeiros e econômicos para a empresa, seja por meio do aumento do faturamento gerado no mercado, ou por meio da melhoria da margem dos negócios realizados por se usar melhores processos, por exemplo.
Atenção que a questão dos ganhos financeiros pode ser questionada, e/ou usada para justificar que essa definição não é adequada para o ambiente social, assim como para instituições sem fins-lucrativos ou públicas.
Eu costumo enfatizar que toda pessoa, física ou jurídica, busca gerar uma poupança, um superávit, gastar menos do que recebe para poder investir, especialmente no longo prazo. E que isso é bem diferente de lucro, que se trata do resultado de uma operação de contabilidade utilizada por empresas, que é feita posteriormente à obtenção do superávit. Uma organização sem fins lucrativos não precisa entrar nesse mérito contábil, mas uma boa gestão busca sim um superávit; é preciso ter margem positiva para expandir a ação social para “quem quiser e precisar”, e isso significa ter processos que levem a menores custos (margem) e também promover iniciativas (produtos) que gerem mais doações (faturamento), por exemplo. Algo similar acontece em instituições públicas, como as universidades ou institutos de pesquisa federais e estaduais, em que o superavit vem do melhor uso (margem) dos recursos públicos do orçamento, assim como de recursos extras (faturamento) provenientes de projetos em parceria (produtos) com o setor empresarial.
Um último ponto: eu gosto, para o caso de empresas, da descrição sucinta de que inovação é “mais e melhores notas fiscais”; nota fiscal denota que a empresa está operando dentro do regime formal, e que o objetivo da inovação é trazer mais faturamento e melhores margens. No caso de organizações sem fins-lucrativos e instituições públicas, é preciso buscar outro(s) indicador(es) que não seja nota fiscal, mas a descrição continua valendo se o substantivo for trocado por algo mais adequado.
Falar de inovação para um público acadêmico, entretanto, requer também falar de pesquisa. E por isso fiz uma segunda pergunta ao ZapGPT:
Pesquisa é inovação? A pesquisa é uma importante ferramenta para a inovação e está frequentemente relacionada a ela, pois é por meio dela que novos conhecimentos são gerados e novas ideias surgem. É a partir dos resultados das pesquisas que novas tecnologias, produtos, serviços e processos podem ser desenvolvidos e aprimorados, oferecendo soluções mais eficientes e eficazes para os desafios enfrentados. Portanto, a pesquisa pode ser considerada um componente essencial do processo de inovação, mas é importante lembrar que outras habilidades e recursos são necessários para colocar as ideias em prática e transformá-las em inovação real.
Esta resposta também tem pontos que considero mitos.
Assim, pesquisa certamente gera novos conhecimentos, mas novas ideias surgem da criatividade, usando qualquer conhecimento disponível. Desta forma, pesquisa é sim um componente importante do processo de inovação, mas não é essencial: é possível criar inovação sem pesquisa, apenas utilizando bom senso, como quando se introduz novos processos de negócios na operação.
Uma boa base para conversar sobre pesquisa é usar os quadrantes de Stokes. Ali se faz a distinção entre 3 tipos de pesquisa: movida a curiosidade, inspirada por uso, e movida a aplicação. A primeira, realizada com foco no avanço do conhecimento e seus fundamentos, é o que se costuma chamar de pesquisa básica científica. A segunda já é feita por alguma motivação de aplicação, definida dentro da própria academia, que pode ser (ou não) algo realmente percebido como necessário pelas empresas que praticam a inovação econômica. A última tem origem em necessidades expressas por empresas, considerando sua estratégia de competitividade e perpetuação, tipicamente em projetos em parceria. Todas elas estão centradas na busca de novos conhecimentos, e no entendimento do “por quê” dos fenômenos envolvidos.
O que normalmente falta enfatizar é que pesquisa não é desenvolvimento de produto/serviços. O foco no desenvolvimento é criar algo que atenda as necessidades do mercado e usuários; é transformar conhecimento (novo ou existente) em recursos financeiros/econômicos por meio de faturamento e/ou melhores margens. No caso de uma aeronave ou automóvel, desenvolvimento é engenheirar uma solução que tenha o desempenho requerido pelo mercado, bastando que funcione bem, sem ser necessário o entendimento profundo dos fenômenos envolvidos.
Vale reforçar que mesmo a pesquisa aplicada não é desenvolvimento; ela objetiva o entendimento de como o uso de um determinado conhecimento irá afetar o comportamento ou desempenho do produto que incorporar esse conhecimento; a sua justificativa é permitir que o tomador de decisão faça a melhor escolha do que usar no produto, principalmente no momento em que esse produto estiver sendo concebido, quando se transforma a vontade do mercado em algo concreto que atenda a essa vontade.
É também necessário enfatizar que não existe uma relação linear entre pesquisa e inovação, apesar de ser comum encontrar esse entendimento na sociedade. Falando de outra forma, o fato de uma pesquisa inspirada em uso gerar resultados interessantes, não significa que dali sairá naturalmente uma inovação; os motivos para isso podem ser muitos, inclusive que pode não existir viabilidade econômica para fazer a transformação por falta de soluções para a produção em escala.
Outro ponto é que pesquisa aplicada costuma envolver conhecimento novo apenas para a empresa, ou seja, conhecimento que já tem aplicação robusta em outras empresas ou países. Um exemplo deste último caso é quando uma empresa fornecedora de peças ou ferramentais, que utiliza essencialmente um processo de erro e tentativa no desenvolvimento, decide incorporar a capacidade de simulação no seu trabalho.
O resumo de tudo o que está escrito aqui é que a política pública de CT&I no Brasil deveria ser dividida entre uma política de C&T e outra de Inovação. As duas precisam ser complementares, mas juntar as mesmas significa na prática priorizar apenas uma delas, e o resultado tem sido que inovação tem tido pouco apoio real. Quem sabe se o movimento atual de criar políticas públicas “movidas a missão” consegue concretizar essa transformação.
Expert em inovação, intraempreendedor, pesquisador. Foram 26 anos na Embraer, 2 na Vale, e 4 no IPT, passando pela presidência da ANPEI e participação em diversos Conselhos e Comitês de órgãos de CT&I.
